POV CHUL ASCLEPIUS
Minha risada ecoou pelas montanhas geladas enquanto os golpes dos meus inimigos choviam sobre mim.
— Vocês. São. Como. Formigas. Diante do poder dos Asclepius! — rugi, estendendo a mão e agarrando uma cabeça com chifres.
Minhas costas estavam prensadas contra o paredão da montanha, que se desfazia sob o peso de nosso glorioso combate. Desviei os feitiços que me golpeavam e girei, esmagando o rosto da Assombração contra as pedras quebradas e irregulares. As chamas de meus antepassados me preencheram, e eu ri novamente enquanto enterrava o rosto odioso mais fundo na rocha, empurrando com força bruta e fogo fênix juntos. Sua magia negra, amarga e fraca, arranhava de volta, assim como suas unhas bestiais e quebradas rasgavam meu braço.
Balas venenosas e ardidas mordiscaram minhas costas, e uma conjuração mesquinha e perversa de pura sombra negra rastejou para o espaço entre minha mão e a cabeça chifruda da Assombração, tentando me afastar.
— Mãe! — gritei, meus olhos fixos na fortaleza ao longe. Seu túmulo. — Trago vingança a seus inimigos, Mãe! Eu vou… — uma dor aguda atravessou meu flanco quando uma lâmina longa e curva perfurou minha mana protetora, cortou minha carne e atravessou meu interior, por pouco não atingindo meu núcleo — …vingar o sangue derramado, cem vezes mais, em nossos inimigos — completei, sibilando as palavras.
Grunhindo, lancei o Esmaga-Sóis de volta àquele que me bombardeava com balas venenosas e agarrei a Assombração que segurava com ambas as mãos pelos chifres. Sua mão ainda segurava a lâmina cravada em meu lado, que ele serrava para frente e para trás, dilacerando minhas entranhas. Seus movimentos já enfraqueciam enquanto meu fogo cozinhava a massa cinzenta em seu crânio, mas ele não desistia.
Até que, com outro rugido, puxei seus chifres com toda minha força.
Osso quebrou, carne se rasgou, e a Assombração se partiu em minhas mãos enquanto a dividia em duas.
Ouvi um grito atrás de mim, e a manifestação sombria lançou-se contra minha garganta, boca e olhos, tentando rastejar para dentro de mim. Girando no ar, arremessei uma metade do cadáver no irritante descendente Vritra que atirava as balas, então procurei pelo maldito manipulador das sombras.
Um pedaço de Epheotus em queda havia destruído um dos grandes portais na montanha, interrompendo o fluxo de monstros. Três feras metálicas protegiam o portal restante, que continuava a cuspir homens estranhos, ressecados, com armas no lugar das mãos.
O pequeno exército de alacryanos que trouxemos lutava em desvantagem de quatro para um contra a força inimiga dentro do desfiladeiro. O homem braço direito de Lady Seris estava costas com costas com a pequena e divertida Lança contra uma das Assombrações. Não conseguia ver Lady Seris, mas outra das Assombrações — a mulher com armadura de espinhos — se afastava do penhasco destruído. Mesmo àquela distância, senti seu olhar na Assombração morta em minhas mãos, o calor de sua fúria.
Bem à minha frente estava um Assombração corpulento, o que lançava balas de longe como um covarde. Atrás dele, uma criatura quase idêntica a Assombração envolta em sombras que lutava abaixo, a que tentava arranhar minha garganta com suas invocações.
Puxei o fio de mana ligado ao Esmaga-Sóis, e a arma voou sobre o campo de batalha como uma estrela cadente. Agarrei-a com um baque pesado.
— Dois mortos. Faltam quatro. Qual lagartixa será a próxima?
Inclinei-me para frente, mas as sombras que me atacavam se deslocaram para minhas costas, uma dúzia de braços escuros se enroscando em mim, tentando me puxar contra a montanha. Canalizei poder para meus músculos e fogo para minha pele, projetando-me para frente com toda minha força, e as sombras se esticaram e se desfizeram como lã recém-fiada.
A enorme Assombração tentou desviar, mas meu golpe foi mais rápido. Antes que o Esmaga-Sóis pudesse encontrar sua cabeça, porém, a mulher de armadura espinhosa — que lutava com Seris — se colocou entre nós, agarrando com ambas as mãos o cabo da minha arma. Soltei um grito de guerra e afundei minha testa no elmo cheio de espinhos. Ele afundou, revelando que não havia ninguém lá dentro. E ainda assim, ambas as manoplas negras soltaram minha arma para golpear meu rosto e garganta.
