“Eles parecem mais fortes do que qualquer especialista que eu já vi.”
“Será que só parecem jovens? Como podem ser tão jovens com essa habilidade?”
“Não aparentam mais do que seus vinte e poucos anos…”
“O que está acontecendo?”
Os mercenários não conseguiam fechar suas bocas, tamanho o choque, mas não compreendiam a verdadeira extensão das habilidades de Airen e Illia. Airen fitou Illia e então disse calmamente.
— Você tornou o primeiro ataque óbvio de propósito?
— Sim. O segundo foi o verdadeiro — respondeu Illia.
— Hmm…
As pessoas ficaram confusas ao ouvir a conversa. A espadachim de cabelos prateados atacou com uma velocidade que elas nem conseguiam acompanhar, mas o jovem loiro disse que era óbvio, e ela concordou. Isso era incompreensível para eles. Mas havia ainda mais complexidade na interação entre aqueles dois mestres espadachins.
“Ela usou meus olhos que veem a aura. Simplificou sua utilização da aura e a tornou aparentemente complicada para me enganar.”
Espadachins iniciantes não conseguiam interpretar os ataques de seus oponentes, pois estavam muito ocupados focando em si mesmos. No entanto, à medida que melhoravam, entender as intenções do adversário e encontrar suas fraquezas se tornava vital. Airen aprendeu isso com John Drew, e agora conseguia identificar os movimentos do oponente apenas observando os músculos, os olhos e os ângulos dos pés. Porém, Illia usava até mesmo a ‘utilização de aura’ para adicionar complexidade aos seus movimentos.
— Tenho certeza de que foi direto, como você viu, mas meu pai dizia que também podia compreender o movimento da aura do oponente — comentou Illia.
— Ao despertar os sentidos?
— Provavelmente. Ele dizia que mestres espadachins altamente habilidosos são muito sensíveis e tendem a tentar enganar seus oponentes com suas auras.
— Vou levar isso em consideração da próxima vez — respondeu Airen com um aceno.
“O que eles estão dizendo?”
“O que isso deveria significar?”
Os mercenários ficaram frustrados ao ouvir a conversa. Aqueles dois espadachins estavam em um nível muito superior ao deles, e as palavras que trocavam tinham um valor inestimável. Contudo, como não conseguiam entender nem metade do que era dito, isso os deixava irritados. Claro, isso não tinha nada a ver com Illia e Airen, que continuaram o duelo.
— Hmph.
Airen bloqueou o ataque de Illia, que descia com ainda mais velocidade, e respirou fundo para focar. Ele achou que seria mais fácil lidar com a oponente agora que entendia o que ela estava fazendo, mas estava enganado. Ela era mais rápida em usar movimentos falsos com a aura do que ele era em julgar com os olhos. Para resolver esse problema, ele precisaria de duas coisas: experiência em combates desse tipo e sentidos aguçados para reconhecer a aura do oponente antes de vê-la. No entanto, ele não podia fazer nenhuma das duas coisas no momento, então apenas sorriu. O fato de ter muito mais a aprender, mesmo sendo um mestre, o deixava feliz.
— Ugh!
Illia encontrou uma brecha e acertou um golpe, mas Airen continuava sorrindo, como se estivesse se divertindo, o que a deixava desconfortável.
“Ele mudou”, pensou Illia.
Airen não era assim na época da academia. Ela sempre o considerou admirável por não se importar com a opinião dos outros e seguir em frente, mas nunca imaginou que ele não tivesse paixão pela espada. Então, vê-lo agora, parecendo desfrutar de um novo entendimento sobre a arte da esgrima, foi um choque para ela.
“E quanto a mim?”
Ela se questionou inúmeras vezes desde que perdeu na Terrra da Provação. Mas ainda não tinha uma resposta. A Illia que um dia amou a esgrima havia desaparecido, restando apenas alguém que seguia à deriva, sem saber para onde ir. Esse dilema a consumia. Seus ataques ainda eram ferozes, mas Airen não deixava escapar nenhuma abertura.
— Ugh…
Illia deixou escapar um gemido. Ela atacou sem falhar na execução, mirando exatamente onde pretendia, mas, ao acertar o oponente, sentiu um peso incompreensível, como se tivesse atingido uma estátua de aço. Illia recuou com a mão latejando devido ao impacto, enquanto Airen preparava-se para contra-atacar e partiu para uma série de golpes.
