Tarde da noite, Wendy chamou todas as outras bruxas para o seu quarto.
O quarto ficou repleto de bruxas. Era como um déjà-vu. Um ano atrás, Wendy havia feito a mesma coisa. Ela reunira todas as bruxas para informar sobre a situação em Vila Fronteiriça e sanar suas preocupações.
Um tempo atrás, apenas sete de suas irmãs foram capazes de escapar das Terras Selvagens. As bruxas que sobreviveram ficaram todas traumatizadas e incertas sobre o futuro. Muitas vieram para Vila Fronteiriça com a mentalidade de “Nós já sofremos tanto que qualquer coisa que vier é lucro”. Para elas, sobreviver já era difícil, ainda mais com a Igreja em seus cangotes.
Desta vez, os olhares e sentimentos de todas no quarto estavam completamente diferente dos de um ano atrás, de modo que o foco não era mais a sobrevivência, mas sim a conservação de suas vidas pacíficas.
Não havia mais a opressão e a hostilidade que se via vindo das outras pessoas. Também não havia mais a preocupação sobre comida e segurança. Em essência, este lugar havia se tornado a “montanha sagrada” das bruxas.
Wendy rapidamente contou sobre o conteúdo da carta secreta, fazendo com que o local caísse em silêncio.
— Será que Sua Majestade… vai ganhar? — Após um tempo, Luna perguntou bem baixinho. — Eu estou disposta a passar todo o meu tempo gerando eletricidade para ele, se necessário…
— Fala sério, você só iria dar mais trabalho a ele. Sua pestinha. — Lily sorriu desdenhosamente.
— Pestinha?!
As bruxas no quarto começaram a rir. Agora que a primeira pessoa havia falado, mais e mais vozes soaram no quarto.
— Eu vou trabalhar ainda mais duro na produção de licor branco. — Evelyn assegurou-se.
— Mas será que precisaríamos de tanto licor assim na guerra contra a Igreja?
— Ah… É.
— Eu acredito que Sua Majestade vai ganhar. Não teve aquela vez que Carter conseguiu ferir Cinzas que é uma Extraordinária? — Beija-Flor destacou. — E os guerreiros do Exército da Punição Divina não são tão poderosos quanto Cinzas.
— Sério? Até mesmo a invencível Cinzas perdeu? — Pluma, que raramente falava, parecia surpresa.
— Não consideraria uma derrota. Carter ficou inconsciente e Cinzas ficou completamente incapacitada. Foi mais como um empate.
— Até onde eu sei, não foi uma luta justa. — Agatha entrou na discussão. — Se ela tivesse usado uma arma equivalente à de Carter, Cinzas teria muito mais vantagem.
— Mas Ilha Adormecida só tem uma Extraordinária, enquanto Vila Fronteiriça tem milhares de soldados com armas.
— Irmãs, a conversa de vocês está indo na direção errada. — Pergaminho balançou a cabeça em desaprovação. — O foco de nossa conversa é sobre a Igreja e Sua Majestade.
Wendy quietamente suspirou em alívio. Apesar de ansiosas, ninguém parecia receosa de lutar contra a Igreja. Isso seria completamente inconcebível há um ano, quando o poder da Igreja parecia inabalável, como uma gigantesca montanha. Nenhuma das bruxas que ousava lutar contra ela era capaz de sobreviver. Elas tinham que se esconder em diversos lugares e só conseguiam se livrar da perseguição do inimigo em lugares isolados, como a Montanha Intransponível.
Claro, essa mudança de mentalidade foi, em sua maior parte, devido ao fato de que Sua Majestade nunca havia perdido uma batalha.
— Falando de maneira geral, esta guerra será crucial para o futuro da União das Bruxas. — Wendy aspirou fundo. — Vocês já pensaram no que vai acontecer se Sua Majestade derrotar a Igreja?
Todas no quarto ficaram em silêncio, mas um brilho indescritível irradiou de seus olhos.
— Todo o reino… E talvez até todo o continente, vai se tornar um lugar seguro para as bruxas viverem. No território de Sua Majestade, seremos capazes de criar um novo mundo, unidas e com o apoio das pessoas, onde todas e todos poderão gozar da mesma honra e status. É algo que Sua Majestade já falou diversas vezes, mas eu nunca pensei que isso poderia estar tão próximo.
Wendy parou por um momento antes de continuar:
— Porém, considerando o jeito que Sua Majestade faz as coisas, sugiro que não trabalhem tão duro assim. Só trabalhem como vocês trabalham normalmente. Não falharemos se mantivermos essa confiança.
