Joaquim aceitou a oferta de Zich agradecidamente. Na situação atual, precisavam do máximo de ajuda possível. Por outro lado, Hans e Snoc estavam receosos a respeito do surto, mas Zich bateu neles e diminuiu um pouco do seu medo.
— Hans, você não terá problemas com quantidade de mana! Acha que facilitei seu treino? O mesmo para você, Snoc! Acha que alguém que fez um contrato com uma besta mágica vai morrer de uma doença? Nunca ouvi um sequer morrer por uma razão tão estúpida. Joguem as preocupações fora e concentrem-se em trabalhar!
Além de tudo, tinham grande fé nas habilidades e no treinamento dele. Assim, deixaram de lado os receios e começaram a ajudar ao redor do acampamento. Entretanto o medo de contrair uma doença não era a única coisa que os trabalhadores tinham que enfrentar em um surto.
— Credo… — Snoc gemeu, vendo os corpos saindo da aldeia. Hans tinha um pouco mais de experiência que ele, mas fez quase o mesmo.
— Hm, não morreram em paz.
Zich olhou para os cadáveres abaixo dele. Havia brotoejas graves e pus por todo o corpo. Os olhos, incapazes de fechar, estavam amarelos, e todos os cabelos desapareceram. As regiões escuras amputadas indicaram que apodreceram e caíram. O odor pungente que saía parecia entorpecer seus sentidos.
— Blaargh!
— Eca!
Eventualmente, se calaram um pouco, e os soldados que trouxeram os corpos viram e não falaram muito, visto que passaram por um estágio semelhante.
— Por favor, coloque isso no poço ali.
Seguindo as palavras do soldado, Zich levantou o morto e deixou Hans e Snoc sozinhos por um tempo para se habituarem à situação.
“Claro, se ficarem assim, vou comer a bunda deles.”
Por um tempo, achou que não teria problema em deixá-los desfrutar de sua generosidade.
Foi ao poço ordenado segurando o defunto e sentiu um leve traço de calor saindo. Dentro, havia cinzas de galhos de árvores queimadas misturadas e pessoas carbonizadas: uma fogueira para incinerá-los. Tinha alguns cadáveres frescos empilhados no topo, e jogou o que segurava e balançou a cabeça depois de observar a cena por um tempo.
“Isso é bastante sério.”
Um surto já era algo muito grave, mas olhando para o estado deles, parecia pior do que o normal.
Voltou para a aldeia, e assim que entrou, ouviu todos os tipos de gemidos e gritos em toda a área. Médicos e sacerdotes gritavam enquanto os soldados corriam, tornando a cena semelhante à linha de frente de um campo de batalha.
— Estão melhor agora?
Os outros dois do grupo pareciam melhores após vomitarem tanto e foram em direção a Zich que nem zumbis.
— S-sinto muito, senhor. Não podíamos carregá-lo de jeito nenhum…
— Que coisa.
“Entre as aldeias afetadas que passaram por coisa parecida, esta é com certeza o pior surto que já vi.”
Antes da regressão, ele tinha visto surtos e epidemias algumas vezes, mas este lugar parecia exceder até mesmo a experiência dele. Era um ambiente impiedoso para Hans, que só havia matado monstros, e Snoc, que acabara de começar sua jornada. Mas, infelizmente para eles, ele não possuía intenção de deixá-los repousar.
— Vocês dois já descansaram o suficiente. Por que não ajudam na aldeia agora? Tipo, vocês não estão pensando em fazer nada e feijoada enquanto eu tomo no cu, não é, não?
Se tivessem sequer um vislumbre de tais pensamentos, pretendia transformá-los em um pesadelo aterrorizante. Eles estremeceram e logo se levantaram, pois embora o medo de doenças e cadáveres desagradáveis ainda obscurecessem suas mentes, sabiam quem ele era, e o medo de enfrentar a sua ira de frente era maior.
Após vê-los ajudar as pessoas mais próximas dali, também foi fazer isso.
Assim que a noite caiu, enfim puderam descansar. Alguns argumentaram que não existia dia ou noite durante um tempo desses, mas Joaquim acomodou o grupo que acabou de chegar. E como se surpreendeu muito com os esforços deles, os chamou para jantar na tenda dele.
Lá dentro, a comida já fora preparada. Não era chique, somente satisfatória, visto a época difícil, porém não reclamaram. Ninguém no grupo enlouqueceu ao ponto de reclamar das refeições naquela situação.
— Não preparamos muito, mas aproveitem. Se não for o suficiente, podemos conseguir mais — disse Joaquim, sorrindo — E, de novo: sou grato pela ajuda. Para dizer a verdade, precisávamos de mais trabalhadores.
O sorriso no seu rosto anêmico e cansado o fazia parecer estar doente: Hans e Snoc pensaram isso.
— Acho que não fizemos muito. Estou aliviado por termos conseguido oferecer alguma ajuda.
— Não, vocês realmente nos ajudaram muito. Quantos você acha que estão dispostas a vir para cá? Lutamos para que as pessoas mais importantes, como médicos, venham aqui, por isso é ainda mais raro encontrar voluntários que estejam dispostos a ajudar.
