Lukas parecia estar andando sem rumo, mas não era bem assim. Ele tinha um destino claro, estava apenas tentando o melhor quer podia escondê-lo.
Para o Lukas atual, ele precisava fingir que estava confuso com a área em que deveria estar pela primeira vez. Claro, não havia necessidade de mostrar abertamente sua confusão, mas ele ainda tinha que mostrar sinais disso.
É por isso que, mesmo já sabendo de seu destino, ele caminhava com passos incertos, embora pudesse ver claramente em que direção estava indo naquele deserto com coordenadas complicadas.
Tap, tap.
Ele podia ouvir passos não muito atrás. Pale nunca passava de Lukas e, em vez disso, optou por segui-lo de uma certa distância. A maior parte da atenção de Lukas estava voltada para ela.
De repente ele teve um pensamento.
Qual era o destino de Pale? Ficar ao lado dele? Se sim, então o objetivo de Pale era simplesmente acompanhá-lo?
— …
— …
Eles não conversaram um com o outro. Isso também foi diferente do passado. Lukas estava quieto até então, mas não havia silêncio, porque Pale falava sem parar. Como mencionado antes, ela basicamente tinha uma personalidade muito tagarela. Mas não estava assim agora. Ele tinha certeza de que esse fato o fazia se sentir estranho.
Ele balançou a cabeça internamente. Também optou por ignorar o olhar em suas costas.
À medida que atravessavam várias dunas, a cor do céu continuava a mudar. Lukas fez questão de manter uma contagem muito cuidadosa.
Foram quatro vezes.
Cinco vezes…
Se ele não comesse antes que o céu mudasse de cor mais uma vez, seu corpo começaria a desaparecer a partir da pontas dos pés. Essa era uma das leis deste mundo. Claro, o atual Lukas era um ser que ignorava essa lei. Isso porque ele já entendia as leis do desaparecimento e da regressão e havia aprendido a controlar o vazio, que era o ponto fundamental dessas leis.
Lukas não precisava mais comer nada.
Mas havia um problema, a presença de Pale.
“O que devo fazer?”
O atual Lukas não deveria estar ciente do fato de que ‘seu corpo desapareceria se não comesse’. Isso porque basicamente não havia fome neste lugar, então seria estranho se ele procurasse algo para comer.
Teria que deixar seu corpo começar a desaparecer primeiro?
Então, quando ela visse essa cena, Pale lhe ofereceria um rato do bolso como da última vez?
Bem. Ele não achava que ela faria isso. Era uma aposta incerta. Se não corresse de acordo com seu plano… Lukas não teria escolha a não ser usar o poder do vazio para evitar o desaparecimento, o que significava revelar completamente sua identidade para Pale.
Ele não podia deixar isso acontecer.
No final, Lukas só conseguiu aumentar o ritmo. Ele precisava chegar ao destino mais rápido. Antes que a cor do céu mudasse novamente.
Pela sua experiência, demorava aproximadamente três horas para o céu mudar de cor, então esse era o seu limite de tempo.
Lukas precisava chegar ao seu destino em três horas.
As dunas de areia ainda continuavam a aparecer de forma irregular. O mesmo acontecia com a paisagem circundante. Sem falar em algumas horas, o cenário que viam não mudaria mesmo se caminhassem por dez ou cem dias. Talvez isso não mudasse a menos que entrassem em uma região completamente diferente.
Mesmo assim, Lukas percebeu que o lugar onde ele estava agora era seu destino.
“Cheguei um pouco cedo.”
Ele podia ter que esperar um pouco agora.
Lukas caiu no chão. Ele podia ver Pale olhando para ele com uma expressão estranha.
— O que você está fazendo?
Já fazia um tempo que ele não ouvia a voz dela.
— Descansando.
— Você não parece cansado.
Ela era tão desnecessariamente afiada.
Mas não era uma declaração que ela pudesse fazer com total confiança.
— Sinto-me um pouco tonto e…
— E?
— Nada.
Quando ele intencionalmente cortou o final da frase, Pale o pressionou.
— O que é? Diga-me.
— Não é grande coisa. Quanto mais ando, mais o tempo passa… Mais sinto que estou perdendo alguma coisa.
— …
Quando falou isso, Pale ficou em silêncio novamente. Ela pareceu estar perdida em pensamentos por um momento antes de abrir a boca como se fosse dizer alguma coisa.
Ele sabia exatamente o que ela iria dizer.
— Hmm?
Lukas arregalou deliberadamente os olhos e se levantou. Isso fez com que Pale fechasse os lábios entreabertos.
— O que é aquilo?
