Os olhos de Airen se arregalaram com o anúncio tranquilo de Lulu.
Mestre. Embora a palavra geralmente significasse alguém com o mais alto nível de habilidade, dessa vez Lulu se referia a algo muito específico. Sim, o homem de cabelos grisalhos era um mestre espadachim.
Era impressionante. Claro, mestres espadachins não eram seres míticos como fadas ou dragões. Ainda assim, eram muito raros, e a maioria era composta por pessoas famosas, como nobres poderosos, membros da realeza ou diretores de renomadas academias de esgrima. Como tal, era improvável que uma pessoa comum tivesse a chance de vê-los em vida.
“Nunca ouvi falar de um mestre espadachim assim… pensou Khubaru.”
Airen não era o único surpreso. Na verdade, Khubaru estava ainda mais chocado. Ele já tinha visto e ouvido falar de muitas coisas, conhecia a aparência da maioria dos mestres espadachins e, especialmente, memorizava aqueles que eram mercenários, aventureiros ou cavaleiros errantes, pois tinha mais chance de encontrá-los. Mas nenhum que ele conhecia combinava com a descrição do homem.
Isso significava…
“Um novo mestre espadachim no continente?”
Era a possibilidade mais provável. Claro, o homem poderia não ser um mestre. Khubaru era confiante em avaliar os outros e o havia considerado um especialista, assim como Airen.
“Mas não acho que uma feiticeira do nível de Lulu poderia estar errada.”
Esses pensamentos deixavam Khubaru confuso. Foi então que o espadachim de cabelos prateados terminou sua discussão com Anya e caminhou até eles. De perto, ele parecia menos um mestre. Caminhava com equilíbrio leve, mas parecia fraco, mais como um acadêmico do que um espadachim. Ainda assim, Khubaru manteve seus pensamentos ocultos.
Enquanto isso, o homem se apresentou educadamente.
— Prazer em conhecê-los. Sou Gerog, amigo de Anya.
— Olá. Sou Airen Farreira.
— Me chamam de Khubaru. Um orc.
— Eu sou uma gata! Nome é Lulu!
— Todos vocês são muito únicos, tanto quanto Anya. Oh! Não quis ofender, por favor, me perdoem se soei rude.
— Está tudo bem, sem problemas — respondeu Airen, acenando com a mão de forma casual.
O homem parecia superficial ao discutir com Anya, mas agora parecia muito mais educado e gentil do que Airen esperava. Com um sorriso caloroso, continuou.
— Que bom ouvir isso. Conversar com essa pirralha sem modos me faz pegar o hábito de parecer rude às vezes…
— Anya não é sem modos! Todo mundo da companhia mercante elogiou Anya! — gritou Anya.
— Pois é. Parece que ela não se conhece muito bem.
Gerog sorriu, e Airen e os outros sorriram sem graça. Anya tentou ficar brava, mas o homem de cabelos prateados a interrompeu.
— Airen, não é? — perguntou ele.
— Sim?
— Sei que pode parecer rude perguntar isso logo após nos conhecermos, mas você poderia me mostrar sua espada?
— Hã? Er…
— Oh, não estou pedindo nada absurdo como Anya, claro. Sei muito bem o quanto uma espada é importante para um espadachim. É só que… — Gerog olhou para Anya e suspirou. — Essa pirralha não parava de dizer que a espada é incrível e que eu mudaria de ideia ao vê-la… Então tive que pedir. Você se importaria?
Gerog perguntou educadamente. Após pensar brevemente, Airen assentiu. O pedido não era nada sério. Mostrar sua espada para alguém não o prejudicaria, e ele estava curioso para saber o que um mestre espadachim diria sobre sua espada.
Então, Airen estendeu a mão para o ar, e sua espada larga de aparência simples apareceu. Ele a segurou e lançou um olhar discreto, mas atento, para Gerog.
O homem olhou para a espada por um tempo, sem dizer nada. O que era peculiar era que ele não estava apenas olhando para a espada. O sorriso havia desaparecido de seu rosto, substituído por uma expressão séria. Em seguida, Gerog olhou para Airen.
Conforme o tempo passava, ele parecia olhar mais para Airen. Ficou assim por um bom tempo.
