Hector nunca foi consumido tão profundamente por um sonho. No segundo que a mão de Garovel deixou sua testa, ele desmaiou, como se sua exaustão fosse um rio represado que finalmente se libertou.
Ele acordou lentamente. Seus olhos semi abertos enquanto ele reganhava consciência. Ele já conseguia se lembrar de tudo que ocorreu, mas não estava pronto para pensar no assunto. Ele se escondeu no calor de sua cama um pouco mais, a calma em seus olhos o dizendo que nada importava. Estava tudo bem por mais alguns minutos.
Ele respirou fundo e se sentou. Ainda estava escuro lá fora. Não. Não podia ser. Ele olhou para seu relógio. Estava escuro de novo. Ele deve ter dormido o dia inteiro.
Garovel? — Ele esperou por um momento, mas nenhuma resposta veio.
Ele podia sentir os pensamentos temerosos lá, os espasmos familiares, agonizantes. Mas ele os ignorou. Era estranhamente fácil, desconfortavelmente até. Mas no momento, ele preferia muito mais um sentimento inquietante vago do que a coisa que esses espasmos trariam. Pelo menos, ele queria esperar até Garovel voltar.
Fome o fez descer as escadas, apesar do quão dolorido ele estava. Hector encontrou sua mãe na frente da geladeira.
Quando ela notou ele, ela franziu o cenho.
— Sua escola ligou. — Ela disse. — Por que você falou a aula hoje?
Ele abaixou seus olhos.
— Eu… não estava me sentindo bem… fiquei em casa e dormi.
— Está com problemas com valentões de novo?
— Nunca tive esses problemas…
— Você é quieto demais, meu querido. Se você fosse um pouco mais extrovertido. Estou certa de que eles parariam de te incomodar.
— Não estou sendo incomodado, mãe… — Por mais difícil que fosse falar com ela, ele não conseguia não ficar um pouco feliz. Ela estava mostrando preocupação. Isso era raro o bastante por conta própria.
Seu cenho franziu.
— Bom, não importa o que, se você vai continuar faltando aula, então pelo menos fique bom nisso. Eu costumava ligar para a escola e fingir ser minha mãe quando eu tinha sua idade.
— Você está… me encorajando a ficar em casa?
— Não seja idiota, meu querido. Claro que você deve ir para aula. Mas eu não posso te forçar a ir, então se você vai faltar, então faça isso de um jeito que eles não vão me ligar quando estou no trabalho. Eu quase perdi um cliente por causa da interrupção de hoje.
Hector só olhou para ela.
— Espera um pouco. — Ela saiu brevemente e voltou com uma caixa pequena. — Eu fiz muitas notas. — Ela as entregou para ele.
— Uh… — Ele geralmente conseguia descobrir o que ela queria dizer depois de um pouco de hesitação, mas dessa vez ele não tinha nada.
— Ou você pode só ligar com antecedência e fingir ser o seu pai. Ou fazer algo criativo. Tanto faz.
Incrédulo, ele encarou sua mãe.
— Uh… meu pai está de acordo com isso… ?
— Claro . Você é velho o bastante para tomar suas próprias decisões sobre sua vida, meu querido. Você vai fazer dezoito em alguns anos e, então, você vai estar por conta própria. É melhor que você aprenda a ser responsável por si mesmo agora. O senhor sabe que você foi um fardo para mim e o seu pai por tempo o bastante. — E ela deixou ele lá.
Ele não estava certo do que estava sentindo agora. De primeira confuso, perturbado e até levemente feliz por pensarem nele. Não era exatamente agradável, mas ele se perguntava que se causasse mais problemas isso traria mais atenção para si. Ele imediatamente descartou a ideia.
De volta no seu quarto com peru, queijo e tomate em uma torrada, ele repassou as notas que ela deu a ele. Sua assinatura estava em todas, eram uma variedade de desculpas diferentes, geralmente envolvendo algum tipo de doença. Impressionantemente, algumas estavam acompanhadas com declarações médicas forjadas com datas em branco. Algumas para educação física. Alguns para química. Ele estaria genuinamente maravilhado, se estivesse matriculado em alguma dessas aulas.