Ela não compreendia ideias muito complexas, nem era a bruxa mais capaz e brilhante da União das Bruxas. Agora que Sua Majestade a havia colocado a cargo da União das Bruxas, ela simplesmente fazia o melhor que podia. Toda vez antes de alguma expedição, Sua Majestade fazia um discurso eloquente e motivador para o Primeiro Exército. Wendy não conseguia pensar em um jeito de inspirar as bruxas que funcionasse tão bem quanto o discurso de Sua Majestade. No final, ela sempre escolhia falar o que sentia no fundo do coração.
“Ser atenciosa é mais importante do que qualquer outra coisa.” Ela lembrou das palavras de Pergaminho.
Este lugar é nosso lar e servirá como o ponto de virada no destino de todas as bruxas. Eu darei tudo de mim!
Wendy levantou a mão esquerda e esticou para a frente.
Pergaminho foi a primeira a colocar sua mão acima da mão de Wendy.
Logo foi Rouxinol, seguida de Anna.
— Por Sua Majestade e pela Cidade de Primavera Eterna.
As bruxas se amontoaram num círculo com as mãos unidas. As bruxas da Associação Presa de Sangue hesitaram por um momento, como se estivessem incertas se seriam aceitas por todas, mas logo Ramos as puxou para dentro do círculo. Por convenção, elas só seriam consideradas parte do grupo após tocarem as mãos com as outras bruxas.
— Eu realmente não queria ter que lidar com essa Igreja irritante antes de lutar contra os demônios. — Apesar de manifestar seu desprazer, Agatha também esticou a mão e se juntou ao círculo.
Por último, Wendy retirou sua mão de baixo e colocou acima das mãos de todas. Ela então olhou para as outras bruxas.
— Pela União das Bruxas!!!
— Pela… eterna Montanha Sagrada!!!
Depois que as bruxas foram embora, apenas Wendy e Rouxinol permaneceram no quarto.
Quando Wendy estava fechando a porta, ela de repente sentiu uma brisa fria passar pelas suas costas.
Ela olhou para trás e viu que Rouxinol havia aberto a janela, e que agora estava sentada no peitoril[1], olhando para o céu noturno. A brisa da noite soprava seus cabelos dourados, enquanto ao mesmo tempo, uma sutil fragrância permeava o ar.
— Você também tá preocupada com a guerra? — Wendy caminhou para perto da janela e perguntou.
— Preocupada? — Rouxinol olhou para o rosto de Wendy. Sob o brilho luminoso da Pedra da Luz, uma luz dourada, como a chama ardente, cintilava em suas pupilas. — A única coisa que eu tô preocupada é se vou morrer de rir.
— Rir?
Foi nesse momento que Wendy sentiu a aura perfurante que emanava do corpo de Rouxinol. Diferente de todas as outras bruxas, Rouxinol poderia liberar seus poderes mágicos até mesmo quando suas habilidades não estivessem ativas. Para ela, esses poderes já não eram mais coisas elusivas e intangíveis, mas sim funcionavam como lâminas afiadas, criando regiões inacessíveis do espaço. Em suma, era como se seu Mundo da Névoa estivesse lentamente se “alimentando” do espaço à sua volta e começando a ganhar força no mundo físico. Desde quando ela chegou em Vila Fronteiriça, essa sensação se tornava cada vez mais forte, e as pessoas ao redor dela estavam notando cada vez mais.
Para um inimigo, este seria o maior sinal de perigo iminente.
— Eu esperei tanto tempo para me vingar da Igreja. — Rouxinol explicou lentamente. — Nossas irmãs, que injustamente morreram nas mãos da Igreja, também devem estar esperando ansiosamente por esse dia. O sabor da vingança, do que posso tirar de minha experiência, é verdadeiramente inesquecível.
Era difícil imaginar que esta era a mesma mulher que não queria acordar cedo da cama e que insistia em dormir mais dez minutinhos.
Ainda bem que ela não é minha inimiga. — Wendy pensou.
Wendy esticou a mão e tocou no ombro de Rouxinol. Após contato, aquela aura perfurante desapareceu. Logo depois, ela deu um abraço em Rouxinol e disse:
— Você pode fazer o que quiser, mas lembre-se de cuidar bem de Sua Majestade… E também de si mesma. Entendeu?
— Sim. — Rouxinol fechou os olhos e respondeu suavemente. — Eu vou.
[1] – Peitoril é a bancada de uma janela.