Airen Farreira encarava Karin Winker com uma expressão rígida.
Era uma sensação estranha. Karin estava muito mais jovem do que nas memórias de Airen, onde empunhava sua espada todos os dias. Era difícil encontrar nele aquela expressão desolada, a pele áspera ou o olhar penetrante de outrora.
Assim como os aldeões e o caçador ainda não haviam traído Airen, essa versão de Karin também ainda não estava ferida. Seus olhos, cheios de serenidade, felicidade e benevolência, o encaravam.
— Meu lorde, por favor, tenha cuidado… — disse o cavaleiro de escolta ao lado de Karin.
— Está tudo bem.
— Mas…
— Está realmente tudo bem, então não se preocupe tanto.
Claro, ele tinha todo motivo para se preocupar. Seria estranho se não se preocupasse ao ver seu respeitado lorde se aproximando de um espadachim de origem desconhecida, especialmente com uma expressão tão incomum. Airen entendia as ações do cavaleiro.
Grind!
Mas entender não significava que não estava com raiva. Ele conhecia as ações passadas daquele cavaleiro. Gurgar lhe mostrara. Mas fechou os olhos, ocultando esse sentimento.
Airen sabia que, em breve, aquele homem o olharia com um olhar completamente diferente. Sabia muito bem que Karin lançaria palavras frias, revelando seu verdadeiro eu após destruir a máscara de boas intenções. Sabia que Karin não impediria os aldeões de bani-lo.
Mas isso ainda não havia acontecido.
Inspirando fundo, ele se acalmou e abriu os olhos.
— Isso mesmo — disse Airen lentamente. — Ouvi seu nome pelos aldeões, Barão Karin Winker.
— Entendo. Mas achei que não houvesse muita interação entre vocês?
— Não foi por conversa… Eu apenas escutei. Por toda parte, as pessoas elogiavam seus feitos, Barão.
Karin riu.
— Não, você está me bajulando… — pigarreou. — Não sou um Senhor ruim. Estou me esforçando do meu jeito pelo bem-estar do povo. Ainda assim, devo dizer que é bom ouvir isso de um forasteiro.
Airen não respondeu.
— Ah, me desviei um pouco. Vim porque queria falar sobre você, não sobre mim.
— Sobre mim?
— Isso mesmo. Tem um momento? Ainda não nos apresentamos formalmente. Você obviamente já sabe, mas sou Karin Winker. Eu governo Gasco, incluindo esta vila.
Ao ouvir Karin se apresentar, Airen ficou em silêncio por um momento. Lembrou-se do que Lulu lhe dissera. Não havia apenas um diabo ali, mas também um aliado que o ajudaria.
Ele não gostava disso. Alguém que o ajudaria? Era absurdo pensar que Karin tentava acolher os outros com um sorriso tão gentil, enquanto permanecia alheio ao futuro terrível que o aguardava. O coração de Airen disparava enquanto uma sensação quente e pesada subia à sua cabeça.
— Airen…
— Hmm?
— Sou Airen, Airen Farreira — disse ele após muito esforço. Suprimiu a emoção insuportável que ameaçava explodir de seu corpo a qualquer momento. Decidiu continuar a conversa, mas com grande contenção.
Não tinha intenção de receber ajuda, especialmente de Karin. Achava que ele era quem precisava de ajuda, não o contrário. Ele ajudaria Karin a se preparar para a ruína e a desgraça que se aproximavam. Se isso fosse impossível, então faria o que estivesse ao seu alcance, ao menos por agora. Esforçar-se-ia para manter uma conversa agradável.
Tendo decidido, Airen forçou um sorriso.
— Hmm, Farreira, Farreira… — disse Karin. Riu. — Me desculpe. Meu conhecimento é limitado, então não sei de onde você é.
— Não precisa se preocupar. Sou de uma família nobre insignificante, já extinta, então é natural que não conheça.
— Mas…
— Mais importante, disse que queria falar comigo?
— Ah, sim. Exatamente como você disse.
