— Kiril?
— Por que você está aqui?
Os pais de Kiril Farreira perguntaram, surpresos com a entrada repentina da filha. O Principado de Cezar ficava a sudeste do continente, bem distante da Propriedade Farreira. Era três vezes mais longe do que a Academia de Esgrima Krono. Eles haviam se reunido com o filho há menos de uma hora, então parecia improvável que ela soubesse do retorno de Airen. Mas o que Kiril disse em seguida os deixou atônitos.
— Eu imaginei que deveria vir.
— Imaginou?
— Sim. Tive um pressentimento de que Airen sairia logo, então me adiantei. E você realmente saiu… daquela maldita esfera.
Seus pais estavam tão chocados que nem notaram a filha usando uma linguagem rude. Harun mal conseguia fechar a boca de espanto, mas Airen não se surpreendeu. Lulu lhe contara que alguns dos feiticeiros mais habilidosos eram capazes de prever quase tudo que envolvesse seu interesse. Parece que sua irmã também possuía essa habilidade, o que significava que havia se tornado uma excelente feiticeira, segundo os padrões de Lulu.
“Mas… mesmo sem isso…”
Airen observou sua irmã, a quem não via há tanto tempo. Suas bochechas infantis haviam desaparecido, deixando seu rosto mais fino, e ela havia crescido bastante. Ainda tinha aqueles olhos penetrantes, mas agora com uma intensidade diferente. Parecia um pouco mais fria, mas o que mais lhe chamou a atenção foi a mudança em seu interior.
Seria por ter despertado sua própria feitiçaria? Ele conseguia sentir uma energia misteriosa dentro dela, provavelmente sua feitiçaria. Airen conseguia reconhecer a grandeza desse poder.
Sua irmã havia crescido, assim como ele. Isso, por si só, o fez sorrir.
— O que foi? Por que está sorrindo?
Kiril lançou-lhe um olhar intimidante, o que foi suficiente para fazê-lo recuar. Mas era tarde demais. Ela já havia se irritado com sua reação e continuou a falar num tom ainda mais frio.
— O que tem de tão engraçado?
— Ah, eu só fiquei feliz em ver você…
— Não, esse sorriso significava outra coisa.
— Er…
— O que. Por que estava sorrindo?
— Kiril. Por que você está importunando seu irmão de novo? — disse Amelia.
Amelia Farreira, ainda se recuperando do choque inicial, chamou a atenção da filha com suavidade, e Kiril se acalmou ao ouvir as palavras da mãe. Esse, ao menos, era um aspecto que parecia não ter mudado. Isso era bom, mas Kiril não parou por aí. Continuou, ainda com fervor.
— Então, vamos voltar ao que estavam falando.
— O que? — perguntou Airen.
— A expedição. Você não precisa se juntar. Eu vou participar desta vez, e é por isso que estou aqui.
— Kiril? Que absurdo é esse? — perguntou Harun Farreira, chocado.
—Estou falando sério, pai.
Harun parou antes de repreender a filha. Ao olhar para ela, percebeu que estava calma, diferente de seu temperamento impulsivo dos anos mais jovens. Ela manteve essa calma enquanto falava.
— Pense bem. Precisam de um de nós na expedição pelo bem da família, mas não precisa ser o Airen. Na verdade, deveriam impedi-lo. Ele acabou de sair daquele lugar horrível depois de cinco anos. Não deviam mandá-lo para um perigo tão cedo.
— Mas isso também vale para você…
— Para mim? Não, isso não é perigoso para mim. Vocês me conhecem. Não sou mais a mesma. Sou uma feiticeira famosa em Cezar.
— Considerando minha capacidade e as circunstâncias, faz mais sentido que eu participe da expedição. Vocês ainda acham que estou errada?
Kiril Farreira confrontou seu pai com lógica, e seus pais ficaram sem palavras. Ela estava certa. Ainda era teimosa, mas sua argumentação fazia sentido, e eles não podiam negar de imediato.
Airen também estava impressionado com sua irmã, mas discordava dela. Então, disse:
— Kiril.
— O quê?
— Você quer ver o que eu conquistei nos últimos cinco anos naquele lugar?
Antes que Airen pudesse terminar, Kiril começou a emitir uma energia poderosa. Era tão intensa que seus pais, que nada sabiam sobre feitiçaria, sentiram que algo havia mudado.
