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Reformation of the Deadbeat Noble – História Paralela – O Sonho da Gata 1

O Sonho da Gata (1)

— E assim, Airen Farreira superou o medo em seu coração e deu mais um passo adiante.

O bandido do Crepúsculo, ou melhor, o ex-bandido Jack, olhava para Ian com uma expressão abobalhada. Honestamente, ele não entendia. O que havia de tão assustador em ensinar alguém? Ele mesmo já tinha ensinado um novato a manejar uma faca. Mas, depois de ver o novato morrer logo depois, nunca mais fez isso.

Enfim, ensinar não era assustador. No máximo, era um incômodo. Essa era a opinião de Jack, mas Ian parecia pensar diferente. O ex-bandido olhou para a espadachim ruiva que conduzia o wyvern. E aquela pessoa? Talvez ela pensasse da mesma forma que ele…

— Mestre, quer que eu mate esse cara? — perguntou Judith.

— Heh, você ainda me chama de mestre. Seu mestre não era o Khun? — retrucou Ian.

— Khun é família. E não mude de assunto. Esse cara… ele não tem salvação, estou te dizendo. Olha só pra ele, olha. Ele tá com aquela cara de quem não entendeu uma palavra do que acabei de dizer.

— Ei, não olha pra trás! Conduz isso direito…

Quando quase colidiram com uma ave grande, Judith puxou rapidamente as rédeas e mudou de direção. Felizmente, conseguiu salvar a vida da águia apavorada, mas, por causa do movimento brusco, quem estava no lombo do wyvern inevitavelmente foi sacudido.

Jack, em especial, quase caiu gritando:

— Uwaaah!

Felizmente, todos ficaram bem.

— Está tudo bem? — perguntou Ian.

Jack arfava. — Haa, haa! Haa…!

— Parece que sim. Haha, você escapou da morte duas vezes hoje. Deve ter uma vida longa pela frente, vai se sair bem até num bar.

— Devia era ter morrido.

— Judith, você já é adulta, não deveria usar palavras tão duras — disse Ian, repreendendo sua aluna com gentileza.

Judith fez um ‘tch’, mas não retrucou. Isso significava que deixaria o destino do bandido totalmente nas mãos de Ian, mas o coração de Jack ainda disparava no peito.

“Droga, o que eu faço agora?”

Pra ser honesto, ele não seguiu as palavras de Ian porque ficou comovido com a história. Também não teve nenhuma grande revelação. Só achou que o velho excêntrico parecia mais forte do que seu antigo líder. Por sorte, tomou a decisão certa e salvou a própria vida, mas não tinha pensado no que viria depois.

— Parece que sua cabeça vai explodir. Não precisa ficar tão nervoso.

— U-uhm…

Para Jack, Ian ofereceu conforto com seu habitual sorriso benevolente. E mais, infundiu nele uma aura calorosa para acalmar sua mente. Lentamente, Jack sentiu seu coração desacelerar e ficou surpreso mais uma vez.

“Dá pra fazer isso com aura? Não serve só pra balançar espadas, quebrar coisas e essas paradas?”

Enquanto pensava nisso, Ian voltou a assumir uma expressão séria.

— Ensinar alguém é uma tarefa extremamente desafiadora. Significa interferir na vida de alguém com potencial infinito. Pensar que cada palavra e cada ação minha cria incontáveis ramificações de possibilidades… O peso disso é imenso. É indescritível.

Ian fez uma pausa, então assentiu.

— Airen entende isso melhor que ninguém, e ainda assim se tornou o diretor de Krono e não poupa esforços para guiar a próxima geração.

Jack o encarou, os olhos levemente arregalados.

— Eu sei que essa história pode ser difícil de entender. Você parece ser do tipo que já tinha trabalho demais tentando sobreviver, então por que se preocupar com a vida dos outros? Os que estavam ao seu redor provavelmente pensavam o mesmo. Diziam coisas como: ‘Cuide de si mesmo primeiro. Se se meter pelos outros e levar uma facada nas costas, vai morrer cheio de arrependimentos.’ Tô errado?

