Mas isso também despertou a inveja de propriedades vizinhas.
“Os Gairon, logo eles…” O servo Marcus ficou frustrado. Nenhuma das cinco propriedades próximas era particularmente amigável, mas a Propriedade dos Gairon era uma das piores. Eles se consideravam os líderes da região sul do Reino Heyle, e não viam com bons olhos o sucesso da família Farreira.
E agora, sua presa mais fácil estava viajando na carruagem dos Farreira.
“Espero que apenas passem direto…”
É claro que isso não ia acontecer. Independentemente das disputas entre as famílias, as seis famílias nobres da região sul do Reino Heyle mantinham uma aliança superficial. Quando duas dessas famílias se encontravam em terras Farreira, passar sem uma saudação adequada seria impróprio.
Como esperado, a carruagem dos Gairon começou a desacelerar enquanto se aproximava. A carruagem dos Farreira também diminuiu a velocidade. Logo, ambas as carruagens pararam com certa distância entre elas, e uma tensão nervosa tomou conta do ambiente. Duas pessoas desceram da carruagem dos Gairon.
“Droga! Aaron Gairon!” Marcus amaldiçoou para si mesmo.
O segundo filho da família Gairon, Aaron, era um ano mais novo que Airen. Mas era mais perverso que a maioria dos adultos. Sempre olhava com desprezo para Airen toda vez que visitava a propriedade dos Farreira. E, quando era repreendido por seu comportamento, escapava sob a desculpa de que era jovem demais para saber o que estava fazendo.
Isso significava que Aaron Gairon era a pior pessoa para se encontrar naquele momento.
— Meu senhor… como ouviu… — disse Marcus a Airen.
— Sim.
— É a carruagem dos Gairon. Lorde Aaron Gairon e Sir Jack Stewart acabaram de descer da carruagem.
— …
— Preferiria ficar dentro? — perguntou Marcus educadamente.
Embora fosse impróprio não sair da carruagem, ele poderia justificar que Airen estava doente. O mais importante era não ferir os sentimentos de seu mestre. Mas Airen balançou a cabeça.
— Está tudo bem. Isso seria inapropriado.
— Sim, meu senhor…
“Ele realmente mudou”, pensou Marcus. O jovem mestre ainda não demonstrava muita expressão e não falava muito, mas estava diferente. Era difícil descrever, mas… ele parecia mais resiliente.
Marcus fechou o punho. Limpou o suor da testa e abriu a porta da carruagem. Em seguida, ajudou seu mestre a descer. Logo, Marcus estava diante de Aaron Gairon, o segundo filho da família Gairon, e o cumprimentou.
— Bom dia, Lorde Aaron Gairon. Sir Jack Stewart.
— Hã… sim — respondeu Aaron.
Aaron Gairon respondeu com um olhar levemente surpreso, enquanto Jack Stewart permanecia logo atrás. Os soldados da família Gairon também pareciam surpresos ao ver que o Nobre Preguiçoso havia crescido desde a última vez.
“Ele… ficou maior? E também está mais musculoso”, pensou Aaron.
Airen não era extremamente musculoso, mas deixara de ser aquele jovem frágil de antes. Seus músculos eram visíveis sob a camisa, o que surpreendeu Aaron. Como o garoto poderia ter mudado tanto em apenas um ano na academia?
Mas foi só isso que despertou seu interesse em Airen. Ele apenas ficou surpreso, já que sempre esperou que o garoto permanecesse fraco para sempre e, de repente, ele estava normal.
— Está voltando da Academia de Esgrima Krono, presumo? — perguntou Aaron com um sorriso malicioso.
— Sim, isso mesmo, meu senhor. O que traz a família Gairon até nossa propriedade…? — respondeu Marcus.
— Ah, estava dando um recado de meu pai. De qualquer forma, quanto tempo, hein, Airen? — disse Aaron, voltando-se para Airen.
— Sim.
— Pelo visto, foi bem ensinado na academia. Está bem diferente agora.
Aaron era mais novo que Airen, mas isso não o tornava mais educado. Nada de errado com isso, afinal, eram filhos de um barão e de um visconde, então a diferença de idade era pequena o bastante para que fossem amigos. Mas eles não eram amigos. Como sempre, o segundo filho dos Gairon usava um tom sarcástico em suas palavras.
— Bem, pretende continuar treinando com a espada? — perguntou Aaron.
— Provavelmente — respondeu Airen.
— Na sua casa? Ah, imagino que ninguém vá lhe ensinar. Começou muito tarde.