Ainda, ele imaginava que as notas genéricas poderiam ser úteis. Hector sorriu. Ele nunca teria esperado isso de sua mãe. Por mais estranho que parecesse, ela pode ter ajudado ele e Garovel a salvar a vida de alguém.
Ele se sentou depois de comer. Cada parte de seu corpo ardia, mas suas mãos eram as piores por algum motivo. Ele não conseguia lembrar se elas passaram por algo pior do que o resto de seu corpo. Elas latejavam o bastante que ele sentia o sangue correr pelas veias de seus dedos. Ele esfregou suas mãos uma na outra.
Aí estava de novo. Aquela sensação granulosa. Ele colocou suas mãos viradas para cima debaixo da lamparina em sua mesa.
Seus olhos se estreitaram.
— O que é isso? — Havia grãos de sujeira em suas palmas. Só que não podia ser sujeira. A cor não estava certa. Eram negros e cinza, não marrons e de cor mais clara.
Sem outra ideias, ele limpou suas mãos em suas calças e olhou para sua cama de novo. Talvez havia algo mais produtivo para fazer, mas ele não conseguia pensar em nada, então ele voltou para cama, esperando que Garovel chegasse quando ele acordasse. E de fato, ele chegou.
Dormiu bem?
Hector bocejou profundamente.
— Sim… surpreendentemente. Como foi, uh… como foi com o Bohwanox?
Tudo certo.
Foi tudo que ele disse.
Hector inclinou sua cabeça para o ceifador.
Garovel balançou sua mão.
Nós não nos curtimos muito, mas fomos cordiais. Confie em mim, podia ter sido muito mais desagradável.
— E quanto ao que ele falou do hospital… Hmm…
Você acha que ele tem razão em algumas coisas.
— Não tem? Se nós não tivéssemos intervido, Colt poderia não ter matado os outros três policiais…
Garovel ficou quieto por um tempo. Você está certo. — Ele disse. De fato, eu estou quase certo de que ele não teria matado eles.
Hector recuou.
— Certo?
Colt não estava só disfarçado. Ele era um policial mesmo. Os outros oficiais conheciam ele. Aquele tipo de infiltração leva tempo para estabelecer. Não é algo que você joga fora a menos que seja absolutamente necessário. Rofal devia querer muito a cabeça dela.
— Bom… ele conseguiu o que queria…
Sim… — Garovel franziu o cenho. Como você está?
— Oh… hm, eu, uh… eu-eu estou bem.
Hector!
Ele esfregou sua bochecha com uma mão tremendo.
— Eu, uh… eu estou tentando não pensar no assutno…
Melhor pensar nisso aqui e agora, do que quando você confrontar Colt de novo. Ou Rofal.
— Quan-quando vai ser isso?
Eu não estou certo. Mas estamos no negócio de salvamento de vidas, não tomar elas.
Hector olhou para ele seriamente.
— Você vai querer que eu mate eles?
É cedo demais para dar minha opinião, — Garovel disse. eu vou precisar observar muito mais as circunstâncias primeiro, mas…
— Mas… ?
Mas… quais são seus pensamentos no assunto? Você consegue matar alguém intencionalmente? Não é para isso que você aceitou minha oferta.
— Você não me forçaria?
Não.
— Eu não sei… não quero matar alguém.
Poucos querem.
— Eu acho que se… se… matar Rofal pouparia vidas inocentes… e se não houver outro jeito de parar ele… então… talvez eu conseguisse… mas não estou certo do que seria necessário para me convencer de que… cê sabe… de que não há mesmo outro jeito…
Heh. Parte de mim pensou que você estaria pronto para arrancar as cabeças deles no momento que você acordasse.
— Quero dizer, estou bravo… mas…
Esse não é você. Eu sei. Porém, seria algo interessante de se ver.
Hector quase sorriu com essa.
De qualquer jeito, preciso juntar mais informação. E eu acho que sei por onde começar.
— Você sabe?
