Como sempre, Lubella estava rezando ajoelhada no chão branco, a mente focada naquilo. Desnecessário dizer, sua aparência era o auge da santidade. Então abriu os olhos e se levantou sem sinais de desconforto, mesmo que seus joelhos implorassem por socorro, se virou e foi para a entrada. Um grande objeto sagrado pendurado atrás parecia estar a abençoando.
Creek…
— Ai, senhor. — Viu Weig sorrindo para ela assim que abriu a porta grossa.
— Senhorita Lubella, terminou as orações?
— Sim. Mas qual é o problema?
Ela sabia que, para ele esperar bem na frente da sala de oração, era porque tinha algo urgente para dizer.
— Um conhecido veio nos visitar. — Acenou com a cabeça.
— Um conhecido?
— Zich. Ele veio nos encontrar.
— O senhor Zich veio aqui? — Seu rosto se iluminou.
— Ele veio para ver nós dois. Se estiver ocupada, posso ir sozinho…
— Vamos logo!
Como precisava ficar quieta no templo, não correu, porém seus passos eram rapidíssimos. Entretanto, parou ao ouvir Weig falando.
— Senhorita Lubella, você ao menos sabe onde ele está?
— E… onde ele está?
Weig sorriu de leve e a levou, agora era vermelha brilhante, para onde Zich e seus companheiros estavam.
— Uau! — Snoc moveu a cabeça com fervor, apreciando a sala branca sem um traço de sujeira.
Mesmo que o cômodo só tivesse um ornamento sagrado, aparentava esbanjar graça, já que estava dentro do templo karuwiman. Até Hans ficou espantado, e apenas Zich permaneceu indiferente ao esplendor de seu entorno.
Toc! Toc!
— Entrem.
Com permissão, duas pessoas apareceram. Ele e Hans estavam familiarizados, mas foi a primeira vez que Snoc os viu.
— Faz um tempo desde que nos encontramos. — Se levantou de seu assento e os cumprimentou primeiro.
— Se faz, Zich. Estou feliz que esteja bem. — Weig o cumprimentou, dando, de lei, seu sorrisinho de lado.
Zich podia ter pensado que se acostumou com isso enquanto lutava com ele contra os bellids, contudo ainda era estranho ver o Exterminador da Tasnia rir tão brilhantemente. Ele tentou reprimir seus pensamentos e apertou a sua mão.
— Senhor, bem-vindo. Tem ido bem? — Lubella sorriu, fazendo uma pequena reverência.
Ao contrário de Weig, ele não sentiu nenhum sentimento confuso com ela. Hans e Snoc também os cumprimentaram; o mais novo congelou ao ouvir seus títulos.
— Senhorita Lubella, parece mais animada. O meu conselho foi útil?
— Tem sido mais do que útil. — respondeu Weig no lugar dela — Aqueles caras não conseguem nem mais ficar perto da gente. Para começar, não estavam no nosso nível e nos despeitavam por inveja, hahaha!
— Puderam superá-los bem, então.
— É tudo graças a você, senhor Zich. — Se sentindo envergonhada por achar que não fosse algo para ela se gabar, deu um sorriso tímido no final.
No entanto, o velho não ia acabar com a vanglória dela.
— Depois daquilo, a posição dela como candidata a santa se tornou mais sólida ainda. Ela está acima de todos na moral e habilidade. Sempre que falam da nova santa karuwiman, somente um de cem não pensa nela.
— Senhor Weig, por favor, pare.
— Como pode ver, ela ainda é muito humilde.
O rosto dela ficava ainda mais vermelho conforme ele ria mais alto.
— Mas todas as minhas palavras sobre ela são verdadeiras. Sendo honesto, não é um exagero dizer que está a um passo de ganhar o nome de “Primel”.
Primel era o nome do meio dado a uma santa. Não era algo que os karuwimans diziam por aí, em especial devotos fervorosos como ele. Isso indicava o quão perto ela estava de assumir o cargo.
— O que têm que fazer na reta final? — perguntou Zich.
— Qualquer coisa, na verdade. Não é brincadeira. A única coisa que nos resta é construir a reputação dela fazendo pequenas tarefas para o bem dos outros. Como a última vez, podemos andar por aldeias por um mês.
— Estão esperando encontrar aqueles merdas dos bellids de novo nesse meio-tempo?
Quando disse isso, os três riram ao mesmo tempo ao se lembrarem do que aconteceu em Porti. Entretanto, Snoc, que não estava com eles na época, apenas ficou lá, desajeitado, segurando Nowem.
Apesar de que tudo o que Hans fez foi ter corrido feito um louco para levar Weig, sabia quão séria era a situação. Contudo estavam rindo com a lembrança de um evento tão aterrorizante, fazendo-o balançar a cabeça em negação.
“Todas as grandes pessoas têm esse tipo de mentalidade? Existe uma enorme distância entre nós.”
— Sim, sim. Seria ótimo se eu pudesse caçá-los. Mas um evento daqueles vai se repetir?
Zich não respondeu; em vez disso, sorriu. No entanto, Weig, experiente, soube de imediato com aquele sorriso que ele tinha algo em mente.