— Agradeço por sua gentileza. Estou sem palavras… Veio até aqui por causa de um simples forasteiro como eu. Não quero ser um fardo, então responderei da melhor forma possível às suas perguntas.
Karin pareceu surpreso.
— Não precisa se rebaixar assim…
No entanto, o cavaleiro de escolta relaxou um pouco. Preocupava-se porque a reputação do jovem entre os aldeões não era das melhores, mas ele parecia conhecer boas maneiras. Claro, não pretendia baixar a guarda, com ou sem etiqueta, mas o clima havia suavizado, de qualquer forma.
Percebendo isso, Karin sorriu.
— De verdade, não era minha intenção parecer pretensioso. O que queria dizer nem é tão especial…
Ao ouvir suas palavras, Airen sorriu de volta. Não era um sorriso natural, mas já era bem melhor do que sua expressão rígida de antes. E, como havia decidido, pretendia participar daquela conversa com todo o coração.
E assim começou a conversa entre seu eu presente e seu eu do passado.
E, como Karin dissera, não era nada de especial.
— Sendo honesto, sei que parece que vim por sua causa, mas é o contrário. Alguns aldeões expressaram preocupações quanto à sua presença aqui. Disseram que sua aura era estranha e temiam que algo pudesse acontecer.
Ao que tudo indicava, alguém sem coragem havia falado com o barão. Pelos padrões de uma vila rural, até mesmo o caçador, um homem forte, parecia aterrorizado com Airen, então os demais tinham medo de agir por conta própria. Mas também não estavam confortáveis apenas o ignorando.
Karin riu.
— Espero que entenda. Não é tanto uma desconfiança dirigida a você, mas ao continente inteiro. Você sabe o quão perigoso o mundo está hoje.
— Eu sei. Entendo perfeitamente.
— Que alívio. Fico realmente feliz por você ser alguém de mente tão aberta.
Ainda assim, Airen não gostava da situação atual. Se não tivesse partido naquela jornada para salvar Ignet, se não soubesse que estava em Gasco, se não soubesse que aqueles aldeões aparentemente inocentes um dia trairiam Karin Winker, talvez não se sentisse tão irritado.
Mas Airen sabia de tudo. Sabia que escondiam seus verdadeiros sentimentos por trás de expressões aparentemente comuns. Lembrava-se da vida passada que vislumbrara por meio do oráculo, Gurgar. Ao recordar os rostos daqueles aldeões, a raiva voltava a queimar em seu peito.
— Ah, claro, por favor, não me entenda mal. Não estou te pressionando. Na verdade, é o oposto. Não vim aqui para te expulsar, mas para te ajudar a recomeçar em nosso território. Quero ajudá-lo a se dar melhor com os aldeões… Vim para ser uma ponte, por assim dizer. Não sei se estou me expressando bem… Está tudo bem com você?
Mas o que Airen sentia era ainda mais insuportável que raiva, tristeza e frustração. Era a piedade por seu eu do passado que o abalava mais do que a duplicidade dos aldeões. Ele sabia que Karin enfrentaria um destino trágico sem ter consciência disso, e isso feria profundamente o coração de Airen. Ele não conseguia esconder, e isso ficou visível em seu rosto.
Airen falou com uma voz confusa:
— Meu lorde.
— Hmm?
— Por favor, dispense seu cavaleiro por um momento.
— Hã?
O cavaleiro de escolta estreitou os olhos.
— Que absurdo é esse…
— Tenho algo importante a dizer, então, por favor, dispense-o — insistiu Airen.
O cavaleiro de escolta congelou de repente, e o suor escorreu em seu rosto tenso. Seu corpo inteiro pareceu se encolher sob a pressão irresistível que emanava daquele homem loiro. Era desagradável ver alguém fingindo se importar mais com o lorde do que qualquer outro, agindo como o mais leal dos cavaleiros, e não conseguindo nem suportar aquela pressão?
As emoções de Airen se intensificaram, sua aura cresceu. O cavaleiro recuou alguns passos, os olhos tomados de terror. Isso só aumentou ainda mais a fúria do jovem herói. Mas, de repente, Karin se colocou entre eles.