Desta vez, ele não parecia tão pesado quanto antes, mas a mão de Illia ainda doía, forçando-a a se manter na defensiva por algum tempo. Ela sempre vencera Airen nos duelos desde o campeonato, então essa situação a surpreendeu.
Mas isso não durou para sempre. Illia sentiu sua mão se recuperar, voltou a atacar para pressionar Airen, e então recuou.
— Acho que já foi o suficiente — disse ela.
— Certo.
— O que você fez agora há pouco?
— Ah, endureci meu corpo inteiro com a aura.
— Seu corpo inteiro?
— Sim. Transformei-me em um gigante de aço. Mas é difícil fazer isso enquanto me movo, então usei para me defender.
Especificamente, Airen copiou o homem do sonho que havia desaparecido. O homem era mais durável e pesado do que qualquer outro que Airen já havia conhecido. Mesmo depois de adquirir o coração flamejante, ele não precisava afastar a imagem daquele homem feito de aço. Agora, ele podia controlar o metal com seu fogo, e acreditava que isso tornava possível essa aplicação.
— Interessante. Vamos falar mais sobre isso — disse ela.
— Claro.
Os dois se sentaram e começaram a discutir o duelo, como se nunca tivessem trocado ataques tão intensos. Conversaram sobre a utilização da aura, endurecimento, o uso do elementalismo, seus sonhos e outros assuntos. Os mercenários, sem entender uma única palavra, pareciam decepcionados.
“Preferimos vê-los lutar do que ouvi-los falar de algo que não conseguimos compreender! Queremos ver a ação, mesmo que não possamos entender o que estão fazendo!”
Todos estavam com esse pensamento quando Judith desembainhou sua espada e se levantou.
— Brett, levante-se — disse ela.
— Eu?
— Sim, você.
Brett levantou-se, surpreso com o chamado de Judith. Desde que haviam saído da Terra da Provação, Judith vinha treinando sozinha. Quando duelava, era apenas com os outros dois, principalmente com Illia. Brett achava isso natural, já que Judith havia duelado muito com Airen, mas nunca enfrentara Illia depois de se formarem na academia. E, como Judith queria ser ‘a melhor do continente’, era de se esperar que quisesse duelar com uma mestre.
Brett também estava organizando calmamente suas realizações em Aisenmarkt, então não duelaram por um bom tempo. Não esperava ser chamado por ela e ficou ainda mais curioso ao observá-la.
“Ela não parece estar me escolhendo só porque estou desocupado.”
Judith parecia antecipar algo. Brett pensou por um instante, depois balançou a cabeça e se levantou.
— Certo. Faz tempo, não é? — disse Brett.
A multidão na caravana de mercadores suspirou em espanto. Antes do duelo de Airen e Illia, ninguém sabia quem eram aquelas pessoas, mas agora todos sabiam que aqueles jovens espadachins eram os famosos aprendizes da Academia de Esgrima Krono e a mestre espadachim da família Lindsay. Tudo graças a Frederick, que havia se gabado de estar certo o tempo todo.
“Eles devem ser incríveis também.”
“Ouvi dizer que são um pouco inferiores aos outros dois, mas ainda são especialistas.”
“Ouvi dizer que são especialistas de elite…”
O público sabia que Brett e Judith eram especialistas altamente habilidosos. Era um nível absurdo de habilidade, considerando a idade que tinham, pois eram mais fortes que a maioria das pessoas, mesmo sem levar a idade em conta. Então, as pessoas engoliram em seco, ansiosas, enquanto os observavam.
Brett também olhou ao redor para a multidão, mas Judith mantinha seu olhar fixo nele. Isso o fez sentir-se estranho, e ele deu uma tosse seca.
— Vamos lá — disse Brett.
— Certo.
Após essas poucas palavras, Judith avançou para começar o duelo. Os mercenários ficaram atentos enquanto assistiam, esperando ao menos aprender algo, já que haviam ficado pasmos durante o duelo anterior. Mas, conforme o combate avançava, perceberam que não conseguiriam absorver nada. Judith e Brett eram habilidosos demais para que eles compreendessem qualquer movimento.
— Uau…
— Ah…
Os ataques de Judith explodiam como chamas intensas, enquanto Brett deslizava como água fluindo. Era difícil até mesmo acompanhar os movimentos, então tudo o que podiam fazer era observar e exclamar em espanto.
