— Ah, que dia lindo! Céu limpo, vento fresco… — murmurou Judith enquanto olhava pela janela da carruagem que deixava Drukali.
Mas ela não estava realmente apreciando o clima. Embora o céu estivesse azul puro, sem nenhuma nuvem, o vento era mais do que apenas fresco. Estava frio, já que estavam no norte do continente.
“Vou morrer de constrangimento se não falar algo”, pensou Judith, desviando o olhar da paisagem para Brett Lloyd, que também olhava pela janela.
Sim, Judith e Brett haviam deixado Airen e os outros, com quem estiveram por um ano. Agora, estavam sozinhos.
Embora o cocheiro os acompanhasse até saírem do território dos orcs, graças à oferta de Tarakhan, ele apenas dirigia a carruagem e ajudava com tarefas triviais.
Em outras palavras, Judith e Brett estariam sozinhos por três meses até chegarem à Academia de Esgrima Krono.
“Antes, isso não era problema.” Judith suspirou silenciosamente para que Brett não percebesse.
Tudo por causa dele. Se aquele bastardo ridículo não tivesse dito tais palavras para ela… não estaria agora encarando a paisagem com desconforto. Poderiam estar discutindo sobre esgrima, relembrando eventos da jornada ou simplesmente brincando.
Agora, todas essas opções pareciam inviáveis.
Bem, tecnicamente, ela ainda poderia falar com ele… Mas achava difícil olhar nos olhos de Brett com calma.
Em Drukali, pelo menos tinha algum tempo sozinha enquanto treinava. Quando precisava lidar com Brett, sempre havia outras pessoas por perto, o que tornava fácil ignorar seus elogios ousados, ou às vezes provocativos. Podia gritar ou deixar Illia repreendê-lo.
“Deveria ter vindo sozinha?” pensou Judith por um breve segundo antes de balançar a cabeça.
Não, ela não queria. Também queria retornar à academia com Brett. Para começar, não odiava sua companhia. Se tivesse que admitir, diria que até gostava… No entanto, como alguém que nunca pensara seriamente sobre ‘amor’ em seus 19 anos de vida, continuava indecisa e hesitante.
“Ugh, isso me dá dor de cabeça.”
Judith afastou o olhar da janela e fechou os olhos.
Isso era difícil. Ela nunca teve dúvidas sobre irritar-se ou desgostar de alguém. Mas gostar de alguém, especialmente de forma romântica, a deixava inquieta.
Ou, para ser mais específica… Judith estava justamente pensando naquela palavra que a fazia corar furiosamente ‘amor’ quando…
— Eeeek! — gritou Judith em um tom agudo, sentindo um calor repentino ao seu lado.
O culpado era ninguém menos que Brett Lloyd, que de alguma forma saíra de seu assento do outro lado e agora estava ao lado dela.
— O q-que é isso?! Por que está colado em mim sem dizer nada?! — gritou Judith, os olhos arregalados.
— Não posso? — perguntou Brett.
— Não! Quer dizer, não é como se não pudesse, mas por que veio para cá se tem tanto espaço ali?
— Quer saber o motivo? — perguntou Brett calmamente. Apesar de sua expressão serena, sua voz era grave.
Sem palavras, Judith o encarou, atordoada. Brett sorriu e respondeu — Porque estou com frio.
— O quê…? — questionou Judith.
— Estou com frio. É só outubro, mas já está gelado. Acho que é por estarmos no norte do continente. Então, me sentei ao seu lado… O quê? Não é o que esperava? — disse Brett suavemente.
— Não…? Eu não estava esperando nada — protestou Judith.
— Então vou fechar a porta para você voltar ao seu lugar — resmungou.
— Desculpe. Vim porque quis — explicou Brett rapidamente.
— Agora que fui honesto, posso ficar aqui?
— Tanto faz…
Corando e bufando, Judith encarou Brett antes de desviar o olhar.
Mesmo antes, ela sentia que não conseguia vencê-lo em discussões. Atualmente, parecia que ele a estava manipulando. Judith bufou.
Claro, ela sabia bem que Brett não estava apenas tentando irritá-la. Ele estava tentando demonstrar seus sentimentos sem sobrecarregá-la. Em outras palavras, sua postura irritante era resultado de considerável reflexão e estratégia.
E Judith apreciava isso.
“Esse desgraçado irritante. Me tira do sério.”
