— Eu… nem sabia que era uma ilusão. Simplesmente fui pego pelo que vi e vaguei sem sequer duvidar dos meus olhos… — explicou um dos cavaleiros ao Capitão Gregory Griffin, de Calvin, enquanto detalhava o que havia acontecido.
Se ele não tivesse retornado com Airen Farreira, teria ficado preso na provação divina para sempre.
— Entendo. Obrigado — respondeu o capitão, enquanto fazia a mesma pergunta aos outros.
Ele sentia um certo pesar. Apesar de Calvin ter o menor número de integrantes na equipe de expedição, era o grupo com maior número de possíveis retardatários. Perceber o quão fraco Calvin era fez o capitão franzir o rosto.
Mas, acima de tudo, ele estava surpreso com Airen Farreira.
“Não acredito que ele conseguiu até mesmo intervir em uma provação divina…!” pensou Gregory, admirado.
Todos os cavaleiros de Calvin disseram a mesma coisa, estavam lutando no desespero, sentindo-se ansiosos e aflitos enquanto a escuridão os envolvia, quando descobriram um lampejo de luz. Era quente e reconfortante. O fogo acendeu a esperança nas mentes dos retardatários, permitindo que escapassem da provação divina em segurança. A espada dourada de aura de Airen funcionara como um farol.
“Parece até proporcionar calor…” refletiu Gregory, observando a grande espada do jovem espadachim, que brilhava com uma luz curiosa que transmitia paz.
A energia que nunca vira na aura de outro mestre espadachim parecia encorajá-lo.
Por outro lado, Amyra Shelton havia abandonado todo o orgulho para observá-la de perto.
— Uau, uooou! — exclamava, como uma garota ingênua.
O capitão balançou a cabeça e caminhou até ela.
— Sua tola. Pense na sua idade e posição — repreendeu.
— Hã? Ah! Oh… — respondeu Amyra, recuando apressadamente, envergonhada. Embora tentasse reassumir sua postura como capitã tenente, seu rosto corado a fazia parecer uma criança.
Estalando a língua, Gregory virou-se para Perry Martinez, o líder da primeira equipe de expedição.
“Ele não parece nada feliz” observou Gregory.
De fato, o que Perry acreditava ser uma masmorra com barreira mágica acabou se revelando um templo antigo. Agora, havia um jovem com menos da metade de sua idade resgatando quase vinte pessoas de maneira exemplar. Como resultado, todos na equipe de expedição estavam focados em Airen Farreira, o que feriu o orgulho de Perry.
— Mas a provação divina que enfrentamos agora não será tudo — pensou Gregory Griffin.
A ‘bênção divina’ em um templo antigo supostamente imbuía alguém com poderes e habilidades além da compreensão humana. No entanto, as informações sobre a bênção permaneciam escassas, já que poucos conseguiam superar os obstáculos severos bloqueando o caminho. Portanto, o líder se sentir magoado e arruinar o espírito da equipe não seria bom.
Tomando sua decisão, Gregory aproximou-se de Perry.
— Senhor Martinez — chamou.
— Sim? — respondeu Perry.
— Vou preparar minha equipe. Nós, de Calvin, seguiremos suas ordens.
— Hmph.
O rosto de Perry iluminou-se um pouco ao perceber que o capitão de Calvin reconhecia sua autoridade.
— Nós, magos, devemos usar nossa magia de detecção para liderar o caminho. Sevion, escolha alguns homens ágeis que possam atuar como guardas, e… — disse, após um momento de hesitação.
Por fim, o grupo se acalmou. Aqueles que haviam sido afetados pela provação recuperaram a compostura, enquanto os que estavam animados com Airen ficaram em silêncio.
— Vamos por aqui — disse Perry, ao ver que o grupo estava pronto.
— Certo.
— Confio em você, Senhor Martinez.
Assim, a equipe de expedição retomou sua jornada, seguindo os líderes de Lavaat, Palanke e Calvin.
A densa escuridão se aproximava à medida que caminhavam pelo longo corredor.
Masmorras eram protegidas por guardiões, fossem monstros afetados por magia ou criaturas misteriosas nascidas de artefatos heroicos.
O mesmo valia para templos. Criaturas sagradas protegiam o local para impedir que pessoas mal-intencionadas ou não qualificadas obtivessem poder.
