O banquete para o Encontro dos Líderes Nobres havia começado. Airen Farreira pensava no que seu servo lhe disse enquanto via os chefes das outras famílias tomando seus lugares.
— Considere… que nenhuma das famílias é amigável conosco.
Isso era lamentável. Claro, nem todas as famílias eram hostis aos Farreira. Os líderes das propriedades Freid e Bauer eram pessoas de bom coração que não causaram problemas nos últimos dez anos. Mas era só isso. Não eram amigos dos Farreira. E quanto às outras três famílias…
“Também as conheço bem”, pensou Airen.
Lester, Russell e Gairon. Essas três famílias eram realmente hostis aos Farreira.
— Você deve ter cuidado especial com o Visconde Phil Gairon. A relação ruim com eles começou na época de nosso antigo lorde — disse Marcus.
Airen ficou sério. Ele já sabia disso, sem precisar dos conselhos de Marcus. Ele tinha que saber, pois Aaron, o segundo filho de Phil Gairon, era quem mais o atormentava. E isso obviamente não poderia ter acontecido sem o conhecimento dos pais. O garoto lançou um olhar discreto para Phil Gairon.
“Ele é a razão pela qual mãe e Kiril não estão nesse jantar.”
O homem de rosto carrancudo tinha um nariz torto e olhos com três anéis brancos ao redor da íris. Airen já havia sentido isso algumas vezes, mas mais uma vez pensou que o homem parecia facilmente irritável. Seus olhos eram intimidadoramente ameaçadores, ainda mais vistos de perto.
Mas Airen não ia evitá-lo.
“Tenho que fazer o meu melhor para evitar erros e manter minha posição”, Airen engoliu em seco ao se lembrar.
— Obrigado a todos por dedicarem seu tempo valioso para proteger nossas rotas comerciais do sul. Pela paz e prosperidade das seis famílias das terras do sul.
— Pela paz!
Os cinco lordes das famílias bradaram após o Barão Harun Farreira e ergueram suas taças de vinho. Airen também levantou sua taça. Ele nunca havia bebido uma bebida alcoólica antes, mas outros da sua idade tomavam um gole naturalmente, então ele não podia apenas ficar ali parado.
O garoto fechou os olhos e engoliu alguns goles de vinho branco, então colocou a taça de volta na mesa. Em seguida, percebeu todos olhando para ele.
Será que cometi algum erro?
Sentiu a mão suar. Não sabia para onde olhar. Só tinha se passado um segundo desde que o silêncio caiu, mas, em sua frustração, parecia uma eternidade.
— Airen Farreira.
O Visconde Phil Gairon, o homem que Airen achava o mais desconfortável entre todos ali, quebrou o silêncio. Ele sentiu seu coração bater acelerado enquanto aguardava o visconde continuar, pensando que ouviria sarcasmo e zombaria.
Mas o que o visconde disse foi muito mais benevolente e compassivo do que Airen imaginava.
— Você está errado na forma de segurar o copo — disse o visconde.
— Desculpe…? — Airen perguntou.
— Você pode segurar uma taça de vinho tinto pela palma. Mas para um vinho branco como este, você deve segurar pela haste, a parte fina. Isso evita que o calor da mão aqueça a bebida fria.
— D-Desculpe, senhor.
— Não se preocupe! Isso pode acontecer. Agora, tente segurar direito desta vez.
Phil Gairon falou com um sorriso. Airen Farreira nunca o imaginara com uma expressão tão benevolente. Ele segurou a taça de forma mais adequada, e o visconde assentiu com um sorriso.
— Muito bem. Muito bem mesmo. Mas seria melhor se você retirasse o dedo mínimo — disse o visconde.
— Perdão?
— Ah… não sabe? Embora seja comum hoje, houve uma época em que especiarias eram tão raras que precisavam ser pegadas com o polegar e o dedo mínimo. Então, se você usa todos os dedos para segurar uma taça, seu dedo mínimo ficaria úmido e os sabores das especiarias seriam desperdiçados.
