Roman o soltou.
— Não estou certo se esse pode ser domado, Vincent. Só olha pra ele.
Parecia que o ar que ele respirava se transformou em fogo, mas a dor só alegrava Geoffrey mais.
— Vocês sabem o que eu sou? — Ele perguntou, voz rouca e seca. — Me digam!
— Ah. — Vincent levantou o menino. — Aprenda a obedecer e eu vou te dizer tudo o que eu sei.
A expressão de Geoffrey azedou.
Esse é o endereço que estava no anúncio. — Garovel disse.
Eu ainda acho que essa ideia é péssima…
Só aperte a campainha.
Hector apertou o botão e ouviu o som da campainha dentro da casa.
Um homem de meia-idade, parrudo abriu a porta. Ele coçou sua cabeça enquanto olhava para Hector.
— Sim?
— Ah, eu, uh… sou eu que liguei mais cedo, uh… sobre seu anúncio…
— Ugh, você? — O homem franziu o cenho. — Por que cê teve que desperdiçar meu tempo assim moleque? Eu pensei que você soava mais jovem pelo telefone, mas porra.
— Não, eu, uh… eu quero comprar ela pro meu pai.
— Sim, claro que quer. — Ele começou a fechar a porta.
Hector parou ela com a mão.
— Por favor, só… — Ele deixou cair uma bolsa cheia de dinheiro na porta.
O homem olhou para o dinheiro e, então, para Hector.
— Um presente para o seu pai, hein? Deixa eu te levar para garagem.
Hector pegou a bolsa de novo e seguiu o homem até a entrada traseira. Eles entraram em um barracão onde o homem tirou uma lona de uma motocicleta.
— Aqui está. — O homem disse. — Você sabe algo sobre motos moleque?
— Nã-não muito…
— Bom, como o anúncio dizia, essa aqui é uma Revenant Softail RS 1800 Cruiser.
— Certo. Hmm… o-o que todas essas palavras significam exatamente?
Ele cerrou seus olhos por um momento, talvez se debatendo se ele queria ou não responder essa pergunta.
— Revenant é o nome do fabricante. — Ele explicou. — Softail é um tipo de suspensão traseira, basicamente significa que não vai ser tão turbulenta em estradas ruins quanto as outras motos. RS 1800 é o número do modelo. Cruiser é só um tipo geral de motocicleta, é que nem falar, uma bicicleta esportiva ou uma de turismo ou algo do tipo.
— Ah… certo… — Hector olhou para o corpo prateado e assento de couro da moto.
— Tem uns oito anos agora e já rodou 180.000 km. Foi muito boa para mim, mas manter ela nos trinques se tornou mais um passatempo do que uma necessidade nesses últimos anos.
Garovel começou a rir.
Eu espero que você goste de caveiras, porque essa coisa tem um monte no tanque de combustível.
— Ela, uh… ela funciona mesmo, certo?
O vendedor da moto pegou a chave de uma prateleira perto da porta bem como um capacete e uma jaqueta.
Hector tentou assistir com o máximo de atenção possível enquanto o homem ligava a moto. Ele viu o homem virar a chave na ignição primeiro, então virar um eixo pequenino no quadro do guidão, depois pegar a embreagem metálica com sua mão esquerda, e por fim pisar na alavanca da catraca embaixo do assento. O motor ligou com um rugido e o homem levou a moto para fora da garagem.
Hector assistiu ele andar para cima e para baixo na rua e foi o bastante para ele. O dinheiro trocou de mão, assim como a chave e o capacete e Hector estava logo carregando a moto pela calçada. O homem disse a ele que toda a papelada estava debaixo do assento, mas Hector não estava muito preocupado com isso e depois de ver o dinheiro de novo, o homem também não estava.
Ele empurrou a moto até um estacionamento vazio de uma loja de departamentos abandonada a eras. Ele respirou fundo enquanto ligava a moto.
Tenta não destruir a moto antes mesmo de pegarmos a estrada. — Garovel disse.
— Sim, obrigado… — Ele passou sua perna por cima do assento e se firmou. Ele ficou abruptamente grato que ela não era mais alta, porque seus pés mal alcançavam o chão. Hector tentou imitar o que viu o cara fazer antes, mas Garovel o parou quando foi virar o eixo embaixo do guidão.
Não faça isso. — O ceifador disse. Isso aí é o afogador. Ele enriquece a mistura de combustível-ar a fim de fazer o motor dar partida mais fácil, mas você só quer fazer isso quando o combustível está frio, ou em outras palavras, quando o motor não foi ligado recentemente. Caso contrário, você só vai estar desperdiçando combustível.