O tabuleiro mudou. — Garovel disse. Quatro policiais foram mortos num único dia. Até Rofal não vai conseguir esconder isso. Toda a Brighton está em choque agora. A polícia vai sentir a pressão para responder. Estou certo de que eles vão ter algumas pistas para mim.
— Hmm. Você devia tomar cuidado com qual pista você escolhe seguir. Eu acho que Rofal provavelmente tem outro policial em suas asas. Talvez mais de um.
Garovel levantou uma sobrancelha para Hector.
Ah… huh. Sim, você pode estar certo. Isso pode explicar o motivo de Colt ter exposto seu disfarce tão rápido. Ele não era o único agente de Rofal.
— Exatamente.
Bem pensado Hector. Vou manter isso em mente.
Ele tentou não ficar vermelho.
— E, uh… há outra coisa. — Ele esfregou suas mãos uma na outra.
O que você está fazendo? Bolando um plano maligno?
— Não. Só… espera um segundo… pronto. — Ele mostrou suas palmas para Garovel. — Você pode me dizer o que é… uh… esse trem nas minhas mãos? Está começando a me incomodar…
Garovel se inclinou.
Grãos de alguma coisa? De onde eles vieram?
— Eu não sei. Eles só continuam aparecendo… e minhas mãos já estão doendo muito. É diferente da dor de sempre.
As cavidades oculares do ceifador se arregalaram.
Oh…
— O que? É algo ruim… ?
Pelo contrário, são notícias inesperadamente boas. Eu acho que o estresse foi um gatilho. Você tem alguma ideia do que esses grãos são?
— Era isso que eu estava te perguntando!
Ah, desculpe. Eles podem ser basicamente qualquer coisa.
— Você não está ajudando muito…
Garovel riu.
Você está certo. Deixa eu recomeçar. Hmmm. Especialmente, o que está acontecendo é a manifestação da sua habilidade.
— Habilidade? Que tipo de habilidade é essa? É só… uma merda em pó.
Isso, meu amigo, é o início de uma habilidade de materialização. Criar algo do nada, é isso.
— Uh… uou…
Porém, nesse exato momento, você só vai conseguir produzir em pequenas quantidades.
— Pequenas quantidades do que?
Difícil dizer nesse estágio. Me deixe dar outra olhada.
Ele ergueu suas palmas de novo.
Materialização é tipicamente baseada em elementos puros. Isso é algo escuro-cinzenta em sua forma natural. Talvez ferro? Eu não acho que haja um jeito de termos certeza ainda.
Ele lambeu sua mão.
— Sim, com certeza é um metal…
Tch. Ter um senso de gosto é roubar.
— Sabia que estávamos competindo.
O motivo do sangue ter um gosto metálico é por causa das hemoglobinas que contém ferro em suas células de sangue vermelhas.
— O que isso tem a ver com o assunto… ?
Eu só queria falar algo inteligente.
— Tá, hmm… sobre essa habilidade…
Hemoglobina é o que permite as células de sangue transportarem oxigênio.
— Garovel…
Ah, tá bom. O que você quer saber?
— Como isso funciona? E, uh… o que eu posso fazer com isso?
O que você criar é seu por completo. Você tem domínio sobre sua existência. Por exemplo, se você criar uma espada de ferro puro, você pode então destruí-la completamente, sem deixar traços. Mas se você encontrar com uma espada de ferro já existente, você não terá o mesmo poder sobre ela, pois não foi você que a criou.
— O que é meu é meu completamente… hmmm…
De qualquer jeito, esse é o princípio da coisa. Porém, você não devia se animar demais. Habilidades de servos crescem de forma extremamente lenta. Até objetos simples vão precisar de prática para serem criados.
— Quanta prática?
Um momento passou enquanto Garovel olhava para.
Uma caralhada.
— Ah, fala sério…
Porém, o lance dos servos é que eles não morrem, o que dá muito tempo para eles afiarem suas habilidades. Basta dizer que eles podem se tornar muito poderosos. Assustadoramente poderosos.