Explodi em fogo branco e ardente, derretendo a armadura viva. Voltando-me para a Assombração que lançava as balas, concentrei o fogo através do Esmaga-Sóis, reunindo as chamas em uma labareda rugidora. Sombras envolveram a Assombração enquanto ela se esquivava.
Um suspiro de dor escapou dos meus lábios, e as chamas disparadas pela minha arma vacilaram e se apagaram. Instintivamente, minha mão livre arranhou minha carne, à medida que algo se contorcia dentro de mim.
Por mais que relutasse em admitir, não pude suprimir o repugnante choque de medo que acelerou meu coração. Como insetos escavadores, cada uma das balas que me atingiu enterrou-se sob minha pele, usando excreções ácidas para corroer minha mana e carne. Agora, perfuravam minhas entranhas em direção ao meu núcleo, sua construção física permitindo que contornassem a resistência natural de minha pele à mana alheia.
Sentia alguns dos minúsculos insetos metálicos já mordiscando meu núcleo, perturbando minha mana.
Um movimento forçou meu foco de volta ao presente. Uma dúzia ou mais de armaduras negras de espinhos haviam me cercado. Sombras teciam entre elas como uma teia de aranha, aprisionando-me dentro.
A grande Assombração pairava logo além do círculo, sorrindo.
— Mesmo sendo apenas um mestiço, fico feliz por ter a chance de matá-lo, fênix. Que você seja o primeiro de muitos.
Abaixo de mim, nosso exército recuava. Lady Seris ainda estava fora de vista. A pequena Lança e o bonitinho Vritra tinham sido engolidos pela escuridão. A doce Caera estava completamente cercada e em desvantagem de cinquenta para um.
Meu irmão em vingança havia penetrado a fortaleza inimiga. Lá, ele mataria Agrona, e minha vingança estaria completa.
Contorcendo-me contra a dor em meu núcleo, invoquei toda a fúria e ferocidade de ambos os meus povos e as libertei em um rugido desafiador, incandescente como as chamas de uma forja.
POV MICA EARTHBORN
Onde quer que Bairon e Varay estivessem agora, esperava que estivessem se fodendo tanto quanto eu.
Estávamos com tudo sob controle até essas malditas Assombrações aparecerem. Agora, em vez de abrir caminho pela fortaleza ao lado dos meus companheiros enquanto me preparava para uma visão privilegiada do que com certeza seria uma batalha épica entre Arthur e Agrona, estava presa lutando contra uma bruxa sem rosto, caçadora de deuses e manipuladora de sombras, para proteger um alacryano — um retentor — que havia sido meu inimigo até pouco tempo atrás.
A parte mais irritante? Se eu conseguisse derrotar essa Assombração e não morresse no processo, Bairon nem estaria aqui para eu esfregar na cara dele.
— Malditas. Sombras! — gritei, erguendo barreiras tão rápido quanto elas eram destruídas, porque não enxergava nada além de escuridão.
A escuridão nos envolveu, a mim e ao retentor. Eu o sentia agachado atrás de mim, mas a escuridão não só bloqueava a luz dourada de Epheotus que vazava pelo céu ferido de Alacrya, como também abafava sons e assinaturas de mana. O campo de batalha estava em silêncio, e eu não tinha ideia de onde a Assombração estava — ou qualquer outra coisa, pra ser sincera. Estava cega, isolada e enfrentando uma oponente mais forte.
— Tudo. Bem. — murmurei para mim mesma, conjurando uma nova parede de pedra a cada palavra, só para vê-la despedaçar-se sob o ataque constante das sombras.
Sem olhar para trás (já que não adiantaria), grunhi:
— Você planeja se levantar logo? Porque eu gostaria de uma… — A escuridão se comprimiu de repente, um peso absurdo esmagando meus ossos até meus joelhos trincarem — …ajuda AGORA.
Uma voz diferente respondeu do breu:
— Conhece a parábola da aranha e da mosca, dicathiana? Debata-se o quanto quiser… você não escapará.
Sombras mordiscaram meus calcanhares, e uma risada grotesca ecoou na escuridão. Cavei minha mana no chão e ergui um domo de pedra solidificada, ganhando tempo para agarrar o retentor. Levou apenas um segundo para que rachaduras se formassem na superfície da barreira, e mais dois para que ela se estilhaçasse.
A gravidade dentro do breu aumentou até meu peso rachar o solo. Então, chutei o chão e voei para cima, carregando o retentor. As sombras tentaram me puxar de volta, mas as rasguei como uma pedra rompendo uma teia.
Saímos de uma bolha de escuridão que obscurecia o fundo do desfiladeiro. O exército lealista avançava, encurralando nossas tropas contra uma avalanche que bloqueava a retirada pelo vale.
