— …
Airen Farreira olhou ao redor.
Um céu familiar
Uma parede familiar
Um quintal familiar
Nada chamou sua atenção. Ele ainda estava em seu quarto, com suas roupas casuais, não suas roupas de treino.
Airen levantou a cabeça e olhou para sua vida passada, Karin Winker.
Como diabos era possível que ele tivesse aparecido ali? E ainda por cima como um jovem, e não como um idoso?
— Você realmente precisa de uma explicação?
— Este lugar, é um sonho?
— Pode ser um sonho ou realidade. Pode ou não ser verdade que o poder da feitiçaria foi usado para manifestar a existência deste lugar.
— …
— Bem, isso não importa. Pode me conceder um momento?
— O que você quer dizer…
— Duvido que haverá outra oportunidade como esta.
Karin Winker sentou-se em uma cadeira e cessou a fala. Airen estava ficando irritado ao vê-lo saboreando o aroma do chá na xícara em sua mão.
No entanto, ele não podia refutá-lo.
— Você provavelmente está bastante frustrado agora, certo?
— …
— Com certeza está. Não é um assunto leve que se possa confiar a qualquer um, mas também não é tão pesado que não se possa compartilhar com os amigos. Está tudo bem. Pode me contar. De certa forma, este corpo vem respirando e se comunicando com você há muito mais tempo do que qualquer outra pessoa.
— Mas…
— Não vou incomodá-lo por muito tempo. Apenas dez minutos. Tempo suficiente para uma xícara de chá. Vou ouvir suas preocupações que se acumularam ao longo do último ano…
Desabafe com tranquilidade e fale.
… A boca de Airen se abriu novamente cerca de cinco minutos depois.
— Eu, para salvar Ignet… pensei que deveria sair pelo mundo novamente.
Durante quinze dias após a subjugação do Rei Demônio, Airen pensou profundamente sobre como purificar Ignet. Concluiu que deveria seguir para o Sul, onde ela havia nascido e crescido.
— Desenvolvi a vontade de salvar Ignet e derrotar o Rei Demônio.
— Achei que, para purificar Ignet, precisava construir um coração para ela, uma flor em seu coração que florescesse.
— E assim, segui para o sul.
— O lugar que Ignet queria mudar. Ela queria construir um reino na parte mais desolada e caótica do continente.
Claro, não era totalmente por Ignet.
Era também a crença de Airen de que as pessoas se beneficiariam de um mundo melhor. Também era por Lulu, que estava adormecida.
Ele precisava se mover. Não importava se fosse uma árvore ou flores que florescessem.
Ele apenas queria ver a beleza do mundo.
Se suas ações pudessem tornar o continente um pouco mais pacífico… talvez tudo pudesse voltar a ser como antes. Airen tinha esses pensamentos enquanto partia.
— Mas você não parece bem agora.
— …
— Foi o mundo que te deixou assim?
— …não é isso.
Airen fechou os olhos.
Muitas memórias, memórias que ele não queria recordar, começaram a surgir.
A imagem de um jovem rico reunindo pessoas em circunstâncias difíceis e incentivando-as a lutar até a morte.
Quando ele impediu isso, o homem ficou furioso pelo que estava fazendo e quanto dinheiro havia perdido por culpa deles.
O caos que se seguiu, as crianças e os idosos que foram explorados no meio da confusão, e a busca por corpos mortos com rostos sorridentes.
Havia muitos incidentes para descrever, mas não era necessário falar de todos.
— O problema sou eu.
Airen murmurou.
Depois de soltar uma voz abafada, ele assentiu e disse.
— Eu sou o que está em dor e insatisfeito comigo mesmo… o mundo sempre foi assim.
No começo, ele pensava que os demônios eram o problema. Achava que, se aquelas criaturas fossem derrotadas, o continente voltaria a ser pacífico e livre da corrupção que os seres malignos causavam nos humanos.
No entanto, isso não aconteceu. Ele sentiu isso profundamente dois anos atrás, quando foi resgatar Ignet, que havia sido sequestrada pelo Rei Demônio. Aqueles que não retribuem boas intenções com boa-fé. Pessoas más que não hesitam em cometer violência por algumas moedas, e pessoas más que tiram a vida de outros por diversão.
A raiva de Airen se voltou para o mundo e se afastou dos demônios. A árvore não conseguiu se erguer até que ele enfrentasse o Rei Demônio como resultado disso.
…era o que ele pensava.
Mas isso estava errado.
— Para ser honesto, eu sabia.
— O que quer dizer?
— O mundo não é belo. Os humanos são tão terríveis quanto os demônios e diabos ao nosso redor.
Certo.
Airen sabia disso.
Ele percebeu ao ler os livros em Durkali.
Sentiu novamente quando impediu o meio-elfo de traficar outros elfos. Coisas ainda mais terríveis haviam acontecido. Houve momentos em que suas convicções não se abalavam por causa dessas coisas.
Era arrogância. Ele não era forte nem firme.
Uma mentalidade superficial começou a se instalar quando essas histórias deixaram de ser de nações distantes e passaram a ser a história de Airen e das coisas ao seu redor.
— Acho que sei por que não consegui fazer uma árvore crescer no mundo de feitiçaria. Por que o mundo ainda parecia torto para mim, mesmo após dez anos. Estou cheio de raiva porque sei que muitas pessoas fazem boas ações…
— …
— Não foi porque perdi a confiança no mundo.