— Está confiante? — perguntou Kiril.
— Sim.
— Mesmo?
— Mesmo.
— Então, quer duelar?
— Kiril! — Amelia gritou em um tom zangado, o que era incomum em sua voz normalmente calma. Mas dessa vez, Kiril não recuou.
Airen sentiu o olhar ardente da irmã, então sorriu levemente, um sorriso que ninguém percebeu. Ela parecia furiosa, mas isso não era tudo. Ele estava grato por ver as emoções intensas de sua irmã, e, em resposta, sua expressão mostrava uma bondade gentil. No entanto, suas próximas palavras não transmitiriam o mesmo sentimento. Airen Farreira assentiu e respondeu com firmeza.
— Sim.
Ao observarem seus filhos crescidos, seus pais não encontraram palavras para detê-los.
O dia tranquilo na Propriedade Farreira foi completamente abalado. Mas isso era inevitável. O primogênito da família Farreira, que havia desaparecido nos últimos cinco anos, estava de volta. Era uma surpresa tanto para aqueles que trabalhavam lá há muito tempo quanto para os que haviam sido contratados recentemente.
E isso não era tudo. Kiril Farreira, que não visitava o solar há mais de um ano, apareceu de repente e se dirigiu ao salão de treinamento com o irmão. Parecia que eles iam duelar.
Um dos cavaleiros do solar, Jacob Wilshire, avaliou rapidamente a situação e cochichou.
— Isto é inesperado.
— Sim. Achei que nunca veria o jovem mestre — Tyler Johnny, outro cavaleiro, concordou com as palavras de Jacob.
— Pois é. Pensei que essa história de feitiçaria era mentira… Achei que ele tinha realmente morrido. Mas era verdade.
Eles haviam trabalhado na Propriedade Farreira por três anos, então, para eles, Airen Farreira, que fora preso na feitiçaria muito antes, era quase um mito ou fantasma. Mas ver aquele fantasma aparecer diante de seus olhos, apenas para duelar com a famosa feiticeira do Principado de Cezar, Kiril Farreira, os intrigava.
— Quem você acha que vai ganhar? — Jacob Wilshire perguntou.
— Isso importa?
— Claro. Essa é a graça. Senhorita Kiril venceria?
— Bem… Estou inclinado a acreditar que sim — disse Tyler Johnny, lançando um olhar em direção aos irmãos.
Eles haviam ouvido falar da fama de Kiril em Cezar, mas nada sabiam sobre Airen. Tudo o que conheciam era seu antigo apelido, o Nobre Preguiçoso. Assim, não acreditavam que o jovem mestre venceria.
Mas era bem provável que nenhum dos dois realmente fosse se esforçar ao máximo. Não havia razão para que ambos se dedicassem com tudo em um duelo que parecia sem sentido. Talvez os Farreira quisessem apenas mostrar às pessoas que seu filho mais velho estava vivo e bem.
— De qualquer forma, isso vai ser interessante. Estamos com sorte de estar treinando hoje.
—É. Parece ruim estarmos aqui apenas para assistir. Mas, como estávamos aqui para treinar, não fizemos nada de errado, certo?
Alguns soldados riram das palavras dos cavaleiros. Sairiam se fossem ordenados, mas não tinham intenção de partir por conta própria. Era raro ver uma feiticeira usando seus poderes em um duelo.
E, claro, Kiril não se importava nem um pouco com os olhares. Ela perguntou ao irmão.
— Prepare-se.
— Estou pronto.
— Não me faça repetir. Você nem sequer pegou uma espada ainda.
— Eu… estou pronto agora.
Airen fez um gesto como se pegasse algo no ar, e então uma espada gigantesca apareceu do nada. Era feitiçaria. Todos os espectadores e os pais de Airen abriram os olhos em choque. Kiril franziu a testa, surpresa.
Airen ficou levemente envergonhado.
“Mas essa é a única coisa que consigo fazer.”
Ele havia perdido a maior parte de seu poder mágico quando o mundo de feitiçaria desapareceu após cumprir seu propósito. O único poder restante era a habilidade de invocar a espada do homem do sonho sempre que desejasse.