— Entendo.
— Claro, especiarias como pimenta agora são tão abundantes que não é mais necessário fazer isso… mas ainda assim. É uma postura nobre. Hahaha — disse o visconde.
— Haha, é verdade. Esses pequenos detalhes fazem a diferença entre nós e os plebeus — disse o Barão Lester.
— Você está absolutamente certo! — acrescentou o Barão Russell.
O Barão Farreira permaneceu em silêncio. Airen percebeu o que Phil Gairon realmente pensava observando suas expressões. O visconde se desculpou.
— Ah, por favor, não distorça minhas palavras, Barão Lester. Não foi minha intenção dizer isso. Minhas desculpas, Barão Farreira. Não quis ofendê-lo.
— Entendo… — disse Harun.
— Ufa, que alívio. Eu estava falando em nome de Airen — disse o Visconde Phil Gairon.
— Bem, bem. Por que não seguimos em frente? Temos um motivo para estarmos reunidos hoje — disse o Barão Russell.
Phil Gairon suspirou aliviado enquanto o Barão Russell mudava de assunto como se nada sério tivesse acontecido. O jantar continuou, mas o Barão Farreira não relaxou sua expressão.
Airen Farreira recuou sua mão sob a mesa enquanto observava todos. Ele não havia tocado no garfo nem na faca. Não conseguia mais comer tranquilamente naquele estado.
Os nobres conversaram mais com Airen. As perguntas não eram nada sérias. A maioria era sobre artes, conhecimentos musicais e outros assuntos de lazer que a maioria dos nobres acharia fácil de responder.
Mas isso só se aplicava aos ‘nobres’ comuns. Airen passou a maior parte da vida trancado em seu quarto, então não podia responder facilmente a nenhuma dessas perguntas. Cada vez que os nobres lhe faziam uma pergunta, ele não conseguia responder e ficava ali, imóvel, coberto de suor. Mesmo quando não perguntavam, ele continuava nervoso, temendo quando a atenção das pessoas recairia sobre ele novamente.
— Haha. Não se envergonhe — disse o Visconde Phil Gairon.
Barão Lester, Barão Russell e Visconde Gairon não maltrataram o garoto. Em vez disso, falaram muito gentilmente com Airen Farreira. Mas todos sabiam…
— Você pode aprender as coisas passo a passo a partir de agora. Não é mesmo, Barão Farreira? — perguntou o visconde.
Todos sabiam que seus elogios calorosos e encorajamentos eram ataques à ignorância e preguiça do Nobre Preguiçoso e ao pai que permitiu isso.
— Desculpe, não me sinto bem. Posso me retirar? — perguntou Airen.
— Pode.
Harun Farreira não conseguiu impedir seu filho de se afastar. O silêncio caiu sobre a mesa imediatamente. Todos, incluindo os lordes, olharam em silêncio para o lugar onde o Nobre Preguiçoso estava sentado.
Barão Lester pigarreou e falou.
— Ele cresceu bem… Mas temos certeza de que ele ficará bem durante a expedição?
O Barão Farreira manteve-se em silêncio, e o Visconde Gairon respondeu no lugar dele.
— Do que você está falando? Claro que ele ficará bem! Todos têm seu começo. Tenho certeza de que Airen aprenderá com a oportunidade.
— Oh, s-sim. Claro. Haha — Barão Lester assentiu.
— Bem, ele pode enfrentar algumas dificuldades, mas tem a nós, adultos, para ajudá-lo a superá-las. Não é mesmo, Barão? — perguntou o visconde a Harun.
Harun assentiu levemente enquanto observava Phil Gairon falando com uma voz gentil. Mas, diferente de seu gesto de concordância, o barão tinha um olhar muito sombrio.
