Roland limpou o suor da testa de Anna e a segurou em seus braços.
Sob a luz fraca do local, ele ainda conseguia ver o rosto corado de Anna.
Roland percebeu que Anna havia ficado mais ativa “nessa área” desde a última vez que eles conversaram sobre o Mundo dos Sonhos. Ela também havia tentado aprender alguns novos “truques”.
Claro, sempre depois do momento de alegria deles, Roland contava várias histórias a Anna.
Enquanto sentia a fragrância de Anna, Roland começou a narrar em detalhe as informações trazidas pelas bruxas de Taquila, e também contou a teoria que ele tinha sobre a Batalha da Vontade Divina.
— Embora eu já soubesse que vivíamos num pequeno canto do continente, eu não esperava que houvesse uma civilização completamente diferente que vivia no subterrâneo… Este mundo realmente é cheio de mistérios! — Anna suspirou e disse. — Talvez um dia a gente consiga ver que tipo de segredos estão escondidos neste mundo.
— Eu prometo que esse dia virá. — Roland respondeu com um sorriso.
Mesmo que eles não pudessem navegar pelo mar, eles ainda podiam voar sobre o mar. Qualquer terra que pudesse ser vista pela luneta não estaria muito distante. Contanto que eles tivessem máquinas de combustão interna, os aviões logo seriam uma realidade.
— Mas Deus realmente existe? Ele deixou partes de uma Relíquia para lutarmos uns contra os outros… Será que ele está olhando para nós agora mesmo?
— Você está com medo? — Roland a abraçou ainda mais forte.
— Não, eu quero agradecê-lo.
— Pelo quê? — Roland ficou um pouco surpreso.
— Porque ele me enviou você. — Anna olhou para Roland e sussurrou.
Roland olhou para os olhos azuis e cintilantes de Anna.
Ele sentiu um calor invadir seu coração.
— Eu sempre estarei com você.
— Mas não todo o tempo.
— Eu…
Anna cobriu a boca de Roland antes que ele pudesse falar algo.
— Você é o Rei de Castelo Cinza e também o futuro comandante do exército que irá combater os demônios. Haverá momentos em que você precisará sair da Cidade de Primavera Eterna. Eu não posso ter você inteiramente para mim só por um capricho pessoal meu. Os soldados que lutarão na linha de frente precisarão da sua presença, e seus súditos nas outras cidades desejarão que você esteja lá por eles. — Ela disse suavemente. — Roland, eu já estou muito alegre em poder ouvir suas histórias.
Roland ficou em silêncio por um momento.
— Você está certa. Mas onde quer que eu vá no futuro, você ainda poderá ouvir minhas histórias… Eu te prometo.
Anna piscou os olhos, como se tivesse entendido o significado por trás das palavras de Roland.
— Sem o Sigilo do Ouvir?
— Exatamente. — Ele assentiu com a cabeça.
Seria horrível conversar sobre amor através de um Sigilo do Ouvir.
— O que você vai fazer?
— Você saberá amanhã. — Roland rolou para cima de Anna e, em seguida, beijou o pescoço dela, deixando uma leve marca no local. — Mas agora é a minha vez.
E assim, novamente, eles se tornaram um.
No dia seguinte, após o café da manhã, o revigorado Roland, acompanhado de Anna, foi para a Área dos Fundos da Montanha da Encosta Norte.
— Bom dia, Vossa Majestade. — Lucia, que havia chegado ainda mais cedo, aproximou-se deles e falou.
— Bom dia, Vossa Majestade! Bom dia, Irmã Anna! Irmã Rouxinol! — Ling imitou a irmã dela e cumprimentou a todos.
Sorrindo, Roland balançou a mão, indicando que elas não precisavam ser tão formais. Em seguida, ele caminhou até uma bancada, pegou um papel e começou a fazer um esboço. Ele pretendia cumprir a promessa que ele havia feito a Anna na noite passada, um equipamento de comunicação no qual ele poderia falar com ela a qualquer momento, sem magia.
Esse seria o telefone com fio.
O princípio do telefone era muito simples, pois era a aplicação mais básica da indução eletromagnética: a onda sonora vibraria as palhetas metálicas no tubo de voz[1], desencadeando uma mudança no fluxo magnético e gerando uma corrente induzida. Já o equipamento de escuta[2], pelo contrário, usaria a força magnética gerada pelo enrolamento[3] para vibrar a membrana e transformar a corrente em voz.
Em outras palavras, era fundamentalmente o mesmo que um gerador ou um motor elétrico, só que o motor elétrico transformava a vibração em rotação e tinha um poder muito maior.
Assim que Roland explicou sua ideia e design, Anna imediatamente entendeu como funcionava esse dispositivo de chamada.
— Deixe-me trazer Lunna e Soraya! — Os olhos dela brilharam com ânimo.
— Corrente elétrica… sendo transformada em voz? — Após ouvir o que Roland disse, Rouxinol ainda não conseguia entender nada. Ao virar o rosto para ver se Lucia havia entendido, Rouxinol percebeu que Lucia parecia estar pensando em algo.
— Eletricidade e magnetismo se originam um do outro, e o magnetismo se transforma em poder… Entendi.
Até mesmo a garotinha Ling exibiu o conhecimento que tinha, dizendo:
— É verdade, eu lembro que li isso lá no segundo capítulo de Física Elementar.
Todas essas reações de repente frustraram Rouxinol. Ela, de cara feia, pegou um peixe seco e, logo em seguida, desapareceu no Mundo da Névoa.
Roland riu ao ver isso. Ele sabia que, embora esse princípio fosse muito simples, não seria fácil montar um telefone funcional, já que o problema estava na transmissão de sinal.
