Demônios eram seres terríveis, com uma malícia insondável contra os humanos e poderes que superavam até mesmo os mestres espadachins. Diferente dos monstros comuns, eles eram extremamente inteligentes e traiçoeiros, tornando-se adversários formidáveis desde o início. Porém, mesmo quando mortos, deixavam um fardo: uma maldição póstuma.
Esse poder repulsivo, possuído pelos grandes demônios que destruíam mentes e consumiam corpos, era o motivo pelo qual a equipe de expedição ainda não havia deixado a masmorra.
Quando o demônio bufão morreu, deixou múltiplas camadas de barreiras que emitiam energia demoníaca e aprisionaram os aventureiros. Emoções negativas, incomparáveis ao medo, angústia e tentação que sentiram no começo, preenchiam o ar.
“Quão vasta, poderosa e maligna”, pensou Ignet Crecensia, franzindo a testa enquanto agitava a mão para afastar um ataque mental.
Ela não estava brincando. Mesmo gravemente ferida, ainda era a capitã dos cavaleiros de Arvilius. Se essa energia demoníaca conseguia incomodá-la, deveria ser suficiente para enlouquecer os membros comuns.
Mas eles não estavam. Ignet se encolheu em sua cama improvisada, quase gemendo de dor.
— Chefe! Eu disse para não se esforçar! — repreendeu Anya, colocando as mãos na cintura.
— Estou bem. Isso não é nada — retrucou Ignet.
— Minha nossa, como você é teimosa!
— Não sabia disso? Sou teimosa por natureza — respondeu Ignet, sentando-se.
Ela agora conseguia ver o que estava acontecendo na masmorra.
— Céus, Amyra! Eu sabia que você era boa, mas não tanto assim!
— Oh, por favor, não grite desse jeito…
— Por quê? Você deveria contar a todos como é incrível! Hmm, mas fazer bordado ao invés de treinar espada não seria negligência de deveres…?
— Is-isso não é verdade! Isso faz parte do treinamento mental…
Em um canto, Amyra Shelton fazia bordados enquanto Gregory Griffin a provocava.
— Uau! Faça de novo! Faça de novo!
— Bem, isso é mais exaustivo do que parece, então…
— Então eu vou dar isso a você. Faça mais uma vez.
— Hmph, mas suponho que não posso me chamar de melhor mago da região central se já estiver cansado.
Em outro canto, Lulu fazia uma oferta irrecusável enquanto Perry Martinez exibia magia ilusória. Os outros também resistiam à maldição de suas próprias maneiras, brincando, praticando espada ou se dedicando a passatempos, tentando, desesperadamente, permanecer firmes diante do vazio que tentava sugá-los.
Ainda assim, não fazia sentido. Embora estivessem tentando, a maldição do demônio não era algo que pudesse ser repelido tão facilmente. E a equipe de expedição havia lutado contra armadilhas menores.
No entanto, alguém estava no centro da barreira tornando tudo isso possível.
“Airen Farreira…”
A expressão de Ignet se aprofundou enquanto observava o jovem mestre da espada emitir energia dourada.
Para ser honesta, isso não era uma surpresa. Afinal, ela agora entendia por que havia se jogado diante da explosão do demônio: ela confiava nele. Acreditava que o jovem poderia proteger a equipe contra a maldição do demônio. E, como esperado, Airen usava seus poderes de uma maneira que até mesmo a impressionava.
“Usar aura e espalhar sua vontade… Que incrível e tolo.”
Ignet fechou os olhos e visualizou o Airen que conheceu. Ele não era assim. O Airen que encontrara um ano e meio atrás vagava sem rumo, sem objetivos próprios, dominado pela rígida vontade de alguma entidade desconhecida.
De fato, o que a surpreendia não era ele ter se tornado um mestre. Ela reconhecera seu talento no momento em que lutaram.