— Pensando bem, não perguntei por que veio aqui. Te conhecendo, não deve ter sido sem uma razão.
— Você falou que só resta um passo até que ela receba o nome de Primel, certo?
— Sim.
— E o que vocês precisam é de pequenas tarefas para o bem dos outros.
— Isso.
— Esta é a última que ela precisa para ser reconhecida como santa. Ao invés de coisa pequena, por que não terminam com extravagância?
— Como, por exemplo?
— A destruição total do domínio norte dos bellids.
Tap, tap!
Weig, sério, bateu na mesa com os dedos e segurou o queixo com a outra mão. Sentada ao seu lado, Lubella fez o mesmo. Por outro lado, Hans e Snoc estavam congelados em seus lugares, sem saber o que fazer, pois foram lá sem ouvir muito.
— Então… os aldeões que você ajudou foram brutalmente mortos, e quem os mataram foram os bellids?
— Sim. Uma caneta e papel, por favor.
Quando pegou, desenhou a cicatriz que estava gravada no peito da criança e mostrou para eles.
— Vocês dois provavelmente conhecem essa marca.
— É uma daquelas merdas que os bellids fazem: magia negra que impede uma pessoa de morrer.
Ouvindo isso, alguns poderiam pensar que a magia concedia juventude e vida eterna aos alvos, porém estava longe disso.
— Com a energia de Bellu, mancham a força vital uma pessoa e as mantêm vivas à força, não importa o quão fatais sejam os ferimentos. Por ser ineficaz àqueles que utilizam a energia, usam para torturar suas vítimas.
— Eles também usam bastante para brincar com as pessoas.
— Alguém foi vítima…?
— Sim. — De uma forma arrepiante, sorriu — Eu estava bastante apegado a ele.
— Que pena.
Weig fez um sinal de cruz no papel, e Lubella orou em silêncio.
— Mas pouco antes daquela criança morrer, falou comigo. Aparentemente, o homem não tinha cabelo, e metade de seu rosto estava coberto com uma tatuagem.
Os rostos de ambos endureceram; alguém surgiu na mente deles.
— Cardeal Tríslei.
— Hmph! O título de cardeal é bom demais para alguém assim, senhorita — disse Weig, confiante, embora tremendo de tensão.
Sendo um dos cardeais, logo abaixo do papa bellid, Colum Tríslei causou estragos em todo o mundo. Já que eram opostas, as duas religiões constantemente guerreavam, e Tríslei foi uma das principais figuras responsáveis por muitos derramamentos de sangue.
— Muitos seguidores nossos morreram em suas mãos. Temos que obter a cabeça dele o mais rápido possível. Você disse que ele foi à aldeia?
— Sim. Acho que ele e seus homens foram comer lá e decidiram se divertir um pouco. Todas as vítimas viviam nos arredores do local, então sabiam que a população não faria barulho de mais com o sacrifício.
— Desgraçados!
— Essa não é a única parte importante. A aldeia é repleta de grandes planícies e cercada por montanhas baixas, mas, ainda assim, muitos monstros começaram a aparecer lá; os orcs estavam até formando uma comunidade.
— Quer dizer que estranhos grupos de monstros apareceram no mesmo lugar em que Tríslei apareceu? Tem coisa errada aí.
— Tenho a certeza de que estão planejando algo. — Concordou.
— Obrigado, Zich. Estou disposto a correr para onde quer que esses malditos estejam. Mas, como sabe, eles se movem feito pragas, então ninguém pôde localizar a base deles. Você falou da destruição completa do domínio do norte deles, certo?
— Sim, senhor.
— Isso significa que você sabe onde fica o ramo do norte?
Ele sorriu, e isso bastou para responder à pergunta.
— Bom, bom. Se pudermos acabar com ele, poderemos esmagar o pequeno número de dissidências contra o reconhecimento da senhorita Lubella como santa. Além disso, é uma das principais responsabilidades de todos os karuwimans aniquilá-los. Mas como você conseguiu descobrir onde estavam? Não só nós, mas outros países não foram capazes de descobrir, incluindo a sua família biológica, os Steelwalls.
Parecia que Weig havia verificado os antecedentes de Zich, entretanto não ficou surpreso, já que sugeriu a Lubella que investigasse sua família.
— Foi uma coincidência.
Na verdade, ele descobriu antes de regredir. Logo quando obteve a informação, sumiu com o lugar sem deixar vestígios.
— Previsível. Certo, tudo bem. Já que confio em ti, não vou fazer mais perguntas. Mas quero que, pelo menos, responda a isto — falou, assumindo uma expressão mais séria — Você sabe a localização dos outros ramos?
— Eu sei de mais dois. Posso dizer, se quiserem.
Weig bateu palmas.
— Ótimo! Isso é uma notícia incrível! Deus Karuna deve realmente ter te enviado!
“Eu lutei contra os karuwimans antes, então não creio que seja o caso…”
— Te daremos todo o apoio necessário. Segundo você, Tríslei deve gerir o ramo norte. — Esticou o pescoço e olhou para ele — Você quer vingança, talvez?
Zich deu um sorriso arrepiante.
— Graças a esse cara, nunca mais vou poder saber o nome do menino.