Desviei bruscamente, quase colidindo com uma figura voadora em uma armadura de espinhos. Ela girou, golpeando com as costas da manopla quando passamos voando, mas a lâmina do retentor interceptou o ataque.
Chul estava cercado por formas idênticas. Sua assinatura de mana oscilava violentamente, e cada golpe que desferia com sua enorme arma era bloqueado por um escudo sombrio.
O retentor se afastou de mim, pairando no ar.
— Obrigado, Lança Ohmwrecker, mas estou recuperado. — Sua lâmina desviou uma bala brilhante, que se partiu em líquido verde e ácido. Ela se partiu, e um líquido verde chiando espirrou entre nós. O retentor mal pareceu notar enquanto seus olhos vermelhos escaneavam o campo de batalha. — Preciso encontrar Seris.
Minha atenção voltou-se para a Assombração que emergiu das sombras abaixo de nós: uma gêmea da que conjurava os escudos contra Chul. Antes que eu pudesse responder, o retentor já voava para longe.
Eu xinguei. Estávamos perdendo, e feio.
Soltando um suspiro úmido, dei uma risada abafada e limpei o sangue dos lábios.
— Te vejo em breve, Aya.
POV CAERA DENOIR
Meus orbitais fraquejavam sob o peso de tantos feitiços desviados. Estava completamente cercada, e todos os meus aliados estavam sobrecarregados por diferentes inimigos. Wolfrum sequer se dignou a levantar a mão contra mim ainda, deixando os dez grupos de batalha que o apoiavam me desgastarem primeiro.
A mana fluía para os orbitais, que estavam conectados entre si formando uma grade defensiva ao meu redor. Uma rajada de fogo azul fez o ar rugir ao me envolver. Lâminas de vento com tonalidade esverdeada golpearam contra o fogo da alma. Uma conjuração de pedra branca esmurrava a barreira repetidamente, dissolvendo-se a cada impacto. A barreira encolhia pouco a pouco, forçando os orbitais a se fecharem ao meu redor para manter minha proteção com cada vez menos mana.
Então, uma pausa. Foi apenas um momento, poucos segundos.
Entretanto, o suficiente.
Girei, liberando todo o fogo da alma que vinha concentrando lentamente em minha espada enquanto esperava o momento certo. Luz vermelha e negra cortou o ar em um arco serrilhado, esmagando dez escudos conjurados. A maioria se estilhaçou, e a energia passou pelos Atacantes em prontidão, pelos Conjuradores hesitantes e pelos Escudos atônitos.
Vários morreram instantaneamente, o Fogo da Alma extinguindo suas forças vitais, mas dezenas mais caíram no chão, contorcendo-se em agonia, gritos de dor e terror ecoando pelo campo.
Dois Atacantes, que estavam protegidos por um escudo intacto de fogo verde, investiram contra mim. Desviei de uma glaive e chutei um escudo de torre, usando o impulso para saltar para trás. O vento me sustentou no ar por um breve instante, tempo suficiente para meus orbitais se reajustarem. O escudo de chamas verdes reposicionou-se para proteger os Atacantes, mas meus orbitais dispararam de múltiplas direções. Os dois homens caíram no meio da investida, sem vida.
Instinto puro e a sensação da mana em movimento me fizeram abaixar. Uma garra rasgou o ar exatamente onde meu rosto e minha garganta estavam um segundo antes.
Rolei para frente, evitando um segundo golpe, e me recompus de lâmina em punho para encarar Wolfrum, orbitais já em formação defensiva.
— Covarde — cuspi, encarando os olhos desiguais de Wolfrum. — Não tem coragem de me enfrentar de verdade, a não ser para tentar me apunhalar pelas costas? Dragoth teria orgulho… se não estivesse morto
— Morto? — Wolfrum riu, dispensando os magos que ainda estavam em condições de lutar. Ele apontou para a enorme fenda no céu. — Ele está bem ali. Foi a mana dele que causou aquilo. — Ele sorriu, e então percebi a verdade: ele havia perdido a sanidade. — Dragoth sempre foi um servo humilde, a ponto de entregar sua própria vida a Agrona no fim. E você o ridiculariza por isso? — Abanou a cabeça, fingindo decepção. — Sua morte e a de sua mentora traidora não terão propósito tão glorioso.
Ele se lançou para a frente, cada mão envolta em manoplas de vento do vazio em forma de garras. Bloqueei o primeiro golpe com a lâmina, desviei o segundo com uma pancada do punho em seu pulso. Parei uma joelhada com a perna e investi com o ombro, arremessando-o para trás alguns passos. Minha espada o perseguiu, mas ele a agarrou com uma das garras e torceu, forçando meus pulsos.