— I-i-isso…

— Não é que esse tipo de pensamento esteja errado, mas, se for a única coisa em que pensa, nunca vai conseguir entender de verdade minha história. Não vai conseguir sentir o peso do carma que acumulou, nem se arrepender, nem tentar reparar.

— N-não, eu consigo. Eu realmente, realmente acho que estava errado. Não se deve matar as pessoas, nem roubar as coisas dos outros, nem bater nelas, nem chutar…

Ian balançou a cabeça com uma expressão alegre.

— Eu não acredito em você.

Jack ficou confuso. “Então o que eu deveria fazer?”

De repente, um grande castelo surgiu ao longe. Jack só conhecia a vida de bandido nas regiões caóticas do Sul, então a aparência esplendorosa do castelo parecia pertencer a outro mundo.

— Aqui, pegue.

“Isso acontece com frequência?”, pensou Jack.

Dentro do castelo, havia um local próprio para pouso de wyverns. Judith, a quarta espadachim mais forte do continente, guiou a criatura até um pouso perfeito. Ainda assim, lançou um olhar irritado para Jack e cuspiu no chão ao desmontar. Felizmente, nada mais aconteceu.

Ian jogou uma nota dobrada com cuidado para Jack, que se assustou. Era um mapa com a localização de uma taverna chamada Bar Cepo.

— Isso é…?

— Normalmente, você deveria ir agora para o Reino Sagrado, mas ainda é cedo pra você. Você não entende nada da situação dos outros. Vá para o Cepo e tente prestar atenção nas histórias das outras pessoas pelo menos metade do que viveu só pra si mesmo… não, até um quarto já serve.

Jack ficou parado, encarando Ian.

— E, só pra constar, você não pode sair do caminho. Há um limite pro quanto eu consigo segurar aquela mulher assustadora ali.

Judith sorriu. — Não, não tem problema. Faça o que quiser.

Mas, sabendo o quão ferozes eram os sentimentos por trás daquele sorriso, Jack nem conseguia encará-la. Saiu dali apenas com um murmúrio.

— Isso vai dar certo? — Judith perguntou a Ian quando ficaram a sós.

— O quê?

— Só… tudo isso. Não sei. Não sei se é certo dar uma segunda chance pra um carniceiro humano como esse. E mesmo que a gente dê… será que ele pode mesmo mudar?

— Também não sei, mas…

Ian fechou os olhos e pensou em seu aluno, um herói cujo coração havia sido despedaçado muitas vezes em meio a incontáveis trevas, mas que sempre se levantava e perseverava com sua vontade. Não era uma questão de possibilidade. Era apenas esforço.

— Vamos indo? Pelo que ouvi, somos os últimos a chegar?

Judith suspirou.

— Sério? Você nunca responde nada de forma direta.

Apesar do resmungo, Judith não pressionou mais Ian. Ela retomou as rédeas, e o wyvern soltou um poderoso rugido. Começou a bater as asas com força em direção ao Reino Sagrado.

— Quanto tempo faz mesmo? Desde que aquele dragão travesso adormeceu?

— É uma gata, tô dizendo.

— Ha! Certo. Desde que aquela gata brigona adormeceu… Já se passaram uns vinte e cinco anos?

— Mais ou menos isso.

— Sinto falta dela.

— Eu também.

E eles não eram os únicos que sentiam falta de Lulu. Airen, Kiril, Brett, Khubaru, Lance, Ignet, Anya, Georg e muitos outros sentiam o mesmo… Todos aguardavam o dia em que Lulu despertaria de seu sono profundo.

— Como você acha que ela está agora?

— Como assim?

— Só estou pensando… que tipo de sonho ela anda tendo por mais de vinte e cinco anos.

