— Você realmente se parece com ele — murmurou Lulu, olhando para o Rei Dragão Demônio enquanto ele trazia uma onda de escuridão atrás de si.
Ela havia usado fotos e descrições em livros para criá-lo por meio da feitiçaria, mas era a primeira vez que o via de verdade. Por isso, estava ainda mais surpresa. O arquidemônio se parecia muito mais com um dragão do que a gata havia imaginado.
Será que ele firmou um contrato com um diabo para assumir aquela forma? Assim como alguns humanos no continente aceitavam a escuridão e se tornavam demônios, será que ele havia seguido um caminho semelhante? Ela arregalou os olhos, examinando a aparência do Rei Dragão Demônio como se quisesse gravá-la em sua memória.
— Não. — Por fim, afastou suas dúvidas, mas uma hipótese ainda mais terrível surgiu.
Lulu se lembrou de que alguns diabos nascidos no reino demoníaco tinham muitas semelhanças com humanos, mas balançou a cabeça. Especular demais não faria bem.
“Mesmo que seja esse o caso… não será um problema.”
Ainda assim, ela sentia a energia fluindo vigorosamente, permitindo que a orbe de feitiçaria exercesse muito mais poder do que o esperado. Abraçando os desejos de muitos, Lulu murmurou com uma voz animada:
— Por favor.
— Não se preocupe — veio a voz de Dion Lindsay ao longe.
Ela assentiu.
Os ataques do Rei Dragão Demônio podiam lançar uma pessoa aos céus, fazendo com que não tivesse mais onde se apoiar. Essa era a parte mais aterradora de seu poder, mais até do que sua força monstruosa. Mas tudo ficaria bem.
A gata preta se virou e abriu um portal, pronta para levar boa sorte ao próximo da fila.
O desejo de possuir coisas belas era um sentimento comum aos humanos. Matronas sorriam para crianças pequenas, e rapazes se apaixonavam por uma bela mulher. Esse garoto não era diferente. Quando criança, toda vez que via os lábios cor-de-cereja da menina vizinha, seu coração acelerava. Então ele a tornou sua.
A única leve diferença entre ele e os outros garotos era que seu único interesse era colecionar partes do corpo humano. Por exemplo, cortar o nariz perfeito do filho de um nobre ou arrancar os olhos de um sábio ancião do campo. Como resultado, colocaram uma recompensa considerável pela cabeça do garoto, mas ele não morreu.
A maioria dos mercenários era incompetente contra ele, e mesmo os cavaleiros se mostravam fracos. Quando um Especialista apareceu e depois um Mestre, já era tarde demais. O garoto, agora um homem, exalava uma aura profunda de sua espada, e a bolsa pendurada em sua cintura jamais estava sem sangue.
O Colecionador. Ele não era um demônio, nem um diabo, mas as pessoas o temiam mais do que qualquer outro ser há séculos.
A criatura monstruosa olhou para o lado e viu três espadachins. Um usava o rosto de outra pessoa sobre o próprio. Outro tinha um braço tão longo que alcançava os joelhos. O último era comum em aparência, mas possuía olhos sinistros, como se fossem feitos de sangue cintilante. Todos eram fortes o bastante para entrar nos registros da história, e todos eram terrivelmente cruéis.
— Vamos começar?
Ninguém se aproximava facilmente do homem que falava com expressão tranquila, e vários segundos se passaram daquele jeito.
— Ninguém vai? — perguntou o jovem. — Então posso começar? Embora fosse melhor se todos se mexessem primeiro.
O silêncio continuou. Todos sabiam que as palavras do jovem de cabelos azuis eram verdadeiras. Ainda assim, ninguém se movia. Para vencer, alguém precisava tomar a dianteira, mas essa pessoa seria imediatamente destruída, sem a menor dúvida.
O Colecionador franziu a testa. Aquele era um lugar misterioso e conveniente, onde se podia reviver infinitamente, mesmo após perder a vida. Na prática, não havia razão para tanto medo, mas ele estava assustado e não conseguia se mover. Enquanto prendia a respiração, sua ansiedade crescia.