Sua boca se abriu e a língua caiu para fora enquanto ele soprava fogo. Meus orbitais absorveram as chamas, e dei um chute rápido em seu antebraço, obrigando-o a me soltar. Girei a espada, invertendo o punho, e estocei para trás, girando com o impulso. A ponta arranhou sua barreira de mana antes de deixar um corte raso em seu flanco. Ativei meu emblema, liberando uma rajada de vento que o empurrou para trás antes que ele pudesse revidar, mas não dei trégua.
Reajustando o punho, canalizei Fogo da Alma e desferi um golpe contra seu ombro… mas recuei num falso movimento quando ele ergueu o braço para bloquear. Em vez disso, girei a lâmina e acertei-o com o lado plano da espada no rosto. Meu Fogo da Alma cintilou sombriamente, corroendo sua proteção mágica e deixando um corte raso sob seu olho vermelho.
Enquanto ele cambaleava, desequilibrado, redirecionei a espada num movimento fluido, mirando seu joelho oposto. Ele tentou esquivar-se, mas seu peso estava no pé errado e…
Outro escudo de fogo verde surgiu, desviando o golpe para o chão. Meu Fogo da Alma o estilhaçou, mas o estrago estava feito.
Agora em posição vulnerável, não consegui bloquear a próxima garra a tempo. As garras conjuradas rasparam pelo meu ombro, e a dor me tirou o fôlego. Desviei um segundo golpe com a lâmina, mas já estava em desvantagem, recuando sob uma chuva de ataques.
Ativei minha regalia, envolvendo-me em fogo sombrio enquanto cópias ilusórias minhas dispersavam-se. Os olhos de Wolfrum saltaram entre elas, buscando a verdadeira. Eu me concentrei, movendo-me em um padrão irregular e instável, controlando todas as ilusões da mesma forma… exceto uma.
Para essa, mantive movimentos suaves e perfeitos, como se fosse eu recuando em pânico. Seu olho afiado notou a diferença imediatamente. A forma ilusória tropeçou, erguendo a espada fantasma para se defender, enquanto eu circulava por trás dele.
— Seu ego sempre superou sua habilidade, Caera — rosnou, encarando o que julgava ser eu, ódio escorrendo em sua voz. As manoplas de vento do vazio derreteram das mãos dele, e a mana começou a se concentrar à frente.
Disparei para frente.
— Senhor! — Alguém gritou, e o escudo verde surgiu novamente.
Todos os meus orbitais espalhados estrategicamente pelo campo dispararam simultaneamente. Feixes de Fogo da Alma atingiram o escudo um instante antes de eu atravessá-lo. Corri através dos vestígios de mana enquanto Wolfrum girava na minha direção, mas era tarde demais. Antecipando seu bloqueio, cortei baixo, lâmina rasgando o joelho.
Arrastei a espada através de sua carne, inverti o movimento e cravei-a entre suas costelas antes que ele pudesse agarrar meu pulso. A manopla de vento do vazio cravou-se em meu pulso, travando-me no lugar.
Ele torceu o corpo e meu pulso ao mesmo tempo. A lâmina soltou-se, salpicando seu sangue no chão, mas não consegui soltar meu pulso. Envolvi a mão livre em Fogo da Alma e o acertei no rosto. Ele me puxou para perto, pressionando a testa contra a minha, mesmo enquanto eu tremia de esforço tentando me libertar.
Olhei para os olhos de Wolfrum — um vermelho, outro marrom-enlameado —, ambos arregalados de dor e medo. Nossos chifres colidiram enquanto eu me debatia em seu aperto. Então, ele começou a queimar. Por um momento, pensei que as chamas fossem minhas, vindas do meu soco… mas não. O Fogo da Alma brotava de dentro dele. Sua cabeça inteira foi engolida pelas chamas negras, a pele derretendo para revelar o crânio por baixo, labaredas dançando em suas órbitas oculares vazias.
Fiquei paralisada pelo pensamento do que ele estava fazendo. O som da batalha ainda rugia ao meu redor. Perto dali, um único grupo de batalha do nosso lado enfrentava os últimos remanescentes dos guardiões de Wolfrum. Em meio ao caos, num piscar de olhos, avistei uma cabeça familiar com cabelo curto e dourado, que se destacava no campo de batalha.
Empurrei minha lâmina desajeitadamente contra as entranhas de Wolfrum, mas ele pareceu não notar. Apesar de manter um aperto inquebrável em meu pulso e na nuca, não consegui evitar pensar que ele já estava morto.