— Hmm, bem. Não sei ao certo, mas… talvez…

“Talvez esteja relembrando os dias em que viajou pelo continente com Airen? Tomara que esteja sonhando com algo bom, e não com algo ruim.”

Com o palpite incerto de Ian pairando entre eles, o wyvern carregava os dois espadachins em direção ao Reino Sagrado numa velocidade que ninguém mais podia alcançar.


Por mais de mil anos, o Reino Sagrado de Arvilius protegeu o mundo humano dos demônios.

Sustentados por sua fé, historicamente mantinham uma relação conturbada com os feiticeiros, que acreditavam em diversas superstições. Eles não acreditavam em sacrificar humanos para acalmar rios enfurecidos, dançar por dias para chamar a chuva, carregar dentes de monstros na cintura para aumentar a virilidade, ou caçar animais considerados azarados…

Para erradicar tais mitos infundados e garantir que esforços não fossem desperdiçados em futilidades que deveriam ser devotadas ao seu santo Deus, supervisionavam diligentemente todos os níveis da sociedade, dos mais baixos aos mais altos. No entanto, havia uma história mítica que até Arvilius reconhecia, o conto da Gata Preta Sortuda.

A fábula falava de uma gata preta que sacrificou sua vida para salvar o mundo. A história se espalhou amplamente além dos feiticeiros, alcançando o público geral. Estranhamente, mesmo paladinos e sacerdotes não demonstravam incômodo algum com ela. Pelo contrário, passaram a tratar com grande cuidado os gatos pretos desgrenhados que vagavam por aí.

Os paladinos e sacerdotes agiam como se os gatos pretos fossem o animal simbólico do Reino Sagrado. Davam-lhes banhos, comida e água. Claro, Lulu não fazia ideia disso.

Enquanto isso, no espaço dos sonhos, algo se mexeu.

— Aaaah! Dormi bem!

Em meio a um espaço misterioso e complexo que pessoas comuns não conseguiam controlar, Lulu despertou de seu sono. Pode parecer estranho adormecer de novo dentro de um sonho, mas Lulu não se importava. Afinal, dormir era um dos passatempos mais familiares e tradicionais tanto para gatos quanto para dragões. Claro que só isso não bastaria para suportar os longos anos que viriam.

Depois de esfregar os olhos com um gesto felino, Lulu acenou com a pata dianteira. Um grande quadro retangular feito de cristal surgiu e flutuou no ar. Ao lado dele, incontáveis livros repousavam numa estante feita de fragmentos de memórias, esperando seu toque.

— Hoje vou fazer uma maratona completa desde o começo! Já faz tempo!

Não fazia tempo. Desde o primeiro dia de seu sacrifício até agora, Lulu nunca deixou de rever seu passado. Às vezes era desconfortável, amargo e deprimente a ponto de fazê-la chorar, mas não havia o que fazer. Para aproveitar plenamente as memórias alegres que inevitavelmente vinham após a dor, era preciso repassar cada lembrança daquela estante, do início ao fim.

Com destreza, Lulu estalou os dedos das patas. Óculos que a ajudavam a apreciar a tela plana de forma tridimensional apareceram junto com pipoca quentinha polvilhada com pó de fruta Taihoi e um refrigerante espumante. A iluminação também se ajustou adequadamente para a sessão.

Depois que tudo estava pronto, a tela mágica de cristal sugou o livro no canto superior esquerdo da estante, e o vídeo começou.

Surgiu um lugar onde o vento frio e cortante soprava o dia inteiro. Apesar da aparência inóspita, era um local sempre cheio de amor caloroso. Depois, mostrou uma certa caverna nas montanhas do Norte. Lulu, bem maior que um gato, mas muito menor que um dragão adulto, fazia cara feia para sua mãe e gritava:

— Eu! Odeio! Humanos! Então para de se transformar em forma humana!

Ao ver sua própria infância na tela, Lulu riu e mastigou a pipoca.

— Ha! Teve uma época dessas mesmo.

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