Após se despedir de Brody, o filho do lenhador, Lulu vagou por várias regiões, deixando para trás a pequena vila do Norte. Por um tempo, a gata fez companhia apenas a animais selvagens, incluindo outros gatos, mas logo desistiu. Eles eram fundamentalmente diferentes entre si, e Lulu não conseguia formar um laço profundo com eles.
Claro, não havia garantia de que os humanos seriam diferentes, mas Lulu viu um vislumbre de esperança neles, de que ao menos pudessem compartilhar conversas mais profundas. E às vezes, alguns humanos evocavam um certo anseio.
Mas nunca acabava bem.
No início, Lulu passava tempo com crianças pobres e ingênuas, como Brody. No entanto, os humanos mudavam rápido, em apenas cinco anos ou até menos. Ver as crianças perderem seus sorrisos inocentes e adotarem as expressões desconfortáveis e constrangidas dos adultos fazia Lulu mudar de ideia. A gata decidiu procurar adultos, aqueles que já haviam conquistado muito e possuíam muitas coisas.
— Claro, o resultado foi o mesmo… — murmurou Lulu, observando, com um sorriso irônico.
Lulu não sabia na época, mas quanto alguém possuía era algo sem importância para os humanos. Tendo muito ou pouco, eles sempre ansiavam por mais. Também sacrificavam facilmente o que deveriam valorizar por ganho pessoal.
Era, de certa forma, uma progressão natural que os lugares onde Lulu passava acabassem em ruínas. Ainda pura e ingênua, Lulu inicialmente culpava tudo por ser uma gata azarada que atraía infortúnio, mas gradualmente chegou a uma conclusão. Humanos não eram dignos de confiança.
E então ela conheceu Kiril e Airen Farreira.
Lulu os conheceu pouco antes de sua desconfiança total para com humanos se enraizar de vez.
“Nobre Preguiçoso? Ele não saiu do quarto por dez anos? Nunca vi alguém mais preguiçoso que eu.”
No começo, Lulu não teve interesse algum por Airen. Ele não se parecia em nada com sua mãe, e ainda havia rumores sobre sua grande indolência. Mesmo depois de vê-lo pessoalmente, sua avaliação não mudou muito. Kiril, que tinha olhos parecidos com os de sua mãe, era uma figura muito mais cativante que o garoto indeciso e tímido.
No entanto, tais preconceitos gradualmente se dissiparam conforme Lulu passava mais tempo com ele.
— Olho de Gato? Não se preocupe com isso. Não importa que bugigangas você ofereça, vou contar a Kiril exatamente o que vejo e sinto sobre você.
— Gata azarada? Não se preocupe. Eu também tenho minha cota de maus rumores, assim como você. Como disse antes, vou te julgar apenas com base no que vejo e sinto. Você não precisa se preocupar.
Seu entorno não abalava Airen. Ele mantinha a compostura diante de tesouros que faziam os olhos de muitos humanos brilharem e as histórias tão sombrias que apenas ouvi-las já provocava caretas. Ele possuía uma força de vontade firme e um espírito inabalável.
Claro, ele não era perfeito. Na verdade, tinha mais falhas que a maioria das pessoas. Mesmo empunhando uma espada com habilidade, era facilmente assustado e chorava diante das palavras de valentões. E, como os rumores sugeriam, trancou-se no quarto por muitos anos, causando grande sofrimento à sua família.
— Será que posso aprender feitiçaria agora? Não estou falando da espada do homem dos meus sonhos. Estou falando em trilhar meu próprio caminho.
Mas isso não importava. Airen não negava suas fraquezas. Em vez disso, ele as reconhecia honestamente e se esforçava ao máximo para superá-las. Lulu sentia isso.
Em dado momento, a gata preta, que espreitava os corações dos outros, viu com clareza. Por isso, compartilhou com ele seu conhecimento e seu coração.
Era interessante e inédito sentir alegria ao compartilhar algo de si com outra pessoa… Sentir o coração se encher ainda mais enquanto se dava a alguém…
— É isso mesmo, Airen. Você… você foi quem me fez sentir valiosa.
