Olga desacelerou quando viu a primeira floresta em sua jornada.
Pela primeira vez na vida, ela havia pisado no território do reino nortenho. Ela tinha ouvido muitas histórias sobre as terras verdejantes do norte, nas quais rios fluíam por todo lugar. De acordo com essas histórias, qualquer um sentiria o quão macio e úmido era o solo ao simplesmente tocá-lo, e, ao coletar água, nunca precisaria se preocupar em ser mordido por algum verme escondido. Diziam que o norte era um lugar repleto de vida e vitalidade, assim como o Extremo Sul no passado.
No entanto, não era isso o que Olga estava vendo.
Ela supôs que o culpado disso fosse os Meses dos Demônios, e que por isso esse território não parecia mais verde que o grande oásis da Cidade da Areia de Ferro. As árvores aqui só tinham galhos secos. A única coisa que a fazia se lembrar de que não estava no deserto era o solo marrom-escuro sob seus pés.
Ela olhou ao redor e rapidamente encontrou um abrigo para se proteger do vento. Nesse abrigo, ela se transformou em garota e se vestiu. Após isso, ela continuou a seguir as caravanas de longe, sentindo o cheiro que ainda estava no ar.
Foi desse jeito que ela esteve viajando esses dias. Quando anoitecia, ela se transformava numa loba e corria em direção ao norte. Ela se alimentava de Vermes de Areia, Escorpiões Gigantes e até mesmo de Lobos do Deserto que ela atraía ao longo do caminho. Durante o dia, ela caminhava pela rota comercial do Curso da Água Prateada na forma humana. Dessa forma, ela poderia comprar água na mão dos comerciantes que encontrava pelo caminho.
Entretanto, a viagem dela teve alguns percalços.
A Princesa Olga do Clã Chama Selvagem sempre foi rica e generosa, então ela atraía algumas pessoas que cobiçavam seu saquinho de moedas de ouro. Mas ela sempre teve orelhas atentas, sabendo de antemão quais eram as verdadeiras intenções desses comerciantes. Bem no início da viagem, ela fazia esses bandidos pagarem um preço bem caro, mas agora ela preferia seguir essas caravanas de longe, usando o cheiro que eles deixavam para confirmar a direção.
Doze horas depois, ela ouviu o som das ondas do mar.
Já que essa nova cidade portuária construída pelo reino nortenho não possuía uma muralha imponente, ela conseguia ver tudo ao subir numa colina alta. Tendas se estendiam ao longo das margens do rio. Havia muitas pessoas perto do mar, ocupadas com a construção do que pareciam ser “casas quadradas e planas”. A coisa mais surpreendente disso tudo era que a maioria dos trabalhadores ali eram nortenhos. Ela só conseguia ver um pequeno número de Mojins naquele meio.
Pouco depois de entrar no território do Porto de Água Clara, ela encontrou o acampamento do Primeiro Exército.
Ela se identificou para os guardas e logo se reencontrou com a brava mulher de cabelos negros.
Essa mulher, que ela estava ansiosa para ver, era Cinzas.
Antes que ela pudesse pensar em algo para falar, Cinzas abriu a boca e disse calmamente:
— Sabia que você viria. — Os olhos dourados dessa mulher trouxeram um ar de familiaridade para a Mulher-Loba, fazendo-a sentir como se as duas tivessem se despedido algumas horas atrás, e não vários dias.
Olga, confusa, mexeu as orelhinhas.
— Como você sabia?
— Porque você se parece com a “eu” do passado. — Cinzas sorriu. — No seu coração, há um objetivo que você quer alcançar.
Os olhos de Olga se iluminaram.
— Você também corria atrás de inimigos poderosos para ficar mais forte?
— Não… Eu queria apenas vingança. — A Extraordinária balançou a cabeça e se virou. — Venha comigo. Eco ficará muito feliz em te ver novamente.
Vingança? — Olga ficou confusa, pensando. Após um momento, ela finalmente entendeu o que Cinzas queria dizer. As duas tinham objetivos, mas não eram os mesmos. A Mulher-Loba se aproximou da Extraordinária e perguntou:
— De quem você queria se vingar?
— Da Igreja de Hermes. — Cinzas deu de ombros. — De primeira, eu só fazia isso para extravasar meu ódio. Mas conforme o tempo passava, isso se tornou um hábito pertinente, e eu só parei quando me encontrei com Sua Alteza Tilly. Ela me fez perceber que há coisas mais importantes neste mundo do que matar todas as pessoas da Igreja.
Quando Cinzas mencionou “Sua Alteza Tilly”, a Mulher-Loba sentiu a voz da Extraordinária ficar mais suave e gentil, o que era raro.
Para conseguir mudar uma pessoa tão determinada e decidida como Cinzas… Essa Tilly deve ser muito incomum…
Olga gravou o nome de Tilly bem no fundo de sua cabeça.
