Yorko solicitou uma visita à reunião de corte no dia seguinte.
Como os dois reinos haviam acabado de formar uma aliança, seu pedido logo foi aprovado, e dois cavaleiros com armaduras deslumbrantes o escoltaram para o salão do palácio.
Nos últimos dois a três meses, Yorko havia feito vários pedidos para ver o Rei do Alvorecer, mas todos foram negados. Hoje, contudo, ele desejava que o Rei Appen pudesse ignorá-lo como sempre o fez.
Lamentavelmente, a realidade era sempre cruel.
Assim que ele entrou no salão, a reunião de corte havia chegado ao fim.
O jovem rei estava encostado ao lado do trono, conversando alegremente com os ministros. Ele só se sentou quando Yorko ficou de joelhos.
— Por favor, levante-se. Soube que você trouxe uma nova carta de Roland Wimbledon.
— Sim, Vossa Majestade. — Yorko respondeu mecanicamente. — Ele te parabeniza pela sua coroação e expressa o desejo de que os dois reinos estabeleçam uma relação de cooperação e amizade a longo prazo.
Appen Moya sorriu.
— Isso soa como algo novo. Ele mandou algum presente?
— Bem… Claro. — O embaixador rapidamente inventou uma resposta. — Os presentes já estão a caminho. A carta só chegou mais cedo porque foi entregue por um falcão-mensageiro.
— Recordo que meu pai enviou uma delegação de duzentas pessoas para celebrar a coroação do Rei Wimbledon III. Foram onze carruagens cheias de presentes, incluindo peças de ourivesaria[1], vinhos finos, seda e servas lindas. Estou muito curioso com o que Roland me presenteará em retorno.
Os ministros no salão caíram em gargalhada.
Yorko engoliu em seco, não tendo ideia de como deveria responder. Ele duvidava da validade dessa história e se perguntava por que Roland não havia mencionado a respeito dos presentes na carta. Como embaixador, era normal que ele não soubesse disso. Porém, Roland era o rei, e deveria saber dessa tradição de troca de presentes.
— Ele disse algo mais? — Appen perguntou.
Por um segundo, Yorko quis pedir licença e sair correndo, mas não fez isso, pois sabia que tal ato traria consequências pesadas. Enfurecer o Rei Appen seria o mesmo que se tornar inimigo de todos os nobres da capital. Sem falar que, se ele desapontasse Roland, provavelmente seria rebaixado da posição de Embaixador.
Yorko rangeu os dentes.
— Sua Majestade Roland… hmmm… também espera que o senhor pare de caçar as bruxas e as trate como pessoas livres. Caso contrário, o Reino de Castelo Cinza terá que fazer uso da força para resolver esse problema, assim como fez com a Igreja.
O salão ficou em total silêncio depois que Yorko terminou de falar.
O embaixador sentiu sua testa começar a suar.
Após um longo tempo, Appen Moya quebrou o silêncio:
— Roland Wimbledon realmente falou isso? Me dê a carta.
Um cavaleiro se aproximou de Yorko e arrebatou a carta dele.
Yorko conseguiu sentir a frieza no tom do Rei Appen, mesmo sem olhar diretamente nos olhos dele.
Como esperado, Appen jogou a carta no chão após lê-la. O jovem rei obviamente estava tentando controlar sua ira. Ele se levantou do trono e esbravejou cheio de ódio:
— Então é essa a atitude que o Rei de Castelo Cinza tem em relação a nós?! “Bruxas são inocentes, então temos que libertá-las?!” Loucura! Olhe o que essas bruxas fizeram à minha família! Elas invadiram o palácio, mataram os guardas e usaram meu pai como refém para me fazer obedecer à Igreja! Se não fossem elas, meu pai ainda estaria vivo!
Mas ele está morto, e a morte dele fez de você o novo rei. — Yorko pensou, mas não falou essas palavras.
— Vossa Majestade, por favor, acalme-se. Pelo que sei… as bruxas treinadas pela Igreja são diferentes das bruxas normais, assim como há pessoas boas e ruins em meio à população…
— Cale-se! — Appen gritou. — Você não tem a mínima ideia do quão vil essas bruxas possuídas pelo poder do demônio são. Até mesmo as Pedras da Retaliação Divina são incapazes de pará-las! Então me diga! Como é possível controlar uma comunidade que não tem fraquezas?! Como fazê-las submeterem-se ao meu governo?! O Reino do Alvorecer só terá paz quando erradicarmos todas as bruxas!
