O Torneio do Herói havia terminado, e todos voltaram para seus respectivos lugares. No passado, Judith teria carregado consigo uma sensação de vazio e melancolia, mas dessa vez não se sentia assim. Seria por causa de Brett Lloyd caminhando ao seu lado?
Essa era parte da razão. Mas, mais importante, agora ela tinha um ‘lar’ para onde voltar.
“É… aquele lugar é meu lar agora.”
Khun estaria esperando por ela quando retornasse. Judith sorriu levemente ao pensar nisso. Claro, não era como se ela não tivesse um lugar antes de conhecê-lo. A Academia de Esgrima Krono era um refúgio, comparada à sua infância. Naquela época, ela levava a vida nos becos sujos dos cortiços. A academia oferecia bons colegas e veteranos.
Mas sempre que seus companheiros voltavam para suas cidades natais por algumas semanas, um vento frio inevitavelmente soprava em um canto de seu coração.
— Mas que diabos você tá pensando? Para de falar besteira e balance essa espada!
“Ah, seu velho maluco!”
Era por isso que aquele lugar era precioso para ela. Lembrava-se da solidão que não conseguia afastar, apesar de fingir ser durona, e de como tremia mesmo quando fingia indiferença. Judith considerava o velho boca-suja que podia dissipar esses sentimentos com um único palavrão como, família.
No entanto, ela não podia voltar. Uma casa destruída podia ser reconstruída. Um campo devastado não era um problema, ela nem ligava para estética em primeiro lugar. Contanto que houvesse um espaço para os dois discutirem e balançarem suas espadas, isso bastava.
Mas isso não era mais possível. Judith não podia retornar à residência de Khun. Em vez disso, permaneceu onde estava.
Adentrando os fétidos cortiços da sombria cidade de Godara, Judith sacou a Lâmina Vermelha.
Thud.
Slash.
Brandindo a espada com brutalidade, ela acertou um morador dos cortiços, espalhando sangue por toda parte. A lâmina, já vermelha, ficou ainda mais vermelha, o cheiro de sangue impregnando o ar. Ela não ligava. Virando-se para confirmar seu próximo alvo, Judith avançou e lançou sua espada adiante. Tomados pela fúria, seus ataques transformavam os demônios em pedaços de carne espalhados ao redor da torre em ruínas.
Hihihi.
Hehehe.
Claro, ainda não havia acabado.
A lua não era visível no céu de Godara, mas ainda estava escuro lá fora. Lentamente, seres feitos de escuridão começaram a aparecer. Alguns deles eram tão fortes quanto Mestres, e outros tão aterrorizantes quanto o diretor da academia no continente ocidental.
Um diabo observava Judith das sombras.
— Ufa.
Tudo bem. Na verdade, aquilo era até melhor. Não deveria acabar daquele jeito. Para aplacar as chamas queimando em seu peito, Judith precisava de mais escuridão. Talvez a escuridão não desaparecesse nem mesmo depois de dilacerar todos aqueles demônios, mas era melhor assim.
“Eu vou queimar todos vocês.”
O Rei Demônio, o Bufão e o Espadachim das Trevas. Um fogo ainda mais intenso se espalhou por Judith ao pensar neles. Era um poder doloroso e abrasador que queimaria não apenas os diabos ali, mas também a si mesma.
Mas ela não se importava. Ela suportaria. E mataria.
Momentos depois, um treinamento ainda mais brutal teve início.
Depois de verificar os espaços de treinamento de seus amigos, Airen Farreira mergulhou em pensamentos profundos. O método de Brett era racional, e o de Judith, desesperado. E seu coração se sentia atraído por isso… Ele também queria liberar e cultivar a fúria incontrolável dentro de si, fomentar uma chama que pudesse consumir a escuridão do Rei Demônio e do Bufão.
Mas ele não o fez. Sabia que não era um caminho que lhe convinha.
“O motivo pelo qual peguei a espada e o motivo pelo qual cultivei uma árvore…”
Recordando suas origens, Airen respirou fundo. Por mais alguns momentos, hesitou, dividido, mas logo tomou sua decisão.
Assentindo com a cabeça, disse para Lulu:
— Estou pronto.
— Decidiu mesmo?
— Sim. Eu vou entrar.
— Certo. Vou te apoiar, não importa o que escolha. Boa sorte! — Lulu deu uma cambalhota, deixando claro seu incentivo.