Enquanto os quatro vilões brincavam com suas espadas, Brett Lloyd finalmente começou a caminhar para a frente.
— Começamos por você? — perguntou ele.
O passo de Brett era despreocupado, mas à medida que se aproximava, a expressão do espadachim com a espada longa se endurecia. Considerando o alcance de sua espada, ele já poderia tê-la balançado dezenas de vezes contra Brett. No entanto, o peso da pressão o fazia escolher a defesa, não o ataque.
Enquanto os três outros permaneciam no centro da arena, apenas Brett e o espadachim da espada longa se afastaram. Momentos depois, Brett lançou rapidamente sua espada à frente.
— Ah!
Clang!
Errou. Apesar da velocidade aparentemente lenta de Brett, o espadachim da espada longa quase foi atingido. Suando em bicas, ele contra-atacou com força. Pretendia afastar a espada de Brett, mas era impossível.
Brett desenhou um círculo suave com sua espada, mirando novamente no oponente. O guerreiro da espada longa franziu o cenho, protegendo os pontos vitais com a mão esquerda. Ele empunhava a espada com uma mão e um escudo na outra, o que lhe permitia responder a ataques de qualquer distância. Com esse método, havia vencido inúmeros adversários, e venceria esse garoto agora.
Ou, pelo menos, era o que pensava.
Crack!
— …Guh!
Mas ele não conseguiria vencer agora. A espada de Brett brilhou ainda mais intensamente no momento em que perfurou o escudo, a mão esquerda e o torso do espadachim da espada longa. E Brett não parou por aí. Levantou o oponente, girando rapidamente seu corpo.
Os outros vilões atacaram um instante depois. Brett avançou em direção ao que se inclinava para a frente.
Assustado, o Colecionador parou antes de assumir uma postura defensiva. Ver Brett usando o espadachim da espada longa como escudo o fez se enrijecer instintivamente. A pressão daquele oponente era enorme, e ele se preparou para o impacto.
Whoosh!
Boom!
— Urgh!
O cálculo do Colecionador estava errado. Meio segundo antes do impacto direto, a espada de Brett expeliu fogo, desequilibrando-o com a esfera de aura que voou em sua direção. Imediatamente depois, um impacto tremendo o atingiu. O golpe o lançou para longe, enredando-o com o homem da espada longa, enquanto os outros dois aceleravam.
Whoosh!
Swish! Whoosh!
Brett girou o corpo mais uma vez. Sem sequer olhar para o homem que acabara de arremessar, disparou sua aura com um sorriso. Preparando sua próxima posição, canalizou a aura mais uma vez para atacar. Os outros espadachins não eram do tipo que ficava caído após sofrer ferimentos graves.
Se Brett atrasasse seu próximo ataque, mesmo que ligeiramente, eles se recuperariam e contra-atacariam. Aí seriam quatro contra um novamente. Enfrentar quatro Mestres que superaram o medo e a tensão não era tarefa fácil, então o melhor a fazer era reduzir o número deles enquanto ainda havia chance.
Snap!
Mas ele não conseguiu. Quando Brett estalou os dedos, um poder misterioso desceu sobre o Colecionador e o espadachim da espada longa. Eles se recuperaram rapidamente e se levantaram, com expressões atordoadas. Os outros dois olhavam para o jovem de cabelos azuis, confusos.
— Vamos tentar de novo? — disse Brett, como se os convidasse a lutar de verdade dessa vez.
Ao verem o olhar arrogante e altivo de Brett, os quatro vilões sentiram vergonha. Mas, rapidamente, foram tomados por raiva e malícia. Ainda assim, mesmo juntos, não conseguiam vencer a sensação de derrota que sentiam.
Cerca de trinta minutos depois, Brett estava deitado na arena. Coberto de sangue, o corpo em frangalhos, mas havia vencido. Suspirou.
— Essa foi difícil…
Difícil, mas possível. Honestamente, até sentia uma pontada de decepção agora que havia acabado. No início, teve dificuldades mesmo em lutas um a um contra os quatro oponentes. Agora, derrotara todos de uma só vez.
