“Mas será que o professor de Khubaru poderia descobrir quem era esse homem? E como ele faria isso?”
— Como ele saberia? Através de alguma adivinhação? Mas isso não é tudo falso? E, além disso, por que você não contou antes, se o seu professor poderia fazer isso? — Judith disparou várias perguntas com seu temperamento quente.
Ninguém, nem mesmo Brett, o ‘domador’ de Judith, tentou interrompê-la, pois todos pensavam o mesmo. Airen sabia bem que nem todos os adivinhos eram falsos, como Khubaru. a gata feiticeira Lulu já havia provado que seres sobrenaturais existiam, então não seria estranho se houvesse um adivinho habilidoso.
“Pensando bem… aquele bilhete que Khubaru me deu pela primeira vez também era estranho, refletiu Airen.”
Mas ele também estava curioso para saber por que Khubaru nunca mencionara seu professor até agora. Olhou para o orc adivinho com curiosidade, e logo Khubaru abriu a boca.
— Para ser honesto… eu não tive coragem de ver meu professor até agora — admitiu o orc.
— Por quê? — perguntou Airen.
— Meu professor vive na região orc mais próspera, e há uma pessoa lá com quem eu não tenho um bom relacionamento… Não, não é bem isso. De qualquer forma, essa pessoa não me quer lá.
— E sei que isso é covarde, mas não consegui me convencer a ir até lá — murmurou Khubaru com uma expressão amarga.
Ele falou de forma desordenada, algo incomum dado o seu costumeiro domínio verbal, mas era fácil perceber como ele se sentia.
“Então é por isso que ele vagava pelo continente…”, pensou Airen.
Airen nunca imaginou isso, pois Khubaru sempre liderava o grupo com entusiasmo. O orc nunca parecia ter preocupações, dúvidas ou tristezas. Airen até sentia uma pontinha de inveja ao ver o orc viajando pelo mundo como se tivesse superado todos os problemas. Mas isso não era verdade. Khubaru apenas escondia seus sentimentos. Ele também tinha sua história.
Airen sentiu pena, mas também gratidão. Percebeu que isso provava que Khubaru compartilhou sua história porque estavam mais próximos do que antes. E isso, por sua vez, trouxe energia positiva para Airen.
Mas isso sozinho não era suficiente para entender completamente a situação de Khubaru. O orc havia contado muito sobre si, mas não o mais importante. E, mais uma vez, Judith tomou a iniciativa, gritando com frustração.
— Então, esse cara… ele é um orc? — perguntou Judith.
— Sim, um orc — respondeu Khubaru.
— E quem é esse orc? Ele é mau? É forte? Por que você tem tanto medo dele?!
Judith tinha um pouco de irritação na voz. Não era uma má ideia visitar um adivinho habilidoso. Mesmo achando Khubaru um adivinho ‘falso’, ela concordava com sua filosofia de adivinhação: guiar alguém em dúvida, dar-lhes tempo para se cuidar e reunir forças para seguir em frente. Nesse sentido, Judith estava certa de que conhecer o professor de Khubaru ajudaria Airen e ela.
“E provavelmente também ajudaria Illia”, pensou Judith.
Mas aquilo ainda parecia muito vago. Judith queria treinamento que a ajudasse diretamente com sua esgrima. Preferia ir ao Túmulo do Diabo de Sangue Fresco para buscar traços de um herói antigo, pedir ao ex-campeão Ricardo Pinto para conhecer seu pai, o Mestre Espadachim Harrison Pinto, ou até voltar a Lathion e buscar orientação, mesmo que tivesse que arrombar as portas da academia. Comparado a isso, visitar o professor de Khubaru parecia incerto demais. Mas sua opinião mudou rapidamente ao ouvir o que Khubaru acrescentou.
— Ele não é uma pessoa ruim. Na verdade, ele é incrível… Embora eu não esteja em posição de dizer isso — disse Khubaru.
— Ai, céus, o que deu em você hoje? Por que você não consegue simplesmente dizer logo…
— Mas acho que posso responder à sua última pergunta. Ele é forte. Muito forte. Ele provavelmente… é mais forte que todos vocês juntos.
