Plop.
Nuvens de poeira cobriram a escuridão quando algo desagradável caiu no chão: a carne do demônio, uma substância terrível capaz de causar trauma apenas com o toque.
Felizmente, ninguém foi exposto a ela, nem se envolveu nas consequências. Lulu, em sua forma alternativa, protegia a equipe da expedição com toda a sua força. Mas, em grande parte, Ignet e Anya concentraram seus poderes exclusivamente no demônio bufão. Tal era o poder do incrível manejo de espada de Ignet Crecensia e da feitiçaria de Anya, que valia três anos de suas economias.
“Não sei o que dizer”, pensaram Sevion Brooks e Perry Martinez ao mesmo tempo, tendo testemunhado tanto em menos de cinco minutos.
Havia um jovem que demonstrara feitos maiores do que eles, dois dos mais poderosos do continente. Depois, um demônio que resistira incólume a dezenas de golpes daquela Aura da Espada dourada. De fato, o demônio estava em outro nível, incomparável a meros demônios.
Mas então, uma espadachim apareceu e destruiu o demônio com um único golpe. Seu nome era Ignet Crecensia, Capitã dos Cavaleiros Negros do Reino Sagrado.
“Ela nem tem trinta anos…”
Imaginar alguém tão jovem demonstrando tal poder!
Sevion Brooks suspirou e fechou os olhos, visualizando claramente o que havia acontecido segundos atrás.
No entanto, apesar de ter visto com seus próprios olhos, ele não conseguia compreender o quão forte Ignet era. Sentia que não entendia nem mesmo uma fração disso. Imaginava que todos ali provavelmente sentiam o mesmo.
Mas não… isso não era verdade.
Airen Farreira continuava a encarar a espada de Ignet sem recolher sua própria aura dourada.
“Ela é incrível…”, pensou.
Aquele era um demônio, e dos grandes. O demônio bufão era mais antigo e muito mais poderoso que o renomado Rei Dragão Demônio. Airen não teve escolha senão permanecer estático, contemplando a espada, o corpo e a aura de Ignet.
Assim como inúmeros músculos trabalham juntos para mover o corpo humano, muitas auras diferentes criavam a esfera vermelha da maior espadachim do continente.
Não, era mais complicado do que isso. Mesmo Airen, que podia enxergar através das auras, não conseguia compreender o mecanismo do milagre que era o poder de Ignet.
Além disso…
“Sinto que ainda não vi tudo…”, pensou Airen enquanto visualizava a espada de Ignet.
Pensou profundamente, como se quisesse estender o tempo. Ainda assim, havia algo que ele não podia observar, muito menos entender. Ele seria inexperiente demais para enxergar isso? Ou talvez Ignet utilizasse algo além da aura, como a Arte dos Cinco?
Airen Farreira então abriu os olhos e encarou Ignet intensamente.
— Como conseguiu chegar ao demônio primeiro? — perguntou Ignet.
— Fale. Nem eu, nem os Cavaleiros Negros, nem os sacerdotes conseguimos alcançar o coração do mal tão rapidamente — disse Ignet.
Ela parecia bastante exausta, tendo usado todo o poder que pôde reunir. Mesmo um gênio com dons divinos não sairia de uma batalha contra um demônio sem ser afetado. Deveria ter descansado imediatamente, mas sua empolgação ao ver o jovem à sua frente, a maravilha que havia crescido de forma incompreensível em apenas um ano e meio, prendeu-a. Era a primeira vez que sentia tal estímulo.
“Que estranho…”, ela pensou.
Mas não se referia às habilidades de Airen na esgrima. A melhoria do garoto, de fato, a surpreendeu, mas não era suficiente para ameaçá-la. Afinal, Airen apenas seguia seus passos. Não importava o quão rápido ele crescesse; tudo o que ela precisava fazer era avançar mais.
No entanto, Ignet não entendia a inquietação que sentia cada vez que via Airen. O que havia naquela estranha compostura que continuava a atraí-la?
“Isso é importante…”
De fato. Talvez isso fosse tão importante quanto derrotar um demônio que apareceu após 150 anos. Assim, quando Ignet falou, soou mais dominante e urgente do que o habitual, assim como havia sido no salão de banquetes.
