Era uma voz que ela nunca esqueceria.
[Lukas Trawman está vivo.]
— …
Sedi se virou. Parado ali olhando para ela estava um leão com uma juba preta. Nenhuma emoção podia ser sentida em seus olhos negros. Mas no momento em que o encarou, seu coração caiu.
— Que diabos…
Ela fez uma pausa, incapaz de terminar a frase, então mordeu levemente o lábio.
— Do que você está falando?
No final, as palavras que saíram de sua boca foram cheias de educação. Sedi odiava que estivesse falando daquele jeito, mas era como se não conseguisse mais controlar a língua.
Não…
Ela cerrou o punho e balançou a cabeça.
Não era a língua dela. Ela não podia culpar seu corpo.
Era sua mente que estava cedendo. O ser diante de Sedi tinha grande influência em seu eu interior.
Afinal, esse leão negro já foi o Mestre a quem Sedi havia dedicado tudo.
Ela se ressentia dele. O detestava. Ela estremeceu com a sensação de traição.
No entanto… Ainda guardava sentimentos por ele.
E depois de encontrá-lo cara a cara, ela percebeu que havia sentimentos complexos que ela vinha evitando o tempo todo.
[Ele está em um lugar que não pode ser alcançado facilmente.]
O Deus Demônio de Chifres Negros não repetiu o que disse. Em primeiro lugar, ele não era esse tipo de pessoa.
Essa atitude também esfriou gradualmente a cabeça de Sedi.
— Você quer dizer que ele está em outro universo?
Foi uma das maiores possibilidades que Sedi havia considerado.
— Mas por que não posso ir lá? É por que sou uma Absoluta caída?
[Eu disse que é um lugar que não pode ser alcançado facilmente. E se você está perguntando se está qualificada para ir para lá ou não, eu lhe darei uma resposta. De todos os seres que conheço, você tem a maior possibilidade de entrar naquele lugar e manter sua existência.]
— Isso significa…
[Pois você experimentou sua própria existência fluindo para aquele mundo uma vez.]
Sedi não era estúpida. Nem ignorante. Se tivesse que ser dito, era só que a cabeça dela estava numa estranha tangente.
Então ela foi capaz de entender facilmente.
— O Mundo Vazio… Você está dizendo que ele foi para lá?
[Era apenas especulação há algum tempo, mas agora é uma certeza.]
— Como?
[Nesta situação, o motivo não é importante, Sedi Trawman.]
Merda… Sedi xingou internamente.
Seu coração pulsou quando ouviu Trawman, o sobrenome que ela sempre insistiu, sair da boca do Deus Demônio de Chifres Negros.
[Conduzimos muitos experimentos em paralelo para obter uma compreensão daquele mundo. Muitas coisas ainda são desconhecidas para nós, mas as coisas que conhecemos estão aumentando constantemente. A maior colheita que obtivemos foi aprender as condições para ir até lá e encontrar uma entrada.]
— …
[Então, criamos um mundo. Não é muito especial comparado ao resto do multiverso, mas há uma diferença. Foi projetado para que os seres aqui fossem para o Mundo Vazio quando morressem.]
O Deus Demônio de Chifres Negros falou.
[Estou falando deste mundo, o lugar que foi preparado para as qualificatórias do Grande Jogo.]
— !
Ela não conseguiu esconder sua surpresa.
A ideia de que este mundo era grande demais apenas para as qualificatórias passou por sua cabeça várias vezes. No entanto, ela não achou isso muito estranho.
Porque eles eram governantes.
Para eles não seria difícil apagar um continente inteiro só porque uma mosca os incomodou.
— Eu não entendo… Como você conectou a morte aqui com a entrada do Mundo Vazio?
[Um por um, cada um de nós criou um mundo que conhecíamos melhor. A Terra Negra, o Reino Celestial, o Desfiladeiro do Relâmpago, o Campo Gigante… Todos os seres que vivem lá são pessoas reais. Espiamos os registros do multiverso e produzimos cópias fantoches deles com sucesso. Claro, esta também não foi uma tarefa difícil.]
— Fantoches?