Airen sentiu arrepios subirem pelos braços.
“O que é isso?”
Os olhos de Gerog, como mármores, percorreram o corpo de Airen, dos pés ao rosto. Depois, fixaram-se nos olhos do jovem e além. De fora para dentro, os olhos do homem o penetravam, quase fazendo Airen recuar.
— Oh! Desculpe, acho que olhei demais.
O sorriso de Gerog retornou, acompanhado de um pedido de desculpas educado. A atmosfera estranha em torno dele desapareceu. Ele se curvava repetidamente enquanto falava.
— É, com certeza, uma espada incrível. Entendo por que Anya a queria.
— Não é? A capitã vai gostar dela, não acha? — perguntou Anya.
— Você está certa, mas não pode pegar as coisas dos outros.
— Não estou pegando! Estava tentando trocá-la pelo cofrinho em que economizei por um ano!
— Por um ano? Pensando bem, parece valer mais.
“A espada… e o homem também.” Gerog murmurou isso tão baixo que nem Lulu conseguiu ouvir.
— Por favor, desculpem-nos. Vou garantir que ela não os incomode mais — disse Gerog.
— Bah! Tchau, Lulu e amigos! Nos vemos novamente!
— Ufa… Até logo.
Anya e Gerog permaneceram enérgicos até o final. Lulu parecia desapontada ao vê-los partir, enquanto Airen permanecia em silêncio. Khubaru estava mais parecido com Airen.
“Quem poderia ser?” pensou o orc.
Ele não estava pensando em Anya ou Gerog. Ambos eram muito peculiares à sua maneira, mas a pessoa que realmente despertava sua curiosidade era a capitã de quem falavam.
Um era um mestre espadachim, e o outro, uma jovem feiticeira com habilidades que ele nunca havia visto. Se esses dois chamavam essa pessoa de capitã, certamente seria uma figura significativa.
“Muito interessante.”
Khubaru começou a repassar as informações que havia reunido, uma por uma. Foi quando Airen, de repente, falou.
— Acho que ele é um mestre — disse.
— Você também pensou nisso? — perguntou Khubaru.
— Sim. Ele é mais forte do que eu, com certeza. Você acha que ele participará da competição? — perguntou Airen.
— Provavelmente.
— Acho que será um evento desafiador, então.
Gerog não foi o único a observar. Airen também olhou nos olhos de Gerog por um tempo e sentiu, ainda que vagamente, a força de seu oponente. Mas não havia preocupação ou vergonha. Como já mencionado, ele estava ali para ganhar experiência e aprender. Vencer ou perder a competição não importava para ele.
— Só preciso fazer o meu melhor para aprender.
Airen falou com uma voz determinada. E, como sempre, Khubaru parecia satisfeito. Airen certamente havia mudado. Agora parecia muito mais ansioso para aprender do que quando começou a jornada. Mas ainda havia espaço para crescer.
Khubaru pensou por um momento, então abriu a boca.
— Airen, deixe-me dar um conselho. Você não precisa levar a sério se achar que estou sendo intrometido.
— Não, claro que não. Fique à vontade.
— Certo, então aqui vai. Você não deveria participar da competição com essa mentalidade. Você tem que tentar vencê-la.
Airen ficou sério com o conselho repentino e agressivo. Lulu também arregalou os olhos enquanto observava Khubaru, mas o orc continuou.
— Você acha que Khun, quando ainda não era um mestre espadachim, desafiou Ian apenas para aprender? Não. Ele provavelmente tentou vencer a luta. Querer vencer, desejar isso e se esforçar… Todas essas ações devem tê-lo permitido alcançar o mesmo nível de seu adversário. É o que eu acho — disse Khubaru em um tom sério. — Querer aprender é muito importante para um espadachim. É ótimo que você sempre tente aprender com humildade, não importa contra quem lute. Mas…
“Pensar que já perdeu antes mesmo de lutar não parece uma boa atitude.” As palavras de Khubaru terminaram ali. Ele não parecia agressivo, mas sempre falava de maneira gentil, o que tornava suas palavras mais impactantes.
Airen permaneceu em silêncio por um tempo. Não falou enquanto caminhavam pelas ruas procurando um lugar para ficar, nem enquanto esperavam a comida ser servida. Continuou calado por muito tempo depois disso.
