Natasha estava sentada na completa escuridão de uma sala subterrânea em um convento em Aalto, lendo uma longa carta de seu amigo com sua visão no escuro.
Parecia que ela já estava acostumada com o ambiente escuro, e as veias azuis em suas mãos e rosto já eram difíceis de se ver. De tempos em tempos, ela gentilmente cantarolava a melodia escrita na carta com alegria.
Quando chegou à última página da carta, Natasha sorriu.
— Lucien, você está exatamente copiando o que eu fiz. Estou ansiosa para a próxima edição do Crítica Musical para ver como você vai me desejar um feliz aniversário. — Então, ela suspirou um pouco e falou para si mesma: — É muito bom ter um amigo, ou eu definitivamente ficaria louca neste lugar.
A brisa com cheiro de mar soprou aquela sensação peculiar do final do Mês do Ouro. As ondas, de vez em quando, batiam no barranco e espalhavam uma espuma branca por toda parte. O oceano era ilimitado e o céu estava claro. Os pássaros voavam livres pelo céu e mudavam para diferentes formações o tempo todo, e lá embaixo havia barcos passando por baixo de pontes arqueadas.
Sturk, a pérola brilhante do mar, era semelhante à cidade de Veneza, que Lucien conheceu pelos filmes que ele assistiu em seu mundo original. Sturk consistia de mais de 100 pequenas ilhas que eram conectadas umas às outras por numerosos canais, como uma teia de aranha complicada, em torno da qual havia um longo penhasco protegendo a cidade.
Sentado em uma gôndola, Lucien viu os prédios ao longo dos dois lados do canal ficando lentamente para trás. Ele se sentia muito tranquilo, como um verdadeiro viajante.
— Em Sturk, os canais são como as ruas de outras cidades, — apresentou entusiasticamente o barqueiro. — Esta é a Igreja de St. Mayo… Já aquele… aquele edifício pertence ao Monastério do Espírito Santo, e aquele… nós chamamos a torre do sino de Torre da Verdade, e aquela de Obelisco da Reza…
— Entendo… — Lucien ouviu a apresentação do barqueiro com interesse. — Então essa área é o Distrito Religioso de Sturk, é isso?
Não importava se era uma cidade, uma vila ou uma aldeia, sempre haveria uma igreja. A área onde os edifícios religiosos se encontravam era chamada de Distrito Religioso. Por exemplo, era a área leste em Aalto, perto da Catedral de Ouro.
— Sim, é por isso que esta área não está lotada. — O barqueiro sorriu enquanto remava. — Quando entrarmos no Distrito Comercial, você verá a verdadeira Sturk.
O barco de Lucien atravessou várias pontes e entrou no Distrito Comercial de Sturk. De repente, o ambiente ao redor deles ficou muito movimentado. Lucien viu muitas gôndolas amarradas em estacas de madeira ao longo do canal, e muitas se moviam para dentro de prédios através de aberturas embaixo das pontes.
Muitos sotaques diferentes falando a língua comum podiam ser ouvidos por ali. Palavras como Fells, Nars, bancos, juros, quilos, pescado, laranja , ferro, madeira, escravos, escambo, e muitas outras, imediatamente trouxeram Lucien do mundo da necromancia para um mundo cheio de vida cotidiana de pessoas comuns.
Todo o Distrito Comercial aqui era ainda mais movimentado do que o de Aalto. A cidade inteira estava cheia de vida. Até o vento do oceano cheirava a dinheiro para se negociar.
— O mercado é ainda mais próspero do que eu pensava… — Lucien elogiou sinceramente o que viu. Ele realmente gostou do clima de Sturk.
— Com certeza, — disse o barqueiro com orgulho. — Sturk está localizada ao lado do Estreito Tempestuoso e possui um porto natural de águas profundas. A cidade conecta o sul e o norte, leste e oeste, e aqui está o melhor local de trânsito para o comércio marítimo. Por isso, nós de Sturk nascemos com o talento para fazer negócios. A primeira associação dos moedeiros e o primeiro banco foram ambos fundados aqui.
— Conectando o leste e o oeste? — murmurou Lucien. Quando alguém falava do país a leste de Sturk, obviamente, se referia a Holm e ao resto dos países do outro lado do estreito. No entanto, Lucien não sabia que Sturk poderia se conectar diretamente aos países do leste.
