“Tio!” Os passos de Sesha faziam barulho enquanto ela vinha correndo para pular nos braços de Yeon-woo. Ela parecia ter ficado mais alta desde a última vez que ele a viu. Será que era porque o tempo parecia voar na idade dela? Yeon-woo sentiu uma onda de afeição e culpa. O relógio de bolso não reagiu – já fazia algum tempo que estava quieto.
Ele ia dar tapinhas nas costas dela quando Sesha de repente beliscou as bochechas de Yeon-woo e as esticou. “Sesha?”
“Tio mau! Por que você demorou pra aparecer? Eu te odeio!”
“Aconteceram algumas coisas.”
“Você disse que voltaria logo, mas ainda assim demorou um tempão! E também fiquei sabendo que você voltou para a Torre logo em seguida!” Sesha esticou ainda mais suas bochechas.
Yeon-woo deu um sorriso triste. Ela não tinha crescido só fisicamente. Ela era tão esperta que provavelmente adivinhou o que Yeon-woo esteve fazendo esse tempo todo. Ele teria que encará-la de frente, sem dar nenhuma desculpa.
“Então como foi?”
“O quê?”
“O que você saiu pra fazer. Como foi?”
“Foi bem.”
“Então eu te perdoo.” Sesha removeu as mãos das bochechas dele e as colocou na cintura com um ar de importância. Ela parecia tão fofa que Yeon-woo a abraçou ainda mais forte. “Por que o rosto do Sr. Phante está assim?” Quando viu Phante atrás dele, ela inclinou a cabeça.
Os olhos de Phante estavam roxos e ele estava esfregando um ovo neles enquanto encarava Yeon-woo ameaçadoramente. Yeon-woo conseguiu ouvi-lo murmurando algo que parecia com: “Maldito cara temperamental. Dizem que os estudantes puxam os professores. Ele é exatamente igual ao meu pai.”
“Ele tropeçou e caiu.”
“Hm? Por que os olhos dele estão assim se ele caiu?”
“Não sei. Provavelmente ele foi descuidado.”
“Ah, ele devia tomar mais cuidado então.”
“Sim.”
Phante ficou surpreso com a conversa deles, mas Yeon-woo fingiu não perceber e mudou de assunto. “E a sua mãe?”
“A mamãe e eu estávamos lendo juntas! Eu li uma história para ela. Estou indo bem, não é?”
“A Sesha já é uma mocinha agora! Você até lê livros para a sua mãe para ela não ficar entediada.”
“Sim. Já estou crescida! É divertido aprender com a mamãe!” Sesha pulou dos braços de Yeon-woo e o levou para uma sala em que Ananta estava sentada em silêncio em uma cadeira de balanço. Havia um cobertor em suas pernas e um livro em seus pés.
“Hehe! Mamãe! O tio está aqui! Ele também me deu um presente!” Sesha sorria enquanto pulava ao redor de Ananta, mostrando o presente que Yeon-woo tinha dado a ela a caminho dali. Os olhos de Ananta ainda estavam desfocados, mas Sesha continuou a falar como se Ananta estivesse sorrindo para ela.
Yeon-woo observou Ananta sem dizer nada. Urrrng. O relógio de bolso finalmente tremeu e ele se ajoelhou para olhar Ananta nos olhos. “Ananta.”
Não houve resposta.
“Não sei que sonho você está tendo, mas provavelmente está feliz junto com o Jeong-woo e a Sesha, não é?”
Brahm uma vez mencionou que Ananta estava progredindo, mas o motivo para ela não estar respondendo mentalmente era porque ela estava presa em um sonho. Ela provavelmente estava evitando o trauma e o estresse do mundo externo se mergulhando em cenas felizes que sempre quis ver. Talvez fosse por isso que ela estava se recusando a voltar para o mundo real. Ela estava com medo do choque que teria.
O único modo para ela despertar seria superar seus medos. Não era algo que seu pai, Brahm, ou sua filha, Sesha, podiam fazer.
Ela precisava de alguém que pudesse abraçá-la, confortá-la e guiá-la para fora. Foi por isso que Yeon-woo colocou o relógio de bolso na mão de Ananta. Com um click, a tampa se abriu. Tic, toc.
“Não sei como o Jeong-woo está aí dentro, mas no futuro, ele vai te proteger. Então não se preocupe.”