“Maldito garoto!” Marcus amaldiçoou em pensamento, seu humor piorando ao perceber que Aaron devia estar pensando que Airen não conseguira entrar na academia. Marcus havia até esquecido que, no início, também pensara que Airen nunca entraria. Estava igualmente enojado com Aaron Gairon por seu jeito de falar, sua expressão e sua falta de autoconsciência. Parecia que todos na propriedade Farreira sentiam o mesmo, exceto Airen, que não se incomodava.
— Provavelmente sim — disse Airen.
— Hã?
— Tem mais alguma coisa a dizer?
— Er…
— Se for só isso, eu gostaria de voltar. Foi uma viagem longa, e quero ir para casa descansar.
Jack Stewart, que estava atrás de Aaron, ficou novamente chocado com a calma de Airen ao falar. Aaron também ficou surpreso, mas mais irritado do que impressionado.
“Como ousa?”
O garoto tinha mudado. Não havia se passado muito tempo, mas ele reconhecia isso. Airen nunca fora assim antes, sempre encolhido, evitando contato visual. O Nobre Preguiçoso jamais falava com ele diretamente, apenas fazia de tudo para evitá-lo.
“Por quê? Por que ele está diferente? Como pode me enfrentar de cabeça erguida e falar com tanta franqueza? Ele é só o Nobre Preguiçoso. Pode ter tentado, mas acabou sendo expulso da academia depois de um ano. Ele é um fracassado.” Com esses pensamentos, Aaron decidiu que não deixaria Airen sair tão fácil.
— Espere aí — disse ele.
Airen virou-se para ele com um olhar confuso.
— Ah, não é nada sério. Vamos apertar as mãos.
— Por que agora?
“Seu…!” Aaron quase franziu a testa, mas manteve um sorriso falso e continuou.
— Sabia que espadachins podem perceber as habilidades uns dos outros só de apertar as mãos?
— Nunca ouvi falar disso.
— Ah, imagino que, ficando em casa por tanto tempo, ficou alheio ao mundo. Sir Louis Soguard, um espadachim famoso, foi quem disse isso. Um aperto firme é essencial na esgrima, então talvez haja alguma verdade nisso. Não é mesmo, Sir Stewart? — perguntou Aaron, voltando-se para o cavaleiro que estava atrás dele.
— Sim, meu senhor.
— Viu? Ele é nosso melhor cavaleiro, e até ele concorda comigo — disse Aaron, voltando a olhar para Airen. Continuou: — Aprendi esgrima seis anos antes de você, então vou verificar se aprendeu bem.
Aaron estendeu a mão direita assim que terminou de falar. Marcus franziu o cenho, enquanto Jack Stewart observava com curiosidade.
E quanto a Airen Farreira…
Ele hesitou, mas segurou a mão de seu oponente em silêncio. Aaron sorriu e apertou com força.
“Ops. Ele pode soltar se eu fizer isso de uma vez. Deveria ter feito mais devagar… espera, o quê?”
Algo estava estranho. Aaron Gairon olhou para Airen Farreira incrédulo. Sentiu uma pressão esmagadora assim que agarrou a mão inflexível de Airen, cheia de calos grossos. O segundo filho da família Gairon ficou nervoso e apertou a mão de seu oponente com mais força.
Airen olhou para ele.
“O que devo fazer agora?”
Como mencionado antes, ele não era bobo. Sabia reconhecer zombarias, desdém e sarcasmo quando ouvia. Isso o machucava, e ele nunca se acostumou com isso. Aqueles olhares que recaíam sobre ele antes de sua recuperação o feriam ainda mais, criando cicatrizes que pareciam nunca desaparecer. Por isso, costumava se esconder para fugir da dor, primeiro em seus sonhos, depois na espada. Ele estava fugindo por sua vida inteira.
“Ainda preciso fugir?”
Não. Isso não era verdade. Ele pode ter fugido antes, já que o olhar obsessivo de Aaron Gairon o amedrontava. Esse garoto era como um vilão para o Nobre Preguiçoso. Mas isso tinha mudado. Agora ele tinha Illia Lindsay, Brett Lloyd, Judith e muitos colegas de treinamento que o observavam, então ele não temia mais Aaron.
“Devo enfrentá-lo, então?”