[Os bonecos foram feitos com muita pouca diferença da pessoa original, então é um pouco estranho chamá-los de cópias. Naturalmente. Cada célula foi feita com o mesmo padrão. Claro, eles também não podem ser chamados exatamente da mesma forma. Isso porque têm almas diferentes. Naquela época, não havia nada que pudéssemos fazer a respeito… Mas essa acabou sendo a diferença que buscávamos.]
Sedi estava começando a ter dificuldade para entender as palavras do Deus Demônio.
A história foi gradualmente progredindo para uma perspectiva que excedia seu nível de compreensão.
[Mesmo que sejam fundamentalmente iguais, ainda são diferentes. Este é o pré-requisito que procurávamos e é a chave para abrir a porta para esse mundo totalmente fechado.]
— O que você quer dizer com isso…
[Isso permitiu que o Mundo Vazio confundisse os seres que vivem aqui como ‘possibilidades abandonadas’.]
Isto não era uma conversa. Era a divagação unilateral do Deus Demônio.
[Mas nosso plano não podia avançar para o próximo nível. Era possível mandá-los para o Mundo Vazio, mas esse era o limite. Logo após entrar, os seres eram incapazes de resistir ao poder do vazio crescente e sua própria existência perecia.]
— …
[Isso provavelmente ocorre porque eles não são seres que foram esquecidos. O poder do vazio existe em todo o Mundo Vazio. Se não conseguirem resistir, é impossível evitar a morte. No entanto, você é diferente, Sedi.]
O Deus Demônio continuou.
[Você pode manter sua existência lá. Existe apenas uma condição.]
— Condição?
[Aceite meu poder.]
Os olhos de Sedi ficaram frios.
[A Deusa Dragão das Sete Presas lutou contra um ser no Mundo Vazio que pertencia a um grupo chamado de Doze Lordes do Vazio e foi derrotada. Foi surpreendente, mas acabou sendo um resultado aceitável. Não podemos existir nesse mundo num estado claro. Porque não podemos prender a respiração para sempre. É possível ficarmos por um tempo, mas quanto mais ficarmos, mais difícil isso se torna.]
— …
[Então mudamos nosso plano. Decidimos selecionar um representante, que faria o papel de tanque de oxigênio, para entrar. A primeira experiência já foi um sucesso.]
— …
[Você é a melhor candidata. Seres que se enquadram na categoria ‘Absoluto’ não podem entrar no Mundo Vazio. Você pode ter caído, mas possui uma força esmagadora quando comparada a outros mortais. Esse fator será de grande ajuda no Mundo Vazio.]
Ela podia sentir as unhas cravadas nas palmas das mãos. Sentindo sua cabeça ficar mais fria, Sedi falou.
— E se eu encontrar meu pai lá? Você não o odeia?
[Eu não o odeio. Ele é simplesmente um aborrecimento.]
— Se você pretende me usar para enganá-lo e matá-lo…
[Enganar você? Eu não minto. Tenho certeza de que você sabe disso.]
— …
[Não tenho intenção de romper o relacionamento entre você e Lukas Trawman. Naturalmente, isso significa que também não interferirei no seu reencontro. O papel que quero que você desempenhe é extremamente simples. Transmita informações sobre o Mundo Vazio. E atue como minha representante.]
— Você quer que eu seja sua ferramenta novamente.
Sedi tinha certeza de que sua expressão estava tão fria quanto sua voz.
[Você entendeu perfeitamente.]
— Ah.
[Você parece com raiva. Há algum problema com minha proposta?]
— Um problema? Ha. Está cheio de problemas.
[Quais são eles?]
— Você me abandonou.
Sua voz ficou ainda mais baixa. Mas já não estava fria.
Em vez disso, foi misturada com calor escaldante, como se estivesse queimando.
— Depois de tirar meu poder, você quer se aproveitar de mim de novo? Você quer que eu seja sua representante? Você acha que eu aceitaria essa oferta?
[Então vai recusar? Para proteger um orgulho insignificante?]
Ela estava sem palavras.
— O quê?
[Este não é o momento de elevar seu orgulho. Eu não entendo. É nisso que você deveria se concentrar agora?]
O Deus Demônio continuou a falar em voz baixa.
