Um par de garçons corriam entre as mesas, cuidando da quantidade enorme de pedidos da manhã do restaurante de beira de estrada. O lugar estava mais ocupado do que Hector poderia esperar. Talvez estar no meio do nada trabalhava a seu favor. Havia talvez dois outros lugares onde eles poderiam comer nos próximos cem quilômetros.
Colt se sentou do outro lado da mesa, suas crianças bem ao lado dele.
— Quais são os nomes dele? — Hector perguntou.
— Stephanie e Thomas. — Ele cutucou a bebê com seu dedo indicador e ela o pegou. — A propósito, obrigado por manter eles seguros. Não tive uma chance de falar isso antes.
O garçom chegou antes de Hector conseguir responder. O homem parecia bem preocupado conforme eles informavam seus pedidos, rabiscando várias páginas de seu caderninho. Ele disse para eles que demoraria um tempo até ficar pronto e desapareceu de novo.
Hector lutou para encontrar algo para dizer. Colt não era exatamente o seu tipo de pessoa favorita agora, mas o homem era um aliado e Garovel o relembrou por um bom tempo quão importante isso podia ser. Mas ainda assim, Hector não conseguia pensar em nada que não iria certamente começar com outra discussão, então ele escolheu permanecer quieto. Colt não parecia muito preocupado sobre manter uma conversa também.
Felizmente, os ceifadores logo voltaram de sua escolta da área.
— Não encontrei qualquer viatura. — Garovel informou. — E você?
— Eu vi uma dupla de policiais rodoviários a algumas centenas de metros a norte daqui, mas nada mais.
— Então, nós podemos relaxar. — Colt disse.
— Sim. — Um instante passou enquanto Garovel olhava entre o outro ceifador e o servo. — Estou curioso quais são seus planos a longo prazo.
Colt e Bohwanox trocaram olhares.
— Eu não tenho nenhum. — Bohwanox respondeu. — Além de seguir Colt para minha proteção, minha única intenção é continuar ceifando almas como eu já faço normalmente. por que? Quais são seus planos?
Garovel flutuou perto de Hector. — Quanto vocês sabem do que está acontecendo em Sescoria?
— Você está se referindo ao incidente de algumas semanas atrás? — Bohwanox perguntou.
— Eu sei que a Rainha está desaparecida. — Colt disse. — Por que a pergunta? Não me diga que você planeja interferir nisso.
— Nós já interferimos. — Hector disse.
— Hector e eu estávamos presentes no ataque ao Castelo de Belgrant. Nós ajudamos a Rainha escapar.
Colt e Bohwanox compartilharam seu espanto.
— O ataque foi trabalho da Abolir, o que é algo que estou certo que eles ficaram em silêncio. Eles estão buscando conseguir o controle de Atreya, ou melhor, eu acho que eles já têm. Até onde sabemos, a Rainha está buscando reforços a fim de retomar a capital.
— Abolir? — Disse Colt.
— Um grupo de ceifadores e servos muito poderoso. — Bohwanox explicou. — Cuzões, cada um deles, mas não o tipo de pessoas que estamos preparados para lutar.
— Então, vocês vão que procurar outro país para, porque eles planejam destruir este aqui.
— Mas que porra? — Disse Colt. — Do que você tá falando?
— Você já sabe, não sabe, Bohwanox? Abolir só quer causar o máximo de destruição e miséria possível.
Bohwanox confirmou quando viu o olhar questionador de Colt. — Você e Hector pretendem fazer o que exatamente?
—Hector vai treinar enquanto nós observamos a situação. Nós não sabemos dos detalhes dos planos da Abolir, mas supostamente, temos alguns meses até as coisas realmente ficarem feias. Mesmo se você não pretende lutar conosco, seria útil se Colt e Hector pudessem treinar juntos.
— Ah. Entendo.
— Estou certo que você quer que os poderes de Colt cresçam o mais rápido possível também.
Bohwanox hesitou. — Isso seria bom. E eu nunca tive um servo antes. Seria benéfico para mim ouvir a compreensão da coisa.
— Muito bem.
— Mas não quero que Colt lute contra a Abolir.
Hector franziu o cenho para o outro ceifador.
Bohwanox olhou para Hector. — Se você tem algo a dizer, então diga.