Depois de sair do salão de jantar, o Nobre Preguiçoso foi direto para o salão de treinamento da família. Ele ofegava e se apoiava na árvore próxima, mas isso não o acalmava. Em vez disso, um intenso ódio de si mesmo o dominava.
— Eu…
Airen estava confiante. Pode não ter dito, mas sabia que havia mudado. Mesmo que tivesse confiado no sonho misterioso, ele havia se tornado mais forte e resistente.
Era verdade. Ele estava melhor na esgrima, conheceu várias pessoas e experimentou um mundo maior. Assim como superou facilmente as provocações de Aaron Gairon, achava que poderia lidar com a hostilidade das outras famílias contra ele… Ele realmente acreditava nisso.
Mas estava enganado. A má intenção de Phil Gairon era muito mais ameaçadora e maliciosa do que ele pensava. O visconde nunca passava do ponto enquanto atacava indiretamente o garoto, e, mesmo que passasse, nunca era tão claro a ponto de justificar uma objeção. Airen nunca tinha experimentado um ataque assim e não conseguia encontrar palavras para reagir. Mas ainda teria sido difícil mesmo se já tivesse passado por isso antes. Não havia nada que ele pudesse fazer contra as três famílias. Por isso seu pai também permanecia em silêncio.
— Argh! — Airen gemeu.
Ele não conhecia a dor de seu pai nem o sofrimento que sua família precisara enfrentar. Nunca soubera o peso que havia sido para eles. Não, ele nem tentou descobrir. Ficou apenas preso em seu quarto para se aliviar.
Isso o fazia se sentir sobrecarregado e em mais dor. Sua culpa por ter sido egoísta doía mais do que as palavras que o visconde lhe lançara. Uma lágrima escorreu por seu rosto ao perceber tudo isso.
Depois de derramar lágrimas, o garoto cambaleou enquanto caminhava em direção ao suporte de armas. Ele pegou a espada de madeira e se preparou.
Ele já sabia que isso também era uma fuga. Já havia perdido antes mesmo de a expedição começar. Ele sabia, mas ainda assim balançou sua espada. Só então poderia suportar suas emoções tempestuosas.
E então.
— Ah, aí está você.
— Não parece tão mal. Acho que você não estava mentindo quando disse que foi para a academia.
Eram os gêmeos do Barão Lester, Kevin e Cesar, e o mais velho do Barão Russell, Martin. Os três tinham idade próxima à de Airen, mas haviam começado a aprender esgrima muito antes do Nobre Preguiçoso.
O mais velho, Martin Russell, foi o primeiro a falar.
— Quer saber por que estamos aqui? Saímos da mesa mais cedo para que os adultos possam tratar dos negócios deles.
Airen os observava em silêncio.
— Por que não fazemos um duelo enquanto esperamos os adultos terminarem? — sugeriu Martin. Quando o Nobre Preguiçoso continuou em silêncio, Martin zombou — O quê? Vamos lá. Não me diga que você também não sabe empunhar uma espada? O episódio com a taça de vinho não foi o suficiente?
— Ei, não pega tão pesado com ele — disse um dos gêmeos.
— Eu sei. Um ano não é o bastante para aprender a empunhar uma espada direito, especialmente para o Nobre Preguiçoso — disse o outro gêmeo.
— Hahaha! Faz sentido — respondeu Martin.
Airen os observou enquanto riam. Ele já havia fugido uma vez. Poucas palavras do visconde haviam quebrado sua promessa de enfrentar tudo com confiança. Ele não suportava ouvir mais nada, então veio até aqui para se apoiar na espada. Era vergonhoso. Então, ele desembainhou a espada.
— Oh? Está falando sério?
— Uau, isso é bom.
— Tem certeza? Por que não seca essas lágrimas do rosto primeiro?
Ele não poderia se envergonhar duas vezes seguidas. Uma chama acendeu no coração do Nobre Preguiçoso. Então, ele disse a eles:
— Venham.