Então, algo inesperado aconteceu. Judith parou de repente no meio do duelo.
— O quê? — perguntou Brett.
— Nada… — respondeu Judith.
Judith parecia muito estranha enquanto se afastava com uma expressão desconfortável. Brett, Airen e Illia ficaram confusos. Judith sempre foi imprevisível, mas ninguém conseguia entender o que estava acontecendo com ela.
— C-com licença! Me desculpe, mas você é a Senhorita Illia Lindsay? Oh, me perdoe se estou sendo desrespeitoso! Achei que iria me arrepender se não tentasse falar com você…
— Senhor Airen Farreira! Você é…
— Lorde Brett Lloyd!
Mas os três não puderam seguir Judith, pois um mercenário se aproximou corajosamente, e todos os outros o seguiram. Judith tinha uma certa aura sombria que tornava difícil se aproximar dela, mas os outros três eram diferentes. Além disso, nenhum deles afastava as pessoas apenas por serem nobres. Airen, especialmente, era ainda mais acessível. Assim, enquanto recebiam mais atenção do que haviam recebido na Terra da Provação, responderam às perguntas dos mercenários até a noite.
— Brett, levante-se.
A maioria já estava dormindo quando Judith, que havia ficado em silêncio a noite toda, acordou Brett.
Ela o levou para uma área um pouco afastada do restante do grupo. Um mercenário de vigia olhou para eles com um sorriso de entendimento, mas Brett sabia que o motivo do chamado de Judith não tinha nada de romântico.
Logo, ela o encarou.
— Por que você escondeu suas habilidades de mim?
— O quê…?
— Não tente mentir. Você está escondendo suas verdadeiras habilidades.
Brett ficou atônito com a acusação de Judith. Mas não demorou muito. Ele estava prestes a inventar uma desculpa quando ela o interrompeu.
— Talvez você consiga enganar o Airen ou a Illia, mas não a mim. Eu conheço você há mais tempo e sou sua amiga mais próxima. Você progrediu desde alguns dias atrás… Não, desde que estávamos em Aisenmarkt, certo?
— Pensei sobre isso. Por que diabos esse idiota está escondendo suas habilidades? Para nos surpreender? Ou para derrotar a Illia ou o Airen em um duelo? Não, percebi que não era isso. Eu conheço você. Você não é do tipo que faria algo assim. Então, depois de eliminar essas possibilidades, eu entendi… Você…
— Judith.
— Você acha que sou um pedaço de lixo.
Judith terminou suas palavras e exalou vapor de sua respiração. E não parou por aí. Após inspirar rapidamente outra vez, começou a despejar tudo o que pensava, sem dar a Brett a chance de explicar.
— Você acha que sou engraçada?
— Ou sente pena de mim? Hein? Acha que, se você não pegar leve comigo, eu vou desabar no chão chorando, ficar desesperada e parar de persegui-los? Acha que sou uma perdedora? É isso?
— Não, não é nada disso…
Brett parou. Judith o olhava com mais seriedade do que nunca, o que tornava difícil encará-la. Ele ficou chateado por aquele olhar estar sendo dirigido a ele, de todas as pessoas. Então, não conseguiu dizer mais nada. Pensou em escolher bem suas palavras, mas não teve tempo para inventar uma desculpa, pois ouviram um barulho alto vindo de longe.
Era o som de centenas de cavalos e murmúrios. Mas não conseguiam entender a língua. Talvez fosse porque havia muitas vozes, ou talvez porque falavam uma língua diferente. Parecia ser a língua dos orcs.
— O quê?
— ACORDEM! Acordem, todos!
Os vigias noturnos imediatamente despertaram as pessoas. Os mercenários pegaram suas armas com expressões sombrias, enquanto os magos usavam magia de ‘Luz’ para iluminar a área. Khubaru também convocou um elemental de fogo para reforçar a iluminação.
Foi então que viram os orcs. Eram bandidos, mas incontáveis deles.
— O que…?
Os mercadores ficaram nervosos, por razões óbvias. Havia tantos bandidos que não pareciam simples ladrões de estrada. Os líderes dos mercenários e os gerentes dos comerciantes começaram a discutir como lidar com a situação.
Enquanto isso, um orc apareceu diante do grupo de bandidos, circulando todo o acampamento dos mercadores. O orc, que era tão grande quanto dois homens adultos, abriu a boca para falar na língua comum.
— Matem todos.