Isso foi surpreendente. Dizer ‘todos juntos’ significava incluir os maiores gênios da Geração Dourada, a 27ª Turma da Academia Krono, todos espadachins extremamente talentosos. Mas mais forte do que os quatro combinados? Todos ficaram em silêncio. Mas quando ouviram quem era, assentiram. Judith até saltou de sua cadeira e gritou.
— Ótimo. Vamos lá, então!
— Tem certeza? Quero dizer, eu queria que vocês me ajudassem, mas…
— Se estou bem com isso? Claro que estou! Os velhos de Lathion ou as renomadas famílias de espadachins não querem nos enfrentar, então temos que aproveitar a chance de conhecer alguém tão forte! Vamos! Vamos lá, custe o que custar! — gritou Judith.
Khubaru olhou da empolgada Judith para os outros, parecendo apreensivo, algo incomum para ele. Airen o encarou e assentiu com um sorriso.
— Devemos ir — disse Airen.
— Não é uma má ideia — disse Brett.
— Estou bem se todos estiverem de acordo… — disse Illia.
— Uau! Vamos para a terra dos orcs? Nunca estive lá! Que demais! Não tem muitas frutas de Taihoi lá? Boa! Eu adoro! — gritou Lulu, girando no ar.
Todos, incluindo Lulu, aceitaram o pedido de Khubaru de bom grado. O orc adivinho ficou em silêncio por um momento, engoliu as emoções e agradeceu ao grupo.
Mas Khubaru ainda não havia terminado. Após recolher seus sentimentos, ele contou sua história detalhada ao grupo, e todos assentiram novamente. Ele tinha um sorriso complicado, mas contente no rosto.
Assim, decidiram que o próximo destino seria Durcali, a maior cidade orc na parte noroeste do continente. Todos antecipavam a nova jornada que estava por vir.
Illia Lindsay havia se juntado ao grupo, e eles decidiram o próximo destino a pedido de Khubaru. Com tudo resolvido, todos tiraram um tempo para se despedir dos amigos que fizeram em Aisenmarkt.
— Hã? Do que você está falando? Que amigos? Vocês têm amigos que vivem aqui? — perguntou Judith.
— Tola. O problema é você, que não fez nenhum amigo depois de morar aqui por quatro meses — respondeu Brett.
— Haha, Brett e eu fizemos alguns amigos enquanto bebíamos. Precisamos nos despedir deles — disse Khubaru.
— Ugh, é porque você ficou presa na academia a vida toda, ou é só porque é uma solitária…? — provocou Brett, balançando a cabeça.
— Ah, quer morrer? — Judith rosnou.
Brett e Khubaru tomaram mais uma bebida com as pessoas que conheceram.
— Muito obrigado, meu amigo. Não quero nem pensar no que poderia ter acontecido se você não tivesse me encontrado — disse Grayson.
— Obrigado. Muito obrigado. Foi o melhor momento da minha carreira como jornalista! — disse Heintz.
— Venha me visitar da próxima vez. Vou mostrar o estilo de esgrima John Drew aperfeiçoado. Ah, e… pode avisar a Lulu que ela não precisa me dar tanto dinheiro da próxima vez? É demais… — disse John Drew.
Airen passou seus últimos dias em Aisenmarkt com os amigos que o ajudaram. Enquanto isso, Illia passou tempo com uma pessoa próxima a ela.
— Obrigada, Emma — disse Illia.
Diferentemente de Airen, Brett e Khubaru, ela não fez amigos na cidade. Mas isso não significava que não tinha ninguém próximo. Sua cavaleira guardiã, Emma Garcia, cuidou dela e esteve presente o tempo todo. Era tarde, muito tarde, na verdade… mas Illia precisava se desculpar e agradecer.
— Eu fui uma tola — disse Illia.
— Estava obcecada com o julgamento das pessoas enquanto ignorava quem estava ao meu lado tentando me guiar pelo caminho certo…
— Não há necessidade de se desculpar, minha senhora — respondeu Emma, balançando a cabeça com entusiasmo.
Seus olhos já estavam marejados de lágrimas. Ela estava grata pelas palavras de Illia, mas sentia ainda mais gratidão ao vê-la muito mais confortável do que estivera nos últimos anos.