O crânio em chamas acima dos ombros de Wolfrum se expandiu e se moveu ao meu redor, as mandíbulas se abrindo para me engolir. Seu aperto finalmente afrouxou, mas era tarde demais. Não tinha para onde fugir.
— Professora Denoir! — gritou a voz de uma jovem através da escuridão e das chamas.
Uma luz dourada envolveu-me um segundo antes das mandíbulas do crânio flamejante se fecharem sobre mim. Agulhas de fogo perfuraram cada célula do meu corpo… e então, tudo acabou.
Tropecei, e uma mão firme segurou meu cotovelo.
— Enola. — Seu nome soou estranho em minha boca. Era a última pessoa que esperava encontrar ali. Franzi a testa. — Você não deveria estar aqui.
Apesar do rugido da batalha e do estrondo dos feitiços ainda preencherem o vale montanhoso, por um instante, estávamos fora do combate.
Enola respondeu com um grunhido nada digno de uma alto-sangue.
— Como se houvesse alguma chance de eu perder isso. — Seu maxilar se contraiu ao me observar. — Você devia encontrar um lugar seguro para se recuperar. Minha unidade precisa voltar à…
— Abaixe-se! — gritei, derrubando-a no chão enquanto Chul despencava como um meteoro em chamas sobre nós.
O chão se ergueu, e o mundo pareceu se virar de cabeça para baixo.
POV SERIS VRITRA
Meus olhos se abriram devagar, e terra caiu dentro deles. Não pude evitar o riso rouco que escapou involuntariamente de dentro de mim. Fazia um tempo terrivelmente longo desde que não sofria algo tão banal como ser nocauteada.
Estendi meus sentidos ao campo de batalha enquanto calculava quanto tempo estive inconsciente.
As Assombrações ainda eram difíceis de rastrear, mas eu sabia que quatro ainda estavam vivas. Os exércitos de ambos os lados estavam reduzidos, e as linhas de frente haviam recuado de Taegrin Caelum. Respirei um pouco mais aliviada ao sentir a assinatura de mana de Cylrit por perto, embora isso fosse contrabalançado pelas flutuações nauseantes vindo de Chul. Ele estava no limite, provavelmente envenenado.
Com base nisso, deduzi que não haviam se passado mais do que alguns minutos.
Com um suspiro, empurrei a rocha com mana. As rochas desabadas começaram a ceder, e uma pedra roçou minha têmpora. Um lampejo de irritação me percorreu, e senti minha compostura vacilar. Mana se agitou e a encosta da montanha explodiu quando eu emergi no ar aberto.
Cylrit esquivou-se dos destroços antes de voar até mim. Uma mão se estendeu para o meu rosto, mas ele se deteve. Estava sujo de sangue e terra, e o cabelo, completamente emaranhado. Eu certamente não estava em melhor estado.
— Pelos chifres de Vritra, você está viva! — Ele murmurou, alívio escorrendo em suas palavras.
— Por enquanto — confirmei, suavizando minha voz com um sorriso.
Contudo, não havia tempo para conversa. Perhata e uma das Assombrações-Escudo aproximavam-se, confiantes na vitória. As outras duas estavam abaixo, pairando sobre uma cratera. Meu estômago se revirou ao reconhecer as assinaturas de Chul, Mica e Caera. Todos vivos, mas cercados pelos mortos e diante de duas Assombrações.
— Qual o nosso plano, Lady Seris? — Cylrit perguntou, posicionando-se ao meu lado. — Se atacarmos a Escudo de surpresa…
Apoiei uma mão em seu ombro, e ele se calou. Levantei o queixo, fitando o ferimento entre os mundos, ainda derramando grandes porções da massa terrestre de Epheotus. Ao redor da fenda, a luz carmesim deu lugar a uma aurora púrpura e negra.
— Podemos vencer aqui apenas para assistir nosso mundo ser destruído, ou podemos cair e jamais ver o que será erguido sobre os alicerces do nosso sacrifício. De qualquer forma, relaxe: o destino do mundo não está em nossas mãos.
Cylrit soltou um riso seco. Seus olhos se voltaram para mim por um breve instante antes de focarem novamente em Perhata.
— O mundo já parece estar ruindo. Minha preocupação é apenas com sua segurança nele.
A pressão cresceu por trás dos meus olhos, mas engoli a emoção que subia. O que diriam se eu desmaiasse e começasse a chorar no intervalo de cinco minutos? Lancei um sorriso amargo a Perhata quando ela parou a seis metros de distância.
— Se veio para oferecer sua rendição, eu aceito. Mais da metade do seu exército já está morto, e dois dos seus campeões também. Enquanto isso, todos os meus ainda estão vivos.
Perhata soltou uma gargalhada seca.