Ananta continuou em silêncio, mas Yeon-woo acreditava que ela o tinha ouvido de alguma forma. Ele deixou o relógio na mão dela e se levantou lentamente. Sesha agarrou sua manga. “Tio, tio! O papai vai voltar?”
“Sim. Ele vai voltar em breve.”
“Sério?! Quando?”
“Espere mais um pouco. Ele está tão longe que disse que vai demorar um pouco para chegar.” Yeon-woo esfregou a cabeça dela, olhando para seus olhos brilhantes e pensando no desejo de seu irmão de abraçar Ananta e Sesha.
***
“Aquele relógio não é algo precioso? Tem certeza de que não tem problema dá-lo para ela?” A caminho da cabana para brincar com Sesha, Brahm olhou para Yeon-woo com uma expressão meio preocupada. Ele sabia como o relógio de bolso era importante para Yeon-woo. Era a única coisa que ele tinha que era de seu irmão.
“Eu não dei o relógio para ela.” Yeon-woo sorriu e balançou a cabeça. “Só deixei com que os dois tivessem um tempo só para eles.” Seu irmão disse que queria ver Ananta e Sesha. Era um pouco tarde, mas ele estava tentando realizar esse desejo. Yeon-woo parou e olhou para a cabana.
***
Depois que Yeon-woo saiu, o relógio de bolso era a única coisa que fazia som no quarto de Ananda. Tic, toc. Naquele momento, os olhos desfocados de Ananta pousaram no relógio. Porém, ela não estava realmente olhando para ele, pois o som do ponteiro dos segundos fez com que eventos do passado surgissem em sua mente.
“Ananta, não é? É um prazer te conhecer.”
“Ananta?”
“Ananta…”
“Obrigado.”
“Vá embora.”
“Não apareça na minha frente nunca mais.”
Ela se lembrou da primeira vez em que se encontrou com Jeong-woo, como ele ficou agitado quando ela confessou seus sentimentos e a ansiedade de quando se rebelou contra seu pai. Então outras memórias apareceram: quando ela percebeu que ele não se abriria com ela, sua decisão para continuar seguindo em frente e a risada que a fez voltar atrás em sua decisão. Ela se lembrou do modo como ele levantou o tom de voz para dizer para ela ir embora depois que disse que cuidaria de Sesha.
“Vou fazer de tudo para protegê-la.” As palavras que ela disse para ele se tornaram suas amarras. Sesha era a única coisa que Jeong-woo tinha deixado para trás e ela fez tudo que podia para proteger a criança que nasceu de seu coração. Mesmo se seu corpo fosse destruído no processo, ela protegeria essa filha preciosa. As cenas se passavam como se ela estivesse assistindo um filme.
Brahm e Yeon-woo estavam errados. Ananta não estava tendo um sonho imaginando uma cena em que ela, Jeong-woo e Sesha estavam vivendo felizes. Ela estava revivendo a dor de seu passado. Todos aqueles dias foram exaustivos, mas ela amava Jeong-woo do fundo do coração. Ela estava disposta a dar sua vida por ele. E havia momentos em que ela só conseguia sorrir para Sesha por causa de seu amor.
Ainda assim, essas também eram suas memórias mais felizes. O relógio de bolso não parecia frio em sua mão, ao invés disso, estava morno. Essa sensação fez as cenas girando em sua mente rachar como vidro. Uma luz brilhou para criar novas cenas, se encaixando juntas como um quebra-cabeça até que a imagem de um relógio de bolso apareceu.
Havia algo familiar nele e parecia como se Jeong-woo estava falando suavemente em seu ouvido.
“Isso? Ah, é um presente que o meu irmão me deu. Um presente de aniversário. Não é bonito?”
Ele estava deitado de barriga para cima em um campo, esfregando o relógio de bolso em sua mão. Ele respondeu com um sorriso brilhante que ela nunca conseguiu se esquecer. Plip, plop.
Lágrimas caíram no relógio, uma gota atrás da outra. Seus olhos ainda estavam desfocados, mas eles tremeram pela primeira vez. “Jeong… woo…”
O relógio de bolso tremeu com a voz trêmula, como se a estivesse tranquilizando que ele sempre estaria ali. Urrrng.
***
“Pegamos tudo que precisávamos?”
“Sim. Mas eu queria fazer uma coisa antes.”
“O que é?”
“Posso socar a sua cara só uma vez?”