— Sim, claro. É por isso que você pode ver muitos bens preciosos sendo negociados aqui em Sturk, — respondeu o barqueiro com fervor. — O tecido sofisticado chamado Rouxinol Preto, de Holm, a porcelana de Colette, as especiarias de Calais, o melhor tabaco de Brianne…
— Somente os nobres podem ter acesso a eles, — concordou Lucien.
O barqueiro ficou ainda mais animado:
— Esses quatro países estão do outro lado do estreito. No entanto, devido ao grande lucro, a Igreja detém o monopólio nesses negócios. Somente os nobres empresários das nove maiores famílias daqui podem enviar seus barcos para lá. Umm… É difícil até de acreditar no tamanho da riqueza das nove famílias…
— Quais nove famílias? — perguntou Lucien com curiosidade. Ele presumiu que talvez Granneuve fosse um deles.
— A família do Visconde Wright, do Barão Kap, do Barão Moncache… — listou o barqueiro. No entanto, Lucien não ouviu o nome que procurava.
— Que tal voltar o nosso assunto para os edifícios? — disse Lucien quando seu interesse em ouvir os nomes das famílias desapareceu.
— Certo. — O barqueiro assentiu, apontando para os vários prédios do lado direito. — Ali… esse é o banco do Visconde Wright, e aquele é o Banco Moncache Hawthorne…
— Entendo. E aquele ali… o prédio brilhante? — perguntou Lucien.
— Oh, é a Galeria Épica. Ao lado fica a Galeria de Esculturas de Michel… E aquele ali é o Banco Ouro Reluzente, — explicou o barqueiro.
Embora Lucien já estivesse tão perto de seu destino, o Banco Ouro Reluzente, ele não perguntou mais nada sobre esse lugar. Afinal, como ele já sabia quem era o contato em Sturk, não havia necessidade de correr o risco de pedir mais informações sobre Granneuve. Lucien decidiu primeiro traçar a rota diária de Granneuve e o que estava acontecendo agora em seu banco, para garantir que ele ainda estivesse servindo ao Congresso de Magia, e não à Igreja.
Traidores não eram raros de se ver hoje em dia.
Além disso, o poder de Lucien progrediu nos últimos três meses. Com a ajuda da meditação de primeiro círculo, Lucien sentiu que sua alma e o poder espiritual tinham sido obviamente fortalecidos. Dentro de sua alma, Lucien construiu uma série de novos feitiços: Causar Medo, Imagem Silenciosa, Mãos Flamejantes, Armadura do Mago, Órgãos de Ferro, Resistência a Elementos e Círculo do Caos. Agora, ele estava trabalhando na estruturação do feitiço de fuga chamado Recuo Rápido. Portanto, Lucien estava bastante confiante em si mesmo e não havia motivo para se apressar.
No entanto, durante a sua prática, Lucien descobriu que, mesmo com uma vantagem consubstanciada por seu talento no manejo do poder espiritual, ele precisaria de pelo menos um ano inteiro para avançar para o segundo círculo, embora ele já conseguisse analisar um feitiço de segundo círculo. E se esse fosse o caso, levaria pelo menos dez anos para se tornar um mago de nível intermediário, o que tornaria o Congresso de Magia ainda mais desejável para Lucien.
O barco ainda seguia em frente e saiu lentamente do Distrito Comercial.
Meio mês mais tarde, em um famoso restaurante de frutos do mar em Sturk chamado Tubarões.
Sob a orientação de um garçom, Lucien sentou-se ao lado de uma mesa coberta com uma toalha de mesa branca. Enquanto Lucien estava fazendo seu pedido, ele espiou o homem gordo que entrou protegido por alguns seguranças e subia devagar as escadas até o segundo andar, reservado para os convidados importantes do restaurante.
Esse homem gordo era exatamente o alvo de Lucien, Granneuve.
Depois dessa observação secreta de meio mês, Lucien estava basicamente certo de que a identidade dele não havia sido descoberta pela Igreja, e Granneuve ainda estava servindo ao Congresso. Agora, a única questão era em como entrar em contato com ele.