— Você é divertida, Sem Sangue; mas não posso dizer que sentirei sua falta quando sua cabeça estiver empalada no alto de Taegrin Caelum, olhando para sempre o local de sua última e inevitável derrota.
— Você fala demais, Assombração — disse Cylrit, avançando num clarão, sua espada desenhando arcos prateados no ar.
Perhata multiplicou-se, seus espinhos de ferro-sangue fluindo como líquido enquanto cópias dela nos cercavam. Tentáculos de sombra envolveram seu corpo, movendo-se ainda mais rápido que Cylrit, desviando cada um de seus ataques com aparente facilidade.
Cortei o ar com a mão, e uma linha escura interrompeu o feitiço da Assombração Escudo logo atrás de Perhata. As defesas caíram, e Cylrit passou suavemente de uma postura defensiva para cravar sua lâmina numa abertura entre os espinhos da armadura de Perhata. Girei a mão, e uma segunda linha negra varreu as cópias sombrias de Perhata, desintegrando-as no ar enquanto tentavam alcançar meu retentor.
Quatro construtos de ferro-sangue fecharam o cerco dos dois lados, enquanto uma fina cortina de sombra impenetrável caía entre mim e Cylrit, cortando minha visão do combate. Uma foice sombria se formou em minhas mãos, e girei-a em um arco amplo ao meu redor. Ela destruiu o primeiro construto e cravou fundo no segundo, ficando presa entre os espinhos firmemente entrelaçados. Desviei um golpe que vinha contra minha cabeça e liberei uma rajada de vento do vazio, que despedaçou o atacante, mas o quarto e último construto agarrou meus chifres e cravou sua cabeça em forma de elmo — feita de espinhos — contra a minha.Uma, duas, três vezes, até atingir a ponte do meu nariz, rompendo o revestimento de mana que protegia minha pele. Houve um estalo úmido, e vi estrelas.
Torcendo a foice, enviei um pulso de magia do vazio através da lâmina, e o construto preso nela se despedaçou em mil pedaços, que caíram ao redor. Ergui o cabo entre mim e o último construto, afastando suas mãos dos meus chifres, depois desci a foice sobre seu ombro, quase partindo-o ao meio. Com um último golpe, afastei a escuridão que me separava dos demais combatentes.
Cylrit se defendia de forma desesperada, sua espada aparando golpe após golpe com uma velocidade e precisão permitidas apenas por sua regalia. Antes que eu pudesse erguer minha foice, tentáculos negros de sombra esfumaçada envolveram meus braços, puxando-os dolorosamente para trás e tentando imobilizá-los. Os mesmos tentáculos se enrolaram em minhas pernas, minha garganta, até se infiltrarem pelo meu nariz e olhos.
Deixei meu corpo relaxar e permiti que uma nuvem de partículas negras e roxas fluísse da minha pele, como pólen de uma flor. As sombras começaram a se desfazer, mas não se romperam completamente. Cerrei os dentes, forçando mais. Bem diante de mim, Cylrit levou um golpe direto nas mãos, e sua espada escorregou de sua mão. Ele levou outro golpe, depois outro, e então três construtos o seguraram imóvel enquanto as manoplas espinhosas de Perhata o golpeavam incessantemente em cada parte do corpo.
Minha boca se abriu para gritar enquanto eu reunia cada partícula de mana restante no meu núcleo, mas as sombras sufocantes me impediram.
Atrás da Assombração-Escudo, flutuando a uns doze metros de distância, inalcançável, suas feições perdidas na escuridão, a luz dobrou-se. No meio do meu desespero, senti a súbita aparição de uma assinatura de mana familiar.
Duas lâminas surgiram e se cruzaram no pescoço da Assombração. Cabeça e corpo caíam separadamente em direção ao chão antes mesmo que meus olhos pudessem se arregalar, e de repente as sombras se foram, e eu estava livre.
Olhei incrédula para o campo de batalha, fitando Melzri. Sua pele cinza-prateada reluzia sob a luz dourada, destacando-se contra a escuridão de seus olhos. Seus lábios pintados se curvaram em um sorriso de desprezo enquanto limpava o sangue da Assombração de suas espadas. Jogou a grossa trança por cima do ombro, depois voltou sua atenção para Perhata.
Soltei o grito que estava preso dentro de mim.
A força total da minha emanação do vazio avançou contra Perhata e Cylrit.
Com um estalo alto, um punho enluvado torceu a cabeça de Cylrit de maneira antinatural até que ele estivesse olhando diretamente para mim. Sua boca se entreabriu, e seus olhos se fixaram nos meus. Houve um único lampejo de confusão e… arrependimento.
