Era um longo sonho.
Um sonho no qual Olga sabia que estava.
No momento em que ela havia caído na arena com a Águia de Quatro Asas, a dor dos ossos quebrados havia se alastrado pelo corpo dela. Suas pernas haviam sido totalmente esmagadas, como grãos na moagem.
Certamente ela não conseguiria mais caminhar pelo resto da vida, que dirá lutar.
Porém, neste momento, ela estava de pé.
Então com certeza era um sonho.
Pois somente num sonho o feito poderia ser desfeito.
Respirando profundamente, Olga olhou para o espaço diante dela, onde a “estrada de areia” se estendia até o horizonte. Caminhando adiante, ela ocasionalmente encontrava um oponente, que vinha na direção dela sem nenhum indício de risada ou escárnio. Um a um, eles passavam por ela e desapareciam na areia infinita.
Dos oponentes, o verme de areia foi o primeiro a aparecer.
Esse verme havia sido a primeira caça dela quando ela tinha doze anos de idade.
O verme de areia era mais vulnerável quando se movia por debaixo da terra, deixando um rastro pela superfície, mas quando ele se escondia em silêncio, o caçador dificilmente conseguiria localizá-lo. No entanto, isso não era um empecilho para as pessoas da Nação da Areia, que eram mais espertas que qualquer outra criatura do deserto. Naquela época, Olga se disfarçou de arbusto e esperou pela vinda do verme de areia. Quando o verme se aproximou, ela enfiou a estaca na areia, empalando o verme.
A performance de caça dela havia superado a dos outros garotos e garotas de idades similares. Como consequência dessa caça, ela havia se apaixonado pela sensação eufórica de lutar.
Porém, o verme de areia que vinha agora, nesse sonho, só levantou a cabeça enquanto se rastejava lentamente, como uma cobra. Por um instante, Olga pensou que o verme iria cuspir veneno no rosto dela para deformá-la, mas nada aconteceu. O verme de areia simplesmente passou por ela quietamente.
Um Escorpião de Areia e um Lobo do Deserto vieram logo em seguida… O segundo e o terceiro oponentes de Olga.
O Escorpião de Areia passou por ela, mas o Lobo do Deserto parou, e após um momento de hesitação, aproximou-se dela com o rabo abanando. O lobo cheirou o pé de Olga e, em seguida, virou-se e foi embora.
Olga se lembrou da luta brutal que ela teve com esse lobo. Limitada pelo fato de que uma mulher precisaria se esforçar muito mais que um homem para se tornar uma duelista qualificada, Olga, no passado, sempre buscou oponentes mais fortes que um mero verme de areia ou escorpiões. Naquela época, o oponente dela foi uma alcateia de lobos.
Mas enfrentar essa alcateia foi muito mais assustador do que ela havia imaginado. Uma tempestade de areia havia atingido os lobos e os reunido numa legião de caça. Quando a tempestade acabou, diversos lobos surgiram no horizonte.
O povo da Nação da Areia havia lutado bravamente contra os lobos, mas foram superados em número. Um por um, eles morreram sob as garras e presas afiadas dos lobos que vinham de todas as direções. Naquele dia, Olga havia pensando que ela estava condenada. No último momento, ela sentiu uma dor intensa e despertou como uma Dama Divina.
Em seguida, quando ela se levantou naquela areia ensopada de sangue e olhou para os lobos, eles abaixaram a cabeça, como se estivessem na presença de um Deus dominador.
Daquele dia em diante, ela se tornou a Rainha dos Lobos.
Voltando ao sonho… Depois do Lobo do Deserto, lutadores de clãs e guerreiros experientes… aproximaram-se um a um. E foi neste momento que o coração de Olga ficou tenso.
Será que esse sonho vai acabar quando meu último oponente passar por mim?
Se fosse isso mesmo, não restava muito tempo para ela.
Ela queria desacelerar… mas não conseguia.
Logo a terra escureceu, como se algo gigante tivesse passado no céu e bloqueado a luz do sol. Olga olhou para cima e viu a Águia de Quatro Asas.
Sua hora estava chegando.
Ao mesmo tempo, depois de ouvir um uivo bem alto, Olga viu ela mesma na forma de Loba Gigante pular na direção da besta que dominava o céu.
As duas bestas colidiram fortemente, espirrando sangue por todo lugar. A águia e a loba lutaram com tudo, como se quisessem terminar o duelo que não havia tido um desfecho na Terra do Fogo.
Olga segurou o fôlego enquanto assistia à última batalha. O corpo dela se lembrava de cada sensação da luta, e era exatamente por isso que ela conseguia melhorar muito mais rápido que qualquer pessoa normal. Olga tinha certeza que, se essa luta acontecesse novamente, ela poderia durar mais tempo e até mesmo acabar de vez com a Águia de Quatro Asas antes que Cinzas chegasse para ajudar.
Que pena que essa oportunidade já não estava mais dentro de seu alcance.
Quando a batalha chegou ao final, Olga quis se juntar à luta para ajudar a Loba Gigante, mas o corpo dela estava rígido. Ela não conseguia sentir nem as próprias pernas.
