O tempo não seria suficiente para explicar todas as coisas terríveis sobre os diabos; não pode haver nada mais aterrorizante do que suas maldições após a morte.
É uma maldição cruel, que mantém as pessoas presas ao passado e nega aos heróis a glória que merecem.
O Demônio do Coração não era diferente. Na verdade, era ainda mais aterrorizante porque Ignet não podia se separar da escuridão, pois era o Rei Demônio.
Shhh…
Hoje não foi exceção. A energia brilhante dos heróis retardou temporariamente a propagação da corrupção, mas ela acabou retomando. Apesar de seu desejo ardente de se tornar rei, a escuridão estava destruindo o ambiente ao seu redor.
E ela não era a única a perceber isso. Todos os presentes estavam cientes.
Por isso, ela ficou chocada.
Você não vai matá-la?
Em vez disso, vai voltar?
E treinar para resgatá-la?
Isso é…
— Que tipo de bobagem é essa?
— Por que seria bobagem?
— Ha.
Ignet sorriu incongruentemente, com desagrado nos olhos, diante da pergunta audaciosa de Illia. Ela exalava uma energia terrível e não se importava.
Ela havia superado seu maior trauma, a separação com Karl Lindsay, e agora enfrentava o maior adversário de sua vida com olhos firmes. Ela prendeu o olhar nela.
— É possível.
— …
— Se o Rei Demônio pode corromper um humano, por que seria impossível para a luz de um herói dissipar a escuridão? Olhe nos meus olhos. Você acha que estou brincando?
Ela estava sendo sincera. Não estava dizendo bobagens.
Ignet também podia sentir isso. Ela tentou gritar com ela por estar perdendo tempo, mas não o fez. O silêncio caiu. E o ar ao redor ficou pesado quando a voz de Illia ecoou.
— Eu também já pisei na escuridão.
Ela pensou no passado.
Ela se lembrou dos dias, no final da adolescência, em que enfrentou o desaparecimento do irmão, e das feridas em seu coração que se agravavam à medida que a puxavam para uma escuridão da qual não conseguia vislumbrar o futuro. Como a mais jovem Mestre Espadachim do mundo, ela foi aclamada. Mas sabia bem que aquela era sua maior fraqueza. Seus tempos mais sombrios.
“Talvez pudesse ter sido eu no lugar da Ignet.”
Claro, isso não aconteceu. Illia olhou para o rosto de seu amado e falou com uma voz confiante.
— Mas eu superei com a ajuda de Airen.
Ela ainda estava viva.
Ele disse que retiraria dela o título de campeã. E em apenas quatro meses, Airen chegou até onde ela estava.
A aura dourada da espada mágica que despertou na arena. Ela se lembrava da salvação que sentiu através da espada. Virou-se para olhar Judith e Brett.
— E não se trata apenas de mim e Airen.
— Esta também é a história de Judith e Brett.
— A história de muitas outras pessoas que não conhecemos.
— Ignet, você não está sozinha. Todos nós já estivemos na escuridão em algum momento, e pode ser que um dia isso aconteça de novo. Mas…
— …nunca devemos esquecer que sempre haverá uma luz para dissipar a escuridão.
— Certo?
— …
— Por que não responde? Onde está aquela sua confiança habitual? Onde está a heroína que resistiu ao Rei Demônio por mais de um ano para salvar o continente, agora tão assustada que não consegue nem falar?
— Então, o que você pode fazer? — Ignet, que permanecia em silêncio, perguntou.
As palavras de Illia eram agradáveis de ouvir, pois eram esperançosas e prometiam um futuro brilhante. Mas também eram dolorosas. Seu corpo estava se deteriorando, e os heróis não tinham como reverter isso. Ela perguntou porque era o certo.
Diante disso, Illia hesitou.
Mesmo que doesse, ela precisava dizer.
Com um apelo, declarou.
— Fique aqui.
— …
— Eu, Airen, nós… até encontrarmos um meio de expulsar a energia do Rei Demônio e purificar você… aguente só mais um pouco.
— …Você fala com tanta franqueza.
Huh.
Ignet suspirou, olhando para a mulher. Mas Illia não recuou. Ela ergueu os olhos para o sol, que se tornava sombrio.
Ela sabia o quão cruel era deixar essa mulher sozinha nessa fenda entre o mundo humano e o Reino dos Demônios. Sabia que morrer seria muito melhor do que permanecer aqui…
— Por quê? Você não quer?
— …
— Vai desistir? Dos seus sonhos, objetivos e crenças? Mesmo que ainda haja uma chance de conquistá-los… vai abrir mão disso?
— Você é realmente engraçada.
— Mesmo que sejamos engraçados, não somos tolos o suficiente para aceitar seu pedido. Georg e Anya encontrarão um jeito de salvá-la. A qualquer custo.
“…você não pode morrer assim. Nunca.”
Isso é pelo bem de Ignet.
Ela não conseguia dizer nada. Illia pensou nisso. Ela esperava pelo seu retorno seguro.
Mas havia algo igualmente importante. Não, havia uma razão ainda mais importante.
Esse era o pensamento de Illia Lindsay.
— Vou perguntar mais uma vez.
— Escolha.
— Como alguém que desistiu de derrotar o Rei Demônio e morrerá pelas minhas mãos…
— Escolha retornar ao mundo humano como a grande heroína que triunfou sobre o mal e salvou o mundo. Pense na realização tão aguardada.
Você…
Qual vai escolher?
Woong!