Airen forçou um sorriso e se virou para ver o rosto de sua amada, Illia.
— Até logo.
Não esperou uma resposta dela. Com essas palavras finais, atravessou a porta dourada rumo a um novo mundo.
Não, não era totalmente novo.
Airen murmurou suavemente:
— Está tudo… vermelho.
E realmente estava, mas a espada de ferro, erguida como sempre, permanecia a mesma. No entanto, as chamas que preenchiam o mundo ao redor eram distintamente diferentes. Por toda parte, chamas se erguiam, o calor tão intenso que dificultava a respiração.
Vagando por aquele mundo, Airen examinou os arredores com mais atenção. O rio havia secado, restando apenas algumas poças, e a vasta extensão de terra havia encolhido tanto que ele conseguia ver o fim dela. Enquanto isso, a árvore outrora saudável estava em um estado ainda mais deplorável.
Após encará-la em silêncio por um momento, ele prosseguiu.
— Preciso apagar o fogo primeiro.
Diante da poça mais profunda, Airen pegou água com uma cabaça que surgiu em sua mão. Em seguida, começou a espalhá-la ao redor para conter as chamas ardentes.
Splash.
Splash.
Splash.
Na verdade, aquilo mal fazia diferença. Ele não sabia quanto tempo levaria para controlar o calor que cobria todo o seu mundo; não sabia o que seria necessário para restaurar o equilíbrio das cinco energias colapsadas; e não sabia o que precisaria fazer para recriar o ciclo de geração mútua e extrair o verdadeiro poder da Técnica Divina dos Cinco Elementos.
A única coisa boa era que se sentia muito menos ansioso e apressado do que antes.
Aliviando o calor de seu corpo, Airen se aproximou da poça novamente e viu uma figura inesperada.
— Oi? — Ele parecia confuso. — Illia? Como é que…
— O quê? Não posso estar aqui?
Airen permaneceu em silêncio por um momento. Pensando bem, não era impossível. Segundo Lulu, alguém podia ir para ‘qualquer lugar que desejasse’. Então, logicamente, se Illia quisesse se juntar a ele, não havia nada que a impedisse.
Mas algo pesava em sua mente.
— Tem certeza? — ele perguntou.
— Certeza do quê?
— De treinar aqui. Eu vim para controlar meu coração, encontrar o equilíbrio perdido e formar os cinco elementos novamente…
— Este não é um lugar adequado para mim? É isso que está querendo dizer?
Airen fechou a boca.
Illia deu uma risadinha. Aproximando-se do seu amado, deu-lhe um beijo rápido.
— Sabe quando eu me tornei a mais forte depois de pegar na espada?
Airen não respondeu.
— Foi quando eu estava com você.
Se não tivesse conhecido Airen na Academia de Esgrima Krono, se não tivesse lutado contra ele na Terra da Provação, se não tivesse viajado com ele, se não tivesse percebido seus sentimentos por ele… Se não tivesse segurado sua mão e caminhado ao seu lado, então não seria quem era hoje. Illia realmente acreditava nisso.
— Eu não vou te atrapalhar — ela disse. — Talvez até ajude. Treinamento mental é importante, mas combate também é essencial, certo?
Ele permaneceu em silêncio.
— Airen, não vai dizer nada?
— Não, só me dê um momento.
Airen fechou os olhos e ficou em silêncio por um longo tempo. Illia não o apressou. Observou-o com calma e serenidade, com os mesmos olhos calorosos de sempre.
As chamas diminuíram um pouco, e, por outro lado, a poça aumentou ligeiramente. O calor intenso ainda dificultava a respiração, mas o espadachim de cabelos prateados olhava para a espadachim loira com um olhar igualmente gentil. Parecia que ela não se importava nem um pouco com aquele ambiente.
Enquanto uma lágrima escorria por sua bochecha, Airen disse:
— Obrigado.
— De nada.
E assim, o treinamento deles começou.
Depois de verificar seus amigos, Brett ficou sem palavras por um longo tempo, parado como uma estátua.
Lulu o olhava com uma expressão confusa.
— Por que não me contou? — ele perguntou de repente.
— Hã? Contar o quê?
— Que dava para mudar de local de treinamento e ir para o de outra pessoa? Que dava para treinar junto… Por que não me contou?
— Uh, hm, foi mal? — Lulu disse com cautela.
Mas a expressão irritada de Brett ainda não mudou.
“Mas que raiva!”
