“Eu realmente estou… no sonho?”
Em choque, ele olhou ao redor da casa. Tudo ali, desde a casa bagunçada até a parede coberta de grama selvagem, era familiar. As roupas que ele vestia também eram familiares. Claro, ele tinha visto essas roupas centenas de vezes.
“Só nunca as vesti.”
Tudo aquilo era do homem: suas roupas, sua casa, o lugar onde ele treinava sua esgrima. Cada detalhe ao redor de Airen provava que o que ele supunha era verdade. Mas ele não conseguia aceitar de imediato. Como poderia? Ele tinha acabado de jantar com sua família depois de treinar. Ele se acalmou, controlando o choque, e olhou ao redor com cuidado. Deixou o pátio para explorar mais e, ao fazer isso, tornou-se mais confiante de que estava no sonho. Então, percebeu o que o trouxe para aquele lugar misterioso.
Sim. Airen acabara de despertar sua feitiçaria. O garoto percebeu isso e abriu um sorriso brilhante.
— Haha!
Ele se sentia tão bem. Como não se sentiria? Ele estava feliz, não por se tornar um feiticeiro, mas porque achava que estava um passo mais próximo de sua esgrima para poder proteger sua família e sua honra. Mas ele sabia que isso estava longe de terminar. Airen puxou a espada do chão.
Era menor que a espada do homem, pois estava ajustada ao seu tamanho. O garoto então a balançou. Nunca tinha manejado aquela espada antes, mas ela parecia tão familiar. Ele ficou empolgado e continuou balançando-a. E então percebeu novamente por que tinha sido trazido para aquele lugar e qual era seu ‘feitiço’.
“Este é… um campo de treinamento.”
A feitiçaria não lhe dava diretamente o poder de proteger sua família. Ainda assim, ele sentia que era o suficiente. A feitiçaria havia lhe dado o melhor ambiente para treinar sua esgrima. Oferecia-lhe o caminho mais rápido para alcançar seu objetivo.
Claro, isso não respondia todas as suas curiosidades. Ele ficaria preso nesse mundo se não alcançasse seu objetivo? E qual era exatamente o seu ‘objetivo’? Como saberia quando chegasse ao fim se era algo tão vago? Além disso, quem era o homem no sonho? Quem era ele para ter uma influência tão significativa, mesmo no momento do despertar de sua feitiçaria?
Airen balançou a cabeça. Afastou esses pensamentos e balançou a espada. Balançou, balançou e balançou de novo. Assim, seus pensamentos se dissiparam, e ele encheu sua mente com sua esgrima.
“Mil, dois mil, e mais!”
Ele balançou sua espada com todo o coração e força. Continuou tentando colocar seu ‘esforço’ em cada movimento, ao invés de treinar com pensamentos dispersos, o que Lulu dissera que era perda de tempo. Então, balançou sua espada duas mil vezes, três mil vezes, cinco mil vezes, dez mil vezes, até o limite de seu corpo e mente.
— Hah! — gritou Airen. Seus olhos ardiam, e vulcões explodiam em sua mente. Era uma paixão tão intensa, e tais emoções se transferiram para sua espada.
O coração sempre em chamas cortava o ar. No primeiro dia no mundo dos sonhos, Airen Farreira balançou a espada com esforço 3022 vezes.
O tempo passou, e a estação teria mudado se fosse o mundo real. Mas o clima ali não mudava. Era quente ao ficar parado e tinha uma brisa fresca. O clima favorito de Airen durava para sempre nesse mundo.
— Vamos comer.
E o clima não era a única coisa ajustada aos seus gostos. A comida aparecia automaticamente na mesa quando ele se sentava, ele era vestido com roupas de treino assim que saía de casa, e havia outras conveniências. Aquele lugar era o campo de treinamento perfeito para Airen, e ele aproveitava cada dia, utilizando ao máximo tal ambiente.
Ele balançava e balançava novamente. Mas não balançava sem pensar. Ele lembrava-se dos ensinamentos de Lulu e colocava todo o coração em cada ação. Era muito cansativo, e, mesmo assim, ele ainda não conseguia definir o que era sua esgrima. Apenas tentava dar o melhor de si em cada momento.
— Está tudo bem. Não precisa se preocupar com isso — Lulu havia dito antes.
Lulu lhe disse que pensar sobre isso era o início, o que tinha seus méritos, então ele não deveria duvidar de si e apenas seguir em frente. Ele assentiu, agarrou a espada de novo e a balançou. Fez isso até tarde da noite, até que o dia acabasse completamente.
Era o 94º dia desde que entrou no mundo dos sonhos. Airen Farreira balançou a espada com esforço 5471 vezes.
Mais dias se passaram. A paisagem imutável havia mudado, mas não por causa da passagem do tempo. Airen havia se cansado de ver a mesma paisagem todos os dias e mudou a estação para o outono. Ele gostava de quase todo tipo de clima, exceto o verão escaldante e o inverno congelante.
Mas havia algo mais importante. Ele queria mudar algo de verdade. Especificamente, queria crescer mais e melhorar na esgrima, mas isso parecia não mudar.
Airen ainda fazia o seu melhor. Dava tudo de si para colocar o coração em cada movimento com a espada. Mas o número de esforços não passava de 7000. A dúvida começou a se formar em sua mente, pois a cada dia ele se sentia mais insatisfeito do que no anterior.
— Está tudo bem.
Airen Farreira respirou fundo e se acalmou. Isso podia acontecer. Ele sabia que a quantidade de esforço não equivalia ao sucesso e havia experimentado isso na Academia de Esgrima Krono. No entanto, a parede cairia se ele continuasse a bater nela. Duvidar de si mesmo por causa de um momento de estagnação não traria benefícios.
