Dois dias após a dança da espada de Ian, cada um dos instrutores imediatamente alterou a direção das aulas de suas turmas.
— Aumentaremos o tempo de treinamento livre a partir de agora.
As aulas focavam nos instrutores demonstrando os movimentos básicos da Esgrima Krono para que os alunos os copiassem em seguida. Os instrutores ofereciam lições variadas para atender cada aluno por um tempo, mas ainda assim era uma lição rígida e de um único estilo.
Mas isso não existia mais. Os alunos podiam agora se concentrar livremente nas áreas em que desejavam treinar mais. Os instrutores deixaram de impor um currículo rígido e passaram a responder perguntas e oferecer conselhos. Agora, eram mais apoiadores do que líderes.
— Senhor, como posso colocar mais força nesse movimento…
— Quero manter o equilíbrio entre esses movimentos conectados…
Os alunos preliminares acolheram essa mudança de braços abertos. Cinco meses era um longo tempo para essas crianças talentosas, e elas já haviam aperfeiçoado os movimentos básicos da Esgrima Krono. Alguns já estavam treinando em um caminho único, enquanto os alunos mais lentos recebiam orientações para crescer a partir da dança da espada do diretor. A dança surpreendente tinha mudado tudo.
“Eu também tenho uma chance nisso!”
“Se eu treinar mais, posso usar o que senti ontem em uma luta de verdade…”
“Posso estar na turma C agora, mas eu consigo! Só preciso fazer esse despertar se tornar meu!”
A paixão fervente estava agora em ebulição. Os alunos ficaram enlouquecidos e treinaram incansavelmente com suas espadas até tarde da noite, e esse comportamento se manteve mesmo após dez dias. Mas havia uma pessoa que estava irritada em meio a esses tempos empolgantes.
— Cafona, brega, ridículo.
— Hã?
Brett Lloyd ficou atônito com o xingamento repentino de Judith. Ele sabia que essa garota atrevida tinha uma boca suja, mas ela raramente o xingava antes de sequer começarem a conversar. Então, ele precisou perguntar.
— O que foi?
— O quê? — Judith devolveu com uma carranca.
— Por que você me xingou?
— Nada.
— Nada?
— Nada. Eu xingo muito sem motivo.
— Certo. Então, volte ao seu trabalho — Brett respondeu sem pensar muito.
Ele não tinha nada a ver com o que quer que ela estivesse pensando e não precisava se preocupar. Ele voltou a balançar sua espada, assim como Lance Patterson e os outros dois seguidores.
Eles agiam como se ela não estivesse ali enquanto ela os encarava com raiva. Seu olhar irritado virou um esgar, e ela começou a resmungar. A ‘família’ de Brett a ignorou mais uma vez. Mas, logo, não conseguiram mais ignorá-la quando sua voz se tornou mais alta, com palavrões estranhos e esquisitos que nunca tinham ouvido antes.
Brett perdeu o foco e soltou um suspiro. Ele então caminhou até Judith com uma expressão irritada. — Certo, fala logo. O que é?
— Eu já estou falando — Judith respondeu com um olhar igualmente irritado.
— Esses palavrões não contam como falar. Só um animal faria isso.
— Ah, é? Quer ouvir como soa um animal de verdade?
— Não, obrigado. Só desembucha. O que está na sua cabeça? É sobre Airen Farreira?
— Por que você está falando dele de repente?
A pergunta direta de Brett fez Judith se esquivar na defensiva. Mas ela não conseguiu manter a mentira por muito tempo, então virou-se de lado, depois perguntou de maneira meio reticente — Ele vai ficar bem?
— Airen Farreira? — Brett devolveu.
— Sim.
Ela omitiu muita coisa em suas palavras, mas Brett entendeu imediatamente. Judith estava perguntando se Airen sobreviveria ao exame final, e ele tinha uma boa ideia do porquê dela perguntar isso.
— Bem, ele realmente não parece estar em boa forma, para ser honesto.
Era como ele havia dito. Diferente da maioria das crianças, que tinham adquirido conhecimento a partir da dança da espada do diretor, o Nobre Preguiçoso não parecia ter aprendido nada. Ele não parecia animado nem diferente dos outros. Na verdade, era o contrário.
Judith estava bastante preocupada com o fato de o garoto estar mais calado e se concentrando mais na meditação em vez de pegar a espada. Ele era o exato oposto dos outros alunos e estava desolado.