Os sacerdotes podiam curar ferimentos externos no corpo com os poderes sagrados, entretanto, para doenças, requeriam médicos. Poder sagrado não funcionava em doenças, e os sacerdotes ajudando ali possuíam conhecimento médico.
— É porque a maioria das pessoas valoriza suas vidas. A propósito, o estado dos corpos era terrível. Que doença é essa?
Os outros dois pararam de comer ao lembrarem das aparências horríveis e perderam o apetite. No entanto, Zich os deteve.
— Comam. Para trabalhar, precisam de resistência. Se não couber, empurrem. Sem choro.
Eles, meio chorosos, agarraram os talheres e começaram a comer a pulso. Joaquim sorriu amargamente ao observá-los e respondeu:
— Não sei. Até os médicos dizem que nunca viram uma doença que nem essa. E vendo os sintomas múltiplos e diferentes entre os pacientes, acreditam que mais de uma esteja se espalhando. — Em uma situação em que precisava trocar o ruim pelo mau, a cabeça dele doía — É um problema significativo e perigoso. E devido a isso, sinto falta de ajuda militar; no geral, na verdade.
Embora tenham aparecido do nada, foram recebidos porque eram habilidosos. Isso significava que o lugar carecia tanto de recursos que aceitavam estranhos misteriosos. Podia-se pensar que a situação se tornou tão terrível porque poucos ajudavam, mas era um surto. Com o menor contratempo, podia virar uma epidemia e causar danos astronômicos. As famílias da região continham pouca ou nenhuma escolha a não ser despachar pessoas à força como essa tropa, que deve ter sido forçada a estar no local.
O sorriso enfraqueceu, e Zich percebeu que o buraco era bem mais em baixo.
— Senhor! — Alguém chegou apressado.
— Pois não?
— Encontramos um com novos sintomas!
O rosto de Joaquim endureceu. Ele se levantou sem maneiras e saiu, e os três o seguiram.
Algumas tochas queimavam do lado de fora e iluminavam a área. Lá fora, viram alguns médicos e sacerdotes sérios se amontoando em torno de um infectado.
A condição dele era grave e desagradável, contudo, sem brotoejas, pus ou apodrecimento que nem os outros, e sim muito sangue saindo do corpo. As roupas que usava estavam encharcadas de sangue e grudadas nele. O líquido vermelho saindo do seu cabelo caía no chão pontas dos fios. Era difícil estimar quando ele foi trazido, entretanto o chão já tinha uma poça.
— Isso… — Em choque, mordeu os lábios
— O que foi?
— Era um dos aldeões em quarentena em outra área depois de receber uma avaliação de que não foram infectados.
— E o progresso da doença?
— Os sintomas apareceram ao pôr do sol. Depois disso, a sua condição piorou a um ritmo alarmante e progrediu até este estado.
— Hum… — Se perdeu em pensamentos por um breve momento antes de dar novas ordens — Por ora, registrem todos os sintomas e coloquem em quarentena todos os que moravam no mesmo lugar que ele e queimem o edifício que ficaram. Investiguem tudo: o que ele fez, com quem entrou em contato e o que comeu. Ah, e queimem aqui também.
— Sim, senhor!
Após receberem o comando, os soldados se moveram em uníssono.
Zich olhou orgulhoso para ele, que lidou com a situação sem problemas em pouco tempo. Ele estava muito mais fraco do que quando criavam caos no mundo, e algumas ações mostraram a inexperiência, porém Zich pôde vislumbrar o futuro dele. Assim, começou a se sentir um pouco sentimental a respeito do velho amigo.
“Sim, isso mesmo. Como esperado de um subordinado meu.”
Depois de resolver a situação, Joaquim se aproximou.
— Por mais que eu tenha os convidado para uma refeição, não consegui servi-la adequadamente.
— Não sou tão burro para reclamar conhecendo a situação. Mas está tudo bem?
— Perdão?
Zich observava o seu rosto pálido ao extremo, pior do que antes. Se houvesse uma fonte mais forte de luz ao redor, teria refletido ela e se assimilaria a um fantasma sem corpo e apenas uma cabeça flutuante.
— Sua pele, ela tá bem pálida.
— Ah, isso… — Enxugou o rosto e olhou para o céu, soltando um suspiro — Você descobriria em breve se continuasse a trabalhar conosco, por isso vou dizer adiantado. Não é doença, só sou pessoalmente fraco.
— E o que é?
— É sangue.
— Perdão?
— Sangue. Eu tenho hemofobia, e tenho pavor até de um corte de papel. A condição do paciente apenas desencadeou ela de novo. Se a escuridão não tivesse coberto ele, eu teria desmaiado. — Parecendo um pouco envergonhado e humilhado, falou, evitando o olhar de Zich.
“O quê?”
Olhou para ele como se não pudesse acreditar; não porque agora sentia desprezo dele, e sim porque ficou chocado que ele, de todas as pessoas, tivesse hemofobia.
— Joaquim Dracul tem hemofobia?
Antes da regressão, foi um dos quatro subordinados de Zich, sob o apelido de Vampiro, e sua habilidade era “Dominação de Sangue”.