Hector segurou sua língua. Ele não concordava, mas Hector já sabia onde estava a prioridade deles. Mesmo se Bohwanox estivesse disposto, Colt com certeza não ia querer deixar seus filhos para trás a fim de entrar numa guerra contra um inimigo que ele nunca viu. E por isso, pelo menos, Hector não conseguia culpá-lo.
Garovel mudou de assunto, primeiro olhando para as crianças, então para Colt. — Eu estava querendo perguntar, onde está a mãe deles?
Colt levou seu tempo para responder. — Ela está em uma instituição para os criminalmente insanos.
Hector piscou ao ouvir isso. Ele notou os ceifadores trocarem olhares.
— E agora vocês estão se perguntando o motivo. — Colt disse. — É porque ela tentou matar as crianças.
— … po-por que ela faria isso?
— Doutores falaram que a gravidez fez ela pirar, mas eu não sei. Ela sempre foi violenta comigo. Eu só aturava. E isso foi obviamente um erro, porque em uma noite, ela decidiu pegar uma faca. Me atacou primeiro, então foi para o berço deles. Ela conseguiu cortar debaixo do braço do Thomas aqui. — Colt puxou a camisa do menino, revelando uma cicatriz ao longo do lado direito de suas costelas. Não era uma cicatriz pequena. — Eu quase matei aquela vadia.
Hector só conseguiu ficar encarando, boquiaberto.
— Isso foi para o tribunal. Meu caso não foi muito bem visto pelo júri. Eu espanquei ela no final das contas. Não foi difícil para ela fazer todo mundo acreditar que fui eu quem feri o Thomas.
Todos só ouviram.
— Ela estava prestes a conseguir custódia total. E eu estava prestes a ir para prisão. E foi aí que Rofal apareceu, me dizendo que ele podia fazer com que eu vencesse o caso. — Os olhos de Colt foram para a mesa e ele coçou sua testa. — Não estou certo quanto daquilo ele planejou. Ele tinha o advogado dela e o juiz em seu bolso. Eu suspeito que os membros do júri também.
— E, então, ele quietamente conseguiu pôr a mão nas suas crianças? — Garovel perguntou.
Colt assentiu. Ele parecia ter terminado de falar. Ele meramente assistiu Stephanie brincar com seu dedo.
O café da manhã deles chegou aos poucos, o garçom se desculpando pelos atrasos adicionais em certos pratos. Hector agradeceu a distração e aparentemente Colt também.
Mas depois de um tempo, Garovel reviveu o assunto. — Eu odeio perguntar isso, mas quem mais sabe sobre a sua esposa?
— Nós nunca nos casamos. — Colt disse. — E por que você pergunta?
— Porque você pode fazer inimigos que iriam usar ela contra você. — Garovel explicou. — O estado mental dela só a tornaria mais atraente para a Abolir como uma serva em potencial. Se eles descobrirem da conexão dela com você, então você pode se encontrar com ela tentando te matar um dia.
Colt bufou. — Eu gostaria disso.
— O que?
— Me daria mais um motivo.
Um silêncio veio a tona depois disso, mas as palavras de Garovel começaram a incomodar Hector. Ele logo se virou para encontrar o olhar de Garovel, decidindo manter sua próxima pergunta entre os dois. Abolir vai vir atrás das pessoas que nos importamos?
Sim.
Mas então… Garovel, eu…
Sua mãe vai ficar bem. Por agora.
… e quanto a depois.
Dependendo de como as coisas se desenrolarem e se ela ainda estiver disposta a te ouvir quando voltarmos por ela. Bom. Você pode ter que raptar ela pela própria segurança dela.
Aí, véi…
Desmond Grantier coçou seu queixo, olhando para o tabuleiro de damas na frente dele. Não era um jogo complicado, mas Desmond gostava de tirar seu tempo decidindo seus movimentos.
A pessoa sentada na frente dele não parecia interessada em jogar.
— Um homem mais de xadrez, hein? — Desmond disse. — Como está a dor hoje?
O Rei de Atreya meramente devolveu uma expressão abatida. A manga esquerda camisa de seda branca do homem meramente pendia solta. A maior parte de seu ombro também se foi também.
— Nós podemos conseguir mais remédios, se você quiser. Mas nada de hospital. Você precisa aparecer forte e apresentável. — Com o silêncio continuado de William, Desmond deu de ombros.
Ezmortig foi embora discutir alguma estratégia com os outros ceifadores, deixando sozinho para bancar a babá. Era um trabalho chato e não um que ele mesmo teria escolhido, mas nenhum dos outros ceifadores queria deixar seus servos sozinhos com o Rei.