Olhando para o rosto vermelho de Appen, Yorko percebeu que era inútil tentar debater o assunto. Embora Appen tivesse a mesma idade de Roland, ele era quase tão petulante quanto o velho Roland da antiga Cidade Real de Castelo Cinza, ou até mesmo pior.
Após se mudar para a Região Oeste, Roland só havia precisado de pouco mais de um ano para se transformar num verdadeiro governante. Appen, pelo contrário, ainda agia como uma criança.
— Escreverei uma carta para o Rei de Castelo Cinza e o aconselharei a ter mais cuidado com a “Queda”! É ridículo demais ameaçar o meu reino por causa das servas do Diabo! — Appen andava para lá e para cá, indignado. — É verdade que o Reino de Castelo Cinza é poderoso, mas não esqueça quem o concedeu tamanho poder! Sem o apoio dos nobres locais, Roland não conseguirá estacionar suas tropas em nenhum lugar! Se ele invadir meu território por um motivo tão absurdo quanto esse, estará declarando aos outros nobres que não respeitará seus respectivos feudos e políticas! Quando isso acontecer, nem meu povo, nem os nobres do Reino de Castelo Cinza o apoiarão como fizeram na batalha contra a Igreja.
Bem, parece que os nobres não são um problema para Roland. — Yorko pensou. Ele realmente não entendia como Sua Majestade havia derrotado a Igreja, mas lembrava vagamente que Roland não havia precisado da ajuda de nenhum nobre para conquistar a Cidade Real de Castelo Cinza. Naquela época, de todas as pessoas do Reino de Castelo Cinza, poucas haviam acreditado que, no final, o Príncipe Roland Wimbledon seria o grande vencedor da batalha dos tronos. Após essa batalha, vários nobres poderosos foram eliminados durante um “julgamento”, e foi por isso que ele, Yorko, havia conseguido a vaga de embaixador.
No final, Appen Moya ordenou que Yorko saísse do palácio, assim como Hill havia previsto.
Felizmente, nenhum dos ministros foi contra a ordem do rei. Eles estavam simplesmente muito chocados para pronunciar uma palavra sequer.
Mas Yorko sabia que, se se esses ministros fossem ler a carta no chão, com certeza dariam risada e a jogariam fora.
Assim que Yorko chegou em casa, Otto Luoxi prestou-lhe uma visita.
— O Rei Roland realmente escreveu isso?
— E eu por acaso iria mentir sobre isso? — Yorko desmoronou na poltrona. — Bem… Vai rir de mim agora?
— Não… Eu também acho que a nova política de Appen é bastante ilógica e imprudente. Ele quer que os civis do Reino do Alvorecer tenham uma vida pacífica, mas essa caça às bruxas está assustando as pessoas.
— Então por que você não fala isso com ele?
— Ele não ouve… — Otto sorriu amargamente. — Ele sempre age de um modo diferente quando falamos das bruxas. Mas eu também não posso culpá-lo. Se você tivesse visto o que aconteceu no palácio… — Otto mordeu o lábio. — Não, nada. A morte do antigo rei chocou bastante Appen. Tecnicamente, ele não devia ter assumido o trono até que tivesse a idade adequada, daqui a cinco ou seis anos. Eu soube que o Rei Wimbledon III também foi morto por uma bruxa da Igreja, não foi? Se pelo menos Appen pudesse ter a mesma compostura do Rei Roland…
Yorko olhou para Otto, surpreso. Ele sentiu como se Otto não parecesse o filho primogênito de uma das três maiores famílias do Reino do Alvorecer, mas sim um nobre do Reino de Castelo Cinza. Será que Roland havia se tornado tão invencível que conseguia fazer até mesmo com que os nobres de outros reinos ficassem do lado dele?
— Enfim, vou tentar falar com Appen novamente. Mas não garanto nada. Ele não dá ouvidos nem mesmo ao Conde Quinn.
Otto estava prestes a ir embora quando Número 76 de repente entrou na sala.
— Senhor… A bruxa que o senhor comprou no leilão…
— Sim?
— Ela voltou!
[1] — A Ourivesaria é a arte de trabalhar com metais preciosos, na fabricação de joias e ornamentos. A ourivesaria é uma arte bem antiga, tendo sido encontrados sítios arqueológicos no mar Egeu, datados em torno de 2500 a.C. nos quais se encontram joias feitas de ouro.
Obr pelo cap!