A situação no continente não era boa.
Isso era um fato que todos sabiam. Mesmo o público que não conhecia todos os detalhes ainda podia sentir. Mas aqueles que mais sentiam eram os altos funcionários do Reino Sagrado, que tinham mais informações do que o povo. Quando ouviram as notícias sobre os demônios e diabos invadindo o continente, sua raiva e medo contra o Rei Demônio cresceram.
Que a subjugação seja concluída. Que os quatro heróis ganhem força suficiente para avançar até a fenda dimensional e trazer a paz de volta ao mundo.
Era isso que todos desejavam de todo o coração. E quando os quatro heróis, incluindo Airen, demonstraram sua força…
“Ótimo! Estão muito mais fortes do que eu imaginava! Estava assustado só de pensar no que faríamos se o treinamento não tivesse dado resultado…”
“Para ser honesto, achei que era tudo mentira, mas parece que no final deu certo de alguma forma.”
A esperança voltou a florescer no coração das pessoas. Seus corpos exaustos pareciam revitalizados ao verem seu futuro depositado naqueles quatro heróis.
Claro, eles não jogaram os heróis diretamente para a batalha.
10 anos…
Por fora havia se passado apenas um ano, mas as crianças tinham passado 10 anos em treinamento extremo. Embora seus corpos parecessem perfeitos fisicamente, era natural que houvesse um certo esgotamento mental.
Eles precisavam de tempo. Precisavam estar com as pessoas que amavam. Precisavam de calor e afeição. O Reino Sagrado não ignorou isso e, assim que os quatro saíram, chamaram suas famílias.
E então…
Woong!
— Não tenho família.
Judith, que estava empunhando sua espada no salão de treinamento, murmurou.
Era verdade. Ela não tinha família. Então, não havia ninguém para encontrar. Ela falou sobre isso com Khubaru, que encontrou depois de muito tempo. Conversou com seus colegas da escola de esgrima que vieram vê-la. Surpreendentemente, até trocou palavras com seus antigos adversários do Festival dos Guerreiros. Sem dúvida, ela já não era mais a verdadeira solitária que havia sido na infância.
…no entanto, havia emoções que não podiam ser compartilhadas apenas com essas pessoas. Judith, que se lembrou do rosto do velho, chamou por seu nome.
— Khun.
Só dizer esse nome a fez vacilar. Mas sabia que precisava colocar isso para fora.
Não podia ficar presa ao passado. Seu mestre não tinha dito isso? O lugar em que ela precisava estar era a realidade, não no mundo dos sonhos. Claro, ela havia saído do mundo de feitiçaria por causa daquela promessa feita a ele, mas compreendia sua intenção e seria fiel a isso.
— Phew.
Judith respirou fundo e limpou sua mente. Aquilo não era surpreendente.
Seu mundo sempre havia sido solitário.
Se em algum momento de sua vida solitária ela sentiu afeto por uma família, mesmo que brevemente, era tudo o que poderia desejar. Mas agora já havia se acostumado a ficar sozinha.
Pensando assim, voltou a brandir sua espada…
— …
De longe, um garoto a observava fixamente.
“Esse moleque não está exagerando um pouco?”
Parecia ter uns 15 ou 16 anos, mas seu rosto era mais jovem do que isso, e sua pele era tão macia que parecia nem ter poros. Mas nada disso importava.
O importante era o cabelo azul.
Ela ficou preocupada, pensando se aquele garoto era o irmão mais novo de Brett Lloyd.
Acabou baixando sua espada e caminhando até ele. Com uma expressão carrancuda, perguntou:
— Por que veio aqui de novo?
— Só fiquei… curioso.
— Curioso sobre?
— Ora, você sabe do que estou falando. Meu irmão, que só gostava dele mesmo, agora tem alguém de quem gosta. Como eu, sendo o irmão mais novo, poderia não me interessar por essa pessoa?
— …
— Claro, seria rude interromper enquanto você está treinando para derrotar o Rei Demônio, então não vou atrapalhar e só vou assistir em silêncio.
— É falta de educação assistir alguém treinando.
— Mas eu não sou um espadachim. Então, está tudo bem, certo?
— …já chega. Pare com isso.
Judith se virou. Normalmente, ela já teria acertado o garoto pelo menos duas vezes na testa, considerando sua personalidade, mas não podia fazer isso, já que era o irmão mais novo de Brett. Na verdade, aquilo nem parecia tão irritante. Só… apenas a deixava desconfortável lidar com pessoas desconhecidas.
“Então vá embora logo.”
Murmurando algo inaudível, retomou seu treinamento. Fechou os olhos e limpou a mente, pensando em Brett.
— …
Houve um momento em que sua expressão mudou porque pensava em Brett.
Quase ao mesmo tempo, o irmão mais novo de Brett, Gerard, disse:
— Quer jantar comigo?
— …
— Espere, não é só comigo, vou chamar a mãe também. Ainda assim não quer vir?
— O quê?
— Por que essa surpresa toda? Para ser honesto, eu fui muito paciente, e meus pais também estão curiosos sobre Judith. Mas agora todos nós chegamos ao limite.
— O que…
Judith não conseguia entender.
Não era como se nunca tivesse encontrado a senhora Lloyd antes. Conversaram algumas vezes durante o Festival dos Guerreiros e, antes de ir ver Khun, também a haviam se cumprimentado calorosamente.
No entanto, ela não deu muita importância para isso. Era óbvio que era apenas uma formalidade.
Talvez estivessem apenas tentando esconder seu descontentamento e se mostrar humildes. Sempre pensou assim.