Ele não tinha certeza disso. Após a última entrevista com o diretor, foi levado a refletir sobre seu poder, separando-o do homem do sonho. Quanto mais pensava, mais uma resposta lhe vinha à mente. Seu sonho o ajudara a alcançar seu nível sem esforço próprio. Era como receber tudo de bandeja. Por isso, ele não sentia orgulho de esmagar seu oponente com aquele poder.
— Aargh!
O aperto de mão continuava enquanto ele refletia. Airen não percebia que Aaron estava colocando toda sua força no aperto, tentando ao máximo fazer seu oponente franzir a testa e gemer.
Mas o Nobre Preguiçoso parecia tranquilo, e não apenas fisicamente. Embora não pudesse resolver todos os seus problemas, ele continuava pensando. Ao menos já havia decidido como lidar com a situação atual.
“Pelo menos…” Ele olhou para a própria mão. “Não preciso me envergonhar de mim mesmo.” Então, ergueu os olhos para Aaron.
Ele não correu nem se escondeu. A aura foi liberada imediatamente. Não era tão avassaladora quanto a de Instrutor Ahmed ou de Illia Lindsay, mas era suficiente para assustar Aaron Gairon e fazê-lo recuar.
— Mmm…!
Seu rosto corou de vergonha, e seu orgulho estava ferido.
“Eu… eu soltei a mão do Nobre Preguiçoso primeiro?”
Ele não queria aceitar isso, mas não podia mentir para si mesmo sobre algo que já sabia. Estremeceu quando Airen olhou para ele, e não conseguira dominá-lo.
Então, ele começou a se perguntar como isso havia acontecido, como o inútil Nobre Preguiçoso mudara tanto a ponto de manejar tal aura. Ele se perguntava se um ano era tempo suficiente para transformar uma pessoa a esse ponto ou se o garoto era simplesmente peculiar. E, com tudo isso, um sentimento se intensificava.
“Eu quero fugir.”
Era medo. Ele sentia o mesmo que o Nobre Preguiçoso havia sentido por ele um ano antes.
“Mas…”
Ele não podia fazer isso. Sentia-se envergonhado de se acovardar assim. Temia o que aquele idiota do Nobre Preguiçoso ou o servo atrás dele diriam ao voltar para casa. Também estava incomodado com um gato preto que os observava dos arbustos ao lado da estrada. Ele temia que até um animal espalhasse a notícia de seu ato vergonhoso.
Foi então que Jack Stewart quebrou o silêncio.
— Meu senhor?
— S-sim? — Aaron voltou-se para seu cavaleiro.
— Lorde Airen deseja retornar para casa e descansar, então creio que não seja apropriado segurá-lo mais.
— Ah, n-não é?
— Claro que não, meu senhor. O que acha, meu senhor? — O cavaleiro voltou-se para Airen, e o Nobre Preguiçoso assentiu. Jack Stewart fez uma reverência educada.
— Com sua licença, partiremos então.
— S-sim. Ah, e Airen! Você ficou bem forte. Imagino que teremos uma luta de verdade em breve! Até mais!
Airen se despediu sem uma palavra, observando enquanto eles se afastavam. Todos os soldados e servos também fizeram reverências educadas, mas Marcus parecia insatisfeito.
“Aquele desgraçado!”
Embora tenha terminado bem, fora um encontro mal-intencionado. O jovem nobre arrogante que tentou insultar seu jovem mestre e o cavaleiro Jack Stewart, que não impediu seu senhor mesmo sabendo de suas intenções, estavam ambos no mesmo barco.
Mas isso não era motivo suficiente para reclamar com eles. Marcus não tinha título nem estava numa posição problemática. Tudo o que podia fazer era soltar um suspiro silencioso.
A carruagem dos Farreira começou a se preparar para partir.
— Um covarde com a boca grande. — Um comentário sarcástico surgiu do nada.
Aaron Gairon, prestes a voltar para sua carruagem, virou-se de imediato e lançou um olhar fulminante.
— Quem foi?!
O medo e a ansiedade haviam desaparecido, substituídos pela raiva. Como alguém ousava falar com ele, o filho da família Gairon, de tal maneira? Como ousavam? A resposta veio imediatamente.
— Fui eu. Tem algum problema com isso?
— Hã?
Aaron Gairon não era exatamente alto, mas a voz vinha de muito mais baixo. Todos se viraram na direção do gato preto. Era um animal pequeno e fofo que todos imaginavam ser selvagem, pois estava de pé sobre as duas patas traseiras.
— O que foi? Nunca viram um gato falante?
Um gato falante. Todos tinham o mesmo pensamento ao ver o impossível.
“É um feiticeiro!”