O inesperado era que ele não apenas havia se libertado daquela rigidez, mas também estabelecido seus próprios objetivos, capazes de influenciar outros, em tão pouco tempo…
Refletindo, Ignet voltou a observar Airen. Mas seus olhos não estavam fixos apenas nele. Seu olhar pousou na gata que caminhava e fazia poses estranhas, assim como em Illia Lindsay, que dizia algo a ele. Por algum tempo, eles prenderam sua atenção. Seria pelo talento deles? Parte disso, sim.
Entretanto, os olhos perspicazes de Ignet notaram nos dois humanos e na gata muitas coisas que os uniam: confiança mútua, energia positiva e mudanças complexas que nem ela podia prever.
A mulher mais talentosa de sua época observava os três amigos, tentando analisá-los e compreendê-los. Esse hábito a levara onde estava hoje. Aprendera muito com o diretor da Academia Kronos, o Capitão dos Cavaleiros Brancos e outros indivíduos poderosos.
Mas algo parecia diferente. Os olhos afiados de Ignet relaxaram aos poucos. Não era porque havia atingido seus objetivos ou estava distraída pela dor dos ferimentos. De repente, lembrou-se de seu passado, quando não tinha sonhos ou espadas firmes, apenas lutava para sobreviver dia após dia. Lembrou-se de como vagava pelos becos com amigos que talvez nem estivessem vivos hoje. Ela parecia bastante feliz enquanto corria com os outros. Talvez… fosse tão feliz porque sorria ao lado deles.
A espadachim de cabelos negros, no final de seus vinte anos, encarou Airen e suas amigas por um longo tempo.
— Georg! Georg! — gritou Anya.
— O que foi?! — respondeu Georg.
— Você precisa impedir a chefe!
— Ela não vai ouvir de qualquer jeito! Além disso, por que ainda a chama de chefe? Ela é capitã agora.
— E daí? Chefe é chefe!
Georg balançou a cabeça enquanto Anya franzia a testa. Ele sabia bem que sua capitã estava em mau estado. Embora um sacerdote pudesse curar traumas externos com facilidade, Ignet havia sido exposta à energia demoníaca de um grande demônio. Não havia tratamento adequado ali.
“Se fosse outra pessoa, teria perecido em um dia”, pensou Georg, olhando para Ignet, que ainda não descansava adequadamente, apesar da gravidade da situação.
Claro, ela não se levantava nem empunhava sua espada. Apenas observava a equipe de expedição, especialmente Airen e seus amigos. Ainda assim, Georg estava preocupado por Ignet permanecer acordada quando deveria dormir o dia todo. Ele entendia o ponto de vista de Anya.
Mas…
“Eu sei que não devo incomodar a capitã quando ela está assim”, pensou Georg, lembrando-se do que acontecera antes.
Ignet sempre ficava assim, passando alguns dias atordoada antes de se trancar no quarto. Ou, às vezes, desaparecia silenciosamente.
Depois de alguns dias, ela reaparecia, exponencialmente mais poderosa. Georg imaginava que algo semelhante estava acontecendo agora. Embora, como homem comum, ele não conseguisse compreender o que inspirava Ignet… ele sabia que podia confiar nela. Mesmo que ela não confiasse nele, ele confiava nela.
Ela superaria isso. Não importava se sustentava um ferimento que nem a magia sagrada de um sacerdote podia curar. Ignet venceria sozinha. Ela superaria seus ferimentos e quebraria a barreira como um milagre. Embora o inimigo fosse tão assustador quanto os maiores demônios da história, nem mesmo sua maldição póstuma deteria Ignet Crecensia.
Com um aceno, Georg Phoibe olhou para sua capitã. Sorriu sem jeito, percebendo que ela agora o encarava.
— Por que está sorrindo? — perguntou Ignet.
— Nada — respondeu Georg.
— Estava pensando em algo indecente?
— Claro que não. Estava pensando em você.
— Está dizendo que teve pensamentos indecentes sobre mim?
— Essa não foi uma piada muito boa…
— Está insinuando que não sou o suficiente para você? Como ousa!
— Parece que você está se recuperando bem… — disse Georg seriamente.
Ele não estava brincando. Embora Ignet ainda parecesse longe de seu melhor estado, ela soava bastante relaxada. Por algum motivo, parecia muito melhor do que antes. Ignet estava se recuperando mais rápido do que ele esperava.