E então, meu retentor se foi.
Como areia diante de um vento impiedoso, os construtos restantes e a armadura de Perhata se reduziram a pó e foram levados. A mão de Perhata agarrou seu esterno, sobre o núcleo, e ela afundou alguns metros no ar, soltando o corpo de Cylrit.
Melzri avançou contra Perhata, ambas as lâminas em movimento, mas a Assombração conseguiu se esquivar no último instante. Ela deu uma cambalhota no ar e disparou em direção às montanhas do lado oposto. Melzri foi atrás no mesmo instante.
O vazio ainda estava dentro dela, lutando para extinguir o que restava de sua mana. O controle dela era absoluto.
Eu não me importava.
Durante os últimos cem anos, mantive um controle absoluto sobre mim mesma, sobre minhas ações. Não havia outro jeito de sobreviver sob Agrona enquanto trabalhava em segredo contra ele. Um domínio perfeito da mente, do corpo e da intenção era a fonte da minha força, mas contra Perhata, não bastava.
Pela primeira vez em um século, abandonei o controle.
Meu grito se transformou em um urro.
O vazio explodiu de mim como asas de um pássaro sombrio, engolfando Perhata antes que ela conseguisse voar mais do que quinze metros. Ao abrir mão do meu próprio controle, arranquei o dela, puxando o mana de seu núcleo, de seus canais, arrancando cada partícula de poder de dentro dela. Continuei pressionando, ignorando a mana que estava consumindo. Uma parte sombria e racional da minha mente sabia que o corpo de Cylrit ainda nem tinha tocado o chão. Eu espremeria a vida de Perhata nem que fosse a última coisa que fizesse neste mundo.
O feitiço se rompeu de repente quando meu próprio corpo falhou.
O corpo de Perhata estava caindo. Não havia assinatura de mana, nem intenção assassina, absolutamente nada. Um saco de carne molhado foi tudo o que a Assombração deixou para trás.
Aquela parte racional ainda se perguntou se, caso eu tivesse tido um momento para considerar, talvez eu nem pudesse sentir a assinatura de mana dela, já que a minha estava completamente esgotada.
Meus olhos tentaram revirar, mas recusei cair inconsciente de novo. Uma humilhação dessas por vida já bastava, mesmo que ela estivesse prestes a acabar.
O vento assobiava em meus ouvidos, puxava meus cabelos, e por um momento pensei que, ao menos, cairia ao lado de Cylrit.
Minha visão ficou laranja, amarela e dourada. Por um instante, achei que a fenda para Epheotus estivesse se rompendo, então… percebi que eram penas.
Garras imensas me envolveram.
POV CAERA DENOIR
Estremeci a cada choque de mana vindo do alto, mas não consegui me forçar a olhar para a batalha de Seris. Meu braço esquerdo pendia inútil ao lado do corpo, e eu não conseguia apoiar peso naquela perna. O corpo de Chul havia desaparecido dentro de uma cratera do tamanho da propriedade Denoir, mas também não consegui olhar para baixo. Não podia encarar a forma caída aos meus pés, imóvel, exceto pelo vento agitando seus cabelos dourados, agora empastados de vermelho.
Então, fixei os olhos à frente, sabendo que em breve me juntaria àquela jovem estudante morta aos meus pés.
Duas Assombrações flutuavam acima da borda oposta da cratera. Um homem enorme segurava Mica pelos cabelos, suspensa no ar. Ela debatia-se fracamente, mas as sombras da segunda Assombração sufocavam cada tentativa de magia.
Já não conseguia discernir o estado do último portal ou de nossas forças. Estava no limite da minha força, da minha capacidade de continuar lutando.
Ainda assim, minha mente tentava formular um plano para atravessar a cratera e romper o controle das Assombrações sobre Mica; mesmo quando uma adaga longa, reta e afiada como um espinho apareceu na mão da Assombração maior. Ele dizia algo para a anã, que ainda se debatia. Veneno escorria da ponta da lâmina como lágrimas esmeralda.
Um grito dilacerou os céus. Uma presença desesperada e furiosa cortou o ar, fazendo até as Assombrações hesitarem. Aproveitei o instante, e apesar da sensação de correr através de piche, me lancei adiante, atravessando a cratera com passos de vento.
A atenção da Assombração grande se voltou para mim, e ele sorriu com desprezo ao empurrar a adaga sob as costelas de Mica.
Uma mão de ametista agarrou seu pulso.