— Talvez ele falhe desta vez…
Era a primeira vez que Judith se preocupava com alguém. Isso a surpreendeu e ela não gostou nada da sensação. Mas não conseguia se forçar a afastar suas preocupações, então ficou irritada quando Brett concordou com a possibilidade. Mas o que ele disse a seguir mudou completamente a expressão dela.
— Mas, pelo contrário, Airen Farreira vai passar no exame final — afirmou Brett com confiança.
— Hã? O que você disse?
— Ele vai passar, não importa o quê. No exame final — ele disse de maneira calma e casual, mas parecia muito certo. Judith precisou perguntar de novo.
— Como você pode ter tanta certeza?
— Hmm. Não é óbvio?
— Não, o que é tão óbvio nisso?
Judith não foi a única a ficar curiosa. Os seguidores de Brett e até outros alunos que estavam treinando por perto começaram a prestar atenção na conversa deles. Como não fariam isso, quando Brett parecia tão seguro em relação ao exame final?
Mas Brett não se importava com quem estava olhando para ele nem tentava esconder seus pensamentos. Ele balançou a cabeça uma vez e falou para Judith.
— Como você passa no exame final?
— Hã? É um… potencial, certo?
— Sim, um potencial. O exame final vai considerar seu ‘potencial futuro’ em vez de sua ‘habilidade atual’. Então, deixe-me perguntar: quem tem o maior potencial neste momento?
— Hã? Bem, eu acho que…
Judith hesitou. Ela não tinha pensado muito sobre isso, na verdade. Ela ouviu o diretor falando sobre algo, mas apenas pensou que não precisava entender se conseguisse mostrar que era mais forte que todos. Então, não pôde responder à pergunta com confiança.
— Hum, eu acho que… você precisa se esforçar, mas se tiver talento, vai aprender mais do que foi ensinado, e, é… e você fica mais forte rápido, e…
— Certo. Esforço e talento. E crescimento mais rápido que a maioria, graças a isso. Isso é potencial.
Felizmente, Brett concordou com o que ela lembrava, e ela ficou um pouco aliviada. Por outro lado, começou a se sentir frustrada e pensou que ele deveria parar de rodeios e ir direto ao ponto. E ele atendeu ao desejo dela imediatamente.
— Deixe-me então perguntar pela última vez. Quem você acha que mais cresceu nesses nove meses aqui na academia?
Judith não respondeu de imediato, nem Brett. Mas isso não importava, pois todos que ouviram a conversa só conseguiam pensar em um nome.
“Airen Farreira!”
Todos conheciam seu início. Eles viram o resultado do teste físico no início do ano, os boatos desagradáveis que vieram em seguida, confirmados por seu corpo despreparado.
Todos ainda se lembravam de como ele estava mal preparado, mesmo sendo um garoto comum, quanto mais um aprendiz de espadachim. Ninguém achou que o Nobre Preguiçoso passaria no exame intermediário.
Mas suas expectativas estavam erradas. Airen continuou crescendo e aumentou sua resistência e força física mais rápido que qualquer outro. Ele até alcançou Illia Lindsay, que todos achavam impossível de alcançar, e recebeu uma recompensa do diretor, concedida apenas a poucos alunos. Mas havia mais na estranheza dele. Após o exame intermediário, ele teve um desempenho terrível no teste e foi designado para a turma F, criada pela primeira vez na história. Todos os alunos preliminares achavam que ele estava acabado.
Mas agora, após cinco meses, Airen chegou à turma B, provando a todos que estava acima da média nesta academia. Ninguém poderia negar esse fato.
— Tenho certeza de que Airen Farreira passaria no exame final se o fizesse agora. Por quê? Porque todos os instrutores sabem como ele era antes. Qualquer um reconheceria seu incrível potencial considerando sua esgrima desde o início até agora.
— Você está… certo — disse Judith enquanto assentia.
Ela era temperamental e facilmente irritada, mas teve de concordar com ele. Como ele disse, não havia e não haveria ninguém que chegasse perto da velocidade de crescimento de Airen. Esse fato deixou a garota de cabelo vermelho feliz. Mas ela também sentiu algo mais.
“Eu não quero perder!”
