O conflito acabou rapidamente. Ao ver aquele Cavaleiro ameaçador, ninguém se atreveu a dizer uma só palavra. Era como se os atores e atrizes tivessem se transformado em estátuas e ficassem congelados, testemunhando a cena sem se envolver. Ninguém queria ir contra o lado mais poderoso, então a luta se tornou unilateral quando Bella foi arrastada para fora do teatro por dois guardas.
Alguns momentos depois, sobraram no teatro apenas Carter e o elenco de Vila Fronteiriça.
— Agradecemos pela sua ajuda. — Gaite e as outras pessoas disseram enquanto se curvaram em respeito.
— Você foi incrível! Ela não foi capaz de dar nem um pio! — Irene exclamou e segurou as mãos de May — Aquele tapa deixou ela desnorteada!
Então, ela se virou para o Cavaleiro-chefe e deu-lhe uma saudação, perguntando:
— Sir Cavaleiro, Carter, por que o senhor veio para Forte Cancioneiro?
— Eu estava me perguntando a mesma coisa. — May disse, dando de ombros, mas respirando aliviada.
— Por ordem de Sua Alteza. — Carter ergueu a mão, fez uma saudação para May e perguntou — Posso comprar uma bebida para você?
— Então… você mora aqui? — O Cavaleiro-chefe perguntou, olhando em volta e agindo com certa cautela.
— Sim, é uma casa bastante comum. — May tirou uma garrafa de licor branco de um armário e serviu em uma pequena taça — A taverna daqui só abre à noite, então, você vai ficar me devendo essa. — Ela serviu a taça a Carter, lembrando-se de que o elenco havia praticamente fugido do local, alegando que tinham algo importante para fazer e deixando-os sozinhos em sua casa.
— Sim, de fato… é bastante comum. — Carter tossiu e perguntou — E a sua família?
— Minha mãe faleceu há muito tempo. Meu pai conseguiu um emprego no teatro, fazendo alguns serviços menores, mas ele deve chegar um pouco mais tarde. — May disse com uma voz calma.
Ela comprou esta pequena casa na periferia da cidade, gastando todas as suas economias que conseguiu após se tornar a Estrela da Região Oeste. Embora a casa fosse velha e pequena, May estaria livre do assédio e da maldita bisbilhotice das pessoas enxeridas.
— Oh, me desculpe.
— Tudo bem. Sua Alteza enviou você aqui para pôr ordem no teatro e lidar com as crescentes disputas entre os artistas? — May perguntou enquanto servia uma taça de licor branco.
— Não, claro que não. — Carter balançou as mãos negando — Timothy enviou uma tropa para causar problemas na Região Oeste novamente, então Sua Alteza Roland está vindo para cá com suas tropas principais. Cheguei mais cedo, usando o Vilazinha, para organizar o reforço noturno do Segundo Exército e para lembrar a Família Madressilva a permanecer vigilante em caso de algum ataque furtivo de inimigos pelo portão.
— Você não deveria ter me contado sobre isso. — May ficou chocada e balançou a cabeça.
— Você perguntou e não era confidencial, oras. Não se preocupe! Eu sei o que estou fazendo. — Carter disse antes de beber o licor.
— Ótimo. — Ela fez um beicinho e perguntou — Então, como você chegou ao teatro?
— Depois de organizar tudo, eu vi o anúncio de sua peça. Então, eu vim te ver em um palco de verdade e, preciso dizer que tal qual eu havia imaginado, foi uma performance maravilhosa. Mesmo que eu só tenha assistido o final. — O Cavaleiro disse admirado — Fui aos bastidores para convidá-la para uma bebida. Eu não sabia se era apropriado, então hesitei até ouvir a briga…
May franziu a testa antes de dizer.
— Você já estava lá fora?
— Eu não quis escutar, não foi minha intenção. — Carter levantou as mãos em protesto — Foi apenas uma coincidência, eu juro.
— Pufft! — May não pôde deixar de rir — Eu não estava te acusando. Não fique com essa cara triste. — Ela disse.
— Ah, que bom. — O Cavaleiro suspirou aliviado e foi se servir um pouco mais de licor, mas May rapidamente deu um tapinha na mão dele.