Havia atualmente oito servos em Sescoria, incluindo ele mesmo. Quando Moss finalmente decidisse voltar, seriam nove, mas Desmond estava começando a se perguntar se ele voltaria mesmo. Ele tentou ligar para o Geoffrey também, mas foi inútil. Normalmente, ele seria ordenado a caçar eles e confirmar suas mortes, mas disseram a ele que a missão era mais importante dessa vez.
Desmond se virou quando ouviu a porta se abrir.
Dois homens entraram, cada um com um ceifador atrás deles. Stoker era o mais alto dos dois com uma cabeça raspada e uma tatuagem rodopiante em seu rosto. Karkash tinha uma pele brônzea e uma barba fina, assim como um dos olhares mais penetrantes que Desmond já viu. Suas ceifadoras eram Nize e Hoyohté, respectivamente, as quais, para os olhos de Desmond, pareciam entidades usando mantos pretos com máscaras brancas no lugar dos rostos.
Esses quatro eram diferentes dos outros reforços. Eles foram emprestados pelo outro lado da Abolir, a 32° Divisão Antiaérea sob Dozer, para ser mais preciso. Eles foram adicionados a missão no último minuto, supostamente como “embaixadores benevolentes”, mas Desmond preferia mais proceder sem eles se pudesse. A diferença chave, ele sempre achou, entre os Morgunovs e os Dozers, era que os Morgunovs sabiam como se divertir, ao passo que os Dozers eram um bando de merdas, sem alegria, rígidos. E esses caras ainda não se mostraram se exceções.
Ainda, eles eram aliados, então ele sorriu para eles. — Como estão as defesas aéreas?
— Serão completadas logo. — Karkash disse. Seu sotaque pesado puxava quando ele pronunciava os “l”s.
— O que traz vocês de volta aqui então. — Desmond falou.
Karkash pegou em seu casaco e pegou uma pasta cinza. Ele assentiu em direção ao Rei. — Isso aqui precisa ser assinado e carimbado.
Desmond deu de ombros e deu espaço a eles.
Karkash jogou a pasta na mesa do Rei. — Assine.
William abriu lentamente e começou a ler.
— Não desperdice nosso tempo. — Stoker disse. — Se apresse e assine eles. — Seu sotaque era bem mais leve do que o de Karkash e sua voz era mais grossa também.
— Não assino coisas sem ler elas primeiro. — William respondeu.
Desmond revirou seus olhos. — Não torne as coisas mais difíceis do que elas precisam ser Vossa Majestade. Não posso arrancar o seu outro braço, mas estou mais do que feliz de encontrar outras alternativas.
— Por favor, — Uma das ceifadoras disse. — não há necessidade de machucá-lo. — Era Nize.
Todos exceto o Rei se viraram para olhar para ela, até seu próprio servo.
— Olhem para ele. — Ela continuou. Ele vai obedecer vocês. Só tenham um pouco de paciência.
O Rei pegou sua caneta, mas um resquício de teimosia ainda restava. — Por favor, só me digam o que eu vou assinar…
— Não. — Karkash colocou uma mão na mesa de madeira envernizada. — Assine agora ou eu vou trazer suas crianças até aqui. Eu vou torturar elas na frente de seus olhos.
O Rei encarou seu olhar. — Não tenho crianças.
Desmond bufou, ganhando uma encarada de Karkash.
— Eu vou encontrar outra pessoa. — Karkash disse. — Não importa quem seja a pessoa que você se importa. Ela vai sofrer. Até você assinar.
Nize saiu do quarto sozinha. Stoker olhou para os outros hesitando antes de segui-la.
— Qual o problema deles? — Desmond perguntou.
Não se preocupe com eles. — Hoyohté respondeu.
— Uh. Não. É meio que meu trabalho aqui.
— Não é seu lugar fazer isso. — Ela disse. — Nós iremos cuidar deles nós mesmos.
A porta se abriu novamente, mas em vez de Stoker e Nize, uma servente loira pequena apareceu. Ela pausou quando viu os convidados do Rei e, então, procedeu com sua oferta de chá. Desmond pegou um copo, mas Karkash, ao ter conseguido a aprovação escrita do Rei, ignorou ela e saiu sem falar mais nada.
William aceitou um copo também.
Desmond olhou para a garota. Sua franja longa escondia bem seu rosto, mas ele gostou do que viu. — Você é fofa.