Neste tipo de situação, na maioria das vezes, Evelyn brincava um pouco até mudar o assunto para o seu noivo em consideração a Lyla. Não apenas pelo bem da convidada, mas porque queria se gabar também. Aquela conversa também continuaria assim, até que Lyla, que ouvia sem dizer nada, abriu a boca.
— Senhora Evelyn.
— Sim?
Ela se manteve calada. Quando Evelyn viu isso, entendeu algo errado, arregalando os olhos.
— Aconteceu algo entre vocês dois?
— Não, não é isso.
— É mesmo? Poxa. Então, o que é?
— Sobre o seu noivo… Albus Windpool…
— Há algo que queira saber do meu querido noivo?
Das conversas dos últimos dias, sabia o quanto a jovem amava Albus. Ao contrário de Zich, que ainda não conseguia aceitar a diferença entre Evelyn Rouge e a Súcubo, Lyla estava agora mais acostumada. Então, toda esta situação era dolorosa para ela.
“Ele disse que Albus foi a causa da corrupção dela.”
— Você disse que ele era uma boa pessoa, não foi?
— Com certeza. Não é porque ele é o meu noivo, mas porque ele, para mim, é alguém muito bom.
“Se ele realmente a amasse ou se a sua traição fosse política, seria bem melhor…”
— O que faria se as coisas não terminassem bem entre vocês? — perguntou, nervosa por saber que fez uma pergunta rude.
Talvez deixasse a sempre-tão-gentil-Evelyn — embora Zich ficasse chocado ao ouvir essas palavras juntas — com raiva. Porém, não foi o que aconteceu. Ela somente tomou um gole de chá.
— Senhorita Lyla, as suas emoções são um pouco estranhas.
— Sinto muito. Você não precisa responder se não quiser…
— Não, está tudo bem. Estou feliz que você seja enfim capaz de expressar o seu interesse no amor. — Sorriu, mas logo ficou séria e continuou: — Provavelmente ficarei muito magoada e triste, mas não vou me arrepender de me apaixonar. Amar alguém com tudo o que você tem é uma coisa bonita por si só. — Pôs a mão acima das de Lyla — Tudo bem se for o senhor Zich ou qualquer outra pessoa. Tente amar alguém.
Quando a nobre sorriu, Lyla tinha uma expressão indescritível no rosto.
No dia em que Zich retornou ao seu alojamento, planejava se infiltrar na mansão Rouge. Lyla parecia um pouco estranha quando voltou com com ele sem querer conversar. Conselhos e interferência eram os dois lados de uma moeda só, e vendo o estado dela, tentar conversar com ela seria a segunda opção.
Ele não podia mais usar o artefato, porque gastou todas as suas chances ao se infiltrar na mansão Windpool. Todavia, a dificuldade ficou bem menor, já que não havia necessidade de ele vasculhar todo o local.
Swish.
Cuidadoso, ele entrou no quarto de Evelyn, que estava dormindo com a respiração rítmica indicando o seu sono profundo, e se dirigiu à maior gaveta no suporte do espelho. Havia outro espaço dentro dela.
Ele pegou um pedaço de papel e uma caneta da sua caixa mágica para desenhar a organização dos objetos para colocá-los de volta nas posições exatas mais tarde. Depois de terminar, os tirou.
“Como é que abro? Não tem mecânica.”
Ele precisava descobrir o sistema e verificar a possível existência de vários compartimentos ou uma função especializada. Então, passou a mão pelo fundo fixo da gaveta, e puxou algo semelhante a um cabo. O fundo se afastou devagar e revelou um novo espaço. No interior, tinha um livro com uma capa de aparência antiga.
“É esta a ‘evidência’?”
A caligrafia que preenchia as páginas era bonita, porém, o conteúdo não poderia estar mais terrível.
“É um diário.”
Se fosse qualquer outra pessoa ali, acharia fofo Evelyn guardar o seu aparente diário em um compartimento escondido. Zich folheou as páginas e sorriu.
“Que tipo de diário tem o futuro já escrito nele? Ela sabe do futuro? Não, não é isso.”
Se fosse o caso, ela teria reconhecido Zich antes. E acima de tudo, uma súcubo não viveria de modo tão pacífico. Talvez houvesse outras “evidências” no quarto, entretanto, este livro era tudo o que ele necessitava para avaliar a situação.
“Então…” Eles estão planejando culpá-la pelo assassinato do príncipe herdeiro.”