— Retire-se — disse Karin. Quando o cavaleiro não respondeu, ele repetiu: — Está tudo bem. Apenas se retire por enquanto.
O cavaleiro deixou a residência sem dizer uma palavra. O som de seus passos foi a única coisa que se ouviu enquanto ele abria apressadamente a porta e saía. Airen teve vontade de correr atrás dele e gritar: “Era só isso que você tinha?! Fingiu o quanto quis e era só isso mesmo?!”
Mas não tinha tempo para isso. Airen virou-se de volta para Karin. Respirou fundo e se preparou. Um momento depois, começou a falar sobre o futuro que cairia sobre Karin Winker.
— Pode ser difícil de acreditar…
Airen sentia pena de seu eu do passado, que sofrera tanto. Ao mesmo tempo, pensava em vingar-se do mundo que o perseguiu. Mesmo que essas informações levassem Karin a um caminho completamente diferente daquele que trilhara… mesmo que significasse quebrar as crenças que ele construíra com tanto esforço, não importava.
Airen sentiu um alívio ao despejar tudo que sabia. Quando estava quase terminando, percebeu algo estranho.
Airen olhou para sua versão passada.
“Por que ele está tão calmo?”
Era estranho. Desde que começara a contar tudo, Karin permanecia calmo, sem surpresa, sem raiva. E não era como se ele não estivesse prestando atenção. Karin o observava com olhos profundos, focado em cada palavra.
De repente, Airen compreendeu. Fechou a boca. O jovem herói permaneceu em silêncio por um bom tempo antes de finalmente falar novamente.
— Você já sabia.
A expressão de Karin não mudou.
— Você já sabia — repetiu Airen. — Sabia que o diabo viria, o que aconteceria com sua família, como os aldeões, como o mundo, te trataria…
As palavras de Airen pairaram entre os dois por um momento.
— Como você sabe disso? — ele perguntou. — E como… como consegue viver com eles tão naturalmente mesmo sabendo disso?
Whoosh!
Uma energia poderosa emanou de Airen, fazendo as roupas e os cabelos de Karin esvoaçarem. Com tamanha força, uma pessoa comum mal conseguiria respirar, mas ele permanecia calmo. Não perdera o sorriso benevolente.
Airen não conseguia entender. Mesmo sabendo da crueldade do mundo melhor do que ele, Karin ainda não havia perdido sua boa vontade.
Então Karin falou:
— Há muitas histórias a serem contadas.
As palavras surpreenderam um pouco Airen. O calor permanecia, mas algo no ar havia mudado. Ao pensar mais profundamente, começou a enxergar coisas que antes não via. Por exemplo, percebeu que o nível de Karin definitivamente não era inferior ao seu. E isso era impossível, considerando que o diabo ainda nem havia aparecido na propriedade.
Essa era a situação sobre a qual Airen queria perguntar, mas Karin foi mais rápido.
— Vamos mudar de lugar primeiro — disse ele.
— O quê?
— Um convidado indesejado chegou, e quero atraí-lo o mais longe possível da propriedade.
— Um convidado indesejado? — perguntou Airen.
— Sim, um convidado indesejado.
Karin puxou a espada da cintura. Era uma espada longa comum, que se encontraria em qualquer ferraria, nada digna de um lorde. Ainda assim, era diferente. Uma luz prata-cinza fluía pela lâmina e uma energia sagrada tocou Airen, fazendo-o estremecer. Aquela energia aterrorizou a escuridão à espreita atrás dele, e ela tentou bloqueá-la.
Mas não conseguiu. Atingido pela Aura, o Diabo Bufão atravessou a parede de pedra, sendo violentamente arremessado para longe.
— Aaargh!
E não acabou ali. Karin se moveu, sua Aura era tão veloz que deixava um rastro no ar. Atacou o Bufão novamente. Gritando alto, o Diabo foi lançado ainda mais longe.
Vendo aquilo, Karin sorriu.
— Quer saber como se conserta um coração partido?
Airen não fazia ideia do que responder.
— Se quiser saber… me siga.
Imediatamente, Karin disparou para frente em alta velocidade.