Ele não exigia ajuda, mas também não tinha vergonha de se apoiar nos outros. Mas Lulu não se importava com isso, porque sabia. Lulu sabia que Airen, que se mantinha tão firme, segurando sua mão, um dia estenderia a mão dele até quando ela não pudesse mais.
— A partir deste dia, gato preto é um símbolo de boa sorte.
— Do que você está falando? Gatos pretos são portadores de infortúnio. Todo mundo acredita nisso. A maioria das pessoas ficaria até irritada só de ouvir isso.
— Não. Eu acredito que você é um símbolo de boa sorte. Acredito nisso há muito tempo, e a partir de hoje, estou ainda mais certo disso.
Na lembrança, Airen olhava diretamente para Lulu, mas, na época, Lulu não conseguia fazer o mesmo. Airen era uma conexão completamente diferente de qualquer humano que ela já havia conhecido. Ela se sentia tão indigna, lamentando que uma vida tão preciosa estivesse presa ao mundo da feitiçaria por cinco longos anos por causa dela…
Mas agora, tudo era diferente. A Lulu que assistia à tela de feitiçaria largou a pipoca e olhou diretamente para o Airen de onze anos com os olhos marejados.
— Vou me apegar a essa crença com mais convicção do que todas as outras juntas. Você é uma gata que traz boa sorte.Então não tem problema, certo?
Lulu não chorou. Segurando as lágrimas, a gata olhou para Airen na tela com o sorriso mais brilhante, um risinho escapando de sua pequena boca. Esse foi o momento mais feliz de todos.
Transportada momentaneamente de volta a um tempo de felicidade, Lulu sabia que jamais poderia retornar de fato àqueles dias; mesmo assim, não derramou uma lágrima. Em vez disso, ecoou as palavras de seu eu do passado.
— Sinto sua falta.
“Mas eu não me arrependo de nada, então está tudo bem. Só quero que pense em mim de vez em quando.”
Enquanto Lulu murmurava aquelas palavras, ela foi rebobinar a cena de seu reencontro com Airen mais uma vez.
Barum!
Algo do lado de fora da tela assustou Lulu.
— Hã? O que foi isso?
Aquele espaço era uma construção da vontade de Lulu. Era um lugar onde ninguém podia entrar, exceto a dona do sonho. Para um lugar assim tremer como se houvesse um terremoto, deixava Lulu tão confusa que faltavam palavras. Uma onda de medo tomou conta da gata.
— Não! Estamos prestes a chegar na parte feliz!
Flutuando no ar, Lulu voava ansiosamente de um lado para o outro. Claro, ela não podia fazer nada. Como uma simples gata poderia lidar com um problema sem saber sequer sua causa? No fim, Lulu só pôde assistir, desesperada, enquanto seu espaço mágico começava a ruir.
“Será que eu… por acaso… estou morrendo?”
Lulu achou que poderia ser uma possibilidade real.
Ela ainda não havia despertado totalmente seu poder como dragão. Embora tivesse recuperado suas memórias enquanto estudava o Colar dos Cinco Elementos, uma lembrança de sua mãe, ainda era cedo demais para se intrometer com o tempo além do espaço. Era uma façanha que teria sido difícil até mesmo para um dragão adulto.
Lulu achou inevitável talvez nunca despertar dessa tentativa forçada. Mas parecia que sua expectativa de vida havia sido drasticamente reduzida.
— Bem, acho que não tenho arrependimentos…
Lulu não se arrependia das escolhas que havia feito. Arrependimento era uma emoção que nascia de erros passados. Se voltasse no tempo, tomaria as mesmas decisões. Mas ainda havia uma tristeza persistente e um sentimento de saudade, algo que a gata não conseguia afastar.
Quando Lulu fechava os olhos, Airen Farreira ainda vinha à mente, junto com as preciosas conexões que tinham nascido a partir dele…
— Se eu pudesse vê-los só mais uma vez, só uma vez, eu não teria arrependimentos neste mundo…
— Sério? — perguntou uma voz desconhecida.
Não, não era uma voz desconhecida, era uma voz que Lulu conhecia bem demais. No entanto, diferente da voz que ouvia nas memórias, essa transbordava vida, o que a surpreendeu.