Quando elas passaram pelo que parecia ser uma casa sob construção, Olga fez outra pergunta:
— Eu soube que o Porto de Água Clara foi reduzido a ruínas desde que a Rainha da Água Clara deixou este lugar. Essas pessoas são refugiadas? Por que parece que elas estão em maior número que os imigrantes Mojins?
— Claro que não são refugiados. Todos eles vieram da Cidade de Primavera Eterna.
A Mulher-Loba mal pôde acreditar no que tinha ouvido.
— Cidade de Primavera Eterna? … A cidade do Rei de Castelo Cinza, Roland Wimbledon? Ele ordenou que seu próprio povo construísse residências para os Mojins neste lugar?
— Ele não precisou forçar ninguém. Todas essas pessoas vieram voluntariamente porque o projeto de construção aqui possui melhores salários, variando de cinco a dez moedas de prata por mês. Os trabalhadores disseram que assim que o Ministro da Construção emitiu o anúncio de recrutamento para esse projeto, a Prefeitura ficou lotada de candidatos.
Ministro da Construção? Prefeitura? — A Mulher-Loba ficou perdida ao ouvir essas novas palavras. Ela balançou o rabo e perguntou:
— E quanto… à Nação da Areia?
Olga se lembrou de que o primeiro grupo de imigrantes consistia de vários clãs pequenos, totalizando umas duas a três mil pessoas. Ela se perguntava por que o Grande Líder quis enviar o próprio povo para este lugar, sendo que havia tantos Mojins para trabalhar para ele. Ela começou a desconfiar.
— Já que Sua Majestade quer construir uma nova cidade no Cabo Sem-fim, a maioria dos Mojins foi pra lá, assim como o povo do Clã Bravareia. — Cinzas respondeu rapidamente. — Somente ao participar das construções é que os Mojins poderão obter novas casas e comida, assim como os súditos da Cidade de Primavera Eterna.
Olga ficou surpresa ao ouvir que o rei planejava construir uma cidade numa terra desolada e inabitada que não possuía oásis. Se não fosse por Cinzas, uma pessoa honrada que não mentia, Olga nunca acreditaria nisso.
O que o Rei de Castelo Cinza está pensando? — Ela se perguntou.
— Então… E quanto às pessoas que são incapazes de ir pra lá? Quero dizer, as pessoas com problemas de saúde ou que são mais velhas…
— Se tiveram que ficar devido a problemas de saúde, eles podem ajudar a equipe de construção a construir o Porto de Água Clara. Ao fazer isso, eles receberão o mesmo tratamento. Em outras palavras, contanto que trabalhe, nunca terá que se preocupar com comida. — Cinzas suspirou com um misto de emoções. — Sua Alteza Tilly uma vez disse que o mundo ideal na mente dela era um lugar onde você colhia o que plantava e construía uma fortuna de seu próprio suor ao trabalhar pesado ao invés de explorar os outros. Soa incrível, né? Mas foi o irmão dela que fez isso tudo acontecer.
Olga automaticamente ignorou as últimas palavras de Cinzas.
— Mas… Por que o Grande Líder quer construir uma cidade no Cabo Sem-fim? Aquele lugar não tem nada…
— Tem Água Negra (Petróleo) lá. Sua Majestade quer coletar o máximo que puder disso. — Cinzas disse enquanto dava de ombros.
— Esse é o motivo? — A Mulher-Loba ficou atônita, paralisada. — Ele fez tanto esforço só para coletar Água Negra? Ele simplesmente podia comprar na mão dos comerciantes da Cidade da Areia de Ferro, assim como a Rainha de Água Clara costumava fazer!
Olga não acreditava em caridade sem motivo aparente. A maioria das pessoas que detinha o poder só queria riquezas e terras, mas o rei aparentemente agia na contramão desse princípio. Ele concedeu terras ao povo da Nação da Areia e gastou muito dinheiro para reconquistar o deserto e trazer o próprio povo para construir residências neste lugar. Ela acreditava que o dinheiro gasto nessas coisas seria o suficiente para comprar centenas de barris de Água Negra.
Se o que Cinzas disse é verdade, o modo de pensar desse rei é de fato estranho… — Ela pensou e depois começou a se preocupar com a decisão de seu pai.
Ela esperou que Cinzas a refutasse ou explicasse mais a fundo, mas a Extraordinária apenas ergueu uma sobrancelha e disse:
— Sim, é verdade… Vai saber o que ele tá pensando.
— O quê?
Cinzas disse casualmente:
— Até mesmo na Cidade de Primavera Eterna, há apenas algumas pessoas que conseguem entender as teorias absurdas do rei. Andrea talvez saiba o que ele está pensando. Afinal, ambos são nobres, e a amizade entre eles é a de “uma mente em dois corpos”. Os outros provavelmente não vão conseguir explicar isso a você. Enfim, quem se importa? Não estou aqui por ele. Contanto que a Lady Tilly ache que é uma boa ideia, eu vou apoiar. — Ela parou de caminhar ao final dessas palavras e, em seguida, falou: — Chegamos.