— Oh… como caralhos você sabe algo sobre motos pra começo de conversa?
Fiquei interessado a alguns anos atrás. Eu lembro da primeira vez que vi uma. Parecia muito divertido. Então, o cara dirigindo ela colidiu com uma cerca.
— Que tranquilizante. — Ele ligou o motor.
Mas só sei de algumas coisas. Você vai ficar chocado, estou certo, mas eu nunca pilotei mesmo uma dessas eu mesmo, então você vai meio que estar por conta próprio com algumas coisas.
Com o motor ligado, Hector voltou a pensar.
Ótimo… você pode, hmm… me falar como eu faço esse trem andar pelo menos?
Troque para primeira marcha e ela deve começar a andar sozinha, eu acho.
Tá… como eu troco para primeira marcha?
Há uma alavanca perto do seu pé esquerdo. Só pisar nela.
Ele fez como Garovel disse e, de fato, a moto começou a andar para frente, devagar o bastante que ele conseguiria andar ao lado dela.
E agora?
Garovel hesitou.
Hmm…
É sério isso? Você só consegue me ajudar com aquelas duas coisas?
Tente o acelerador. — Garovel disse. Sob sua mão direita. O freio está aí também.
A moto foi para frente, mais rápido do que Hector esperava. Ele puxou o freio e o pneu de trás subiu. Ele caiu do assento. E a moto derrapou de lado lentamente contra ele.
Garovel flutuou acima dele.
Bom. Acho que a tinta não era tão importante.
O plano era gastar o dia inteiro aprendendo, claro. Garovel até permitiu que ele faltasse aula, o que deu Hector uma ideia do quão importante o ceifador considerava essa viagem. E como esperado, o aprendizado foi bem lento. Ele primeiro treinou como virar em velocidades baixas. Garovel aconselhou ele que para esse tipo de moto, virar em velocidades mais altas precisaria de contraesterço¹, mas para ao menos chegar nessas velocidades, ele tinha que conseguir trocar de marcha de um jeito passável, o que era talvez a parte mais difícil.
Trocar de marcha era uma habilidade que ele tinha que desenvolver. Isso significava travar o acelerador, segurar a embreagem, mover a alavanca com seu pé esquerdo até a posição certa, então soltar a embreagem e pisar no acelerador para ganhar velocidade. Hector com frequência soltava a embreagem rápido demais e acabava empatando o motor, mas depois de um tempo, ele começou a pegar o jeito da coisa.
Porém, antes de tentar velocidades maiores, eles decidiram dar uma pausa. Hector tinha que pegar mais combustível de qualquer jeito e como ele não tinha confiança de ir de moto até o posto mais próximo, ele teve que ir a pé até lá, comprar um par de latas, encher elas e pagar mais o funcionário de barba para ele não pensar demais sobre o motivo de Hector querer isso. Ele também pegou algo para comer e aproveitou a oportunidade para meditar um pouco.
Certo, tente me acertar. — Garovel disse.
O quê?
É como nós vamos medir seu progresso. Se você conseguir me acertar, então vai acertar o Geoffrey. Ou outro ceifador.
Você está falando sério… ?
Ei, não estou animado para isso também. Por que você acha que não te fiz praticar isso assim que eu te revivi? Quando você aprender a fazer isso, vai conseguir me matar.
Então, eu definitivamente não quero praticar em você…
Ah, por favor. Você não vai me matar por acidente, Hector. Me dê um crédito.
Ele franziu seus lábios.
Tudo certo… aqui vamos nós, então…
Hector inalou profundamente e fechou seus olhos por um momento. Ele cerrou seu punho e se focou nele. Como qualquer um, ele não precisava ver seu punho para saber onde ele estava, mas havia mais coisa agora. Ele conseguia colocar uma presença e parecia como se o seu braço todo tivesse dobrado de tamanho. Não dobrou, claro, mas havia um peso em sua mente lá e ele sabia que estava pronto.
Ele bateu no torso de Garovel.
Garovel o olhou por um momento, não parecendo particularmente afetado.
Hmm. Bom, eu senti algo pelo meno. Mas foi um pouco patético.
Gah…
Tem certeza que não está se segurando porque sou eu?
Eu… eu não sei, quero dizer… realmente não quero te machucar, Garovel…
Tá bom, tá bom. Ok. Que tal você só mirar no meu perímetro então?
Que perímetro?
Sim. Você disse que me via como um esqueleto, certo? Então, eu tenho mãos e pés e tudo mais?
Uh… na verdade, eu não estou certo se você tem pés ou não. Mas eu vejo mãos, sim. Você quer que eu soque sua mão?
Sim. Qualquer lugar exceto meu centro e você não vai me machucar.