A gata preta abriu cuidadosamente os olhos. Viu muitas figuras reunidas diante dela. Viu Kubharu, o oráculo de terceira, elementalista de segunda e guia de viagens de primeira. E lá estava Kiril Farreira, com quem formou um laço que transcendia a relação de mestre e aluna para se tornar uma verdadeira amizade.
Havia também Illia; Judith; Brett; Anya Marta, com quem sentiu uma afinidade desde o primeiro encontro; Georg, um pouco bobo mas agradável; Ignet, a bruxa; Gia Runetell, estranhamente bondosa com ela; e Ian, que parecia muito mais velho do que antes.
Ela viu tantos rostos familiares. E então…
— Airen!
Airen Farreira, o ser mais precioso na vida da gata, o humano que ela não conseguia esquecer, nem mesmo nos sonhos. O humano que via constantemente em suas memórias… Ele olhou para Lulu agora, mais maduro que antes, com um sorriso caloroso que preenchia todo o rosto.
— O q-que está acontecendo? Isso… isso não pode ser real? Hã? Hã?
“Que cheiro é esse?”
Com seu olfato aguçado, Lulu farejou o ar, e uma fragrância frutada e intensa pairou ao redor. Era um aroma doce e revigorante que nenhuma fruta comum poderia sequer imitar. Lulu soube instantaneamente o que era.
Entre os vastos conhecimentos de um dragão, um termo se destacou com força, e Lulu exclamou, surpresa:
— O Fruto da Fantasia! Não, algo tão precioso…!
O Fruto da Fantasia era verdadeiramente um fruto que realizava desejos, um item lendário que nem ela, um dragão, conhecia, exceto por lendas transmitidas por sua mãe. O fruto era tão envolto em mistério que ela mal conseguia conceber sua existência, e não se sabia sequer se de fato assumia a forma de um fruto. E ainda assim, usaram aquilo para despertá-la de seu sono?
Deve ter sido algo incrivelmente difícil de obter, talvez conseguido a um custo enorme.
Lulu estava prestes a repreender Airen com a voz carregada de emoção, quando ele falou primeiro.
— Lulu — a voz de Airen ecoou dentro dela. Sua voz estava um pouco diferente agora, profunda e baixa, tão encorpada quanto sua barba, que denunciava sua idade.
Lulu entendeu. Seria por ela ser um dragão, e gatos terem sentidos aguçados? Não. Eles estavam ligados por um laço mais forte do que qualquer outro.
Lulu sabia o que Airen estava prestes a dizer.
— Não diga mais nada desnecessário — disse ela. — Só diga aquilo que mais queria dizer esse tempo todo.
— Senti sua falta, Lulu.
— Eu também. Eu… também senti sua falta.
“De verdade. De verdade, senti muito sua falta.”
Lulu caiu em prantos, lágrimas que segurava havia tanto tempo, enquanto retornava à sua forma felina.
Imediatamente, ela se aninhou nos braços de Airen.
Lulu não conseguiu falar por muito tempo. Já se passavam mais de vinte anos desde que havia visto seus amigos. Era mais de quatro vezes o tempo que Airen Farreira passou em treinamento isolado, e ela ficou presa por todo esse tempo. Além disso, havia se resignado a passar um período ainda maior em solidão.
Lulu pensava que, se pudesse ver Airen mais uma vez, apenas mais uma, não teria arrependimentos, nem mesmo diante da morte, então a alegria daquele reencontro era simplesmente indescritível. Todos observavam Lulu chorar com os olhos vermelhos.
Claro, isso não poderia durar para sempre. Depois de finalmente se acalmar, Lulu perguntou o que havia acontecido nesse meio-tempo e como haviam conseguido o Fruto da Fantasia.
Então Kubharu interveio:
— Espera, essa história parece que vai demorar um bocado… Que tal irmos para um lugar mais confortável em vez de ficar aqui?
— Hã? Onde?
— Abri um bar no território do Brett. Hoje não estamos atendendo clientes, então vamos conversar lá.
— Aff, álcool de novo…
Kubharu riu.
— Você sabe que sou um orc que pode beber até morrer. Ah, e a propósito… tem alguém que quero te apresentar quando chegarmos lá.
— Hã? Quem? — perguntou Lulu.
Kubharu sorriu, lançando um olhar para Airen e Illia.
— O filho deles.