— Esses outros servos que você mencionou… os que estão envolvidos em guerras…
Sim. Esse é o principal motivo dos servos deles serem tão assustadores. E o motivo de nós precisarmos ficar longe deles.
— Certo…
O treino era simples. Era necessário concentração, Garovel disse a ele. Foco, limpe sua mente e comece imaginando estrutura metálicas simples. Ele tentou uma espada, mas Garovel disse que era complicado demais, então Hector imaginou um cubo. Garovel disse que era complicado demais também por causa das bordas retas e simetria perfeita. Ele decidiu tentar fazer um punhado de pó, no fim.
Garovel disse a ele para manter esse estado de meditação o máximo que conseguisse sem deixar sua mente passear. Hector conseguiu de primeira ficar uma hora e dezesseis minutos. O ceifador parecia impressionado, porém Hector achava que ele conseguia fazer melhor.
Depois disso, o único progresso discernível dele era que ele conseguia fazer os grãos aparecerem e desaparecerem. E visto que ele não tentou ver se conseguia fazer isso antes, ele não estava certo se isso se qualificava como progresso.
Ele queria tentar de novo, mas não havia tempo o bastante antes dele precisar ir para aula. Em vez disso, ele se levantou e foi pegar sua mochila e pegou sua máscara de solda.
Acho que isso é seu agora, a menos que você consiga explicar esse buraco de tiro.
Ele revirou a máscara com as mãos.
— Isso… não é…
Hmm?
— Eu preciso mais que… só uma máscara… não preciso?
Como assim?
— Meu cérebro é meu ponto fraco. — Ele disse. — Eu preciso de algo forte… algo que proteja mesmo minha cabeça.
Ah! Isso seria fantástico. Mas o que exatamente? E não querendo parecer pessimista, mas não vejo como você vai conseguir por suas mãos em algo tão forte. Seu metal pode servir para isso um dia, mas ainda vai demorar.
— Eu tenho que voltar para o clube de carpintaria.
A testa de Garovel se franziu.
Você está cheia de ideias hoje, não está? Está começando a me irritar.
— Me desculpe… vou me certificar de agir de forma mais estúpida daqui pra frente.
A maioria dos elementos na tabela periódica são metais, você sabe.
— Isso é muito interessante, Garovel.
Seu pedaço de merda. — Ele riu. Eu tenho milhares de anos de experiência e conhecimento.
— Eu estou certo de que vão servir para algo algum dia.
Eu espero que você comece a cagar metal.
— Isso… is-isso não vai acontecer mesmo, né… ?
Sei lá. Eu não sei de nada útil.
Hector se aprontou para escola. Ele ficou um pouco hesitoso sobre trazer a máscara consigo, se perguntando o que poderia acontecer se alguém visse ela com ele, mas decidiu aceitar o risco. No evento de alguma emergência, seria bom estar com ela.
Para surpresa de Hector, Garovel acompanhou ele.
Eu pensei que você tinha pistas na delegacia. Hector disse.
O que, está tentando se livrar de mim?
Vo-você sabe que não…
Hmm. Acho que eu sei. — Garovel ficou quieto por um tempo. Honestamente, eu estou preocupado com você. Depois do que aconteceu, acho que você devia descansar um pouco. Nós dois devíamos. Porque se nós sairmos de novo e as coisas derem tão errado de novo, eu não quero que você… bom…
Perca a esperança?
É tão ridículo?
Hector olhou para os outros estudantes no ônibus. Eles já estavam barulhentos de manhã, zoando o motorista e jogando papel.
Eu estou com medo de piorar tudo de novo…
Eu também.
Ele encontrou o olhar de Garovel.
Então… o quê? Nós só… nós só ficamos esperando?
Até estarmos prontos, sim. Descanso é importante, Hector, até para gente. Aceite quando você pode.
Mas escola parece tão… insignificante, eu acho. Tipo… por que me incomodo em ir… ?
Eu acho que você está olhando para isso da maneira errada.
Não me surpreenderia.
Escola é um descanso.
Hector olhou para o ceifador cheio de dúvidas.