Uma figura feita de vento púrpura — etérea e radiante — surgiu ao seu lado. Ela segurou o ataque, impedindo que a lâmina alcançasse o corpo de Mica com a mesma facilidade de quem impede uma criança de brincar com facas. Lentamente, o braço trêmulo dele foi virando a adaga contra seu próprio pescoço. Sombras chicotearam contra a figura ametista — uma elfa, pensei, com corpo esguio e cabelos ondulados na altura dos ombros — mas pareciam incapazes de tocá-la.
Não hesitei. Não parei. Cada passo doía como o inferno, e eu empunhava a espada com uma só mão, mas nenhuma das Assombrações me observava agora.
Inexoravelmente, o espinho de ferro-sangue subiu. Não parou quando alcançou a carne sob o queixo da Assombração. Quase havia chegado a Mica quando a ponta desapareceu, o espinho subindo cada vez mais fundo na cabeça do inimigo. Sangue jorrou pela boca, os olhos reviraram, e sua assinatura de mana indistinta se apagou.
Apanhei Mica ao cair e desferi um golpe com minha espada. O Fogo da Alma arquejou em direção à Assombração restante, O Fogo da Alma arquejou em direção à Assombração restante, mas ela bloqueou com tentáculos sombrios, depois contra-atacou. Sombras rivais se ergueram ao meu redor como um escudo, bloqueando o golpe e apoiando meus próprios orbitais.
A cabeça da Assombração girou, fixando-se numa figura esguia com cabelo branco curto e olhos amarelos felinos, que se aproximava lentamente para me apoiar. A Rosa Negra de Etril. Mawar!
A figura élfica de vento ametista ao meu lado jogou o corpo morto da Assombração na cratera. A que restava, com feições ainda escondidas nas sombras, recuou, mergulhou na escuridão e fugiu, voando.
Olhei para Mica, apertada contra mim. Algo estava errado. Sua assinatura de mana pulsava de forma anormal, contorcendo-se como uma fera enjaulada. Seus olhos, porém, estavam fixos no rosto da figura de ametista.
Uma mão desenhada em linhas de vento púrpura acariciou a bochecha de Mica. Um sorriso maroto cruzou os lábios brilhantes, e então… a figura desapareceu.
Com a fuga da Assombração, Mawar se afastou de nós, sem dizer nada, simplesmente indo em direção ao próximo objetivo. O campo de batalha parecia estranhamente silencioso.
Olhei para cima, e meu coração afundou.
Seris estava caindo.
Uma rajada de vento me desequilibrou e eu caí em uma posição agachada para me proteger, segurando Mica. Uma criatura verdadeiramente colossal — com corpo de ave, penas vermelhas, douradas e amarelas, pescoço longo e gracioso e olhos de cores diferentes — disparou para fora da cratera.
Voou com velocidade inacreditável, agarrando Seris no ar, a poucos metros do chão rochoso, depois mudou de direção e perseguiu a Assombração em fuga. Apesar do tamanho, movia-se com agilidade impressionante. Tentáculos escuros chicoteavam ao redor, tentando alcançar as asas e o bico, mas com um grito agudo, o fogo fênix engoliu as sombras. Quando o fogo se dissipou, a Assombração havia sumido.
Sentei-me, colocando Mica de costas com cuidado, olhando para ela com incerteza.
— O núcleo… de Mica… está se quebrando — murmurou ela, com sua voz infantil. Suas sobrancelhas se franziram levemente. — Aya… eu vi a Aya… — Ela fez uma careta e fechou os olhos, a dor contraindo cada músculo do corpo por alguns segundos longos, antes de escorregar para a inconsciência.
Uma figura que reconheci como a foice Melzri Vritra voou em direção a um lugar onde parecia que a luta distante já havia parado. Houve um estrondo e o colapso de pedras; o brilho do segundo portal das Relictombs se apagou. Ao longe, consegui distinguir um punhado de grandes figuras se movendo pela parede de escombros bloqueando nosso caminho de volta: exoformas. Algumas tinham sobrevivido.
O colossal fênix circulou a cratera antes de pousar a uma distância segura, para não me jogar no chão com o bater de suas asas. Abaixou Seris cuidadosamente, colocando-a de pé. Ela cambaleou, mas Chul — agora em sua forma humanoide — a envolveu com o braço. Achei que viriam até nós, mas em vez disso, ele guiou Seris até um vulto no chão que não consegui identificar.
Segui-os com os olhos, enquanto o choque e a exaustão da batalha me dominavam. Balancei a cabeça, sentindo-me fraca e enjoada.
Vencemos a batalha… mas ainda não a guerra.
Meu olhar foi atraído para a fortaleza de Taegrin Caelum, pairando sobre nós como uma lápide. Não conseguia sentir Arthur, nem nenhum dos outros, e em vez do alívio da vitória, senti a apreensão se retorcendo dentro de mim.