— Espere! Eu não consigo sentir minhas próprias pernas? — Foi neste momento que ela percebeu que estava na hora de acordar. — Eu não quero viver como uma aleijada.
O medo invadiu seu coração e ela começou a tremer.
Ela não queria viver confinada numa cama, aleijada.
Ela queria se levantar!
Continuar a lutar!
No entanto, ela se sentiu cada vez mais confinada. A sensação de dormência se alastrou pelas pernas e subiu até o pescoço, e dessa forma ela não conseguia mais mover a cabeça.
De repente, a Águia de Quatro Asas rasgou o abdômen da Loba Gigante, fazendo-a uivar de dor. O intestino da loba saiu enquanto ela tentava andar na direção de Olga. A Loba Gigante só conseguiu dar alguns passos antes de desabar no chão. Até mesmo em seus momentos finais de vida, a loba tentou bloquear o resto dos ataques do inimigo.
Os ataques que atingiam a loba por trás harmonizavam-se com os batimentos cardíacos de Olga.
— NÃO!
De repente, Olga abriu os olhos e se ergueu na cama.
A “estrada de areia” e as bestas haviam desaparecido.
Em seguida, Olga ouviu o grito de sua serva ao lado:
— Princesa… a senhorita, a senhorita acordou!
— Sim… — Ela ficou atordoada por um momento. — Eu acordei.
O que significa que eu não posso mais… Espere! — Olga ficou atônita. Ela conseguia ver claramente a serva se aproximando da cama em pânico. Na sua visão, o teto da velha tenda, o punhal pendurado na parede e o braseiro estavam todos bem vívidos. — Mas como eu consigo ver as coisas de forma tão clara com apenas um olho?
Subconscientemente, ela tocou no olho esquerdo… Para a surpresa dela, estava intacto.
Não, não apenas o olho, na verdade todo o corpo dela estava em perfeitas condições, até mesmo as pernas.
Jogando o cobertor para o lado, ela se levantou da cama e ficou de pé firmemente.
— O quê?! O que aconteceu?! — Olga olhou para a serva, que parecia um pouco assustada.
— A-A-A sen-senhhorita foi curada pe-pela nova Da-Dama Divina trazida pelos nortenhos. — A serva gaguejou, tentando explicar. Provavelmente ela havia ficado assustada com o comportamento de Olga. – E-Ela não usou nenhum medicamento. Co-Com um leve toque de mãos, ela conseguiu curar todos os seus ferimentos.
“Tem uma bruxa chamada Nana na Cidade de Primavera Eterna que pode curar qualquer pessoa, até mesmo aquelas que estão no leito de morte ou cujos membros foram inteiramente quebrados”. Então Cinzas não mentiu pra mim? Pensei que ela só disse isso para me consolar. Nossa… Em pensar que realmente tem uma Dama Divina que possui uma habilidade tão milagrosa…
— Onde está essa Dama Divina? — Olga rapidamente colocou um casaco e perguntou. — Eu tenho que agradecê-la.
— Ela já foi embora junto com outras duas Damas Divinas que podiam voar.
— O quê? — Ela franziu as sobrancelhas. — E Cinzas?
— Ela também não está mais na Cidade da Areia de Ferro. Dois dias atrás, o Clã Bravareia levou o primeiro grupo de pessoas da Nação da Areia para o Território Sul do Reino de Castelo Cinza.
— Ela… — A Mulher-Loba pensou em algo. — Quanto tempo eu fiquei dormindo?
Timidamente, a serva levantou três dedos com a mão esquerda, e logo em seguida mais três dedos com a mão direita.
— Seis dias? Que sono longo. — Olga suspirou. — Alguma coisa aconteceu na Cidade da Areia de Ferro nesse período em que eu estive dormindo?
— Sim, minha senhorita. O Clã Ventania anexou o enfraquecido Clã Rio Negro e nos desafiou… — A garota pareceu um pouco desanimada. — O nosso Líder não… não aceitou o desafio. Ele desistiu diretamente. Sendo assim, caímos para a terceira posição… Não podemos mais ficar neste castelo.
— Sério? — Olga ergueu as sobrancelhas. — Preciso ver meu pai.
— Ah. Espere, Princesa. A senhorita esqueceu seu capuz e manto. — A serva seguiu Olga até a porta segurando algumas roupas. — Este castelo tem recebido muitas visitas ultimamente, algumas pessoas só querem negociar, e outras… — A serva abaixou a voz de repente.
— Nos expulsar, não é? — Olga tocou na própria orelha pontuda e sorriu para a serva. — Guarde essas roupas, eu não preciso mais delas.
— O quê? Mas…
O pai dela sempre disse que ela devia esconder essas características animais quando estivesse na frente dos outros, pelo menos até que ela se tornasse a Líder do Clã, já que até mesmo uma Dama Divina seria excluída e sofreria preconceito por causa dessa aparência anormal. Mas depois do sonho que teve, ela finalmente entendeu o que queria fazer.
Metade mulher? Metade besta? Um monstro? Isso não me impede de continuar lutando, não é?
Em seguida, sem dizer mais nenhuma palavra, Olga caminhou em direção ao último andar do Castelo de Pedra.