O sinal elétrico[4] diminuiria com a distância.
Foi por isso que o telefone não havia sido largamente utilizado logo após ser inventado. Se a distância entre as pessoas fosse muito longa, a qualidade da comunicação diminuiria bastante. O telefone só começou a ser largamente utilizado quando a válvula termiônica[5], que poderia amplificar o sinal, foi inventada.
Roland não era muito bom na área de elétrica, então ele não havia se aprofundado muito nisso nos livros que escreveu. Mesmo agora, que ele tinha a ajuda do Mundo dos Sonhos, ainda seria bastante complicado fazer uma válvula termiônica.
Já que ele não pretendia amplificar o sinal, havia apenas um jeito de resolver isso, que era reduzir a atenuação[6].
Por exemplo, aumentar o tamanho do fio e reduzir a perda de sinal na rota.
Aumentar o tamanho do fio era muito simples de fazer. O fio de cobre requerido poderia ser precisamente processado por Anna. De acordo com o conhecimento que ele havia adquirido no Mundo dos Sonhos, um fio de 4mm (diâmetro) poderia ser usado para manter uma comunicação de 50 a 60 quilômetros sem um repetidor[7], enquanto que o fio de conexão para o telefone teria apenas um diâmetro entre 0.4 a 0.6mm. Embora fosse desperdício usar um fio tão grosso, isso poderia evitar efetivamente o problema de ter que fazer um amplificador de sinal.
Já reduzir a perda de sinal na rota poderia ser feito por meio de um cabo coaxial. Para fazer o cabo coaxial, o primeiro passo era envolver o fio de cobre com um material isolante, que logo em seguida seria circundado por uma malha de metal (blindagem), transformando-se numa gaiola de Faraday[8], o que minimizaria a divergência do sinal elétrico. Antes do telefone ser largamente utilizado no Mundo Moderno, a tecnologia de “usar uma camada de metal” não estava muito madura ainda, então naquela época, as pessoas usavam bobinas de Pupin[9], o que significava sobrepor o fio com um invólucro de bobina em espiral, reduzindo, assim, a perda de sinal. Mas Roland não precisava seguir essa regra, já que a habilidade de processamento de Anna e o revestimento especial de Soraya poderiam fazer isso tranquilamente.
[1] – Gente, Roland está fazendo um telefone antigo. Não é como os telefones que temos hoje, e sim daqueles que você vê nos filmes de mil novecentos e antigamente. O “tubo de voz” é a parte do telefone usada para falar. Já as palhetas metálicas são plaquinhas muito finas de metal, que vibram com as ondas sonoras. Ah sim, a indução eletromagnética é o fenômeno relacionado ao aparecimento de uma corrente elétrica em um condutor imerso em um campo magnético, quando ocorre variação do fluxo que o atravessa.
[2] – O “equipamento de escuta” é a parte do telefone usada para escutar, obviamente.
[3] – Enrolamento é uma bobina de algum equipamento elétrico/eletrônico com a finalidade de produzir campo magnético para diversos fins. Basicamente são compostas por espiras de fio magnético enroladas em forma de mola sobre um núcleo cerâmico, metálico ou mesmo sem um núcleo (chamado de núcleo de ar). O fio magnético é um fio de cobre o qual recebe uma (ou mesmo várias, dependendo do tipo), camadas de verniz que o torna eletricamente isolado, desta forma, mesmo que uma espira toque a espira vizinha, não haverá contato elétrico. Na prática, os enrolamentos são usados ou para gerar um campo magnético ou então para criar uma indutância no circuito no qual ele está ligado.
[4] – Pode-se entender a expressão sinal elétrico de duas maneiras:
1 – Tomando-se dois pontos carregados eletricamente, chama-se sinal elétrico a variação na diferença de potencial (ou tensão) entre estes pontos no decorrer do tempo;
2 – Analisando a corrente que passa por um condutor, chamamos de sinal elétrico a variação da corrente no decorrer do tempo.
[5] – Válvula termiônica, ou tubo de vácuo, é um dispositivo eletrônico formado por um invólucro de vidro de alto vácuo chamada ampola, contendo vários elementos metálicos.
[6] – Atenuação é a perda gradual de intensidade de qualquer tipo de fluxo através de um meio. Por exemplo, a luz solar é atenuada por óculos de sol, os raios X são atenuados por chumbo, a luz é atenuada pela água e pelo ar e o som possui taxas de atenuação variáveis. Ou seja, Roland quer reduzir a perda.
[7] – Em telecomunicação, um repetidor é um equipamento eletrônico que recebe um sinal e o retransmite. Repetidores são usados para ampliar as transmissões. Dessa forma, o sinal pode cobrir distâncias maiores ou ser recebido do outro lado de uma obstrução.
[8] – Gaiola de Faraday foi um experimento conduzido por Michael Faraday para demonstrar que uma superfície condutora eletrizada possui campo elétrico nulo em seu interior, dado que as cargas se distribuem de forma homogênea na parte mais externa da superfície condutora, como exemplo podemos citar o Gerador de Van de Graaff.
[9] – Em 1901, o professor de matemática da Universidade de Columbia, Michael Pupin inventa o primeiro tipo de repetidor telefônico mais conhecido como “bobina de Pupin”. Na realidade Pupin demonstrou que o emprego de uma bobina de fio magnético com um núcleo de ferro altamente magnético poderia quase que dobrar a distância da comunicação telefônica contanto que a linha fosse dividida em intervalos apropriados. FONTE: Fazano. Clique aqui para acessar.