Ela era grata, feliz por alguém gostar e amar sinceramente uma pessoa como ela, uma garota rude que achava que não merecia amigos.
Essa pequena alegria eventualmente superou a irritação e o peso que sentia, crescendo ainda mais. Depois que o cocheiro de Drukali os deixou e se aproximaram da Academia de Esgrima Krono, Judith confessou seus sentimentos em um dia de inverno, enquanto a neve caía silenciosamente.
— Eu não te odeio.
— Para ser honesta, também gosto de você. Mas… Estou hesitante e um pouco assustada com… seus sentimentos.
“…Com aceitar seus sentimentos.”
Brett ouviu claramente as palavras quase inaudíveis. Ele engoliu em seco, parado no meio da estrada nevada, olhando para Judith.
Ela continuou — E não sei se deveria estar em um relacionamento com alguém depois de ter vivido minha vida fazendo todo tipo de coisa errada nas ruas — murmurou.
— E não sei se conseguiria manter um relacionamento, já que só sei lutar com espadas — acrescentou.
— Se… realmente se… eu me tornasse sua… sua namorada e, depois, deixasse de ser por causa do meu passado ou qualquer outra coisa… se não pudéssemos mais nos ver, eu não saberia o que fazer. Então… acho que preciso de mais tempo — concluiu Judith.
— Desculpe. Acho que isso foi muito egoísta.
Com isso, Judith suspirou baixinho. Estava frustrada e irritada. Ficava louca por só conseguir dar uma resposta dessas a alguém que havia reunido coragem para confessar seus sentimentos. Fechou os olhos e abaixou a cabeça, temendo o que ouviria em seguida.
Ela não precisou esperar muito.
— Hã?
Os olhos de Judith se arregalaram de surpresa. A mão de Brett segurava a dela com firmeza. Não era quente, mas parecia sólida. Ela encarou o jovem de cabelos azuis, que sorriu e falou:
— Que alívio que você não me rejeitou.
— Hã…?
— Vamos ver… Eu diria que estou em período de teste, então?
— O quê?
— Não? Foi assim que interpretei. Foi uma rejeição?
Judith balançou a cabeça vigorosamente, o vento assobiando em seus ouvidos.
Brett sorriu ainda mais carinhosamente e continuou.
— Então somos mais que amigos, mas menos que namorados. Acho que posso me contentar com isso — disse.
— O quê? — perguntou Judith.
— Ou não precisamos, se você não gostar. Não, vamos fazer isso. Não acho que posso aceitar menos.
— Você não precisa responder. Se continuar segurando minha mão, vou entender como um sim — declarou Brett enquanto caminhava orgulhosamente, ainda segurando a mão de Judith.
Ela não soltou. Pelo contrário, apertou ainda mais, como se quisesse afastar o frio das mãos dele.
Os dois espadachins caminharam em silêncio pela neve. Mas sua paz durou pouco, pois visitantes inesperados bloquearam o caminho.
— Aonde este mundo está indo? — zombou um deles.
— Dois jovens, em plena luz do dia… hein? Nos fazem sentir excluídos! — provocou outro.
— De fato. Já que feriram nossos sentimentos… diria que deixem o que têm aí mesmo.
Um grupo de ladrões armados com armas ameaçadoras bloqueou o casal.
Judith os olhou, incrédula. Ela levantou o punho para lhes dar uma lição quando…
Thump!
Crack!
Craaack!
— Vamos? — sugeriu Brett.
Judith olhou para o seu, mais que amigo, menos que namorado, que acabara de nocautear os ladrões, diferente de seu usual autocontrole.
Ela riu ao vê-lo tão irritado.
— Vamos lá, segure minha mão de novo. Estou ficando com frio — ela convidou.
O novo ano começou.
Era o final de janeiro quando os dois espadachins chegaram a Alcantra, quinze dias mais tarde do que haviam planejado. Eles encararam o portão da Academia de Esgrima Krono com admiração.
Após um ano e meio, finalmente haviam retornado. E não voltaram os mesmos. Ambos haviam alcançado conquistas das quais podiam se orgulhar. Judith, em particular, estava explodindo de empolgação.
“O que o diretor diria se me visse agora?” pensou ela.
Para ser justa, ela não havia seguido o conselho de Ian fielmente. O diretor desejava que ela aprendesse a relaxar durante suas viagens pelo continente e se libertasse de seu complexo de inferioridade e culpa.
“Não preciso disso”, pensou Judith.