Tem certeza sobre isso… ?
Duh.
Tu-tudo bem.
Não se segure. Isso é importante, Hector. Se você não aprender isso direito, nós dois vamos morrer. Você entende? O único jeito de realmente parar um servo é matar o ceifador e ceifadores não podem nem tocar uns nos outros, então tem que ser você. Mais cedo ou mais tarde nós vamos encontrar nessa situação e se você não conseguir matar eles, eles vão matar a gente. Não há dúvidas sobre isso.
Hector assentiu lentamente.
Tá. Eu, ah… eu não…
Garovel franziu o cenho.
Com licença? Você não vai? Hector, mas que…
Nã-não, quero dizer, ah… eu não vou deixar ninguém te matar. Eu vou te proteger. Com certeza.
Por um momento, o ceifador só olhou para ele.
Bom, então prove. — Ele levantou sua mão esqueletal.
Hector reuniu seu foco novamente. Ele visualizou a presença em sua mão novamente. Determinação coloriu tudo em sua mente. Isso tinha que funcionar. A vida de Garovel dependia disso. Ele sentiu o peso sem massa, mais forte do que antes. Ele deu um soco.
A mão de Garovel foi obliterada pelo impacto. O ceifador se afastou.
Agh, porra! Seu merda!
Ai caralho! Eu sinto muito!
Só zoando.
Agh, que… ?
Mas esse foi melhor. Bom trabalho. Você pegou o jeito, mas você deve continuar praticando até se tornar natural.
Seu bosta… Eu pensei mesmo que tinha te machucado!
Ah, fala sério, foi engraçado.
Mas sua mão se foi! Como isso não dói?!
Sim, sobre isso. Vai crescer de novo. E eu não sinto dor mesmo. Pelo menos, não do mesmo jeito que você. É mais como um mal estar extremo. É doloroso do mesmo jeito que um ataque de ansiedade repentino ou medo é doloroso.
Hector olhou para ele infeliz.
Aff… não faça isso de novo…
Desculpa.
Ele olhou para seu punho, abrindo e fechando ele.
Mas você estava certo. Foi meio fácil…
Sim. Só é necessário mesmo um reconhecimento da sua mente imaginária como algo real. O que, cê sabe, não é muito difícil, dado tudo que você já experimentou. Mas isso é só para os aspectos básicos.
Hmm. Por que pessoas normais não conseguem fazer isso mesmo?
Porque a alma tem que ser arrancada do corpo primeiro, o que é algo que só acontece quando se morre.
Isso significa que Geoffrey morreu antes também?
Egh, não sei. Talvez. Mas eu tenho a impressão que ele é daquele jeito a vida toda.
Ele tentou materializar seu ferro depois, mas Garovel disse que isso podia esperar, então ele voltou a praticar como pilotar. Ele colocou seu capacete e montou na moto. Estava na hora de acelerar mesmo.
Ele não estava ansioso para isso.
Depois de dar uma volta e conseguir chegar no seu passo anterior, Hector pisou no acelerador e mudou as marchas quando Garovel falou. A moto respondeu e, logo, ele estava indo muito mais rápido do que era confortável. Mas esse era o ponto do exercício.
Ele acelerou no estacionamento gigante, chegando na borda e sabendo que ele teria que fazer uma curva gradual para esquerda. Ele moveu o guidão para esquerda, mas a moto resistiu e foi para o outro lado.
Contraesterço! – Garovel disse.
Ai, merda! Mas… — Ele lutou e moto só foi reto.
Tarde demais. Tente proteger a moto, se você puder.
Porra!
A roda dianteira acertou o meio-fio. A moto rodou e ele saiu voando.
Hector caiu de cabeça primeiro. Ele rolou e pousou perfeitamente o bastante para ver a moto voando em sua direção. Na fração de segundo que ele tinha para reagir, ele decidiu abraçar a loucura e abriu bem seus braços para pegar a moto. O motor traseiro esmagou sua caixa toráxica, mas suas mãos pegaram no metal e seguraram.
Olhos arregalados, ele abaixou a moto. Ele olhou para seu peito afundado e sentiu o gosto de sangue.
Não dói…
Eu consegui cortar a dor na hora. — Garovel disse. De nado a propósito. E boa pegada.
A prática voltou. E na hora que a noite estava chegando, Hector caiu várias vezes mais, porém nenhuma foi tão feia quanto antes. Quando ele finalmente sentiu como se tivesse conseguido um grau de competência passável, a moto já estava num estado quase irreconhecível com todos os arranhões e amassados.
Conforme o motor começou a fazer um barulho estridente, Hector desacelerou até parar.