Mas ele não tinha do que reclamar. Na verdade, estava satisfeito. A espada era enferrujada e sem fio, mas combinava perfeitamente com ele. Sentia-se tão bem ao empunhá-la que não queria outra. Airen sorriu para a irmã.
— Tsk…
Ao contrário de Airen, que parecia feliz, Kiril não gostava nada daquela situação. Ela não gostava de ver o irmão tão confiante e relaxado.
“Por que ele está se forçando de novo?”
Ela se lembrou da primeira vez em que Airen pegou numa espada. Foi o mesmo naquela época. Ele acabara de começar a treinar, mas se forçava todos os dias. Suas mãos ficavam cobertas de calos, e mesmo assim ele continuava treinando duro.
Claro, Kiril ficava feliz ao ver o irmão se esforçando. Ela sempre desejou que ele, que permanecia deprimido desde a infância, sorrisse novamente. Sentiu-se em êxtase quando ele voltou da academia e lhe trouxe um presente, com um sorriso tímido.
“Eu não quero vê-lo se desgastar de novo… Não mais.”
Ela ouviu, mais tarde, que Airen havia sido insultado por nobres vizinhos enquanto tentava se juntar à expedição. Soube também que ele se forçou a despertar sua feitiçaria antes de acabar preso. Durante os últimos cinco anos, culpou-se por não tê-lo impedido a tempo.
Então…
Kiril Farreira tirou uma espada do bolso na cintura. Era uma réplica pequena, mas quando a tocou com o dedo, ela se transformou em uma lâmina imensa, muito maior que a de Airen. Ela a fez flutuar no ar e pensou enquanto olhava para a frente.
“Deixe comigo, Airen. Você não precisa sofrer mais.”
Um vento forte começou a girar ao seu redor. A energia era tão poderosa que até um homem comum podia senti-la enquanto se concentrava ao redor da espada que flutuava no ar.
A espada gigante era uma criação de feitiçaria que Kiril havia desenvolvido para romper a esfera que aprisionava seu irmão, mas agora estava direcionada a Airen Farreira com um propósito diferente.
Todos os olhares se voltaram para a espada de Kiril. Enquanto isso, a espada do jovem loiro, que até então permanecera imóvel, começou a se mover.
Foi algo simples. Um corte vertical e horizontal, seguido por uma estocada. Um movimento de esgrima comum, que qualquer um poderia ver em qualquer lugar. Muitos soldados ficaram confusos, pois não era o espetáculo que esperavam.
Mas alguns sentiram algo diferente. Os cavaleiros Jacob Wilshire e Tyler Johnny estavam entre eles.
“O que foi isso?”
“Algo… algo mudou.”
Eles não conseguiam entender o que haviam sentido, como se fosse uma brisa que passou pela mente enquanto dormiam. Era uma coincidência, ou algo realmente aconteceu?
Os dois olharam para Airen e depois para Kiril. Então perceberam o que sentiram. A jovem feiticeira estava chorando.
A espada de Kiril voltou ao tamanho original e flutuou de volta para seu bolso, enquanto Airen Farreira se aproximou dela. Ele a abraçou com firmeza, mas com gentileza, para não machucá-la, e então disse:
— Eu não estou me forçando.
— Não precisa mais se preocupar comigo. Estou realmente confiante desta vez. E… obrigado por tudo o que fez por mim.
Mesmo após ele terminar de falar, ela só conseguiu chorar suavemente. Sentia-se aliviada, mas também emocionada. Esses dois sentimentos a envolviam, e pela primeira vez, foi confortada por seu irmão.
O duelo terminou. Houve tensão no início, mas acabou de forma simples. Os soldados que assistiam retornaram ao treinamento, confusos.
Mas Kiril Farreira era diferente. Ela sabia porque era feiticeira e porque ele era seu irmão. Agora entendia quão forte seu irmão havia se tornado e o quão poderosa sua esgrima poderia ser com essa força de vontade.
— Mas tome cuidado. A expedição deste ano está muito mais perigosa — Kiril alertou seu irmão.
— Hã?
Ainda havia preocupações em sua mente. A expedição deste ano seria diferente das anteriores.
— Um demônio apareceu.
— Um demônio?
— Sim. Há cerca de um mês… Encontramos rastros de um demônio ao sul das terras dos Gairon.