Em vez de seguir o conselho do diretor, Judith trabalhou ainda mais duro. Criou um fogo tão intenso que surpreendeu até Gorha, o Grande Espiritualista de Drukali. Embora o fogo a consumisse dolorosamente, ela não acreditava ter feito uma escolha errada.
“Que diferença faz, se eu posso aguentar? Eu sei que consigo.”
Por mais frustrante, enfurecedor e de partir o coração que fosse, Judith não se importava. Não se importava nem se os sentimentos negativos a acompanhassem até o túmulo. Estava pronta para aceitar e suportar tudo.
Então, estaria onde ninguém mais no continente poderia estar.
— Vamos entrar? — perguntou Brett.
— Certo… — respondeu Judith, com um aceno de cabeça.
Ela estava tão empolgada quanto nervosa. Mas então… Judith ouviu um som familiar.
— Isso é… — murmurou Brett, também percebendo o que estava acontecendo.
Com uma leve carranca, ele escutou atentamente.
Espadas se chocavam. Mas não era um simples som de metal contra metal. Era algo mais forte e assustador…
“A Aura da Espada…! É um duelo entre mestres!” percebeu Brett.
— Vamos! — disse Judith, apressada.
Brett assentiu. Um duelo entre mestres, quem quer que fossem, era um espetáculo digno de ser visto.
Os dois se moveram rapidamente. Chegaram ao campo de treinamento para ver todos, incluindo graduados e aprendizes, observando um duelo entre dois espadachins.
Brett e Judith também não puderam evitar assistir com admiração.
Judith se perguntou quantos combates entre grandes espadachins ela já havia assistido até então.
Ela havia visto muitos duelos entre veteranos enquanto estava na academia. Na Terra da Provação, testemunhou os combates de Airen e Illia. Em Drukali, experimentou o poder de Karakhum, o maior guerreiro dos orcs, exercendo a Arte dos Cinco. Tarakhan e Khalifa também não eram oponentes fáceis.
No entanto, todos esses pareciam insignificantes diante do duelo que estava acontecendo agora.
Brett Lloyd sentia o mesmo.
Cr-crack!
Era como um raio…
Crash!
Boom!
Ou como o martelo de um gigante…
O combate que continuava não podia ser descrito em palavras. Todos os espadachins, incluindo Brett e Judith, assistiam paralisados.
Eles só voltaram a si quando os combatentes recolheram suas espadas.
— Vamos parar por aqui? Acho que não veremos o fim disso de qualquer forma — falou um deles.
— Não. Eu definitivamente vou ganhar — respondeu o outro.
— Vamos mais uma então?
— Cala a boca. Eu vou acabar com você da próxima vez, então esteja preparado.
— Oh, meu Deus, acho que devo treinar mais.
— Nem fodendo. Desde quando você não treina pesado?
— Vejo que não vou te vencer com palavras.
— Logo você não vai me vencer nem com a espada. De qualquer forma, vou sair para um encontro com Keira.
— Você faz este homem solteiro ficar triste…
O diretor mantinha sua habitual postura respeitosa. Contudo, seu oponente não. O modo como ele temperava suas falas com palavrões lembrava Judith.
Claro, as semelhanças terminavam aí. Por fora, o velho de músculos de aço não se parecia em nada com ela, não que isso importasse.
Sua conversa com Ian e as habilidades que demonstrava deixavam sua identidade clara.
— Khun! — gritou Brett, percebendo quem era o homem.
Um dos espadachins mais poderosos do continente havia deixado sua reclusão para visitar a academia.
— Hmmm? — murmurou o velho enquanto caminhava pela multidão, seus olhos fixando-se em Brett.
Claro que ele o faria, já que seu nome fora chamado. Estreitando os olhos, Khun caminhou na direção do jovem que ousara chamá-lo.
Mas então mudou de direção.
Sua energia bestial e olhar assustador recaíram não sobre Brett Lloyd, mas sobre Judith.
Os espadachins, incluindo Brett, empalideceram. No entanto, Judith não recuou. A Arte dos Cinco parecia arder em seu coração. Qualquer coisa que lhe faltasse, ela compensava com pura determinação.
Apesar de suas pernas tremerem, ela abriu os olhos. Khun a encarou por um longo tempo.
O que ele disse em seguida foi surpreendente o suficiente para chocar todos no campo de treinamento.
— Você, seja minha aprendiz.