Embora não fosse sua intenção, ela falou com Airen como se o estivesse interrogando. Apesar de saber disso, continuou pressionando-o intensamente. Airen, por outro lado, reuniu seus pensamentos calmamente. Ao contrário de Ignet, ele podia compreender a situação, ao menos em parte. Instintivamente, sabia que ela devia ter sentido algo vindo dele, assim como ele sentiu dela. Infelizmente, não podia dar uma resposta concisa à pergunta de Ignet.
“Por onde devo começar?”, pensou Airen.
Deveria começar com o homem de seus sonhos? E o demônio bufão de sua vida passada? Isso explicaria tudo ou seria necessário algo mais? Aliás, não deveriam cuidar primeiro dessa energia demoníaca que preenchia a masmorra?
Ele, Ignet e outros membros poderosos poderiam estar bem, mas o capitão Calvin e os feridos tossindo no fundo talvez não estivessem…
Airen estava perdido em seus pensamentos quando, de repente, se virou. Ignet fez o mesmo, seguida por Illia, Lulu, Anya, Georg, Sevion e Perry.
Não havia acabado. O sangue no chão se reuniu em um único ponto. Da poça, emergiu a figura de um humano que se transformou em um bufão em um segundo.
Mas algo estava diferente. A máscara rachada havia caído, revelando metade do rosto do demônio.
— Ugh. Ah, ugh… — gemeu.
— Aaah, aaah.
— Eh, grrr? Grrr…
— Todos, virem-se! — gritou Ignet apressadamente, enquanto Lulu usava sua feitiçaria para bloquear a energia demoníaca.
Mas isso não foi suficiente. Um cheiro podre emanava do rosto do demônio bufão. Seus olhos brilhavam com ódio e raiva que não existiam nem na escuridão mais profunda. Ele levantou os braços.
Ao ver a outra metade da máscara em sua mão, Airen e Ignet avançaram. No entanto, não chegaram a tempo.
Crack.
A máscara quebrou, e a escuridão caiu. Em uma escuridão incomparável à que ele havia experimentado ao entrar na masmorra, Airen sentiu algo deixar seu corpo.
Estava escuro. Era como se eu não tivesse aberto os olhos. A escuridão parecia infiltrar-se não apenas pelos olhos, mas também pelos ouvidos e pelo nariz. Comecei a me sentir mal.
Somente quando um tempo considerável passou recuperei a consciência e entendi o que estava acontecendo.
— Eu me lembro. Estava perseguindo aquele desgraçado — murmurei.
Sim. Vim aqui para destruir o demônio bufão, não por raiva, mas por esperança e alegria. Não foi a zombaria das pessoas, mas uma flor que uma jovem me entregou que me encorajou a perseguir esse desgraçado.
— Não importa o que você tente, não vai me parar — disse, forçando minha boca a se abrir.
Expressar meus pensamentos em voz alta parecia cimentar minha determinação. Sentindo-me confiante, levantei minha velha espada de aço e comecei a andar.
Embora a escuridão ainda entorpecesse meus sentidos, eu sabia que tinha em mim a força para superá-la. Não permitiria mais que o ódio me ferisse. Não deixaria mais que traições me derrubassem, não porque não me afetavam, mas porque sabia que havia algo mais importante.
Enquanto eu tivesse algo a proteger, continuaria a persegui-lo.
— Para sempre.
“Sim. Continue vagando”, sorriu o demônio bufão enquanto observava o homem.
Por mil anos, ele se perguntou como derrubaria aquele homem. Como poderia se proteger daquela terrível espada prateada?
Felizmente, encontrou um meio para enfraquecer a espada daquele homem.
Em outras palavras, precisava enfraquecer o coração do homem. Essa era a única maneira de prevalecer contra ele.
“Ódio, zombaria e mentiras não funcionariam”, pensou o demônio.
A maioria das pessoas desmoronava como bonecos de argila sob essa pressão, mas aquele homem não. Nenhuma dificuldade ou injustiça poderia desviá-lo de seu caminho. Ele então encontraria o demônio e traria sua espada contra ele.
Sentindo as velhas feridas latejarem, o bufão gargalhou enquanto murmurava — Só preciso mostrar a ele… nada.
“Sim. Essa era a resposta. Apagar a flor que o homem havia recebido. Apagar a jovem que acendeu a esperança nele. Apagar a mãe da jovem, a cidade do homem, a propriedade, e até mesmo os cavaleiros e moradores que o zombaram.”
