Illia Lindsay vagou por muito tempo. A derrota e o desaparecimento de seu irmão, Karl Lindsay, haviam roubado dela a própria vida. Dez anos se passaram. Mesmo após conhecer Airen Farreira e outros, ela permaneceu inalterada, embora soubesse agora que estava no caminho errado.
Mas o que ela poderia fazer? Apenas saber que estava errada não resolvia seus problemas. Ela não sabia a resposta nem para onde ir. Enquanto Ignet Crecensia seguia em frente com confiança, ou quando seu amigo Airen Farreira encontrava sua espada, Illia permanecia no mesmo lugar.
Se Airen não tivesse estendido a mão para ela, Illia sequer teria chegado até ali. Um único comentário de apreciação de Ignet foi o suficiente para desestabilizá-la. Ela era alguém que não conseguia encontrar seu próprio caminho. Alguém que ficava paralisada ao perceber que todos estavam olhando para ela.
“Isso está certo?” perguntou-se antes de bater na porta.
Ela realmente podia pedir ajuda ao pai, como uma garotinha, enquanto sonhava em avançar por conta própria? Hesitou durante todo o caminho pelo corredor.
No fim, porém, Illia bateu na porta.
“É tudo a mesma coisa, de qualquer forma.”
De fato, ela já havia cometido inúmeros erros. Sabia que estava longe de ser madura. Se ganhou algo na Terra da Provação, foi a compreensão de que precisava admitir que precisava de ajuda.
Ao reconhecer suas próprias limitações, sentiu-se subitamente aliviada. Livre da inquietação, Illia apareceu diante de Joshua como filha.
— Preciso falar com você sobre algo… — murmurou.
E então, imediatamente, lamentou não ter vindo antes.
“Ele é tão reconfortante”, pensou.
Sentiu-se à vontade ao conversar com o homem que a olhava com gentileza e calor. Com um membro da família em quem podia confiar como nenhum outro, ela expôs seu dilema.
Após um momento, Joshua falou.
— Você parece estar enganada.
As palavras ponderadas de Joshua Lindsay apontaram Illia em uma direção que ela ainda não havia considerado.
— Por que você acha que precisa estar sozinha para ser independente? — perguntou Joshua.
— Perdão? — respondeu Illia.
— Mas não é verdade? Os humanos são criaturas sociais. Todos… sejam mendigos nos becos ou reis poderosos, homens, mulheres, nobres, plebeus, idosos ou crianças… precisam dos outros. Ninguém pode viver sozinho — disse Joshua.
— Mas… — protestou Illia, sentindo-se ainda mais confusa.
Afinal, Airen não havia dito que sua vida seria sem sentido se deixasse os outros ditarem seus passos? Ele não a questionara sobre o fato de estar perseguindo Ignet?
Porém, seu pai dizia o oposto. Humanos viviam em sociedade. Influenciavam e eram influenciados.
Sentindo-se confusa e abalada, Illia tentou falar.
— O importante é que aquele que interage com os outros deve ser você mesma — disse Joshua, sorrindo, enfatizando que ninguém pode viver sozinho.
Ao compartilhar sentimentos, pensamentos e talentos, era possível melhorar as próprias fraquezas para alcançar uma vida melhor. Contudo, isso não significava depender de outros para tudo, nem ouvir todas as opiniões que surgissem.
— Perry Martinez me contou. Você xingou os nobres que falavam pelas suas costas — disse Joshua.
— Isso foi… — murmurou Illia.
— Não estou te culpando. Pelo contrário, quero te parabenizar. Foi bem feito. — disse Joshua. — Você concorda? Realmente acredita que disseram aquilo pelo seu bem?
— Não.
— Então havia algo a aprender com eles?
— Não…
— Certo. Eram palavras sem valor. E tais palavras devem ser ignoradas.
Joshua sorriu com um aceno antes de continuar.
— Mas há palavras que você nunca deve ignorar. As de seu amigo Airen, por exemplo…
Illia hesitou antes de concordar com a cabeça. Seu pai estava certo. Airen Farreira não era como os nobres de Lavaat. Suas palavras eram para o bem dela, e ela acreditava que ele não estava errado. Afinal, foi graças a ele que conseguiu refletir sobre si mesma. Se não fosse por Airen, ela não teria procurado o pai como fez agora.
Ela olhou para Joshua, começando a entender o que ele queria dizer.
— Então… não se trata de me envolver ou não com os outros — disse ela.
— Exatamente — respondeu Joshua com um sorriso ainda maior.
— Palavras, olhares e ações das pessoas continuarão a te incomodar. Mas você não deve fechar os olhos e ouvidos por medo. Isso não é seguir seu próprio caminho, mas se isolar.
— Aceite o que for necessário e rejeite o que não for. Se achar um comentário inútil, xingue, como fez no salão de banquetes. Mas, se for benéfico, aceite com humildade. Agora, vamos continuar. O que você acha que é mais importante para tomar essas decisões?
— Focar em mim mesma… não nos outros…
— Exatamente.