Havia sempre seguranças em torno de Granneuve, e Lucien imaginou que alguns deles poderiam até ser cavaleiros sombrios. Lucien estava quase certo de que o próprio Granneuve também não era apenas um cara qualquer, mas sim alguém muito poderoso. Obviamente, por mais importante que Granneuve fosse, ele devia ter muito cuidado com aqueles possíveis patrulheiros noturnos da Igreja que tentavam se aproximar e testá-lo, fingindo que eram feiticeiros que precisavam de ajuda. E, com certeza, Lucien estava cheio de segredos, e ele não podia mais usar sua identidade de Professor aqui. Isso seria muito arriscado.
Quando Lucien soube por acaso que Granneuve estava prestes a se encontrar com um convidado no Tubarões naquela noite, ele achou isso suspeito. Na maioria dos casos, pessoas importantes como Granneuve não apareciam pessoalmente em um restaurante público. Se eles quisessem a comida do local para receber seus convidados, eles só precisariam pedir aos chefs para irem cozinhar para eles em suas próprias residências.
Ouvindo o barulho de estalos no teto, causados pelo peso de Granneuve na bancada do andar superior, Lucien viu o mesmo garçom voltando para ele novamente.
— Meu senhor, este é o Notícias de Sturk de hoje, e as mais recentes edições do Crítica Musical. Hoje à noite, nosso pianista tocará Sonata ao Luar e Cânone em D maior do famoso músico Lucien Evans. Tenha um ótimo jantar esta noite, — disse o garçom de forma respeitosa.
Lucien assentiu com um sorriso educado. Afinal de contas, o Tubarões era um dos melhores restaurantes em Sturk. O serviço ali era definitivamente ótimo, e até mesmo os jornais que eles forneciam aqui eram relativamente difíceis de se comprar.
Curtindo a bela melodia, Lucien começou a ler o Crítica Musical. Ele sentia saudade dos dias em que estudava música com o Sr. Victor em Aalto. Como esperado, ele encontrou alguns nomes conhecidos no jornal. Victor estava fazendo uma apresentação de sua turnê mundial por aqueles dias no Império Santo Heilz, e Felícia também criou sua primeira bagatela de piano.
No entanto, Lucien não viu o nome de Natasha novamente desde que ela comentou sobre a Sonata ao Luar no início de agosto, o que o fez se sentir um pouco preocupado.
Suas sequelas por tomar o sangue de vampiro já deveriam ter passado neste ponto… — Lucien pensou consigo mesmo. Ele precisava mandar uma carta para Natasha assim que chegasse a Allyn para ver se ela estava bem.
Depois de ler todo o Crítica Musical, o jantar ainda não estava pronto e o convidado de Granneuve ainda não tinha chegado.
Então, Lucien começou a ler o Notícias de Sturk casualmente. A maior parte do que ele encontrou lá estava relacionado a fatos locais, anedotas e notícias aleatórias como “Madeira do Djibouti à venda”.
Neste momento, Lucien viu seu próprio nome novamente, e esta notícia chamou sua atenção imediatamente. O título da notícia era: “Nossa nova estrela da música, a Srta. Graça, a aluna de Lucien Evans, estará realizando um concerto no Salão Cristal de Sturk com seus amigos!”
— Minha aluna? — Lucien estava confuso. Então, ele percebeu que eles estavam promovendo este concerto usando seu nome. Até certo ponto, Lucien discutiu com Graça e os outros membros da banda sobre o seu entendimento musical e deu-lhes algumas sugestões para um dos seus trabalhos no campo da música temática.
Lucien pôde imaginar o quão rápido eles ganharam sua popularidade entre os nobres e magnatas de negócios quando eles voltaram de Aalto para Sturk com seu trabalho musical orientado por ele.
Embora Lucien estivesse achando graça por os membros da banda se aproveitarem de seu nome, ele não planejava expor o que estavam fazendo.
No entanto, nesse momento, Lucien viu uma jovem com curvas de dar gosto chegando ao restaurante em um vestido preto.
— Graça… Que mundo pequeno… — murmurou Lucien. Imediatamente, ele levantou o jornal para esconder seu rosto.
Quando Graça subiu as escadas, Lucien percebeu que ela poderia ser justamente a convidada de Granneuve.