Ele perdeu a confiança em si mesmo.
Airen havia perdido a fé em si mesmo e suspirou.
— …Sou um tolo.
Ele havia jurado trilhar o caminho de um herói.
Sem saber quão difícil seria, declarou isso diante de Karakhum, mas ele era apenas um sapo no fundo do poço.
— Você está pronunciando essas palavras sabendo o peso que carregam?
Karakhum perguntou certa vez, há muito tempo.
As vozes de Ian, Joshua Lindsay e muitos outros podiam ser ouvidas. O coração incansável de Airen batia com força enquanto ele cambaleava.
Ele queria deitar. Queria descansar. Honestamente, também pensou em se esconder.
Naquele momento, Airen, que se lembrava de seu eu infantil, estava prestes a voltar para a cama.
— Você falou a verdade. Você é mesmo um tolo. Mas por que acha isso?
— …
— Ainda não terminei de beber meu chá. Vai encurtar essa conversa e voltar a dormir?
— …Preciso ouvir o quanto sou tolo?
— Hum, não. Mas estou perguntando porque acredito que seu raciocínio é diferente do meu.
— Uh?
— Todos cometem erros.
Quando Airen olhou para ele, percebeu a expressão de Karin Winker. A voz suave e calorosa parecia compreender sem criticar o que ele havia passado.
Ele sentiu isso?
O sorriso dele cresceu, e ele continuou a falar, intencionalmente sem beber o chá.
— É isso que os humanos são. Repetimos os mesmos erros que cometíamos quando mais jovens, e repetimos os erros que cometemos ontem e hoje. Sempre que isso acontece, nos irritamos com nossa estupidez e ficamos em dúvida… não é algo tão grave.
— Na verdade, existem pessoas maravilhosas que fazem isso parecer trivial.
— Não tente carregar tudo sozinho.
— Apoie-se nos outros de vez em quando e, se necessário, levante-se e segure as mãos deles.
— Da mesma forma, estenda sua mão para quem precisar.
— …
— Não se lembra do conteúdo da nota que o oráculo orc lhe deu?
Wheik!
Phat!
E foi isso.
Karin Winker bebeu o chá como se tivesse dito tudo o que precisava. E então desapareceu num instante. Como se nunca tivesse estado ali. Airen ficou confuso.
Foi então.
A partir das palavras dele, Airen foi até uma porta que não abria há três dias e a abriu.
Kiril, sua irmã, estava lá.
Ele olhou para a mulher diante de si com uma expressão estranha e ouviu:
— Vá se preparar para sair. Tome banho e vista roupas limpas.
— Não vou repetir; não quero ouvir o que você tem a dizer. Prepare-se e venha. Estarei esperando.
Kiril saiu depois de dizer isso. Airen ficou chocado novamente.
Mas, apesar disso, ele se moveu como ela disse e se preparou para sair.
Ela era sua irmã, que o amava mais do que qualquer outra pessoa e que esperou três dias para cuidar dele enquanto ele estava em apuros. Ela devia ter um motivo para falar daquela forma. Ele pensou que alguém além de Kiril poderia estar esperando por ele.
Naquele momento.
Ele se lembrou das palavras de Karen.
— …você não precisa estar sozinho para ficar de pé sozinho.
— Ainda não terminou?
— N-Não! Quase pronto!
Kiril parecia um pouco irritada.
Airen se vestiu rapidamente; não era um traje luxuoso, mas uma roupa do dia a dia que ainda parecia nobre.
Por alguma razão, ele deu atenção ao seu cabelo bagunçado.
Quando saiu de seu quarto, conferiu sua roupa e seus sapatos novamente, e prestou atenção às suas expressões faciais e à sua postura ao andar. Cherry, o grifo, o cumprimentou ao lado de Kiril.
No momento em que viu a carruagem mágica ligada ao corpo do grifo, Airen teve certeza. Airen ficou um pouco chocado, mas não quis demonstrar, então subiu na carruagem, que alçou voo.
O tempo que passaram voando não foi nem muito longo nem muito curto. Eles seguiram por um caminho de lindas flores amarelas.
A carruagem encantada pousou. As flores enchiam a visão e davam boas-vindas a Airen.
No entanto, ele não percebeu isso.
Algo mais bonito chamou sua atenção. Foi porque alguém ainda mais precioso o encarava.
— …
— …
Illia Lindsay deu um passo em sua direção.
Airen também deu um passo em direção a ela. À medida que os dois se aproximavam naturalmente, eles se beijaram.
Ele podia sentir o olhar dela sobre si.
Ela se aproximou primeiro, o homem que havia se trancado em seu quarto, o homem frágil, e entregou um anel para o homem que era terrível e inexperiente.
— Airen.
— Sim, Illia.
— Vamos nos casar.
A resposta foi entendida. Airen segurou a mão de sua amada.
— Obrigado.
Ele pensou.
Se ele ama Illia, então deveria aprender a amar a si mesmo.
Assim como Illia acredita nele, ele deveria acreditar em si mesmo também.
Porque essa era a melhor maneira de respeitar o amor que Illia tinha por ele.
Sentindo que o mundo ao seu redor estava mais bonito do que antes, Airen sorriu com brilho.
Um ano depois.
O casamento dos heróis Airen Farreira e Illia Lindsay foi realizado.