[É desconfortável pedir poder emprestado a um ser que você seguiu no passado? Isso fere seu orgulho? Você se sente humilhada? Só estou perguntando se você não consegue tolerar tal coisa.]
— …
[Seu foco mudou de se reencontrar com Lukas Trawman para proteger seu próprio orgulho? Essa é toda a sua obsessão em relação ao seu objetivo?]
— Não, eu…
[Não há necessidade de distinguir entre meios e métodos para atingir um objetivo. Causa, justificação e retidão só importam depois.]
— …
[Ou talvez você ainda guarda sentimentos por mim? Se aceitar meu poder novamente, não poderá voltar atrás—]
— Cale-se.
Sedi interrompeu.
O Deus Demônio, que atualmente estava na forma de um leão, olhou para Sedi com olhos negros. Seus olhos pareceram brilhar por um momento.
Sedi não estava com medo.
Em vez disso, ela sorriu enquanto falava.
— Se o seu objetivo era me provocar e seduzir, então terei que lhe dizer que você conseguiu.
Certo, tudo bem.
Ela poderia fazer isso. Ela faria isso.
Algumas das palavras que o Deus Demônio usou na conversa desta vez tocaram fundo em seu coração.
Não há necessidade de distinguir entre meios e métodos para atingir um objetivo.
Sedi cambaleou de volta para o quarto.
“E-Eu não acho que fui eu.”
Até mesmo sua capacidade básica de pensar parecia ter sido paralisada. Seu coração estava apertado e sua cabeça latejava. Ela ofegava como se estivesse correndo e seu corpo estava cheio de calor.
Ela queria dormir. Caso contrário, sentia que desmaiaria a qualquer momento.
Ela não poderia fazer isso. Não podia demonstrar nenhuma fraqueza.
Encostada na parede, ela respirou pesadamente e acalmou seu corpo.
E se lembrou.
Lukas…
Ela podia sentir isso só de olhar nos olhos dele. O quanto Lukas confiava nela.
Ela estava feliz. Afinal, não era outro senão Lukas.
O fato dele considerá-la como sua filha, amá-la e confiar nela encheu-a de uma sensação insubstituível de realização.
Mas ela não estava satisfeita. Sua sede e ganância cresceram incontrolavelmente.
Mais, mais, mais.
Ela queria que ele confiasse mais nela, dependesse mais dela e se apoiasse mais nela.
Para que ele não se importasse com mais ninguém, para que apenas olhasse para ela.
Para fazer isso, ela não poderia demonstrar nenhuma fraqueza. Ela tinha que mostrar uma aparência perfeita e forte.
Mas ela cometeu um grande erro não faz muito tempo… Ela estupidamente falhou em administrar sua própria condição e derramou sangue na frente de Lukas.
Ela conseguiu encobrir isso à sua maneira, mas o outro lado era Lukas. Ele já devia ter notado algo estranho.
Então, por enquanto, ela pretendia desempenhar o papel de filha perfeita e inocente, sem cometer o menor erro.
“O Mago do Início…”
Aquele filho da puta chegou na pior hora.
Claro, já que ele estava incomodando Lukas, ela pretendia matá-lo eventualmente, mas era cedo demais.
— Huu…
Ela conseguiu se estabilizar.
Sua dor de cabeça havia desaparecido, ela havia cessado.
Caminhando pelos longos corredores do castelo, Sedi enxugou o suor frio do rosto.
Então ela bateu à porta do quarto designado para Lukas.
— Voltei.
Felizmente, sua voz não fraquejou.
— Pai?
Lukas estava no quarto.
Mas ela não recebeu resposta.
Ele não estava sentado na cama, estava parado no meio do quarto, olhando para ela.
— O que está acontece—
— E quanto ao Mago Iniciante?
Lukas interrompeu Sedi. Talvez fosse apenas uma sensação, mas parecia que havia um toque de frio em sua voz.
Encolhendo-se do frio, Sedi respondeu.
— Ele simplesmente, saiu depois de conversar.
Por que ela mentiu? Essa era uma mentira que um dia seria descoberta.
Embora se questionasse internamente, Sedi continuou a olhar para o rosto de Lukas.
Algo estava errado.