Comparativamente quero dizer. Você provavelmente vai ver muita coisa horrível, Hector. Mas seu tempo na escola é uma chance de você acalmar sua mente. Por um tempo, pelo menos.
Hmm…
Ainda mais, escola pode ser de grande ajuda para nós no futuro.
Hmm… acho difícil de acreditar, Garovel…
Bom, talvez não os métodos. Suas notas não importam. Para os nossos propósitos, você não precisa de um trabalho que pague bem e ir para faculdade na verdade seria um impedimento gigante. Você provavelmente não vai ter tempo para estudar direito, muito menos fazer suas lições.
Hector riu baixinho.
Que ótimo que os professores não podem te ouvir.
Porém, se eu for completamente sincero, na verdade eu gostaria que você tivesse um ensino superior, só que mais lentamente. Talvez uma ou duas matérias de cada vez. Uma carga pequena o bastante para que não atrapalhe nossos objetivos mais importante.
Eu estou sentindo uma contradição aí…
Nós respondemos ficando melhores. — O Ceifador disse. A escola é uma fonte enorme de informação, se você permitir.
Hector curvou sua cabeça para isso.
Eu não acho que preciso te lembrar quão importante informação é para gente.
Não, você não precisa…
Você está certo em ser cético, eu imagino. — Garovel disse. A maioria das coisas que você vai aprender aqui provavelmente não vão nos ajudar. Mas há certamente uma partezinha que COM CERTEZA vai ser útil. Você não vai saber quando ou onde você vai conseguir ela, mas para o nosso empreendimento, vale totalmente o esforço. Não concorda?
Ele encarou vagamente o assento na frente dele.
Uma coisinha pode ser a diferença… entre salvar alguém e… não.
Entendeu meu ponto, então?
Sim…
Bom.
Hector passou o dia com um dilema. Tudo parecia dolorosamente chato, mas ele perseverou. Ouvir tudo que era dito na sala de aula ainda parecia um desperdício de tempo gigante, mas ele esperava que esse sentimento fosse embora se ele o ignorasse por tempo o bastante. Ele não sabia como Garovel podia flutuar perto dele tão pacientemente o tempo todo.
———————————————
Tudo certo. — Garovel disse entre as aulas. Eu vou te ajudar a fazer um amigo novo.
Hector fechou seu armário.
Eu não gostei dessa ideia…
Que pena. Quatro horas, nós ficamos aqui. Eu te assisti passar por umas quinhentas pessoas e não dizer um oi para nenhuma delas.
É tudo que eu preciso para fazer um amigo novo? Dizer oi?
É um começo. Amizade verdadeira leva tempo.
Hector tentou não suspirar.
O-o que você quer que eu faça?
Não pareça tão assustado. Nós vamos fazer algo fácil. Só encontre alguém que você conheça e diga oi.
… agora?
Agora.
Ele fez uma careta e olhou ao redor para as pessoas passando. Ele conhecia muitas delas, mas ele não estava ansioso para contar isso para Garovel.
Que tal ela? — Garovel disse. Ele apontou para a loira Jenny Friedman, com quem Hector estudou na mesma escola no ensino fundamental.
Nem fodendo!
Por que não? Qual o problema com ela?
Ela é uma garota!
O quê?! Eu não fazia ideia! Ecaa! Mantenha ela longe de mim, Hector! Não deixa ela me tocar com seus piolhos de garota!
Ele franziu seus lábios.
Eu… só… aff… não tem como… falar com garotas, é muito mais difícil…
Por quê?
Por que? Elas… Elas são… Eu não sei! Só é!
Tá certo. Que tal ele então? — O ceifador apontou para Micah Chamberlain. Eu lembro dele do outro dia. Parecia legal.
O rosto de Hector azedou enquanto lutava para achar uma desculpa. Não encontrando nenhuma, ele soltou um suspiro de derrota.
Tudo certo, eu vou… tentar…
Você não está se movendo.
Eu só… estou… esperando pelo momento certo…
Não tem um. Só vá logo.
Ma-mas… uh… o que eu digo depois do oi?
Não se preocupe com isso. Vou te ajudar.