O mundo se tornaria vazio e sem sentido, sem nada pelo que lutar. Somente então a vontade de aço daquele homem desmoronaria.
— Está bem. Isso está bem. Hmm, eu estou realmente bem — murmurou o demônio bufão, apesar da dor que envolvia seu corpo.
Embora estivesse bastante danificado por aquele grupo de desgraçados, estava bem. Afinal, sacrificara metade de sua máscara para criar essa barreira. Era quase impossível que o homem o encontrasse novamente como antes.
“Tudo certo, tudo certo. Tudo está indo bem.”
O bufão cantarolou alegremente antes de olhar novamente para o homem. Como antes, ele estava de pé, alto e determinado. Contudo, nada dura para sempre. Até mesmo as espadas mais grandiosas enferrujam com o tempo. Cantando sua própria música, o demônio inclinou a cabeça.
Mas não foi o homem errante que interrompeu sua alegria.
Tzzzzzz…
A princípio, o demônio duvidou de seus olhos. Afinal, como poderia imaginar que o garoto, que era apenas um recipiente para o homem, quebraria sua barreira e alcançaria aquele lugar?
Mas a complacência do demônio foi sua ruína. Airen não era um mero recipiente, tampouco uma marionete. Embora ele possa ter sido isso no passado, agora havia emergido completamente como ele mesmo, após muitas experiências e reflexões. Agora, Airen havia encontrado seu caminho. E mesmo que não o tivesse feito sozinho, isso importava? Afinal, não é necessário estar só para encontrar o próprio rumo.
— Eeeek… — gritou o bufão, seu rosto se contorcendo de medo.
Diferentemente de antes, ele não tinha máscara para se cobrir, nem conseguia proteger os olhos da luz que brilhava intensamente na escuridão.
Outro homem, Airen Farreira, surgiu completamente e chamou.
— Karin Winker.
Mas ele não estava chamando o demônio. Os olhos de Airen pousaram no homem de seus sonhos. Surpreso com a luz deslumbrante que rompeu o vazio, o homem perguntou.
— Como sabe meu nome?
— Eu simplesmente soube quando vi você — respondeu Airen.
— Fascinante.
— Isso é um elogio?
— Sim.
— Obrigado — disse Airen com uma reverência.
O homem hesitou por um momento antes de perguntar.
— Parece saber muito. Então deixe-me fazer mais uma pergunta. Tenho vagado pelo mundo por muito, muito tempo… apenas para não ver nada. Não consegui encontrar a cidade onde vivi, o castelo que vi, a cidade, ou… até mesmo minha propriedade, Gascaux…
— Você pode explicar o que aconteceu?
Airen fechou os olhos. Não esperava que o bufão atacasse. Ele não ousaria. Afinal, o homem ali presente ainda não havia desistido. Como um covarde ardiloso, o demônio nunca se moveria sem vantagem. Assim, Airen escolheu suas palavras lentamente e se voltou para o homem com olhos claros.
— Sua propriedade não existe mais. Ela desapareceu há centenas de anos. Sua família, seu povo, seus descendentes… Acho que eles não estão mais aqui — disse.
— Mas ainda existem aqueles que precisamos proteger.
Fwoosh!
Airen abriu seu coração, comunicando ao homem o que havia visto, ouvido e experienciado.
O homem do passado entendeu o que sua versão atual estava tentando dizer.
— Entendo. Eu morri — disse ele.
— Mas, parece estar tudo bem. Afinal, um jovem tão magnífico assumiu minha tarefa — murmurou.
— Gostaria de descansar um pouco. Deixo tudo em suas mãos — disse o homem.
Essas foram suas últimas palavras.
Cravando sua espada no chão, ele fechou os olhos silenciosamente. Em seu rosto, havia um leve sorriso enquanto finalmente deixava seu fardo. Uma brisa suave levou o corpo do homem, que se desfez em pedaços e foi para dentro da espada de Airen Farreira. Os vestígios do homem pareciam tornar a espada larga ainda mais poderosa.
Woosh!
Airen examinou sua espada.
Percebendo que o brilho dourado agora se espalhava do cabo até a lâmina, ele reuniu sua aura.