Mas Brett ainda não estava satisfeito. Queria um treinamento mais intenso, queria crescer mais rápido. Parte disso vinha do fato de saber que os inimigos reais que enfrentaria um dia seriam incrivelmente fortes. Mas também havia sua preocupação com o estado dos amigos.
“Preciso manter a cabeça no lugar.”
Não podia ser como Airen, que havia perdido a convicção. Nem como Illia, que se desorientou com o desaparecimento do irmão. Nem como Judith, que passou a se questionar após perder seu mestre. Era o único que conseguia manter a sanidade, então era natural que carregasse um fardo mais pesado.
Tendo chegado até esse ponto, Brett se levantou. Precisava de uma mudança. Em particular, queria um ambiente de treinamento mais intenso e severo. Abriu a boca para falar, quando um som alto o interrompeu.
Ting-a-ling!
— Para alguém como você, um serviço sob medida chega antes mesmo do pedido!
— Você também lê mentes?
— Às vezes, mas não agora! — respondeu Lulu. — Mas não é estranho, certo? Entendo perfeitamente se você ficou insatisfeito com a luta de agora.
— Hmm, um pouco — concordou Brett.
Na verdade, já tinha passado por algo parecido antes. Quando o Colecionador ficou fácil de lidar, e as lutas dois contra um também, Lulu apareceu como se estivesse esperando por ele e aumentou o número de oponentes. Mas isso já não bastava. Aumentar o número de inimigos do mesmo nível não ajudaria mais em seu crescimento.
Precisava de alguém avassalador, não de alguém que mal havia deixado uma marca na história. Precisava de uma presença esmagadora como o Diretor Ian ou Julius Hule. Só alguém assim o faria avançar.
— Mhm, também acho — disse Lulu.
— E então? — perguntou ele.
— Vou melhorar o campo de treinamento. Aí poderei invocar seres que serão os mais úteis para você — disse Lulu, dando uma cambalhota.
Ao ver aquilo, Brett sorriu.
— Oh…
Já se sentia satisfeito. Um sentimento considerável de expectativa se espalhou de seu peito para o corpo todo enquanto se preparava. Mesmo quando Lulu havia jogado contra ele oponentes acima de seu nível, ele se sentira bem. Mesmo quando aumentou de dois para três, depois para quatro, ele se sentira bem.
Até agora, Lulu nunca havia lhe dado uma resposta direta. Apenas assentia e desaparecia. Mas dessa vez, ela realmente o ouviu.
Boom!
Foi então que uma grande vibração sacudiu a arena. Imediatamente, ele sentiu uma nova presença, uma tão poderosa que nada mais se comparava. O sorriso de Brett se aprofundou.
Inúmeras figuras passaram por sua mente, fazendo seu coração bater forte. Quem poderia ser? Jacob, o primeiro diretor da Academia de Esgrima Krono? Andres Caio, o paladino que fundou o Reino Sagrado Arvilius há mais de mil anos? Dion Lindsay, o herói da família Lindsay?
Aproveitando aquela sensação, ele se virou devagar, com calma. Abriu os olhos e viu seu oponente. Não conseguiu evitar uma expressão estranha.
— Por que está com essa cara?
Brett não respondeu.
— Bem, compreensível. Encarar a própria versão perfeita assim é claramente uma grande bênção, mas entendo que o choque seja considerável.
— Huh. — Ao ver seu próprio sósia, Brett ficou atordoado, mas essa sensação não durou muito.
“Pensando bem… ele tem razão, não tem?”
Brett veio ao mundo com a dignidade de um nobre de alta linhagem. Mesmo assim, não se acomodou: elevou sua nobreza com esforço e trabalho duro. Não havia como um ser que se parecesse perfeitamente com ele falasse bobagens. E mesmo que fossem bobagens, não importava. O mundo era assim.
Assentindo, Brett Lloyd disse:
— De fato, é uma bênção.
— Isso mesmo. Como era de se esperar de mim. Você aceita as coisas com rapidez admirável.
— Sem problemas. Você também está se saindo muito bem.
Os dois Brett Lloyd continuaram a se elogiar. Observando aquilo, Lulu murmurou baixinho para si:
— Mas que cena…