“…por que estou me sentindo assim de repente?”
— O que foi?
— Uh?
— Você parecia perdida… está bem? Então vamos?
Gerard parecia preocupado. Não podia evitar. A heroína que enfrentaria o Rei Demônio em 10 dias parecia deprimida. Ele estava preocupado por tê-la magoado ao falar de forma tão casual.
Judith olhou para ele. Os olhos do garoto, que lembravam os de Brett, brilhavam cada vez mais.
— …vamos.
— Uh?
— Vamos. Não, espere… preciso me lavar primeiro. Não, mas não tenho roupas para usar…
— Uh? Ah! Está tudo bem! Você é uma cavaleira, sua roupa está ótima! Pode ir assim mesmo!
— Isso me deixa ainda mais preocupada, sabia? Ha, se você está dizendo…
Judith resmungava sem parar. Confusão e ansiedade invadiam sua mente. O pensamento de mudar de ideia rondava sua cabeça insistentemente.
Mas ela não mudou.
— Trilhe um caminho diferente do meu. Não deixe seus amigos e seu amado. Não abandone seu laço com Krono, e no futuro, não sacrifique seus vínculos em nome da espada. Seja gananciosa. Não solte nada, segure tudo.
Ela se lembrou dos conselhos de seu mestre.
Não deveria ter medo. Não deveria fugir só porque não gostava da situação, nem deveria fugir porque era pesado demais.
Tinha que superar, se acostumar e se esforçar ainda mais.
— Uh? O quê?
— Nada. Estava falando sozinha…
Judith, que estava prestes a falar, parou. Depois de silenciar, sorriu e falou com o irmão de Brett.
— Só estava pensando em algumas coisas. Não se preocupe.
— …
— …
— …
— Por que está me olhando assim?
— Desculpe.
Ela usou um tom bastante ríspido, e Gerard pareceu um pouco assustado.
“Não é fácil.”
Claro, aquilo era só o começo. Ainda teria que encontrar Lorde Lloyd e sua esposa também. Um nobre de alta patente de Gaveira, senhor de uma vasta propriedade e, mais importante, os pais de Brett… jantar com eles era mais intimidante do que enfrentar diabos. Ela nem conseguiu comer direito um pedaço de carne. Gaguejou diversas vezes. Sentia vontade de fugir e desaparecer dali.
Mas permaneceu.
Não correu nem se escondeu. Estava sendo gananciosa, como seu mestre queria.
“Quero ficar mais próxima do Brett.”
Tão precioso quanto Khun. Não, mais precioso ainda.
Queria conversar com ele, caminhar e comer com ele… queria sorrir, dividir uma bebida e cruzar espadas ao lado dele também.
Queria se aproximar… queria se apaixonar ainda mais.
Queria fazer parte da vida dele, ser mais do que apenas uma amante.
“Claro… não vai ser possível agora. Não imagino que vá ser tão fácil assim.”
Judith, que sorriu para o Lorde, achava tudo muito estranho.
Não era fácil. Sentia que exigiria mais esforço do que se tornar uma aprendiz em Krono ou se tornar uma Mestra Espadachim.
Ela era alguém sem talento para relacionamentos, com uma personalidade difícil, cheia de vontades e com um jeito grosseiro de falar. Então… era fácil para qualquer um detestá-la. Era alguém que, quando ficava brava, gritava alto para afastar todos ao seu redor.
“Desta vez, não.”
“Certo. Desta vez será diferente.”
Não ia desistir.
Não podia se deixar desistir.
“Não se desanime. Supere seus desafios… tente e trabalhe duro para alcançar seus objetivos. Faça o melhor que puder.”
Não sabia se pensamentos tão militares assim funcionariam em relacionamentos humanos, mas era o que precisava fazer.
“Ainda assim, não tenho escolha além de fazer o melhor que puder…”
— Uh?
Assim, era um momento de decisão para Judith.
Quando viu seu amado, Brett Lloyd, que apareceu repentinamente na sua frente, ela fez uma expressão surpresa. Talvez estivesse tão imersa nos próprios pensamentos que não o percebeu até ele se aproximar.
“Ah, merda.”
O rosto de Judith ficou vermelho.
Considerando seus sentidos aguçados, ela deveria ter notado sua presença muito antes. Só de pensar que agora poderia ser alvo de provocações por ter se assustado, ela resmungou. Brett era o tipo de pessoa que adorava provocar.
Brett ficou ali parado diante dela, e ela também parou de andar. Mas, antes que pudesse dizer algo, ele tomou a iniciativa.
— Judith.
— Uh?
— Quer se casar comigo?
— …uh?
Um pedido de casamento vindo de Brett Lloyd?
Ela… ela realmente não sabia o que fazer.
Ele pensava que poderia dar sua vida.
Se isso significasse derrotar o Rei Demônio, se isso significasse proteger a pessoa amada. Sentia que isso seria o suficiente.
Mas não.
No momento em que viu o sorriso desajeitado de Judith e a forma adorável como ela se comportava junto de sua família…
As palavras de Quincy Meyers vieram à sua mente.
“Viva. Encontre um desejo de viver.”
“Com Judith.”
“Não apenas como amantes, mas como família.”
— Quer se casar comigo?
— …uh?
— Não, vamos nos casar.
“Eu não vou morrer.”
“Vou derrotar o Rei Demônio e voltar vivo.”
“…junto com todos os meus amigos.”
E com sua amada.
Os olhos de Brett pareciam muito mais brilhantes do que o normal enquanto olhava para Judith.