Ele estava com raiva e verdadeiramente desapontado. Assim como Illia amava Airen e Airen amava Illia, ele amava Judith. Queria estar com ela, balançar a espada com as costas encostadas nas dela.
Lutar por horas contra seres terríveis nos cortiços da cidade sombria? Alternar entre treino e descanso, entre tensão e relaxamento para desenvolver sua força? Isso não importava! Para ele, estar separado à força de Judith quando podia estar com ela era a maior dor!
— Me envie para lá.
Os olhos de Lulu se arregalaram.
— Não me ouviu? Me envie para lá. Me envie para onde a Judith está!
— Desculpa, não posso fazer isso.
— Droga! Claro que não pode. Se pudesse, já teria feito antes mesmo de eu mencionar.
Lulu tinha um olhar arrependido.
— É…
O poder de um dragão e os corações dos heróis do continente criaram esse espaço com muito esforço. Havia apenas quatro portais, então era impossível criar uma porta adicional. Claro, não era como se não houvesse nenhuma capacidade restante, mas aquilo era uma reserva para uso posterior, não para agora. Lulu explicou isso cuidadosamente a ele.
Brett assentiu com uma expressão solitária.
— Não tem jeito, então.
— Obrigada por entender!
— Se não fosse alguém tão compreensivo quanto eu, essa conversa não teria terminado tão fácil.
— Isso mesmo! Brett é o melhor! — respondeu a gata preta com um sorriso.
Embora sua resposta tivesse um tom de brincadeira, Lulu realmente achava Brett incrível. Mesmo não tendo sido diretamente afetado pela crise atual, era notável manter tamanha compostura em momentos como aquele.
“Ele é confiável. Brett definitivamente é o mais estável agora.”
Claro, a raiva de Brett não havia desaparecido completamente. Ele ainda queria descontá-la em algum lugar. Mais precisamente, queria enfrentar um oponente para extravasar toda a raiva em seu coração.
De repente, um estrondo alto veio de dentro do salão de treinamento interno.
“Hmm…”, Brett acariciou o queixo e entrou sem hesitar.
Com um sorriso feroz, sacou sua espada e observou seu oponente.
— Nada mal.
A figura vestia roupas antiquadas e tinha uma cicatriz no rosto. Brett fixou o olhar nos olhos frios que examinavam os arredores e a si mesmo. A bolsa de couro em sua cintura fedia tanto que o fez franzir o nariz. Por fim, a aura cruel e gélida fez com que ele suasse involuntariamente.
Sem virar a cabeça, Brett disse para Lulu:
— Que bom que apareceu um vilão em vez de alguém bonzinho. Agora, quero uma luta sem piedade, não uma sessão de treino amistosa. Mas…
— Mas?
— Esse cara é mesmo um oponente adequado para mim?
Lulu inclinou a cabeça.
— Por mais que eu olhe, ele parece pelo menos dois níveis acima de…
Ele não conseguiu terminar a frase.
Whoosh!
Uma espada apareceu de repente bem diante dele. Surpreso, Brett moveu a cabeça para o lado e contra-atacou.
Bang.
Bang. Bang. Bang. Bang!
Cinco estocadas consecutivas o atingiram enquanto estava desequilibrado! E o monstro não recuava. Cambaleando algumas vezes, aproximou-se rapidamente, agarrando Brett pela gola.
— Você, você é nobre?
Brett não respondeu.
— Eu acho tão agradáveis nobres que cheiram ‘docinho’ assim como você…
Thud.
Antes que pudesse completar a frase asquerosa, Brett acertou seu golpe. Depois de chutar com força a virilha e o plexo solar do oponente, usou o impulso para criar distância entre eles e recuperou sua postura.
— Isso dói… — disse a figura. — Mas tudo bem. Gosto disso também.
— Lulu? — Brett perguntou, tenso.
Lulu respondeu:
— Este espaço de feitiçaria permite que você reviva, não importa o quanto se machuque. Ele até te revive se você morrer. Isso significa…
— Isso significa?
— Significa que um nível de dificuldade um pouco maior será mais útil para você, Brett.
Brett não soube como responder.
— Foi mal, tô indo.
Poof.
Com uma expressão um pouco arrependida, Lulu desapareceu, deixando apenas os dois no salão de treinamento.
Ao ver o sorriso do monstro de rosto pálido, Brett murmurou:
— Merda.
Logo em seguida, seu treinamento começou.