Após esse pensamento, Airen cravou a espada no chão e voltou para casa mais cedo do que o habitual. Ele precisava descansar para um amanhã melhor. Depois de se confortar, fechou os olhos.
Era o 211º dia, e Airen balançou a espada com esforço 6695 vezes.
Mais dias se passaram. Era primavera novamente, mas isso não importava. Nada mais importava. Airen estava cheio de dúvidas.
Ele parecia fazer o melhor para balançar, mas isso não importava. Sua mente não estava presente. Sua mente estava se desgastando, e seu corpo balançava junto com a espada, como se estivessem desconectados. Forçou-se a continuar, mas desistiu no fim. Treinar nesse estado não lhe traria nada. Esse treino já não tinha mais significado.
“É melhor descansar para recuperar a mim mesmo do que fazer um trabalho sem sentido.”
Com esse pensamento, Airen voltou para casa. Viu a cama. Ele não percebeu, mas a cama tinha se tornado mais confortável e espaçosa. E, naquele espaço confortável, soltou um suspiro profundo.
— Hah…
Depois, fechou os olhos. Não conseguiu dormir de imediato. Era óbvio, pois, ao contrário de antes, quando ele desabava na cama após liberar toda sua energia, ainda restava algo dentro dele. Ele sabia disso, mas fingiu que não. Forçou-se a dormir e, em breve, conseguiu.
Era o 353º dia, e Airen balançou a espada 5695 vezes.
Já era um ano e 52 dias, e Airen balançou a espada 3695 vezes.
Passado um ano e 134 dias, Airen balançou a espada 1400 vezes.
Um ano e 259 dias após entrar no mundo dos sonhos, Airen não balançou a espada.
No dia seguinte, e nos dias seguintes, ele não balançou a espada. Não fez nenhum esforço. Ficou apenas deitado na cama, com uma expressão vazia, enquanto os dias e meses passavam.
Airen não saía mais de sua casa.
Muito tempo se passou desde que Airen Farreira entrou no mundo dos sonhos. Ele havia voltado a ser o seu antigo eu, não o que era ao chegar a esse mundo, mas o de muito antes, quando era chamado de Nobre Preguiçoso. Mas Airen não estava decepcionado com isso. Não tinha energia para isso.
“Era óbvio que acabaria assim.”
O Nobre Preguiçoso pensava com os olhos fechados. Ele tinha passado metade de seus 20 anos de vida sendo preguiçoso. Houve momentos em que brilhou. Foi diligente quando estava na Academia de Esgrima Krono.
“Mas isso não era minha própria vontade.”
Era verdade. Isso foi possível pela vontade do homem, não pela dele, e pela mente do homem. O esforço também era possível por causa do homem.
Se não fosse por ele, Airen sequer teria suportado o primeiro teste físico e teria sido expulso.
Ele estava naquele campo de treinamento para aprimorar sua esgrima, cortando tudo o que poderia atrapalhar seu treino, até mesmo o sonho com o homem. Ele finalmente poderia treinar sozinho, apenas pelo próprio esforço, sem a ajuda de um homem misterioso.
Mas o resultado? Foi devastador. Ele começou a desmoronar antes de completar um ano sem a ajuda do homem. E isso não era tudo. Crises como essa aconteciam a todos. Assim como o velho ditado que diz que a adversidade torna alguém mais forte, ele poderia ter se tornado mais forte após suportar a crise.
“Mas eu não consegui.”
Ele escapou para a cama para se afastar do sofrimento e da dor. Depois de muito refletir, o Nobre Preguiçoso forçou-se a dormir, na tentativa de esquecer a tristeza e o vazio.
Os pensamentos de Airen estavam equivocados. Na verdade, ele realmente tentou. Ele suportou um período de sofrimento que nenhum homem comum conseguiria suportar e manteve-se firme para que ninguém pudesse duvidar dele. Realmente o fez. Na verdade, ele era o único que não conseguia confiar em si mesmo. Ele havia criticado a própria vontade que resistira ao sofrimento por mais de um ‘ano’ e menosprezara o esforço de repetir ‘milhares de vezes’.
A ‘dúvida’ que Lulu mais temia havia criado uma rachadura no coração de Airen. Era uma pena. Se ele não tivesse passado por um túnel sombrio na vida e vivido uma existência cheia de elogios e aplausos, talvez pudesse confiar e amar a si mesmo um pouco mais e não se deixaria consumir pela dúvida. Não teria se deixado abalar por uma pequena incerteza e seguiria em frente.
Mas as coisas haviam acontecido. E em um sono escuro e sem sonhos, Airen afundou por um longo tempo. Não havia ninguém para trazê-lo de volta ou encorajá-lo, pois apenas ele tinha permissão de entrar naquele mundo de feitiçaria.
Mas no dia seguinte, uma mudança aconteceu.
— A-Airen…!
— Huh… Huh?
Airen Farreira ficou surpreso ao abrir os olhos, ainda enevoados. Esse mundo fora criado por sua feitiçaria, que não permitia ninguém ali. Sendo assim, quem o chamaria em um lugar como esse? Ele rapidamente se levantou e se virou em direção à voz, ficando surpreso. Um rosto familiar o saudava.
— Acorde. Vamos começar o treino matinal.
— …
— O que está fazendo? Vamos lá!
Illia Lindsay falou com seu belo cabelo prateado e elegante, que parecia ter o brilho da luz do luar. Ela agia como se fosse óbvio estar ali, e então Airen jogou o cobertor para o lado e se levantou.