— A gata acabou de…?
As palavras de Lulu chocaram todos os clientes da estalagem. Desde que chegaram, a gata estava dormindo, e todos pensaram que era apenas um animal de estimação.
As pessoas achavam que a gata “parecia tão dócil”.
“Será que o orc é um druida?”
“Eu queria acariciá-la”, pensavam, observando a gata preta na mesa.
Mas agora perceberam que Lulu não era uma gata comum. Contudo, uma pessoa, o grandalhão que voltava relutantemente para sua mesa, não viu o que aconteceu. Ele estava de costas para Lulu e não percebeu que a gata falou.
O homem parou, virou-se lentamente, e seu rosto já avermelhado pelo álcool ficou ainda mais vermelho à medida que sua raiva aumentava. Veias saltavam em sua testa, e seus olhos injetados de sangue mostravam o estado de suas emoções.
— Seus desgraçados, não vou deixar isso barato — disse o homem.
— Não, Trent! O homem não disse isso! Foi…
— Foi o quê? O orc? Tanto faz, foi um deles que falou assim comigo!
— Não! Não foi nenhum deles!
— Então quem?!
— A-aquele gato…!
O amigo de Trent apontou para a mesa, onde a gata com aparência sonolenta estava sentado. Lulu inclinou a cabeça ao cruzar o olhar com o homem e, em seguida, se jogou de lado, voltando a dormir.
— Mas que diabos?! Está tentando dizer que o gato falou?
— Mas foi o gato mesmo…
— Eu posso estar bêbado, mas não estou tão bêbado a ponto de cair nessa baboseira. Saia do meu caminho. — Trent rosnou, empurrando o amigo para o lado enquanto olhava para Airen e Khubaru. — Um gato falante, é? Vou cortar minhas bolas se um gato assim existir!
Ele então caminhou furiosamente em direção à mesa. Parecia que ninguém conseguiria pará-lo. Airen olhou para Lulu com frustração.
“Por que você não podia simplesmente continuar dormindo em vez de dizer algo assim?!”
Airen sabia que a lógica de Kiril fazia sentido. Mostrar força poderia evitar brigas desnecessárias. Mas ele não era o tipo de pessoa que gostava de se gabar.
Agora, a situação era diferente. Poderiam ter resolvido tudo pacificamente, se Lulu não tivesse colocado mais lenha na fogueira.
“Falou dormindo? Não acho que ela se lembrará do que disse, mesmo se eu acordá-la”, pensou Airen, antes de se virar para Trent.
A confusão claramente o irritava. Não, na verdade, não era uma confusão. Lulu fazia parte do grupo de Airen, então, mesmo que ela ou Khubaru não tivessem dito nada, ainda era verdade que alguém de seu grupo insultara o homem.
Airen não sabia o que fazer para aliviar a situação, mas Khubaru parecia diferente. Estava calmo, com um sorriso no rosto, enquanto olhava para Trent.
— Ei, grandalhão — chamou Khubaru.
— O quê? Está com medo, orc?
— Claro que estou. Sou um oráculo. Não tenho intenção de lutar contra um mercenário como você.
— É mesmo? Que pena. Eu tenho intenção de lutar…
— Você quis dizer o que acabou de dizer?
— Hein?
— Sobre cortar sua… você sabe. Se existir uma gata falante.
— Que diabos está falando?
— Quer apostar?
O rosto de Trent ficou ainda mais vermelho. Ele achava que o orc assustado estava tentando escapar. Respirou fundo para expressar sua raiva, mas Khubaru rapidamente falou.
— Se essa gata não falar, eu peço desculpas do jeito que você quiser. Pode me espancar, me colocar de joelhos. Posso até te pagar, se for isso que quer.
— O quê você…
— Mas e se o gato falar? Suponho que cortar sua ‘coisa’ seja muito extremo. Que tal você pagar por nossa refeição hoje? O que me diz? Não precisa apostar, caso ache que vai perder.
— Seu bastardo…! Certo, então! Vamos fazer isso!
Trent gritou de volta, ameaçando o orc, dizendo que o mataria se ele tentasse alguma coisa engraçada, como ventriloquismo. Os clientes, o estalajadeiro, e até os companheiros de Trent levaram as ameaças a sério.
“O que está acontecendo? Não pode ser…” Trent percebeu que algo estava estranho no ar e começou a ficar mais tenso.
Khubaru sorriu. Sorriu também para Airen, limpou a garganta e sacudiu Lulu para acordá-la.
— Lulu, acorde. Você precisa ver isso.
— Lulu! Lulu!
Mas a gata já havia caído em sono profundo e não acordava. Khubaru teve que segurá-la no ar, o que finalmente a despertou. Enquanto a gata se espreguiçava, pendurado, Trent perguntou com uma expressão severa:
— Ei. Você… pode realmente falar?
— Hã…? Quem é essa pessoa feia? — Lulu perguntou, esfregando os olhos, fazendo Trent ranger os dentes.
Khubaru manteve o sorriso no rosto. E falou com Lulu, que parecia confusa.
— Lulu.
— Hein?
— O jantar é por minha conta. Peça o que quiser.
Graças ao raciocínio rápido de Khubaru, Airen conseguiu evitar uma briga. Mas Lulu, depois de acordar completamente, foi até o grupo de Trent para se desculpar. Não por causa do comentário sobre Kiril, mas por ter chamado Trent de feio.
— Você é Trent, certo? Desculpa! Seu rosto me assustou quando acordei.
— Você não é feio! Não é bonito, mas é aceitável!
— Ainda está bravo? O que devo fazer? Quer uma massagem? Posso dar uma para todo mundo aqui!