— Ah…
Ele fingiu estar surpreso, mas sabia exatamente o que se aproximava deles. Afinal, a razão pela qual ele veio a este lugar foi para encontrá-los.
Os anões se aproximavam deles em fila como um trem.
Os Miglings.
A resposta dos Miglings foi a mesma de antes. Eles ainda não desconfiavam de Lukas e, de certa forma, a afinidade deles por ele parecia ainda mais profunda do que antes. De qualquer forma, não eram poucos Miglings que estavam pulando no primeiro encontro.
Então, com grandes sorrisos, eles o agarraram pelas mangas e o conduziram.
Sob a orientação deles, Lukas dirigiu-se para a Cidade Subterrânea.
— Que situação interessante.
— O que você quer dizer?
Lukas perguntou isso, mas Pale não respondeu.
A reação dela foi um pouco diferente de antes. Parecia que ela havia encontrado algo em que pensar profundamente em vez de estudar ou desconfiar dele.
Quando entraram na Cidade Subterrânea, ser jogado de um lado para outro quase parecia um ritual para ele agora.
— Para o Lorde.
— Guiar.
— Trawman.
— Seguir.
Lukas, que ainda não conseguia se acostumar com o jeito estranho de falar deles, acenou com a cabeça para o Migling. Ele se moveu com eles para o centro da Cidade Subterrânea. E como esperado, Pale foi impedida de segui-lo até a catedral.
Até agora, toda vez que isso acontecia, ela fazia uma expressão exagerada, mas desta vez, simplesmente assentiu com uma expressão vazia.
Depois de se separar de Pale pela primeira vez, Lukas soltou um suspiro de alívio. Isso porque apenas estar perto dela o fazia sentir uma pressão imensa.
Claro, havia algumas desvantagens. Sem Pale por perto, as vozes em sua cabeça começaram a se comportar mal mais uma vez. Sua dor de cabeça ainda era terrível, então não melhorava com ou sem Pale.
“No entanto, prefiro agir separadamente tanto quanto possível…”
Mesmo em suas vidas passadas, Pale não se separava facilmente de Lukas.
Como ele não sabia o motivo, não teve escolha senão julgar com cuidado.
Naturalmente, era impossível para ele se separar à força. No entanto, ainda era arriscado para ele tentar fugir ou sugerir que seguissem caminhos separados. Na verdade, havia uma grande chance de resultados adversos. Pelo que ele sabia, Pale não era uma pessoa racional. Isso significava que não seria estranho para ela agir de uma maneira que fosse contra o bom senso de vez em quando.
“Não tenho escolha a não ser acompanhá-la por enquanto.”
No entanto, agora que estava na Cidade Subterrânea, ele não precisava mais fingir que ignorava o mundo na frente de Pale.
Se ela perguntasse como ele sabia, poderia apenas dizer que o Lorde da Cidade Subterrânea lhe contou. Isso seria mentira, é claro, mas Pale não saberia a verdade.
— Aqui.
— Entre.
— Apenas Trawman.
Os Miglings esperaram do lado de fora enquanto Lukas caminhava em direção à catedral e abria as portas.
— …
No final da capela estava Michael.
[Lorde!]
[É o Lorde!]
Ele foi pego de surpresa.
[Desgraçado! Mate aquele desgraçado!]
[O que você está esperando? Corte a cabeça desse cara agora mesmo!]
Alguns dos ‘Lukas’ começaram a gritar erraticamente. Eram aqueles que tiveram relacionamentos especialmente ruins com o Lorde em suas vidas.
“Esse não é o Lorde, seus tolos.”
Pode ter sido sem sentido, mas Lukas ainda respondeu friamente enquanto olhava para Michael. Foi diferente de antes. Ele não estava lendo um livro. Em vez disso, estava ajoelhado, com a mão direita sobre o peito e a cabeça baixa.
Era uma postura estranha, mas Lukas percebeu rapidamente que ele estava orando.
Lukas havia chegado à Cidade Subterrânea muito mais cedo desta vez para evitar as suspeitas de Pale. Essa foi a razão pela qual ele estava testemunhando essa visão.
A postura de Michael era muito diferente daquela normalmente associada à oração, mas não havia uma postura específica para a oração. Na verdade, a forma que se assumia não importava nada, o que importava era a ação de comunicar-se com Deus na mente.
Mas não era a postura dele que Lukas estava curioso.
Uma catedral era um edifício construído com a finalidade de eventos e cerimônias religiosas. O significado desta catedral podia ser visto no fato de que Michael, o Lorde desta cidade, escolheu ficar ali. Parecia que Michael, ou talvez todos os seres desta cidade, acreditavam em Deus.
Era o mesmo até agora.
