Nas últimas semanas, eu te assisti muito. Foi aí que notei. Você sempre estava sozinho. — Garovel pausou. Na escola, você quase nunca fala com nenhum dos seus colegas. Talvez seja porque você tem problemas em se comunicar. Até aqui, na sua própria casa, você é muito distante dos seus pais. Eu não acho que vi você falar mais do que algumas poucas palavras com eles.
Ele cerrou muito seus olhos, sentindo a tensão repentina atrás deles, tentando manter isso longe.
A razão de você ter esperado tanto tempo para se matar, era porque você estava esperando alguém te parar, não é?
Ele cobriu seus olhos com sua mão, como se tentasse em vão se esconder.
— Mas ninguém parou.
Não. Ninguém parou.
As lágrimas já escorriam de seus olhos nesse ponto, descendo por seu rosto e não conseguia fazer elas irem embora, por mais que quisesse.
E, então, depois que você morreu, quando eu perguntei se você queria me ajudar, você concordou. Era toda a confirmação que eu precisava. Como eu disse, se você realmente quisesse morrer, você teria me rejeitado.
Ele tentou falar outra coisa, incerto do que, mas estava engasgado demais em suas lágrimas para falar algo.
Então, agora você tem outra chance. E dessa vez, você vai tentar me ajudar, assim como eu estou aqui para te ajudar.
—-
Hector saiu de fininho de casa, algo que ele nunca fez antes e não estava certo se faria de novo. Seu quarto era no segundo andar, então ele pulou da janela e quebrou suas duas pernas, o que doeu muito.
Garovel riu, prontamente se desculpou por rir e, então, consertou elas para ele. Hector perguntou a Garovel o motivo dele ainda conseguir sentir dor e o ceifador explicou que dor ainda era algo útil em deixar ele saber quais partes funcionavam e quais não.
— Você está realmente certo sobre isso? — Ele murmurou no ar frio da noite.
O que você quer dizer? Claro que estou certo.
— Mas… como eu vou parar um assassino em série…? Você não vai… me fazer… matar o cara, né?
Ah, não. Isso só bagunçaria as coisas. Assassinos em série são assunto para as autoridades, mas eu estive observando esse cara e nesse caso, seria bom dar uma mão a polícia. Só alguém para apontar eles na direção certa, é isso.
— Apontar, como?
Uma denúncia anônima.
— Isso vai mesmo funcionar?
Nós só temos que dar a eles uma desculpa para visitar o apartamento do assassino em um tempo particularmente inconveniente para ele. O resto deve se resolver sozinho.
Eles andaram por um bom tempo pela noite, deixando a vizinhança modesta de Hector no interior da cidade até as torres do centro. Ele não estava certo de que horas eram, mas ao julgar pela névoa entre os prédios, ele imaginava que era bem tarde, o bastante para ser considerado madrugada. Porém, o bonde aéreo não parou de correr, carregando passageiros barulhentos acima das ruas em seus trilhos suspensos e a música alta ao longe preenchia os vazios que não foram preenchidos pelas sirenes.
As pessoas nas calçadas e na rua não prestavam atenção nele conforme eles riam das piadas uns dos outros ou cambaleavam para fora de boates ou dormiam em bancos na frente de uma Nancy’s.
Ele se perguntava o que faria se um estranho viesse até ele e começasse a falar, como o que acontecia em cada filme onde um jovem acabava em uma vizinhança estranha tarde da noite e quanto mais ele pensava, mais ele se resolvia de que não havia muita coisa para temer. De fato, ele quase queria que alguma pessoa bêbada estranha aparecesse e começasse a falar com ele, só para que pudesse ver o que aconteceria. Ele pensava que seria inevitavelmente algo surpreendente, como eles calhando de serem bem divertidos e perfeitamente inofensivos, mesmo que talvez um pouco amigáveis demais por causa da bebida. E se eles tentassem raptar e matá-lo, bom. Então, seria a vez deles se surpreenderem
Aqui, — Garovel disse, acordando ele de seus pensamentos. O ceifador flutuou perto de uma cabine telefónica e Hector entrou lá. Lá em cima.
Ele olhou para onde o ceifador apontou e viu uma varanda no quarto andar de um prédio chique. Um homem estava parado lá, fumando na frente de uma lâmpada em cima de uma janela. Mesmo daquela distância, ele conseguia ver que o homem estava bem vestido com um terno negro e gravata solta.
— É… é esse cara?
Sim.
Hector olhou para o telefone na frente dele. O próximo passo era óbvio, mas ele hesitou.
— Mas… e se…
Hmm?
— E se eu chamar a polícia… e eles vierem e… e se esse cara matar um deles?
Garovel olhou para ele seriamente.
Se você está se perguntando o motivo de eu não te enviar lá em vez disso, é porque é sua primeira tentativa. Eu não pretendo colocar mais no seu prato do que você consegue lidar.
— Mas… se alguém tem que arriscar sua vida… então devia ser eu… não devia?
O ceifador não respondeu.
Hector continuou pressionando.
— Quero dizer, eu-eu não posso morrer, certo? Ele não vai conseguir me matar, né? E… porque eu… desperdicei minha vida, então.. eu nem estaria arriscando algo…
Você está me dizendo que quer resolver isso você mesmo?