Junto a palavras arrepiantes que amaldiçoavam o país, o “plano” dela de assassinar o príncipe estava escrito de cabo a rabo no seu diário.
Quando Zich retornou ao quarto dele, viu Lyla.
— Oi, Lyla. Aconteceu o quê?
— Encontrou? O que era?
— Uhum. Parece que vão incriminá-la pelo assassinato do príncipe. — Ele caiu sobre uma cadeira, analisando a expressão agora rígida de Lyla.
— E como vão incriminá-la?
— Ainda não descobri.
— O que você vai fazer de agora em diante? — Se sentou diante a ele.
— Tenho que pensar nisso — disse, antes de beber um gole do copo d’água da mesa — Tem algo a me dizer? E se apenas assassinarmos o Albus?
— Por quê? Não temos que ir longe. Vai levar mais tempo, também.
Ele a encarou intensamente, a fazendo desviar o olhar, assustada.
— Você se apegou a ela, Lyla.
— É que ela é gentil… Ela é tão legal que me pergunto se é a mesma Súcubo que está em nossas memórias.
— Joaquim era igual. Ele não estava no ponto de deixar a família por conta do irmão.
— Como diabos essas pessoas boas se tornaram tão infames?
— Bem, podem ter mudado drasticamente porque sim. A cor mais fácil de tingir preto é branco, afinal. Além disso, pode rir de mim, mas fui igual. Não importava o que fizessem comigo, eu costumava ansiar pela atenção do meu pai. — Pôs o braço direito no apoio e se sentou torto — Respondendo à pergunta, a resposta é não.
— Mas se matarmos ele, podemos evitar a conspiração. Mesmo que ela se entristeça, não será incriminada.
— Ainda há aquele grupo estranho. Albus pode até desaparecer, mas não vão desistir ou deixar de machucá-la para encontrar a variável. Se quisermos evitar isso, teremos que protegê-la até que ela morra. Você é capaz disso? Temos que, ao menos, matar aqueles caras ao se aproximarem dela.
— Está dizendo para esperarmos e ver?
— Pode crer.
— Você está confiante de que conseguirá salvá-la?
— Claro — respondeu, indiferente — Além disso, também estou muito confiante na tortura que quero fazer com o Albus.
Existia algo no sorriso dele que incutia medo nos outros, mesmo em Lyla, que se encolheu.
Apesar da comemoração enorme que era o aniversário do rei chegando, os eventos dos nobres ainda continuavam. Aqueles que normalmente ficariam presos nos próprios territórios chegaram às festas da capital. Algumas organizadas para fazer amizades, outras para conexões com o alto escalão, se gabar de riquezas ou somente se divertir. Por ser a filha do marquês, Evelyn recebeu vários convites.
Ela teria passado o tempo no lago, contudo, todos os seus planos foram à ruína devido à aparição do monstro. Ademais, a não presença do pai e irmão a forçou a comparecer em todos os cantos como representante dos Rouges. Era cansativo, mas ela não se importava, pois o seu noivo a escoltava a todas.
— Olá, Evelyn. Linda, como de costume.
— E você está tão legal como sempre, Albus. — De óculos rosas, falou, corando.
— Se eu quiser ficar ao seu lado, os meus padrões têm que ser altos para que eu não a decepcione. — Estendeu a mão e ajudou a entrar na carruagem.
Iriam a uma festa privada organizada pelo duque Sonus. Poucas pessoas foram convidadas, e todos eram nobres da elite. Era um grupo onde apenas os maiores poderes do reino podiam participar. Além do mais, uma figura muito notável participaria.
— Ouviu que o príncipe herdeiro estará presente? — perguntou ele.
— Sim, ouvi. Afinal, ele é neto do duque. Já faz um tempo desde a última vez que o vimos.
— Ei? Você está interessada nele? Estou ficando com ciúmes.
— Pare de brincar.
Conversar com o seu amor sempre era uma experiência alegre, à medida em que nem percebia o tempo passando. Foi essa a razão pela qual ela não percebeu a carruagem parando.
— Hã? Mas já?
— O lugar do duque está bem na nossa frente.
— Foi tão divertido conversar contigo que devo ter esquecido do meu entorno. — Ela viu a mansão extravagante do lado de fora da janela, um pouco confusa.
— Gostou tanto assim? Me sinto lisonjeado.
Albus abriu a porta e estendeu a mão para ajudá-la a descer. Quando ela pousou, ajustou as roupas. Por estar indo a uma festa importante, tinha que tomar cuidado com a sua aparência. Por isso, não notou o noivo sorrindo com malícia para ela.