Illia Lindsay passou toda a sua vida sob o escrutínio dos outros. Sua afiliação com a Casa Lindsay, seu talento na esgrima e sua beleza, que floresceu desde jovem, a tornaram um alvo.
Embora no início não desse importância a isso, precisou mudar de ideia quando isso destruiu seu irmão, Karl Lindsay.
“Ele nunca superou, afinal.”
“Pensávamos que ele era um gênio que lideraria todo o continente um dia.”
“Illia Lindsay? Ela pode ser talentosa, mas é insuficiente, não é? Também parece mentalmente frágil.”
Ninguém dizia nada de bom, nem ela encontrava olhares amigáveis. Tudo o que restava, após perder seu irmão, eram rumores descontrolados sobre sua família e sobre ela mesma. Foi então que ela se tornou inexpressiva. Escondeu seus sentimentos e tentou ser o mais educada e séria possível, para que o público, que a observava como hienas famintas, não encontrasse nenhuma oportunidade.
Quando finalmente reencontrou Judith, esta a saudou com um simples insulto.
— Você é burra? — perguntou Judith.
— O quê? — questionou Illia.
— Quero dizer, você parece muito burra. O que está fazendo se preocupando com algo assim? Não é cansativo? Até quando vai deixar que essas pessoas te atinjam?
— Mas…
— Ei, ouça. Para esse tipo de gente, não importa o que você faça. Mesmo que você se torne a melhor do continente, não, a melhor do cosmos, uma espadachim capaz de derrubar montanhas e dividir mares, eles vão falar de você. Estou certa?
Illia não conseguiu negar. Foi por isso que Judith lhe ensinou alguns palavrões.
Illia não precisava se conter diante daqueles que a atacariam de qualquer forma. Em vez disso, poderia mostrar alguns insultos para, pelo menos, se sentir melhor com isso.
“Bem, não foi intencional”, pensou Illia no salão do banquete, mortalmente silencioso, enquanto relembrava seu último encontro com Judith.
Ela havia se tornado bastante boca-suja graças a Judith, mas não tinha a intenção de dizer o que disse agora há pouco.
Ela talvez conseguisse ser ela mesma com Brett e Judith, mas era conservadora demais para se abrir diante do público. Era o que ela pensava, mas…
Aconteceu que estava errada. Illia sentiu-se surpresa e envergonhada. O modo como as pessoas a encaravam, chocadas com suas palavras vulgares, a atingiu. Ela sentiu como se seu corpo estivesse cheio de vapor.
Ao mesmo tempo, no entanto, experimentou uma estranha satisfação.
“Não é tão ruim…”
Foi então que Illia soltou mais um palavrão.
Iick.
As pessoas reagiram. Embora não fosse de maneira dramática, Illia percebeu. Todos que a julgavam agora estavam atônitos ou limpavam a garganta de forma desconfortável.
Se fosse seu antigo eu, ela teria se sentido incrivelmente pressionada, mas agora as coisas eram diferentes. Com um sorriso, ela se voltou para Airen e Lulu antes de sugerir — Vamos nos sentar, Airen?
— Hã? Certo… — respondeu Airen.
— Lulu, deixe-me pegar sua varinha. Você não pode perdê-la depois de todo o trabalho que teve com ela.
— Hm, tudo bem…
Mas os nobres de Lavaat e Palanke não eram os únicos chocados. Os de Calvin, seus aliados, e até mesmo Airen e Lulu pareciam surpresos. Amyra Shelton, a Capitã Tenente , estava desajeitada, sem saber o que fazer, enquanto o capitão apenas deu uma risada. É claro que o capitão tinha seus pensamentos. Embora não fosse muito notado por ser baixo, os olhos de Gregory Griffin brilhavam intensamente.
— É verdade que isso é problemático, mas tenho certeza de que ela está sentindo mais pressão do que nós — pensou ele.
Era óbvio o motivo de Illia ter xingado. Não havia como ela, a mestre espadachim, não ouvir os murmúrios que até chegavam aos seus ouvidos. Nem mesmo Lavaat e Palanke poderiam negar que os nobres haviam passado dos limites.
Como reagiriam? Deixariam isso passar? Isso não seria tão ruim, já que significaria que Calvin tomou a dianteira pela primeira vez. Ou provocariam uma briga? Isso também não seria tão ruim, embora fosse incômodo.
Calvin tinha mais do que argumentos suficientes para falar sobre como as outras duas nações continuavam insultando a preciosa filha da Casa Lindsay, que também era uma mestre espadachim. Poderiam até criar laços com a Casa Lindsay, se lidassem bem com a situação e acalmassem Illia.
— Ainda assim, imaginar que uma jovem tão madura diria algo tão vulgar… Realmente não esperava isso — pensou o capitão, com uma risada.
Ninguém prestava atenção nele. Todos estavam ocupados demais com Illia Lindsay, que acabara de se sentar. A mulher de cabelos prateados conversava casualmente com Airen Farreira, apesar da atenção.
Alguns pigarrearam em meio ao silêncio constrangedor. Um momento depois, Perry Martinez deu um passo à frente, como se tivesse sido pressionado. Ele começou a caminhar em direção a Illia, encarando-a intensamente. A talentosa jovem da Casa Lindsay não recuou. Ela virou-se para encará-lo de volta. Apesar de permanecer inexpressiva, seus olhos agora pareciam frios.
O capitão observou antes de rir amigavelmente.