— Você não tem deveres para cumprir durante a noite? — May disse, levantando o dedo indicador e balançando de um lado para o outro — Você só pode beber uma taça, nada mais, entretanto… quando você acabar os seus deveres, você pode me convidar para bebermos um pouco mais na taverna. — Ela sugeriu com um sorriso.
Depois que Carter saiu, May colocou um pouco mais de licor em sua taça, antes de se encostar na cadeira e tomar um gole. Ela descobriu que agora amava o gosto ardente e suave do licor branco quando comparado com a última vez que o provara.
Quanto ao convite de Carter mais cedo, ela sabia vagamente a resposta em seu coração. Como esperado, a única maneira de ter certeza era tentar.
É exatamente como esse licor. — May pensou — Mesmo que no início não tenha sido uma boa experiência, quanto mais eu experimento, mais gostoso ele fica e já acho muito melhor do que aquelas cervejas e vinhos da taverna. Acho que… será que está na hora de me estabelecer de vez em Vila Fronteiriça com meu pai depois de terminar essa peça?
Roland chegou a Forte Cancioneiro dois dias depois. Petrov Hull e os membros das cinco Famílias saudaram Sua Alteza e suas tropas fora da cidade.
Depois que o Primeiro Exército entrou no forte, Roland foi direto para o castelo e fez uma rápida reunião.
— De acordo com as informações de nossa fonte confiável, Timothy enviou uma tropa para cá. O número de pessoas e a rota de ataque ainda não estão claras. Não há dúvidas de que eu sou o alvo. Considerando seu estilo, ele vai tentar expandir suas tropas, saqueando os civis, forçando-os a tomarem as pílulas e, ao final, integrando-os em um ataque contra a Região Oeste.
— Vossa Alteza, essas pílulas, o senhor quer dizer… — Visconde Elliot da Família Lobo perguntou confuso.
— É uma pílula vermelha maligna que faz uma pessoa comum adquirir força e velocidade comparáveis a de um cavaleiro. No entanto, qualquer um que tome a pílula terá uma morte terrível assim que os efeitos da pílula desaparecerem. — Roland explicou, pois até então, o único que sabia alguma coisa sobre essa pílula era Petrov — O plano de Timothy é enfraquecer a defesa da Região Oeste, utilizando dos civis que não têm utilidade aos seus olhos. Estou aqui ressaltando isso, pois acredito que o mesmo irá acontecer em suas terras. Por isso, como o Protetor da Região Oeste, peço a vocês que expliquem claramente a situação para suas famílias e aos plebeus que estão em suas terras, fora da proteção de Forte Cancioneiro. E tragam todos eles para cá, pois só assim Timothy não terá a oportunidade de aumentar as suas tropas.
— Mas, e quanto aos grãos e mercadorias em nossos armazéns…
— Transporte somente o que estiver dentro de sua capacidade. — Roland interrompeu com firmeza — Vocês têm um prazo de três dias. Todos os civis das aldeias dentro do nosso território devem se reunir aqui em Forte Cancioneiro. Assim que as tropas de Timothy forem derrotadas, todos poderão voltar para suas casas.
Após a reunião, o Príncipe chamou Machado de Ferro ao castelo. Na verdade, Roland não havia divulgado todas as informações que tinha para os nobres. Após o reconhecimento de Raio e Maggie, o 4º Príncipe já sabia exatamente onde as tropas de Timothy estavam. Ao contrário do grupo anterior de invasores, dessa vez eles estavam viajando de barco a vela e se movendo ao longo do Rio Vermelho em uma tentativa de entrar no interior da Região Oeste, passando por Vila do Salgueiro.
Essa era uma rota com muitos percalços, mas que também tinha suas vantagens, pois no momento em que o inimigo chegasse ao ponto de bifurcação do rio, eles poderiam seguir o afluente para atacar ambos os portões sul e leste de Forte Cancioneiro, ou continuar seguindo o rio em direção ao oeste para atacar diretamente Vila Fronteiriça.
Para evitar que suas tropas na linha de defesa se dividam, Roland preferia concentrar sua força militar superior e tomar a iniciativa de encontrar o inimigo e derrotá-lo, antes que eles chegassem no forte.
Evidentemente, a bifurcação do Rio Vermelho seria o lugar mais adequado para uma emboscada.