Ela sentia uma vontade feroz de competir e não queria perder. Mas ela não estava pensando no presente. Não importava o quanto Airen tivesse se fortalecido, ela ainda era muito mais forte que ele. Isso seria o mesmo no exame final, daqui a três meses. Mas isso não a satisfazia.
“Eu não quero perder para ele no futuro, também.”
Mesmo depois de um ano, cinco anos, dez anos, ou até em um futuro distante, ela não queria pensar que perderia para Airen. Ela não podia aceitar isso. Era um sentimento diferente daquele que tinha por seu afeto por ele.
“Eu não ligo para o potencial dele. Eu vou vencer!”
E ela também estava bastante confiante. Depois de assistir à dança da espada do diretor, ela percebeu claramente o que estava buscando e ficou empolgada. Agora, tinha uma crença, quase próxima de uma religião, de que, se apenas seguisse esse caminho brilhante à sua frente, não perderia para ninguém.
— Acho que só preciso relaxar, me mostrar e garantir o primeiro lugar.
Era óbvio que Judith diria isso, já que estava aliviada. E, claro, Brett Lloyd não concordava com ela.
— Não, você não vai.
— Você tem que arrumar briga toda vez? Por quê? É por causa do Airen? Ou está falando de você mesmo? — retrucou Judith.
— Não. Eu sou melhor que você, então não. Há uma razão diferente para isso.
— Ah, certo. Vamos ouvir. Por que eu não posso ficar em primeiro lugar?
— Illia Lindsay.
— Pensei que o fator fosse o potencial? Como você pode ter tanta certeza…
— Porque ela é ‘a’ Lindsay — interrompeu Brett. Ele então continuou. — Se você nasce em uma família renomada de esgrima, considerada uma das melhores do continente, isso significa que seu futuro está garantido. Você tem um talento que corre no seu sangue, uma mentalidade, um método de treinamento que a família aperfeiçoou ao longo de gerações, e excelentes espadachins na família para observar e aprender. É difícil não pensar que você tem um grande potencial. Além disso…
— Além disso?
— A esgrima que colocou a família Lindsay entre as famílias renomadas… Só o fato de ela ter aprendido isso já a colocará em primeiro lugar no exame.
— E isso faz sentido para você?
— Faz. — Brett assentiu calmamente. — Esse é o poder de uma família reconhecida mundialmente.
— Merda… — Judith resmungou.
Ela não conseguiu esconder sua raiva. Ela sabia bem sobre a fama e a admiração pela Espada dos Céus da família Lindsay. Sabia que aprender aquela esgrima renomada prometia um futuro brilhante. Brett estava certo em tudo, e ela sabia disso mais do que ninguém. E, ainda assim.
“Então para que diabos serve o exame final?”
Ela estava furiosa. Estava com raiva de Illia Lindsay, que nasceu com tudo o que poderia ter e ainda assim veio para a Academia de Esgrima Krono. Estava também com raiva de si mesma por não ter nada. Mas estava ainda mais irritada com Brett e os outros ao seu redor.
“Por que vocês já pensam que perderam, quando não são fracassados patéticos, mas sim talentosos?”
Ela queria chutar Brett, de expressão inalterada, na virilha. Queria socar as cabeças passivas e acenantes de todos. Queria gritar para que parassem de se acovardar e tentassem o máximo que pudessem. Mas, claro, não podia fazer isso. Uma briga fora da orientação dos instrutores assistentes era motivo de expulsão.
“E eles não entenderiam o que eu quero dizer, mesmo que eu os espancasse.”
Judith cuspiu de frustração, mas isso não a aliviou nem um pouco. Ela pensou em tudo o que podia para aliviar a raiva dentro dela e logo encontrou algo para ferir a fama da família Lindsay e extravasar sua raiva.
Ela não tinha motivos para hesitar. Sorriu com desprezo e cuspiu o que tinha em mente.
— Ah, quem se importa com a família? O irmão dela, que dizem ser o maior gênio do continente, foi derrotado por um órfão comum e agora nem consegue se manter de pé diante dos outros…
Judith não conseguiu terminar suas palavras. Sentiu um arrepio na espinha por causa de uma aura intensa e feroz, que parecia uma lâmina afiada logo abaixo do seu queixo. Nem mesmo nos becos dos subúrbios ela havia sentido tanto medo.
Judith se virou para ver quem era. À distância, a garota de cabelos prateados estava caminhando em sua direção, com uma espada na mão.