Isso não pode ser um som bom…
Sim. Mas de boas. Nós não precisamos que ela dure muito tempo. Provavelmente, ela vai ser destruída de um jeito ou de outro.
Sério? Mas eu já estava começando a gostar dela…
Não se apegue demais. Eu vou ficar chocado se isso aí não virar uma pilha fumegante de sucata em algumas semanas.
Ah véi…
— Tem a-alguém aqui que quer te conhecer… — Swank se encolheu sob o olhar de Geoffrey.
— Oh? Traga ele então.
Swank saiu brevemente e voltou com a pessoa em questão.
— Você é a pessoa no comando? — O estranho disse, sorrindo de um jeito confiante, aprumado. — Você é muito mais jovem do que eu pensava.
Geoffrey não estava num clima amigável. Sr. Vincent Boulder falou para ele ir para casa e falar com sua família, o que por si só não era uma coisa horrível, mas mesmo assim. Estavam falando de novo o que ele tinha que fazer. E talvez o pior, ele não podia se recusar mesmo.
Então, quando ele viu os olhos afiados do homem estranho, o primeiro pensamento que passou pela mente de Geoffrey era que ele gostaria muito de torturar essa pessoa. Então foi isso que ele fez.
Não havia necessidade de uma cadeira. Geoffrey o prendeu no chão com um lençol de vermelho e ficou acima dele, sorrindo e tentando decidir qual parte do corpo ele queria agora. Swank, claro, saiu do quarto logo depois que os gritos agonizantes começaram.
— Por que você está fazendo isso?! — O homem continuou a dizer. Seu rosto parecia muito melhor agora, Geoffrey pensou. Substituir as sobrancelhas por cortes sangrentos o fazia parecer muito menos condescendente. — Qual a possível razão para você estar fazendo isso comigo?!
— Hmm. — Geoffrey afagou seu próprio queixo por um momento. — Quanto você gosta do seu nariz, tipo sério mesmo?
O homem chiou.
— Por favor! Pare com isso! eu vou fazer o que você quiser! Só… Por favor! Eu só queria conversar!
As sobrancelhas de Geoffrey se levantaram.
— Oh certo. Sobre o que você queria falar mesmo? Se for algo chato, você não vai sair daqui vivo.
O homem choramingou. — Eu-eu sou um conselheiro do Príncipe Nathaniel… e me ordenaram a encontrar alguém que i-iria… u-um…
Geoffrey colocou uma lâmina vermelha sob o nariz do homem.
— Matar a Rainha! — Ele disse. — Ele me mandou encontrar alguém que mataria a Rainha!
— Aha. — Geoffrey sorriu cheio de curiosidade. — E você quer que eu faça isso?
— Eu-eu acho que nós pensamos que você só, ah, en-enviaria outra pessoa para fazer isso…
— Oh. Bom, sem chance então.
— Vo-vo-você pode fazer você mesmo, se você quiser! Tudo bem! Faça o que quiser! Estou certo que o Príncipe Nathaniel adoraria esse tipo de atitude de faça você mesmo!
Geoffrey pensou por um momento.
— Por acaso, você pediu para alguma outra pessoa fazer isso antes de mim.
— Uh, si-sim, eu pedi. Mas eles se recusaram. Então, eu vim até aqui em Brighton, porque ouvi falar da reputação da família Rofal, e eu posso dizer, você correspondeu a ela muito admiravelmente. Com toda certeza. Por que, eu estou certo que você é uma pessoa muito melhor para o trabalho de qualquer jeito. Eu não sei por que não vim te procurar em primeiro lugar, de fato. Que bobe…
— Por favor pare de falar.
O homem só assentiu.
Geoffrey franziu o cenho.
— Então, acho que não devia só te matar então. Meu querido tio disse que era ruim para os negócios matar o seu empregador, a menos que você queira o trabalho deles e eu certamente não quero o seu. — Ele soltou o homem e usou a sombra vermelha para levantá-lo. — Quando você quer que eu faça isso?
O homem hesitou. —
Você não quer saber o motivo de querermos ela morta?
— Não muito. Quando eu mato ela?
— Ah, assim que possível. De preferência antes da conferência de imprensa dela daqui a dois dias.
Geoffrey só sorriu.
— Nó-nós tentamos matar ela antes, sabe, mas nós falhamos e agora Príncipe Nathaniel está preocupado, hmm, que-que ela vá expor ele, então…
— Sim, tanto faz. Eu só posso matar a Rainha, ou posso matar outros da realeza também?
Os olhos do homem se esbugalharam.
— Só-só a Rainha, por favor…
— Oh, muito bem então.
Nota:
[1] Contraesterço: definição da Wikipédia