No entanto, nem mesmo os guardiões divinos puderam deter a equipe de Perry.
Crash!
Craaack!
Projéteis surgiam no ar enquanto os magos recitavam encantamentos. Ampliadas por equipamentos mágicos, as esferas cinzas derrubavam golems feitos de materiais desconhecidos sob as ordens do grande mago.
— Hah!
Slash!
Sevion Brooks aproveitou a oportunidade para destruir o núcleo de um dos golems, que conseguira localizar graças à magia de detecção. Girando rapidamente, ele avançou contra o ponto vermelho no corpo de outro golem. Outros cavaleiros também focaram na destruição dos núcleos para impedir que os golems se regenerassem.
Assim terminou a quinta batalha na masmorra. Embora os membros da equipe tivessem apenas pequenos intervalos entre os combates contra inimigos formidáveis, ninguém havia sofrido ferimentos graves. De fato, tudo estava indo de vento em popa até então.
Infelizmente, o clima estava longe de ser agradável.
— Tsc.
— Tsc? Está estalando a língua para mim?
— Não. Cuide da sua vida.
— Cuidar da minha vida? Você acabou de me insultar, não foi?
— Hah! Se não gostou disso, faça o seu trabalho e não atrapalhe todos.
— Seu…
Os membros apontavam erros triviais em voz alta e reagiam de forma agressiva em vez de pedir desculpas.
— Não… Com minhas habilidades, só vou ser um estorvo para o grupo.
— Se eu tivesse ficado na provação, pelo menos não estaria incomodando ninguém…
— Logo vou cometer um erro. Sei disso. Não posso ter sorte por tanto tempo…
As pessoas perdiam a confiança por coisas pequenas. O medo e a inquietação cresciam e se espalhavam rapidamente. Perry Martinez observava com uma expressão rígida. Os guardiões do templo não eram o problema aqui. Em vez disso, a equipe de expedição precisava superar os ecos da provação.
— O que devo fazer? — murmurou Perry.
— Tem alguma sugestão, Senhor Martinez? — perguntou Gregory.
Ele e Sevion Brooks foram até Perry, percebendo a gravidade da situação. No entanto, nem mesmo os três veteranos experientes conseguiam encontrar uma solução.
“A situação está pior do que pensei…” ponderou Perry silenciosamente, acariciando a barba enquanto observava os membros descansando conforme sua ordem.
Nem todos estavam sofrendo com a provação. Os que estavam agindo de forma instável eram aqueles que quase se perderam na primeira provação. Os outros pareciam tão determinados como sempre.
Infelizmente, os membros ansiosos continuavam influenciando negativamente os saudáveis. Quando alguém expressava descontentamento e agia de forma desesperada e sem esperança, os que observavam acabavam caindo no mesmo estado de miséria. Isso era o que estava acontecendo com o grupo.
Nesse ritmo, o número de pessoas prejudicando o grupo vai aumentar. O peso recairá sobre os restantes, que eventualmente também cederão ao desespero.
“Talvez… Sevion, aqueles três mercenários de Calvin e eu tenhamos que cuidar de todos. Se quisermos evitar isso, devemos abandonar as maçãs podres.”
O problema era que não se podia descartar pessoas como se fossem objetos. Perry suspirou antes de começar uma história.
— Isso me lembra de um homem com um olho e noventa e nove cegos.
Sevion e Gregory assentiram ao mesmo tempo. Eles também conheciam essa história.
Em vez de matar cem prisioneiros de guerra, cegavam noventa e nove deles e tiravam um olho do centésimo. Quando os soldados retornavam para casa, o país deles não tinha escolha senão usar imensos recursos para sustentar os sobreviventes agora cegos. Um tirano antigo supostamente usava esse método após ouvi-lo de um demônio.
Era irônico que uma provação divina se assemelhasse ao método de um demônio.
“Ó deus, como pode nos infligir isso?” questionou Perry silenciosamente.
Ele não podia abandonar os retardatários nem carregá-los. A dúvida e a angústia que se espalhavam como fogo eram prejudiciais demais para simplesmente serem aceitas com confiança.
Foi então que Airen Farreira, o jovem loiro que mantinha silêncio, invocou sua grande espada e ativou a aura dourada.