Assim que ela perguntou, uma luz forte brilhou de sua espada. No entanto, ninguém prestou atenção a isso. Judith, Brett e Airen olharam para Illia, atônitos, e depois para os lábios de Ignet.
O que você vai fazer?
Que decisão tomará?
Não demorou muito. Além da espadachim de cabelos prateados, ela olhou para Airen.
Ignet, que o encarou de relance, disse.
— Eu…
E então falou.
Woong!
— É um colar estranho.
Os heróis desapareceram além do portal criado pelo colar dos cinco elementos. Era realmente algo único. Por mais que se usasse poder divino, feitiçaria e magia, isso os ajudava a atravessar a dimensão.
— É um item divino da raça dos orcs… talvez a prova de que Deus ainda não abandonou o continente.
Claro, ela não era alguém para falar de tais coisas.
O céu ajuda quem se ajuda, e como ela era igual a Airen, seria capaz de receber essa ajuda. Talvez no momento em que seu coração quebrasse, a proteção de Deus desapareceria.
“Claro, eu não vou deixá-lo em paz.”
Ela sorriu ao pensar em Illia.
Ela sabia. Aquela feroz espadachim de cabelos prateados não lhe deu opções. Claro, ela não se importava com isso, mas as palavras e escolhas que lhe foram oferecidas foram para o bem de Airen, o amado dela.
“Em vez de fazê-lo se sentir culpado por não poder me resgatar… fazer com que ele vivesse com a esperança de me trazer de volta para se sentir melhor.”
— …uma trapaceira.
Illia Lindsay.
Você é uma trapaceira até o fim.
Ignet, que murmurou isso, suspirou. Então vagou sem rumo. Pensou e pensou, caminhando constantemente por aquele espaço como uma teia de aranha, até chegar a uma conclusão.
— Um motivo… bem… eu quero acreditar em vocês.
Ela queria acreditar em Airen.
Queria confiar em Illia, Brett e Judith.
Queria confiar em Georg e Anya. Ela desejava que eles a salvassem para que pudesse voltar a trilhar o caminho do rei.
Claro, eles não eram os únicos que estavam se esforçando.
Ela também precisava trabalhar duro. Precisava perseverar para não parecer patética diante das pessoas que viriam resgatá-la e para não se deixar corromper demais pela escuridão.
— Não é fácil…
Ignet refletiu.
As brasas da esperança que eles lhe haviam deixado permaneciam em seu coração. Como resultado, a perda de sua sanidade foi adiada. Após a morte do Rei Demônio, ela havia se transformado em uma soldada da escuridão. Mas precisava de cada vez mais força para continuar resistindo ali.
Chamas intensas que queimariam as forças das trevas, algo que a fizesse resistir por anos!
Enquanto pensava em como obter isso, ela sentiu uma energia fraca.
— Isto!
Ignet apertou as mãos.
Uma energia familiar. No entanto, era uma energia que ela não esperava encontrar ali. Provavelmente, porque a impressão deixada por Illia fora muito forte, era difícil acreditar que ela cometeria tal erro.
“Bem, ela enviou o irmão embora. Ela não pode estar em seu juízo perfeito.”
Mas ela não ousava julgar.
Na verdade, isso lhe dava forças para suportar. Ela estava procurando algo para distraí-la.
Sorrindo, ela se moveu rapidamente e reuniu a energia. Não era uma tarefa fácil, mas era possível para ela.
— Se eu colocar isto aqui…
Em seguida, foi até as moradas dos diabos espalhadas pela fenda para conseguir um receptáculo que pudesse usar.
E inseriu a energia em um boneco. Ignet, que terminou o processo, observou o coração do boneco pulsar.
— Dmdma? Durlms…
— Você está vivo! Que bom!
Ao ver o diabo bufão despertar, ela sorriu radiante.
Diabos são seres aterrorizantes. Mesmo vivos, fazem o máximo para atormentar as pessoas, e mesmo após a morte permanecem fiéis a esse papel.
Mas havia aqueles que não agiam assim.
O bufão.
“Eu quero viver!”
Uma obsessão pela vida que não desaparecia nem depois da morte.
Mesmo depois de correr para matar a mulher conhecida como Illia, o desejo de viver persistia. Ele tentou desesperadamente construir um novo corpo.
Ele sabia que isso não era fácil. Se houvesse um abrigo temporário por perto, poderia descansar por alguns momentos. Mas seu destino era terminar em uma tragédia, dilacerado e destruído ali.
Mas…
— Você está vivo! Graças a Deus!
O Rei Demônio interrompeu isso.
Não, Ignet Crecensia bloqueou isso. Ele sabia. Embora o bufão tivesse perdido seu poder, podia reconhecer que quem estava diante dele era o ego de Ignet e não seu Rei Demônio.
E as palavras que fluíam pareciam sinceras…
— A partir de agora, você e eu entraremos em uma batalha sem descanso. Por favor, dê o seu melhor para que eu possa acender a chama ardente no meu coração.
— Uh? Uh?
— Ah, você não é forte o suficiente. Tudo bem, vou trazer a escuridão ao nosso redor para dentro do seu novo corpo.
Woong!
— Uhh?
— E então? Assim deve ser suficiente, certo?
— Isso, uh…
… ele podia sentir a dor.
— Vamos lá, vamos começar.
— E-Espera um momento…
Kwaaang!
— Kuak!
Palavras não funcionavam com ela.
Ela usou a espada sem piedade. Essa meio-humana e meio-rei demônio era tão poderosa quanto o próprio Rei Demônio!
Para sobreviver às chamas escaldantes dela, o diabo bufão teria que continuar lutando nessa batalha interminável.