Ainda estava escuro lá fora e alguém batia sem parar na porta de Cacusim. Ele bocejou e subconscientemente estendeu a mão para pegar seu casaco. Então ele percebeu que não precisava mais de um casaco.
A grossa parede de tijolos mantinha o frio longe, e o incrível sistema de aquecimento deixava o interior sempre quentinho. Por mais pesada que a neve estivesse caindo do lado de fora, a casa não deixava mais o frio entrar como antes, e o telhado não tinha mais buracos, tampouco entrava vento.
Uma casa dessa de alta qualidade… somente os nobres de Valência poderiam ter. Claro, ela é um pouco menor do que as casas de lá. — Cacusim pensou, abriu a porta e encontrou um rapaz, seu assistente Pike, do lado de fora.
— Por que você não está acordado ainda? Temos que nos apressar, capitão! Caso contrário, não conseguiremos um bom lugar!
— Precisamos sair tão cedo? — Cacusim enfiou a cabeça para fora e olhou para o céu. A madrugada espreitava através das nuvens e o suave sol da manhã iluminava uma pequena parte do céu.
— Claro! — O rapaz exclamou — Meus vizinhos me disseram que teremos uma apresentação da Trupe Estrela-Flor durante a celebração, e se a gente não correr, não vamos conseguir nem entrar na praça!
— Tudo bem, espere um minuto. — O velho deu de ombros e voltou para o quarto para trocar de roupa, suspirando suavemente ao olhar para a outra cama vazia.
O Dia da Vitória… Há alguma celebração como esta em Forte Cancioneiro? Se não, Vader sentiria falta disso. — Cacusim pensou.
Eles foram até a praça e descobriram que havia bandeiras penduradas em cordas e amarradas às árvores dos dois lados da rua. A pequena vila parecia nova e brilhante sob o sol da manhã. De vez em quando, as pessoas se juntavam a eles pelos caminhos da avenida principal e caminhavam ao seu lado. Parecia que eles estavam indo para a praça também.
Cacusim ouvira falar da comemoração de Pike. O Príncipe batizou o primeiro dia após os Meses dos Demônios de Dia da Vitória para comemorar a passagem dos meses com segurança. Naquele dia, todos na vila tinham o dia de folga para desfrutar de uma grande festa na praça com uma enorme fogueira. O assistente de Cacusim soube disso e o convidou para ir à praça com ele. Depois de pensar um pouco, o velho concordou.
Quando entraram, encontraram uma área cercada no centro da praça e policiais com uniformes negros mantendo a ordem. Muitas pessoas chegaram cedo e ficaram paradas esperando o evento começar. Os dois rapidamente encontraram um lugar próximo do palco e conversaram enquanto esperavam a celebração.
Ao meio-dia, multidões se reuniram na praça e o Príncipe apareceu no centro do palco. Assim que ele apareceu, Cacusim ouviu gritos avassaladores. As pessoas ao redor dele animadamente levantavam as mãos e gritaram:
— Vida longa à Sua Alteza Real!
O Príncipe Roland sorriu. Esperou que os aplausos diminuíssem, ergueu o punho e disse em voz alta:
— Nós derrotamos o mal mais uma vez!
A praça explodiu em aplausos e o som ensurdecedor mexeu com o coração do velho. Cacusim não via um lorde tão respeitado em muito tempo.
— Meu povo, não importa de onde vocês vieram, seja da Região Oeste, Região Norte, Região Leste ou da Região Sul, desde que você tenha contribuído com a vila, a glória pertence a vocês! Essa glória pertence a todos que deram seu sangue e suor por Vila Fronteiriça! — A voz calma e emocional do Príncipe parecia ter poder mágico, pois podia ser ouvida claramente, como se estivesse ao lado de seus ouvidos, em todos os lugares sem ele precisar gritar — Hoje é o Dia da Vitória, o nosso dia, feito por todos vocês. O mal não foi completamente eliminado e voltará mais cedo ou mais tarde, mas não importa quantas vezes nossos inimigos venham, a vitória é nossa enquanto nós estivermos unidos e trabalharmos juntos.