“Além disso…” pensou Georg, percebendo que os olhos de sua capitã haviam se tornado um pouco mais calorosos.
Claro, ele sabia que sua capitã não era desalmada. Ela fazia piadas bobas de seus tempos como mercenária e, às vezes, brincava com os subordinados. Mas isso era apenas para animar os outros.
Georg frequentemente sentia que havia uma parede entre eles, mesmo estando ao lado dela há mais de dez anos, mas…
— Sim, estou me sentindo muito melhor — respondeu Ignet.
— Oh, que alívio. Estou muito feliz — respondeu Georg com um sorriso genuíno.
A situação não estava tão ruim. Estavam reabastecendo os suprimentos com moedas do cofrinho mágico que Anya havia economizado realizando tarefas simples. Apesar da energia demoníaca preencher o espaço, ninguém havia perdido a sanidade. Airen desempenhou um papel importante, mas o bordado de Amyra Shelton teve uma influência surpreendente. Uma quantidade considerável de homens agora trabalhava em pontos elaborados em um canto.
“Se resistirmos só mais um pouco… ou talvez precisemos de mais tempo. Mas, se nos mantivermos firmes, a capitã irá se recuperar e sairemos daqui. Isso é mais que possível”, pensou Georg com um sorriso nos lábios e seus olhos sonolentos cheios de confiança em Ignet.
Novamente, mesmo que sua capitã não confiasse nos outros, ele confiava nela. Foi então que a capitã disse algo que o surpreendeu.
— Você está delegando a tarefa a outra pessoa? — perguntou Georg.
— Sim. Não estou em condições de fazer isso sozinha. Precisarei de ajuda — respondeu Ignet.
Georg a olhou, perplexo. Anya Marta e os cavaleiros negros, que estavam ocupados bordando em um canto, reagiram da mesma forma. Afinal, a capitã não era alguém que pedia ajuda ou confiava em outros.
Como alguém que superava todos ao seu redor, ela não podia confiar em ninguém. Precisava fazer tudo sozinha.
“E agora…” pensaram os cavaleiros.
“Ela está deixando a tarefa para outra pessoa?”
“Como?”
“Alguém além da capitã poderia quebrar a barreira?”
Os cavaleiros negros olharam para Ignet com dúvida.
Eles não estavam sozinhos. Os outros membros da equipe de expedição também se perguntavam quem poderia romper a maldição do demônio bufão, já que nem mesmo Georg Phoibe, o segundo cavaleiro sagrado mais forte, conseguira fazê-lo.
Sevion Brooks? Perry Martinez? Airen Farreira? Illia Lindsay? Ninguém vinha à mente.
Embora todos fossem fortes, nenhum deles possuía o poder sagrado necessário para quebrar a maldição de um demônio.
— Não tem problema se não puderem usar poder sagrado, não que eu possa ensiná-los à minha vontade — disse Ignet.
— Mas não será um problema se eu passar o que já é meu — continuou Ignet Crecensia, como se pudesse ler a mente do grupo, ao se levantar.
Respirando fundo, ela desembainhou sua espada e a brandiu.
Wooosh!
Sua espada carregava menos poder do que quando ela estava em plena forma. No entanto, os mais fortes notaram algo especial na lâmina. Eles se lembraram do motivo pelo qual ela, apesar de ser a mais jovem mestre da espada e de origem humilde, conseguiu se tornar condessa em Arvilius.
Wooosh!
— Mesmo antes de receber a bênção divina, eu podia cortar através da escuridão — disse Ignet Crecensia, voltando-se para Airen Farreira e Illia Lindsay.
Ela gostava da forma como eles a encaravam, sérios. Quase pôde rir um pouco. Após um momento, lançou um olhar aos outros antes de continuar.
— Ensinarei a vocês meu caminho, se desejarem.
O poder secreto de Ignet Crecensia, capaz de destruir o mal…
Os olhos dos espadachins brilharam diante da oferta inesperada.