— Relaxe, Amyra — disse ele, virando-se para o lado.
— Si-sim, senhor! Hã? O que quer dizer… — gaguejou Amyra.
— Eu disse que cuidaria de coisas assim, não disse? Não se preocupe. Talvez coma mais tarde, você pode passar mal se comer agora.
— Eu, uh… sinss-enhor. Entendido.
Tendo acalmado Amyra com algumas palavras, ele rapidamente caminhou em direção a Illia. Mais problemas não seriam benéficos para Calvin, afinal.
Gregory Griffin estava calculando como afastar o mago da maneira mais eficaz, quando algo aconteceu no meio do silencioso salão do banquete.
Woosh!
Todos se viraram ao som vibrante.
O ar se abriu verticalmente, e uma luz dourada começou a brilhar pela fenda. Os olhos de todos se arregalaram.
Airen e Lulu também se voltaram para olhar, surpresos. Mas, ao contrário dos outros, eles sabiam o que aconteceria a seguir, pois já haviam passado por algo semelhante antes.
Como esperavam, o portal oval dourado começou a expelir pessoas.
Clack, clack.
Incontáveis botas de ferro pisaram no chão de mármore enquanto cavaleiros, totalmente armados como se estivessem indo para a guerra, saíam. Suas capas negras e os emblemas em seus peitos mostravam que eram os Cavaleiros Negros do Reino Sagrado de Arvilius.
Os nobres suspiraram aliviados. É claro que, de forma alguma, haviam perdido o interesse.
Logo, o líder de uma das três organizações militares de Arvilius, a nação mais forte do continente, apareceu: Ignet Crecensia, a figura lendária que passou de órfã a líder de mercenários, antes de se tornar capitã dos cavaleiros da nação mais poderosa do continente.
Todos no salão pararam para observar o portal dourado.
Woosh.
Swoosh!
Os Cavaleiros Negros continuaram a sair. Cinco, dez, quinze, vinte… O salão, relativamente amplo, começou a parecer pequeno. Os cavaleiros das três nações engoliram em seco, sentindo a pressão da carismática presença dos novos convidados.
No entanto, a figura que saiu a seguir quebrou a tensão. Uma jovem em maquiagem pesada, vestindo um vestido preto, entrou. As pessoas a olharam, intrigadas. Ela não deu atenção a ninguém, murmurando.
— Hã? Oops. Eu tentei fazer um portal fora do salão…
— Isso é porque você não usou moedas de feitiçaria suficientes. Pague direito da próxima vez, mesmo que não goste, hein? — repreendeu um cavaleiro de cabelos grisalhos que a seguiu.
— Eu devo economizar, se puder!
— Esqueça.
Os espadachins das três nações ficaram tensos ao perceber o rosto relaxado do cavaleiro. Eles sabiam quem ele era, ao contrário da jovem de vestido. Assim como Ignet, ele havia conquistado a posição de Capitão Tenente o por seus próprios méritos.
“Georg Phoibe… ele é um mestre, se bem me lembro”, pensou Perry Martinez, com os olhos semicerrados. Outros membros fortes também ficaram alertas com a chegada de um dos cem mais poderosos do continente.
Eles não podiam evitar. Afinal, aqueles do reino sagrado eram tanto competidores quanto aliados. Assim, todos avaliaram cuidadosamente os novos convidados.
É claro que…
Wooosh!
Zap!
A competição silenciosa chegou ao fim quando o portal revelou a última pessoa antes de desaparecer: a Capitã Ignet Crecensia, dos Cavaleiros Negros, a terceira pessoa mais forte do reino sagrado. A maioria dos que cruzavam seus olhos não conseguia evitar desviar o olhar.
Os fortes podiam impactar os outros de duas formas. Alguns pareciam tão comuns que passavam despercebidos, enquanto outros exerciam pressão assim que entravam em um ambiente. Ignet era, sem dúvida, do segundo tipo. Aqueles mais sensíveis não conseguiam nem olhar diretamente para ela, como se ela emitisse uma luz intensa.
É claro que nem todos desviaram o olhar. Sevion Brooks, um dos mais fortes e o maior cavaleiro de Palanke, que empunhava uma espada desde sempre, reagiu de maneira diferente.
“Que empolgante”, pensou ele enquanto seu coração acelerava. Seu sangue fervia, assim como sua empolgação.
Ignet era verdadeiramente como o sol. Os fracos sequer poderiam se aproximar dela. Mas os fortes sentiam-se queimando de entusiasmo.
“Ah, como eu adoraria lutar com ela”, pensou Sevion Brooks enquanto dava um passo à frente, incapaz de esconder suas emoções. Ele sabia que a outra era muito mais jovem do que ele, mas não se importava. Tampouco ligava para o fato de ela ser de uma nação mais poderosa que sua terra natal. Isso era entre um espadachim e uma espadachim.
Decidido, Sevion Brooks começou a caminhar em direção à capitã do reino sagrado.
No entanto…
Ignet Crecensia não se voltou para Sevion Brooks. Passando pelo maior cavaleiro de Palanke como se ele não fosse nada, ela seguiu até um canto do salão. As pessoas se viraram curiosas, apenas para ficarem em silêncio.
— Você mudou muito — disse Ignet.
— Diga-me. Diga-me… o que aconteceu.
Airen Farreira olhou de volta para Ignet Crecensia, que o encarava com fervor, como o sol, enquanto ele se levantava.