Ele passou pela multidão até chegar no armário de Micah. Quando o outro jovem se virou e viu ele parado lá, Hector ficou com tanto medo que parecia um cervo assustado no meio da estrada que ele só soltou um.
— Olá.
— Oi. — Micah disse, amigável, mas hesitante. — Uh… quem é você?
Caralho, o que eu digo?
Seu nome. Diga seu nome.
— He-Hector Goffe.
— Ah! Você é o cara que eu acertei sem querer na guerra de comida! Sinto muito por aquilo. Eu quis te achar depois e me desculpar direito, mas acabei esquecendo. Espero que você não tenha se chateado.
Hector era o cervo agora.
Diga a ele que você não ficou chateado.
— Nã-não… não fiquei chateado.
— Não arruinei sua camisa, arruinei?
— Eu já, uh… eu já fiz pior…
Pfft.
— Bom, uh, eu sou Micah.
— Sim, eu sei. Nós… nós, um… temos algumas aulas juntos.
— Sério? Eu nunca notei. Mas acho que faz sentido. Você parece do tipo caladão.
Pfft.
— Sim… eu tenho um pouco de problema… uh… falando o que penso…
Um pouco ele diz!
— Você devia vir sentar comigo e meus amigos no almoço amanhã. Eu vou te introduzir para a galera. A menos que você não queira. De boa de qualquer jeito. Ei, você está bem? Seu rosto está um pouco vermelho.
Hector desviou o olhar.
— Uou, você está ruborizando? Eu nunca vi uma pessoa negra corar antes. Que foda. Meio difícil de notar de primeira. Caramba, não mais agora.
Hector só ficou parado se sentindo estranho, lutando contra a vontade de fugir aterrorizado.
— Mas, hmm, sim. Senta com a gente amanhã. Eu prometo não jogar nada em você. De qualquer jeito, preciso ir. Te vejo depois?
Hector conseguiu assentir. Ele se inclinou contra a fileira de armários depois de Micah ir embora.
Isso foi surpreendentemente bem. — Garovel disse. O que achou?
Ele é amigável demais. — Hector pensou, com olhos arregalados. Isso só pode acabar em desastre…
Ah, se acalme, dramático. Se você não gostar dele, de boa. Há muitas outras pessoas que você pode fazer amizade.
Não, não é só isso… quero dizer… eu, hmm… uh…
Fala. Manda brasa. Você consegue.
Por favor… para de… com essa merda… estou dando meu melhor aqui…
Desculpe. Eu sei que você está. O que você queria dizer?
Eu sempre quis um amigo que era… uh… bom, amigável. Quero dizer, tipo, cê sabe… o oposto de mim… não que, uh, eu não quisesse qualquer outro tipo de amigo, mas só. Pessoas amigáveis demais… elas sempre me assustaram, mas…
Entendo. Então, você está pensando que é bom demais para ser verdade.
Basicamente, sim…
Garovel deu de ombros.
Talvez seja. Talvez ele seja um merda total em segredo.
Mas o que… ? Isso foi ideia sua!
Sim e vale a pena ir até o fim. Mas você não devia ter criado tantas expectativas. Melhor receber uma surpresa agradável do que ser amargamente desapontado.
Hector teve que concordar com isso enquanto ia para sua próxima aula.
No fim do dia, estava na hora de ir no clube de carpintaria de novo. Estranhamente, ele não estava com medo. Ele sabia que seria terrível, mas algo sobre a necessidade disso, a inevitabilidade disso, tornava isso algo fácil de aceitar.
Ele entrou na sala e viu uma dúzia de rostos familiares e um punhado de novos. Ele ouviu as conversas diminuirem quando algumas pessoas o notaram. Lance Alexander foi até ele na hora.
— Por favor me diga que você está aqui para devolver a máscara.
— Desculpe. — Hector disse. — Perdi ela.
— Geez. Tá, mas você podia pelo menos falar com a Sra. Trent? Ela não acreditou em mim quando eu falei que você pegou ela. Ganhei uma detenção por isso.
Hector assentiu.
— Eu vou falar com ela.
Lance olhou para ele.