— Vou vê-la quando voltar para casa. Não se preocupe comigo. E diga aos meus pais que sinto muito e que sou grata a eles. Vou me reerguer… e voltar para eles em breve.
— Por que eu me preocuparia com uma mestre espadachim? Você deveria se preocupar comigo, minha senhora. O mestre pode me rebaixar de cavaleira se me vir voltando sem cumprir meu dever como guardiã — disse Emma.
— Hã? Sério?
— Estou brincando, claro.
— Emma…
— Mas ele com certeza vai ficar bravo comigo.
— E isso não tem problema, minha senhora.
Emma deixou de lado todas as dificuldades com algumas poucas brincadeiras. Então, lentamente, mas com delicadeza, abraçou Illia. Era um gesto rude para uma serva, mas Illia nada disse. Apenas sentiu o carinho em silêncio.
— Vá com eles, seus bons amigos… e volte depois de se tornar uma cavaleira ainda maior, uma espadachim ainda melhor. Estarei torcendo por você, minha senhora.
— Eu farei isso…
Illia deixou a mansão onde viveu por quase um ano.
Emma observou sua senhora desaparecer com uma expressão triste, mas repleta de felicidade. Depois que Illia desapareceu completamente, ela orou por muito tempo pela bênção de sua jovem senhora.
Quatro dias após os quatro ex-aprendizes de Krono se reunirem, terminaram de se despedir dos amigos que fizeram em Aisenmarkt e deixaram a cidade. Várias pessoas relacionadas aos anéis de gladiadores, incluindo a administração da Terra da Provação, imploraram para que ficassem, mas não adiantou.
— Adeus, amigos! Vivam bem e felizes por muito, muito tempo!
Com Lulu sendo a última a se despedir, jogando pedaços de salmão para seus amigos gatos que vieram vê-los partir, o grupo de Airen Farreira deixou completamente os limites da cidade.
Khubaru sentiu-se orgulhoso ao olhar para os quatro à sua frente.
“Não há um grupo mais jovem e forte do que o nosso no mundo.”
E isso era verdade. Dois dos quatro espadachins eram do nível ‘mestre’, o sonho de qualquer espadachim, e os outros dois eram alguns dos especialistas mais fortes do mundo. E todos tinham, em média, vinte anos, o que certamente impressionaria qualquer um.
“E eles não são apenas fortes.”
Khubaru lembrou-se do que havia observado nos últimos quatro meses, ou melhor, durante toda sua jornada com eles.
Brett Lloyd sempre manteve a cabeça fria, seguindo seu caminho de forma firme e serena. Judith era como uma chama imensa e apaixonada, que transformava até as situações mais desesperadoras em combustível para seguir em frente. Illia Lindsay, que também enfrentara situações difíceis, finalmente encontrara uma maneira de trilhar o caminho certo.
E, por último…
“Airen Farreira… aquele que nunca foge de dificuldades ou sofrimentos, enfrentando-os de frente e os superando…” Khubaru pensou, então riu.
Ele percebeu que não esperava por isso ao se juntar à jornada de Airen. Achava que estava ali para ver esses jovens crescerem, mas, na verdade, aprendeu com eles. Se não fosse por eles, Khubaru continuaria vagando pelo continente para sempre, sem coragem para voltar para casa.
— Khubaru!
— Hmm? O que foi?
Judith o chamou, e ele se virou para ela. Com um sorriso, ela disse:
— Já que estamos levando você para lá, é como um trabalho de mercenário, não é?
— Ah, acho que você pode dizer isso. Foi um pedido, mas sim… — respondeu Khubaru.
— É a mesma coisa. Então decidimos guiar você até chegarmos a Durcali.
— Hã?
— Estou dizendo que você pode descansar enquanto cuidamos de tudo durante a viagem.
— Ah… tem certeza?
Khubaru perguntou, surpreso. Ele vinha cuidando de tarefas menores durante a jornada, pois esse era seu papel como guia. Mas ouvir que eles assumiriam até mesmo essas tarefas o deixou muito grato.
No entanto, essa gratidão não durou muito. Exatamente um dia depois…
“Não seria melhor se eu mesmo fizesse isso?”
O grupo virou uma bagunça, e Khubaru pensou que talvez fosse melhor reassumir suas funções.