“Talvez eu tenha falado demais”, pensou Khubaru, enquanto a atmosfera desconfortável persistia.
— Hm? Desculpe! Não queria estragar o clima… — disse Airen depois de um tempo.
— Não, não. Eu que peço desculpas por causar tanto incômodo. Eu não deveria ter dito…
— Não, não é isso. Você me disse exatamente o que eu precisava ouvir. Obrigado por isso. Acho que enfrentei a parte de mim que evitava — disse Airen com uma expressão séria.
Só então Khubaru finalmente ficou aliviado. Ele estava começando a se sentir culpado por ter dado um conselho inadequado, motivado por sua própria ambição. Mas o que Airen fez em seguida o deixou desconfortável novamente.
— Desculpe, mas preciso voltar para o quarto — disse Airen.
— Hã?
— Preciso pensar mais sobre o que você disse. Até logo…
O jovem loiro subiu para o quarto em um ritmo um pouco mais rápido. E Khubaru não conseguiu evitar sentir preocupação enquanto o observava partir.
Quatro dias se passaram desde que Airen chegou à cidade de Derinku. Khubaru e Lulu exploraram diferentes partes da cidade, admirando ferreiros incríveis que não poderiam ser encontrados em outros lugares, observando as armaduras e armas que criavam. Eles também desfrutaram da culinária e das bebidas regionais.
Mas Airen não participou de nada disso. Ele ficou preso em seu quarto, refletindo sobre o que Khubaru havia lhe dito.
— Não deveria ter dito o que disse.
Khubaru murmurava baixinho enquanto pensava em Airen, que ainda não havia aparecido no dia da competição. Parecia que sua ambição havia imposto um fardo difícil ao jovem. O orc estava tão animado em ver o rápido crescimento de Airen que, precipitadamente, deu um conselho inadequado.
Khubaru acreditava que Airen era um buscador. O jovem treinava na arte da espada para seu próprio crescimento, em vez de competir contra outros. Por isso, faltava-lhe a competitividade que a maioria dos espadachins possuía, o que Khubaru achava um pouco decepcionante. Ele acreditava que a competitividade era essencial para o crescimento dos jovens.
“Eu estava errado. Deveria ter considerado a personalidade de Airen.”
Khubaru suspirou. Sabia que Airen não era do tipo competitivo. O charme do jovem não vinha de lutas desafiadoras contra oponentes, mas dos dilemas constantes dentro de si. O que Khubaru ofereceu foram ‘roupas’ que não combinavam em nada com Airen.
“Se ele não for bem na competição… será minha culpa.”
Khubaru ficou sombrio enquanto Lulu, relaxando sobre a mesa sem preocupações, virou-se em direção ao segundo andar. Airen estava saindo de seu quarto.
— Airen!
Khubaru levantou-se rapidamente de sua cadeira. Estava prestes a pedir desculpas ou, pelo menos, dizer para Airen esquecer o que ele havia dito. O orc achava que um conselho que o jovem não pudesse digerir apenas o abalaria, algo que precisava ser evitado. Mas o jovem à sua frente parecia bem.
— Khubaru, o que foi? — perguntou Airen.
— Hã? Você mudou, Airen — disse Lulu.
— Mudei?
— Sim. Não sei o que é, mas você parece melhor agora — disse Lulu.
— Obrigado — respondeu Airen.
Não era apenas uma aparência melhor. Khubaru fechou os olhos, abriu-os novamente e observou de perto.
O fogo dentro dele cresceu…
— Khubaru? Está tudo bem? — perguntou Airen.
— Hã? Oh, não é nada. Fico apenas feliz em vê-lo. Pareceu uma eternidade. Haha… — murmurou Khubaru.
— Ah, sim. Acho que fiquei tempo demais no quarto. Obrigado por se preocupar comigo.
Airen o olhou com um sorriso. Lulu pulou para o ombro de Airen e observou Khubaru.
— Viu? Não precisava se preocupar — disse a gata.
— Ha… haha. Acho que sim.
Khubaru coçou a parte de trás da cabeça. Lulu estava certa. Ele se sentia um tanto envergonhado, mas Airen sorriu e falou com ele novamente.
— Vamos então?