Depois de dar um leve tapinha na cabeça de Illia, Joshua continuou: — Você não precisa ouvir cada palavra dos outros. Desde que esteja consciente de si mesma, todos os problemas se resolverão por si só.
Illia Lindsay sentiu sua mente clarear. Quem era ela? O que gostava? O que não gostava? Quais eram as coisas que a ajudavam? Quais a faziam recuar? Uma vez que limpasse sua mente e escolhesse o que ouvir em vez de reagir cegamente, não precisaria mais temer as palavras alheias. Não precisaria mais sofrer.
“O mesmo vale para Ignet”, pensou Illia, fechando os olhos e imaginando Ignet Crecensia.
Sua espada, sua coragem e seu incentivo não eram o problema. Illia percebeu que, embora não gostasse de Ignet, não a odiava. Pelo contrário, a admirava um pouco. E essa admiração a estava conduzindo ao crescimento.
“Preciso ter uma mente clara”, disse a si mesma.
O que aconteceu com Ignet, as tragédias que ela causou e como as pessoas a comparavam com Illia não importavam. Ela não precisava se importar com isso. No entanto, isso não significava que deveria ignorar quando uma espadachim talentosa reconhecia seu valor.
Illia decidiu aceitar o elogio de Ignet com alegria e usá-lo como motivação para seguir em frente.
Mas…
— Pai — chamou ela.
— Sim, filha — respondeu Joshua.
— Obrigada pelas palavras gentis, mas preciso ir a algum lugar.
— Hã? Onde…
Focando em seu próprio coração, Illia percebeu algo que importava mais do que Ignet. Ela deixou o quarto do pai apressadamente, embora sentisse um pouco de culpa por isso. Mas não podia mais se conter ao perceber algo. Então correu para o campo de treinamento para encontrar a pessoa que desempenhou um papel enorme em sua vida. Não sabia como tinha certeza de que ele estaria lá. Apenas sabia. Talvez uma intuição por feitiçaria que ela tinha vez ou outra.
Diante de seu querido amigo, seu amado Airen Farreira, Illia respirou fundo.
— Haa… haa…
— Illia?
— O que está acontecendo?
Ela podia ouvir a voz de Airen. Também podia ver seu rosto, que a encorajou tanto na Academia de Esgrima Krono quanto na Terra da Provação. Podia notar a leve preocupação em seus olhos e sentir o cheiro do suor discreto. Ela percebeu que gostava de cada detalhe sobre ele.
Reconhecendo seus próprios sentimentos após tantos anos focando nos outros, Illia Lindsay abriu a boca.
Mas não conseguiu dizer nada. Afinal, passou toda a vida se concentrando não em si mesma, mas nas palavras dos outros. Então, não tinha ideia de como ela parecia naquele momento.
“Como eu pareço agora?” pensou, desanimada.
“Será que ele vai achar estranho eu aparecer assim do nada?”
“Talvez este não seja o momento de contar…”
“Não, Airen provavelmente só me vê como uma amiga…”
Milhões de pensamentos passaram pela cabeça de Illia, mas nenhum deles era encorajador. Ela percebeu que havia algo mais importante do que reconhecer a si mesma.
“Amar a mim mesma…”, pensou.
— Illia, você está bem? — perguntou Airen.
— Illia? Illia? — chamou ele enquanto se aproximava, com a espada recolhida e o rosto cheio de preocupação.
Illia o achou adorável, sabendo o quanto o treinamento significava para ele. O fato de ele ter interrompido seu treino para verificar se ela estava bem a deixou emocionada.
Mas esse era o seu limite. Embora ela começasse a se conhecer um pouco mais… precisaria de mais tempo para aprender a se amar.
Com dificuldade, Illia decidiu esperar mais um pouco.
“Vamos cuidar melhor de mim mesma primeiro.”
Até se sentir mais confiante, até conseguir se amar e até se tornar alguém que Airen pudesse amar, ela esconderia seus sentimentos.
“Só por um tempo…”
Mas…
— Airen — respondeu ela.
— Hã? — reagiu Airen.
— Eu só queria te ver.
— Hã…?
— Falo sério. Não temos nos visto muito ultimamente, não é?
— C-Certo.
— Então, vim te ver.
— Devemos treinar juntos?
— Hmm… talvez? — disse Illia com um leve aceno de cabeça.
Para a surpresa de Airen, Illia sorriu. Parecia mais animada do que o normal. Mas, para Illia, isso era como qualquer outro momento. Ela gostava de Airen e aproveitava o tempo ao lado dele. Embora ainda não pudesse dizer a primeira parte, não queria esconder a segunda. A partir de agora, deixaria de esconder seus sentimentos. Agiria com mais dignidade e honestidade. Não se esconderia mais, temendo as opiniões alheias.
E então…
“Um dia, me tornarei alguém confiante o suficiente para expressar meus sentimentos em voz alta”, pensou Illia com um sorriso radiante enquanto olhava para Airen.
A lua observava silenciosamente enquanto os dois treinavam juntos.