A atitude de Lukas, sua voz, sua expressão. E a atmosfera na sala…
— Eu estava confortável.
— Hã?
— Depois de vir para cá, pude passar o momento mais tranquilo da minha vida. Tudo graças a você. Então, muito obrigado por isso.
Originalmente, ela teria ficado feliz.
Lukas havia relaxado muito, mas nunca havia falado tão diretamente antes. Isso provavelmente era algo que ele nunca havia contado a ninguém antes. Apenas ter esse pensamento já teria enchido Sedi de uma felicidade avassaladora.
Porém agora… Era diferente.
— Por que você está dizendo isso de repen—
Sedi parou de falar.
Então falou com uma voz rígida.
— Você sabe…
— …
O silêncio de Lukas foi uma afirmação.
— Como? Não, o que você viu? Foi o espinho? Ou…
— O fundo.
Essa palavra foi suficiente.
Ele descobriu. Ele descobriu.
Papai descobriu.
Ele sabe de tudo? Então o que ele pensa de mim? Então o que devo fazer?
Atordoada, Sedi abriu a boca. Dezenas de milhares de pensamentos giravam em sua mente.
Então, uma voz que aumentou o caos soou em seus ouvidos.
— Sedi, vou deixar este lugar hoje.
— D-Deixar?
— Isso.
Lukas falou em tom calmo.
— Não posso continuar assim. Posso sentir que estou ficando mais fraco. Isso é natural, já que eu dependia de você para tudo.
— O que há de errado nisso? Não é uma coisa ruim confiar em alguém.
— Algum dia, vai ficar muito ruim. Afinal, existem algumas coisas que não podem ser confiadas a outros. Existem coisas que você só pode fazer sozinho.
— Eu não sou ‘outro’. Nós somos família.
— Eu sei. E ainda me sinto assim.
— N-Não. P-Pai, não pense assim.
A voz de Sedi estava começando a tremer.
Boom.
Como se estivesse ressoando com ela, o espaço ao redor começou a tremer também.
— Sedi?
— Não. Não. Não. Não. Isso não.
Sedi começou a tremer e a murmurar para si mesma.
Pukpuk, pukpuk.
Ela começou a coçar a cabeça até a pele começar a sangrar.
— Sedi?
— E-Eu te enojo? Hein? Você se sente traído, enganado e desprezado porque aceitei o poder do Deus Demônio de Chifres Negros novamente?
— Não é isso.
Realmente era.
Como que para provar isso, Lukas não mencionou diretamente o Deus Demônio nem uma vez.
— Eu sei que foi tudo para me encontrar. Eu estaria mentindo se não dissesse que não tenho nenhum arrependimento, mas estou muito mais grato do que isso…
— Mentiras!
Sedi gritou como se estivesse tendo uma convulsão.
Boom.
Como uma explosão, uma onda de choque percorreu o ar. A mesa e a cama foram viradas de cabeça para baixo e os vasos quebrados.
— Pare de mentir! Você não iria querer ir embora se não me achasse repugnante!
— Se eu ficar ao seu lado…
— Você vai ficar fraco? O que há de errado nisso? Se tem alguma coisa que você não consegue resolver porque é fraco, eu resolvo para você! Não importa o que seja, ou quem seja! Eu só tenho que destruir e matar todos eles!
— Sedi…
— Não. Isso não, pai. Os pensamentos do pai agora estão errados. Então…
Sedi balançou a cabeça vigorosamente e fez uma pausa.
— Huh… Você só precisa pensar um pouco mais. Comigo.
Levantando o rosto, ela mostrou um sorriso brilhante.
— Eu tenho uma boa ideia. Fique comigo até mudar de ideia. Não tenho mais nada a esconder, então estarei sempre ao seu lado. Uh, mas ainda não posso deixar você fugir, então é melhor cortar seus membros.
— …
— Você vai ficar bem. Não vai sangrar e você não vai morrer. Pode doer um pouco, mas o pai aguenta isso, certo? Mesmo que você esteja assim, tenho certeza de que seria muito mais feliz ao meu lado. Então…
O sorriso se transformou em algo perigoso.
— Fique comigo até o dia em que você morrer.