— Estou certo que você não vai se incomodar se eu for com você.
— Só… me mostre onde ela está.
Lance levou ele para a sala dos fundos onde a instrutora do clube estava sentada em sua mesa, dando nota para testes. Ela olhou para cima quando eles entraram.
— Hector? — Ela disse. — O que te traz aqui?
— É como eu te falei. — Lance disse. — Foi ele que pegou a máscara. Então, foi lá e perdeu ela.
— Isso é verdade?
Ele assentiu de novo.
— Sim.
Sra. Trent olhou para Lance.
— Você forçou Hector a dizer isso?
— Claro que não!
— É melhor você me contar a verdade agora. Porque se mais tarde eu descobrir, eu juro aos céus que você vai ser suspenso.
— Eu não assedio ninguém!
— Ele está falando a verdade. — Hector disse. — Ele, uh… ele tentou me parar, na verdade.
Por que todo mundo acha que estão me assediando?
Você parece muito assediável.
— Tudo certo. — Sra. Trent disse. — Lance, você está liberado. Hector, você tem três dias de detenção e vai ter que pagar por uma máscara nova.
Lance respirou aliviado e foi embora.
— Uhh… mas eu não tenho dinheiro…
— Então, seus pais vão ter que pagar
Hector franziu o cenho.
— E-e se eles não pagarem?
— Eles vão ter que pagar se você quiser se graduar. A escola vai segurar seu diploma se você tiver alguma multa excepcional.
Ele não achava que isso faria diferença, mas ele manteve suas dúvidas para si. Ele podia se preocupar com isso depois.
— Eu, hmm… eu vim aqui por outro motivo.
— Que seria?
— Eu gostaria de voltar ao clube.
— Oh, é isso? Bom, você tem que começar a aparecer de novo. Eu ainda não sei o motivo de você ter parado de vir.
— Ah… foram… motivos pessoais.
Sra. Trent não era do tipo intrometida. Ou talvez ela só não ligava muito. Hector nunca entendeu ela bem. Mas não importando a razão, ela não pressionou o assunto e deixou ele voltar para a sala de trabalho com os outros.
Quatro ou cinco estudantes estavam sentados cada um em umas mesas pretas, absortos em seus projetos, com algumas pessoas extras pairando perto das máquinas nos fundos da sala.
Ele se aproximou do grupo mais próximo, mas assim que ele chegou perto, as três pessoas foram embora. Só Lance e um cara que ele não conhecia ficaram, mas depois de um momento de confusão aparente, o estranho seguiu os outros.
— Popular como sempre. — Lance disse.
— Você não… vai com eles? — Hector disse.
Lance olhou para ele por um bom momento.
— Você podia ter me ferrado bonito, sabe disso né?
Hector não disse nada.
— Me deixe saber se precisar de ajuda com algo. — Lance disse e, então, foi embora também.
Com a mesa toda para si, Hector olhou ao redor de novo. Só os novos membros olhavam para ele ocasionalmente e ele conseguia ver alguns deles perguntando aos outros sobre ele.
O que tem de errado com essa atmosfera? — Garovel disse. É irritante.
Não importa…
Quer que eu sugue as almas deles por seus olhos?
Você não consegue fazer isso.
Não. Mas eu podia tentar.
Ele sorriu levemente.
Eu vou te contar o que aconteceu depois. — Com o silêncio persistente de Hector, ele mudou de assunto. De qualquer jeito, você está certo de que consegue fazer algo para sua cabeça aqui?
Não vai ser nada incrível, mas sim… eu só preciso de alguns materiais. — Ele pausou, piscando. Merda. Esqueci completamente…
Hmm?
Ele olhou para a sala de armazém no canto, ao redor desta havia um cercado enjaulado com uma comporta e uma bancada.
Eu sou um idiota. Os materiais não são de graça… se eu quiser algum metal, vou ter que pagar por ele… ou roubar, eu acho… mas não quero mesmo fazer isso de novo…
Aha. Chegou o momento, huh? Eu estava me perguntando quando a gente precisaria de algum capital inicial.