— Eu… é… sim.
Garovel inclinou sua cabeça.
Isso é surpreendentemente corajoso da sua parte. Eu pensei que você iria preferir ir mais devagar.
— Eu só… não quero que alguém morra, é só…
Se esse é o caso, então você devia provavelmente se apressar.
O rosto de Hector se endureceu.
— O que? Por que?
Bom, você sabe como eu disse que o plano era fazer com que a polícia fizesse uma visita numa hora ruim para ele? Ele mata mulheres seduzindo elas e as levando para seu apartamento, então a intenção era fazer com que a polícia aparecesse no meio da…
— O que?! — Ele olhou de volta para a varanda, mas o homem não estava mais lá. Ele pegou o telefone e discou o número da polícia.
Agora você está ligando? Mas você acabou de dizer…
— ôOlá?! — Ele gritou no telefone. — Há um cara no meu prédio que vai matar alguém! Ele tem uma arma…
Ele usa uma faca.
— … quero dizer, faca e ah … eu ouvi que eles estava fazendo ameaças a vida de alguém fora do seu apartamento!
— Onde você está?
— Ah… — Garovel informou a ele o endereço do prédio e Hector disse para o oficial.
— Por favor, fique na linha, senhor.
— Desculpe, eu não posso! Só chega aqui logo! — Ele desligou e correu pela rua. Ele entrou varado pela entrada e um guarda de segurança correu para impedi-lo, mas Hector já tinha uma boa vantagem. — Questão de vida ou morte! — Ele gritou de volta como desculpa.
Ele subiu na primeira escada que viu e saiu no quarto andar. Um par de corredores fez com que ele escolhesse, então ele só seguiu as direções de Garovel até a porta do assassino.
Hector bateu na porta.
— Olá?! Por favor abra a porta, senhor! Há, ah – um vazamento de gás e nós precisamos evacuar o prédio!
Nenhuma resposta.
Garovel entrou lá dentro.
Ele está escondendo ela no banheiro.
Ele se afastou e começou a chutar a porta.
— Por favor, senhor! Eu sei que você está aí! Isso é muito importante! — A porta nem se mexia direito. Se ele estivesse chutando uma parede daria na mesma.
Ele está quase cortando a garganta dela.
— Não!
Aqui. — Garovel encontrou seu ombro e Hector sentiu imediatamente uma explosão de dor por todo seu corpo antes dela desaparecer familiarmente. Chuta!
A porta voou de suas dobradiças, arrancando sua tranca e sua fechadura de corrente direto da madeira e gesso.
— Mas que porra?! — Veio uma voz do banheiro e quando o homem saiu e viu Hector, horror apareceu em seu rosto e ele se afastou em direção a sala. — Quem caralhos é você?!
E Hector ficou confuso, porque ele não conseguia ver sua pele se comendo, revelando os músculos secos, sem sangue de seu rosto. Ele não conseguia ver seu cabelo raspado ficando de um branco fantasmagórico ou seus olhos vermelhos delineados na carne enegrecida, morta. Hector só continuou andando para frente, indiferente a faca que o assassino jogou em seu peito. Ele pegou o homem pela garganta e começou apertar lentamente. Hector mal conseguia acreditar quão fraco esse homem era. Facilmente, ele o manteve preso na parede, estrangulando até desmaiar.
Hector olhou para as suas mãos por um segundo, assustado e intimidado por si mesmo. Ele avistou um punhado de corda perto da cama, presumivelmente usado na vítima mais cedo. Ele amarrou o assassino e deu um nó triplo o mais apertado que conseguia.
Então, ele viu a mulher no banheiro. Ela ainda estava viva e consciente até. Quando ela o viu, tentou gritar e se libertar, mas suas amarras a mantinham no lugar perfeitamente demais. Ela foi espancada, aparentemente, e cortes superficiais crivavam seus braços e rosto e estômago.
Hector foi a frente e, então, pensando melhor.
— Desculpe. — Ele disse a ela. — Eu te desamarraria, mas… você devia provavelmente ficar aqui e explicar… éee, para a polícia, o que ele tentou fazer com você. Do contrário, ele pode… você sabe… se safar com isso… e… sim…
Ela só o encarou de volta com olhos arregalados.
— Ah! Mas, é… não se preocupe! A polícia vai chegar aqui a qualquer minuto. Ele está inconsciente agora. E eu amarrei ele por precaução. Então… uh… vo-você está segura agora. E eu-eu deveria ir, devia mesmo ir…
Ao ouvir sirenes ao longe, ele correu. Alguns espectadores se reuniram no lado de fora, o guarda da segurança de mais cedo entre eles, mas ele só passou por aquelas pessoas. Ele não parou de correr até não conseguir mais ver aquele prédio.
Garovel agarrou seu ombro e de repente, sua força o deixou. Ele caiu de joelhos, arfando por ar. Seu corpo mortal, entretanto, voltou ao normal. A carne negra sumindo em alguns pedaços cresceu de novo, voltando a cor marrom cinzenta que ela era antes. Ele mal conseguia andar, como se tivesse acabado de correr uma maratona onde o prêmio era ser atropelado por um ônibus.