— O quê? Certo. Lulu, né? Aceitamos suas desculpas. Pode começar comigo… — Um dos companheiros de Trent rapidamente interveio, tentando afastá-lo.
— Ei! Eu não disse que aceito ainda!
— Vamos, Trent! O que você vai fazer, então? Já perdeu dinheiro apostando sem me ouvir. Quer começar outra briga? — O amigo o convenceu. — Considere isso resolvido. Quero uma massagem da gata, tá bom? Ei, Lulu! O Trent disse que tudo bem. Me dá uma massagem primeiro!
— Ok! — gritou Lulu.
— Oh… Awww… Isso é tão bom…
A massagem suave das patas de Lulu trouxe paz à estalagem, e Airen foi dormir aliviado.
“Não vou vê-lo de novo, então não teremos mais problemas.”
Mas estava enganado. Era destino ou coincidência? Airen encontrou os mercenários novamente nos dias seguintes, ficando nas mesmas cidades e hospedando-se nas mesmas estalagens. Trent lançava olhares desagradáveis toda vez que cruzavam caminhos. Felizmente, ele não iniciava brigas, mas os olhares já eram desconfortáveis o suficiente. Já fazia uma semana, e ainda era assim.
Airen observou o grupo de mercenários, que caminhava um pouco à frente, e perguntou a Khubaru:
— Acha que vamos acabar no mesmo lugar de novo?
— Sim. Não sei se eles vão para Derinku, mas devem ter negócios do outro lado da montanha.
— Então não temos escolha a não ser viajar com eles.
— Provavelmente — Khubaru assentiu.
Estavam em uma cidade próxima às Montanhas Alhaad e precisavam atravessar o passo montanhoso para chegar à cidade de Derinku. Mas havia um grande grupo de bandidos na montanha, tornando mais seguro viajar em grupo. Airen seguiu para a companhia mercante para se juntar ao grupo de escolta.
— Teremos que passar por um teste, mas tenho certeza de que você vai se sair bem — disse Khubaru.
— Eu também! — disse Lulu.
— Não acho que vão obrigar uma gata a fazer teste… — Khubaru interrompeu.
— E você, Khubaru? — perguntou Lulu.
— Como eu disse, sou um oráculo orc, um símbolo de sorte. Qualquer mercador me aceitaria.
Lulu balançou a cabeça em desaprovação, e Airen sorriu. Caminharam em direção à companhia mercante enquanto trocavam conversas leves. Já Trent, um dos mercenários mais à frente, não estava tão à vontade. Ele franzia a testa ao ouvir a conversa de Airen e seus amigos.
“Maldição! Esse moleque se acha!”
Trent não gostava deles e odiava Airen acima de todos, mais do que o orc que o fez perder dinheiro ou a gata que o chamou de feio. Ele odiava Airen porque era um espadachim. Não, ele julgava que Airen não era digno de ser chamado de espadachim.
Airen tinha uma pele clara e alva, como se nunca tivesse passado por dificuldades na vida, e sequer carregava uma espada enquanto se declarava espadachim. Além disso, não demonstrava o devido respeito pelo grande diretor da Krono.
Para Trent, ele era apenas um exibido insignificante. Achava que Airen gostava de ser chamado de espadachim, mas não fazia nenhum esforço para treinar.
“Argh, tô ficando irritado de novo. Como ele pôde falar do Diretor Ian de forma tão rude?”
Trent franziu a testa mais uma vez enquanto lembrava do que Airen havia dito antes. O garoto nunca entenderia o quão grandioso era o Diretor Ian, que se tornou o espadachim mais forte mesmo sendo de origem plebeia. E certamente não compreendia quão incrível era Khun, que era igualmente poderoso. Para Trent, Airen nunca seria capaz de perceber o quanto esses dois homens davam esperança e coragem aos plebeus.
“Ele nunca os compararia a um estalajadeiro ou a um alfaiate se soubesse disso.”
Mas tudo isso estava apenas na mente de Trent. Airen nunca falou de forma rude sobre Ian ou os outros espadachins. Ele tentava entender e reconhecer os sofrimentos que lhes deram força. Contudo, Trent estava bêbado na ocasião e formou uma imagem de Airen como um moleque exibido que insultava grandes espadachins, sem intenção de mudar essa opinião. E assim…
“Hoje vou mostrar a diferença!”
Trent decidiu provar sua superioridade no teste da companhia mercante.
— Ha!
Sheesh!
Trent brandiu sua espada com toda a força diante do capitão da escolta da companhia mercante. Colocou mais esforço do que no teste para se tornar mercenário. Queria intimidar aquele moleque loiro com suas habilidades e mostrar que ele não era digno de ser chamado de espadachim. Talvez o plano tenha funcionado, pois o capitão da escolta parecia satisfeito.
— Muito bom. Sua esgrima é impressionante para a sua idade — disse o capitão.
— Obrigado, senhor. Apenas me esforço mais que a maioria.
Trent inclinou-se educadamente ao receber o elogio e então lançou um olhar para Airen, esperando que ele percebesse.
Mas o jovem parecia desinteressado. Apenas permanecia ali com o rosto inexpressivo, com o orc insolente ao seu lado e a gata desrespeitosa em seu ombro.
Mas isso não importava. Era questão de tempo até que Airen fizesse o teste, e todos perceberiam a diferença na reação do capitão. Só então Airen entenderia como era constrangedor pagar por uma escolta em vez de ser contratado para assisti-la. Ele saberia…
— Hmm? Uma plaqueta de mercenário prateada! Mas você parece muito jovem… Que incrível. Não precisa fazer o teste — disse o capitão da escolta.
— Está bem? Certo — Airen assentiu.