“Claro.”
“Sério?! Eu posso mesmo?”
“Pode. Assim podemos trocar alguns socos. O que você acha?”
“Deixa pra lá. Não quero mais.” Phante fez uma careta, perdendo a vontade de conversar. Depois que Yeon-woo o espancou, ele percebeu que seu hyung-nim monstruoso tinha se tornado um monstro ainda mais terrível.
Ainda assim, ele teve que admitir que foi divertido. Apesar de Yeon-woo ter perdido para o Rei Marcial, seu pai era uma anomalia.
Edora estava de pé na beirada do caminho da vila, segurando Mal Divino em suas mãos. Ela parecia a mesma de sempre, mas Phante sentiu algo estranho nela. Yeon-woo provavelmente sentiu a mesma coisa, porque a observou por um tempo e perguntou, “E aquilo que você foi fazer?”
Edora assentiu. “Deu tudo certo.”
“Que bom.”
“Achei que ia demorar mais, mas foi rápido.”
Quando Edora sorriu, Phante finalmente percebeu o que a energia estranha ao redor dela era. Seus olhos se arregalaram. “Ei, você…”
“Fica quieto, não diga nada.”
“Tá bom.” Phante acenou para o olhar afiado de Edora. Se fosse outra hora, Phante teria desobedecido, mas ele conseguiu ver que ela estava de mau humor. Se seu palpite estivesse correto, Edora provavelmente tinha experimentado algo além da imaginação.
‘Conexão Espiritual… Agora está confirmado que a Edora é a próxima Médium Psíquica? A mamãe parece ter tomado essa decisão mais cedo do que o esperado. O que será que ela viu?’ Ela daria um jeito de qualquer forma já que sempre estava alguns passos a frente, mas agora, ele tinha certeza. Assim como ele adquiriu o Relâmpago de Sangue, Edora conseguiu algo parecido que seria de grande ajuda para Yeon-woo e Arthia.
Phante de repente ficou curioso. De acordo com Yeon-woo, Arthia já estava em movimento. Em breve, seus membros se reuniriam. Eles eram tão fortes que se tornariam uma presença importante na Torre.
Qual era o padrão de força para Yeon-woo? E onde Phante estava nessa escala? Ele de repente quis saber. Quantos deles teriam as qualificações para ficar de pé ao lado dele? Apesar de ter perdido para Yeon-woo, como o filho do Rei Marcial, ele deveria ser pelo menos o segundo mais forte, mesmo não tendo muita inteligência.
Ele achou que não seria tão ruim organizar a hierarquia primeiro. Ele também poderia testar seu Relâmpago de Sangue enquanto isso. Parecia que seus desejos seriam realizados em breve. Normalmente, ele teria ficado preocupado com o castelo flutuante que estava obscurecendo quase que todo o Distrito Externo, mas ao invés disso, ele ficou distraído por uma briga que estava acontecendo bem diante de seus olhos.
O distrito comercial barulhento de repente ficou em silêncio. Dois grupos de pessoas estavam se encarando com suas espadas desembainhadas. A atmosfera estava tensa.
Era difícil de dizer o que tinha acontecido, mas uma coisa era certa: um grupo era seu aliado e o outro era de inimigos. Parecia que os inimigos tinham enviados soldados para impedir aqueles que queriam se aliar com Arthia. Outra possibilidade era que seus aliados tinham se reunido para prevenir que seus inimigos atacassem Laputa.
Os dedos de Phante começaram a coçar. Então, ele percebeu um jogador atrás do grupo de inimigos. O capuz fazia com que fosse difícil de ver suas feições, mas ele possuía um ar ameaçador. À primeira vista, ele não parecia particularmente forte, mas os sentidos treinados de Phante disseram a ele que aquele cara era perigoso.
“Bayluk.” Naquele momento, Yeon-woo murmurou para si mesmo e abriu suas Asas de Fogo para quebrar o impasse. Mesmo parecendo frio como sempre, Phante conseguiu perceber que Yeon-woo estava segurando sua raiva. Sua pele começou a pinicar com a aura que Yeon-woo estava emanando.
“Não tenho ideia do que está acontecendo.” Phante deu um sorriso brincalhão e seguiu Yeon-woo. “Mas parece que as coisas vão ser divertidas desde o começo.”
Boom! Faíscas pularam de sua pele e relâmpagos da cor do sangue surgiram.