— Oh… — murmuraram os membros da equipe, parecendo encorajados.
Sentindo-se tanto irritado quanto aliviado, Perry observou a aura de Airen. Por algum motivo, aquela energia tinha o poder de aliviar a atmosfera negativa.
No entanto, Airen não havia invocado sua espada de aura para melhorar o clima. Virando-se para Perry Martinez, ele disse — Eu também conheço a história dos noventa e nove cegos e do homem com um olho só.
— Também conheço o demônio que instigou o tirano antigo.
— Do que você está falando? — perguntou Sevion Brooks.
Airen não respondeu, fechando os olhos para se concentrar. Ele achava aquilo um tanto estranho. Podia ser uma provação, mas o método era cruel demais. A energia que arrastava as pessoas para o seu ponto mais baixo de maneira impiedosa era maliciosa demais para ser divina.
Foi então que Airen percebeu como o inimigo conseguira esconder sua malícia repulsiva.
Ao entender contra o que estava lutando, Airen Farreira cerrou os dentes.
“É claro, ele viveu a vida inteira sob uma máscara” pensou ele.
Woosh!
A espada de Airen começou a brilhar com mais intensidade, mudando de forma. A lâmina elegante da espada de aura começou a reluzir como fogo, queimando o espaço ao seu redor.
Pst, pssst…
A escuridão se partiu. A sombra de mentiras, enganos e hipocrisia rachou, revelando um novo espaço.
Então, todos perceberam que a masmorra em si era apenas uma ilusão. O que acreditavam ser uma provação divina não passava de uma artimanha de um demônio.
“Não, isso não é um demônio!” pensou Perry Martinez, engolindo em seco.
Em um palco feito de ossos e carne humana, apareceu alguém em um traje extravagante. Além de sua estatura pequena, o que chamou a atenção de Perry foi uma máscara rachada que lembrava a de um bufão.
Ao cruzar olhares com a criatura, Perry soube que não havia como um mero demônio inspirar tamanho terror.
Com arrepios percorrendo seu corpo, Perry se preparou para alertar o grupo quando…
Shhh!
A mão do bufão se moveu. Quinze membros, aqueles que mais haviam sofrido durante a provação, apareceram no palco. Ao perceberem o que estava acontecendo, começaram a gritar, mas vinhas surgiram e os prenderam.
O demônio bufão segurou o estômago, rindo, antes de se virar para o restante do grupo.
— Hee hee, heh, fu fu, vamos, aplaudam! — convidou.
Clap, clap, clap!
As palmas do demônio ecoaram pelo enorme espaço vazio. Ninguém o acompanhou, apenas observavam seus companheiros sendo levados. Olhares cheios de medo e raiva estavam fixos na criatura.
O bufão, que até então se movia de forma animada, parou de rir. Ele encarou seu público em silêncio antes de estalar os dedos.
Com o estalo, a cabeça de um dos prisioneiros caiu.
— Agora, aplaudam! — disse o bufão antes mesmo que a equipe pudesse reagir com raiva.
Clap, clap, clap!
As pessoas assistiam, furiosas, mas não se atreviam a agir. Alguns começaram a bater palmas, temendo o que o bufão faria a seguir. O som das palmas encheu o espaço vazio.
Lulu, que havia mudado para a forma de uma garota feiticeira, virou-se ansiosa para seu amigo.
“O que devemos fazer? O que vamos fazer?”
Compreendendo Airen melhor do que qualquer um, Lulu sabia o quão difícil aquela situação era para ele. Um cenário onde qualquer decisão levaria ao sofrimento de alguém o afligia mais do que o próprio demônio assustadoramente poderoso.
Airen, que era forte, mas mais gentil do que qualquer um, acharia aquilo insuportável.
Foi então que…
Flash!
Perry Martinez, o líder da equipe de expedição, Sevion Brooks, o grande cavaleiro de Palanke, e até mesmo o demônio bufão ficaram surpresos ao ver Airen cerrando os dentes e avançando.
Desta vez, não era como na expedição ao sul, quando ele avançou cegamente tomado pela raiva.
Carregando o peso de sua própria espada e vontade, Airen atacou, lágrimas escorrendo de seus olhos.