O velho nunca ouvira um nobre se referir aos civis e a si mesmo como “nós”, mas Sua Alteza não parecia se importar. O Príncipe olhava para as pessoas naturalmente, sem arrogância ou desprezo. Aos olhos do Príncipe, ele e seus súditos estavam juntos como um só.
Era incrível, mas inesperadamente… harmonioso.
— Agora, vamos comemorar esta vitória duramente conquistada e erguer nossos copos e taças para comemorar!
— Viva Sua Alteza!
— Viva a vitória!
Os aplausos ecoaram por toda a praça, e as pessoas levantaram o braço direito em direção aos céus para demonstrar seu respeito, inclusive Cacusim.
— Este sim é um Lorde que é digno da minha lealdade! — Pike disse apaixonadamente enquanto batia no peito.
Em seguida, foi a vez da Trupe Estrela-Flor, e muitas pessoas assobiaram animadamente.
— Faz tempo que a gente não vê um espetáculo!
— Céus, a Irene é tão linda!
— Sim, mas se a gente for comparar com a Senhorita May, ela ainda precisa melhorar muito.
— Senhorita não, agora é Senhora May! Você não sabe? Ela está prestes a se casar com o Cavaleiro-Chefe, e o Príncipe já até enviou um presente de casamento.
Ouvindo as pessoas ao redor, Pike perguntou maravilhado:
— O nome de uma trupe é geralmente igual ao teatro ou ao nome da cidade, então por que a trupe de Vila Fronteiriça tem um nome tão estranho?
— Você não é daqui, não é? — Alguém perguntou — May e Irene são ambas do Teatro do Forte, e May é chamada de Estrela da Região Oeste, enquanto Irene é chamada de Flor do Amanhã. Agora, ambas moram em Vila Fronteiriça, então o nome da trupe ficou Estrela-Flor.
— Olha lá, vai começar!
Não era a primeira vez que Cacusim assistia a um teatro, mas a história foi bastante singular. Em vez de uma história de amor entre os nobres, o espetáculo contava a história da Região Oeste. Os atores interpretaram pessoas comuns que viviam em Vila Fronteiriça. No começo, eles estavam indefesos, confusos e perseguidos como cordeiros durante os Meses dos Demônios. Então eles decidiram ficar na vila e lutar contra as bestas demoníacas. A história toda estava cheia de reviravoltas, que eram muito emocionantes. Quando os personagens morriam de fome e frio ou eram mortos na linha de defesa para proteger suas famílias, o público sentia como se estivessem ali no lugar deles.
O velho foi logo capturado pelo espetáculo, e até mesmo as pessoas que tinham acabado de chegar à Região Oeste puderam sentir os sacrifícios que os cidadãos de Vila Fronteiriça fizeram e seus incansáveis esforços pela sobrevivência.
Quando o espetáculo terminou, um estrondoso aplauso rugiu por toda a praça.
Cacusim ficou mudo com o que viu em seguida. Uma garota com longos cabelos louros segurava uma linha preta estranha na mão. Ela cortou um toco de madeira em várias partes e usou-as para acender uma fogueira gigante.
A multidão não se assustou com isso, e até gritavam o nome dela.
— Senhorita Anna! Senhorita Anna!
Quando as ovelhas começaram a ser assadas na fogueira, a atmosfera na praça atingiu seu clímax. Os habitantes locais ficaram espontaneamente em fila e começaram a dançar estranhamente, a última parte da celebração. De acordo com as pessoas em pé ao redor de Cacusim e Pike, enquanto a dança continuasse, o churrasco continuaria, até a meia-noite.
— Capitão, vamos lá dançar também! — Pike engoliu em seco, ansioso para se juntar a eles.
— Estou velho demais para dançar. — Cacusim balançou a cabeça — Pode ir, vá se juntar a eles.
— Então eu vou. — Pike mostrou a língua — Vou pegar um pedaço de churrasco pra você também.
Olhando para o garoto dançando com a multidão, o velho não pôde deixar de rir. Ele estava imaginando qual nome daria para seu navio de concreto, de modo a deixa-lo único e inesquecível, e agora ele tinha uma ideia.
Vou chamá-lo de Vitória. — Cacusim pensou.