Mas isso levantou a questão de com quem Michael estava tentando se comunicar através da oração.
Lukas suspeitava que poderia ser o Deus dos Três Mil Mundos que ele conhecia.
[Você é um convidado paciente.]
A voz de Michael o acordou de seus pensamentos. Talvez fosse o hábito de Michael dizer ‘convidado’ na primeira vez que falava.
Lentamente, ele se levantou antes de se virar para Lukas. Claro, seus olhares não podiam se encontrar, porque seu rosto não tinha feições.
No entanto, Lukas foi capaz de reconhecer a leve inclinação de sua cabeça, semelhante a uma reverência.
[Obrigado por respeitar meu tempo pessoal. Ser emaranhado e distorcido.]
— …
Ele sabia que a intuição de Michael era incrível. Isso podia ser visto pelo fato de que cada vez que ele repetia esse primeiro encontro, Michael dizia algo que perfurava um pouco a própria essência de Lukas.
E as palavras que acabaram de sair de sua boca.
Emaranhado, distorcido.
Essa foi provavelmente a descrição mais precisa da condição atual de Lukas.
— Eu tenho algumas perguntas para você.
Ele decidiu trazer à tona o ponto principal logo de cara. Lukas não veio para a Cidade Subterrânea simplesmente para fornecer uma rede de segurança que lhe permitisse agir com naturalidade na frente de Pale.
Michael acenou com a cabeça sem muita surpresa.
[Eu também. Então, que tal isso? Eu…]
Como sempre, Michael mencionou a troca de perguntas e respostas e Lukas concordou. Ele pensou que já sabia quais perguntas faria e em que ordem, mas suas previsões se mostraram erradas no momento seguinte.
[Você é do Planeta Mágico?]
— …
Planeta Mágico.
Esse nome surgiu mais uma vez.
Lukas parou por um momento antes de balançar a cabeça.
— Não.
[Entendo. Hmm.]
Ao ver isso, Lukas não teve escolha a não ser fazer uma pergunta que nem havia pensado antes.
— Por que você perguntou isso?
[Não há nenhum significado profundo. É simplesmente porque no momento em que te vi, lembrei-me dos Buscadores da Verdade do Planeta Mágico que conheci no passado.]
— …
Ele pensou no rosto de Jacob mais uma vez.
[Claro, você também parece diferente deles. Me parece um pouco familiar.]
Talvez ele tenha percebido que ele e Lukas compartilhavam um universo fundamental. Na verdade, Lukas esperava que sim, até certo ponto. Afinal, só então Michael se interessaria por ele e continuaria a troca de perguntas e respostas.
Michael assentiu levemente antes de falar novamente.
[Qual é a sua relação com a mulher lá fora?]
Este foi outro desenvolvimento inesperado.
Claro, Michael já havia perguntado a ele sobre seu relacionamento com Pale antes, mas geralmente era sua última pergunta.
Desta vez foi diferente. Michael perguntou a Lukas sobre Pale antes de sua própria identidade ou origem. Qual foi a razão para isso? Ele foi alertado porque Pale estava em um estado mais perigoso do que da última vez, como uma bomba-relógio?
Talvez Michael tivesse adivinhado vagamente a identidade de Pale.
Ele sabia agora. A razão pela qual Michael estava tão cauteloso com Pale e a intenção por trás dessa pergunta. Afinal, se uma pessoa suspeita de ser o Cavaleiro Azul da Fome fosse vista com uma pessoa desconhecida, era natural tentar adivinhar primeiro o relacionamento deles.
— Ela…
Não tem relacionamento com ele, ou ela o estava seguindo por vontade própria.
Ele pensou em dizer algo assim, mas parou. Não poderia tentar resolver da mesma maneira. Lukas já havia falhado duas vezes na Cidade Subterrânea.
Embora esta troca de perguntas e respostas pudesse parecer trivial, o destino muitas vezes mudava por causa das coisas mais triviais.
E o que Lukas precisava agora era dessa mudança.
Olhando para Michael, ele disse.
— Ela está me testando.
[Testando?]
A voz de Michael pareceu tremer ligeiramente.
Lukas não estava exatamente inventando nada. Ele pensou sobre porque Pale não saia do seu lado.
E as palavras que estava deixando sair da boca agora eram a possibilidade mais plausível que havia pensado.
— Para determinar se sou digno de me tornar rei.
[!]
Desta vez, a reação foi mais perceptível. Uma névoa nebulosa de energia sagrada começou a envolver o corpo de Michael.
[Isso significa…]
— Sim.
Lukas assentiu.
— Eu sou um Candidato a Rei do Vazio.
Então o Diablo tbm é?