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Damn Reincarnation – Capítulo 201

A Câmara de Audiências (2)

As asas abertas de Kristina cobriam a porta e as paredes da Câmara de Audiências. Esquecendo-se até mesmo de regenerar sua mão decepada, Aeuryus olhou para Kristina com os olhos arregalados.

As asas de um anjo eram um símbolo de sua posição. De acordo com o que está registrado nas Escrituras da Luz, quando a Encarnação da Luz, o Filho do Céu, desceu a este mundo, o anjo a quem o Filho do Céu invocou e mostrou mais favores possuía seis asas.

Yuras sempre foi obcecado em reproduzir uma aparência milagrosa. No entanto, a magia divina só era capaz de criar um par de asas. Dependendo de sua forte fé e poder divino, um usuário de magia divina poderia tornar suas asas maiores e mais brilhantes, mas não importa o quanto quisesse, não seria capaz de aumentar o número de asas que poderia crescer.

Várias tentativas foram feitas para aumentar artificialmente o número de asas, mas não deram certo. Embora anexar mais algumas asas a um Pégaso, que possuía um par de asas desde o nascimento, fosse uma tarefa simples que não poderia realmente ser considerada um milagre, não era tão fácil anexar artificialmente um par de asas a um humano que havia nascido sem asas.

Na verdade, se eles pudessem ficar satisfeitos com asas comuns, seria possível implantar dezenas de asas nas costas de uma pessoa em vez de apenas seis.

No entanto, não queriam apenas asas simples e comuns. O que eles queriam eram Asas de Luz. Asas que eram feitas da Luz. As asas, cujo próprio ato de serem abertas, parece milagroso. Mesmo o Papa e os Cardeais, que se implantaram artificialmente com seus Estigmas, só puderam desenvolver duas Asas de Luz.

Era por isso que os três não conseguiam tirar os olhos de Kristina.

Apenas olhando para aquelas oito asas brilhantes, eles poderiam dizer que essas asas não foram criadas artificialmente. Essas asas eram inequivocamente um símbolo da Majestade Divina que deveria ter sido concedida por um milagre. Embora os três também pudessem abrir seus próprios pares de asas grandes e brilhantes, mesmo que todos abrissem suas asas simultaneamente, parecia que não seriam capazes de sobrepujar a luz emitida por aquelas oito asas.

Mesmo que a luz vinda das asas de Kristina brilhasse tanto… Eles não estavam sendo cegados mesmo quando olhavam diretamente para ela. Em vez disso, essa luz gentilmente acariciava e passava por seus olhos, comovendo suas almas.

— Ahhh…! — O cardeal Beshara exalou baixinho e fechou os olhos.

Uma única lágrima escorreu por sua bochecha.

No entanto, o cardeal Pietro, que estava ao seu lado, não derramou lágrimas. Em vez disso, ele olhou para Kristina com os olhos esbugalhados em descrença. Ao mesmo tempo, cerrou os punhos dentro das mangas.

Raphael, que ainda segurava sua espada larga no pescoço deles, notou os olhos de Pietro. A emoção que lentamente borbulhava no olhar do cardeal não era admiração nem adoração.

Como tal, Raphael não hesitou.

Merda!

A lâmina foi empurrada para frente e decapitou Pietro como uma guilhotina.

O próprio Pietro nunca poderia imaginar que seria decapitado assim. Ele era alguém que carregava a marca dos Estigmas em seu antebraço, um dos três Cardeais do Império Sagrado.

Raphael não se importava com nada disso. Embora Pietro tivesse recebido um milagre que deveria forçá-lo a reconhecer a verdade de seus erros, ele se recusou a fazê-lo; assim, Raphael teve que puni-lo.

Pietro teve sua cabeça cortada antes mesmo de invocar a Luz. Enquanto a cabeça de Pietro rolava pela lâmina de sua espada, Raphael a agarrou pelos cabelos.

Pwooosh!

O sangue que jorrou do corpo de Pietro depois de algum tempo, manchou de vermelho as paredes e o teto da Câmara de Audiências.

— Ah… — Beshara, que estava parado ao lado dos dois, engoliu em seco quando o sangue espirrou em sua bochecha.

Ele se virou para olhar o que estava acontecendo ao lado dele em perplexidade. O corpo de Pietro, que teve a cabeça decepada, ficou cambaleando para a frente.

Beshara não foi o único que ficou perturbado com isso. Kristina e Eugene ficaram surpresos com a violência repentina. A mandíbula do Papa Aeuryus se abriu silenciosamente em estado de choque. Restou apenas Raphael, levantando a cabeça de Pietro com uma expressão calma no rosto.

— Por que você… O matou? — Eugene ficou tão pasmo que gaguejou sua pergunta.

Em resposta a isso, Raphael balançou a cabeça de Pietro de um lado para o outro e disse:

— Ele não vai morrer só disso.

Eugene balançou a cabeça.

— Não, isso é um absurdo… Você o decapitou, então como ele pode não morrer? Mesmo alguém tão forte quanto o cardeal Rogeris teria morrido se fosse decapitado—

— Pietro é o Chanceler do Departamento de Magia Divina. — Raphael explicou. — Ele é diferente do Sergio, monge combatente da Inquisição. Não é mesmo?

Bang!

A cabeça balançando da mão de Raphael foi lançada contra a parede.

Com esse impacto, a cabeça de Pietro abriu a boca e gritou:

 Aaargh!

Tal visão deixou Eugene tonto por alguns momentos. Embora soubesse que havia alguns demônios de alto escalão que não morreriam mesmo depois de serem decapitados, ele nunca tinha visto um humano que pudesse sobreviver tendo sua cabeça cortada.

— R-Rapha— Raphael! Você… Como ousa! — Pietro gritou quando o sangue espirrou de seus lábios. Talvez porque sua garganta foi completamente aberta, sua voz tinha um som ofegante e sibilante.

— Rapidamente… Rapidamente recoloque… Meu pescoço… No meu corpo! — Pietro exigiu.

Raphael comentou preguiçosamente.

— Até você provavelmente morrerá se ficar assim por uns cinco minutos, certo?

Pietro o encarou.

— Você… Você se atreve…!

— Embora eu tenha previsto isso, ver você assim na realidade é extremamente perturbador e nojento. Isso poderia realmente ser chamado de milagre? Parece mais magia negra do mal para mim… — Raphael murmurou.

Pietro rosnou.

— Graargh…!

— Já faz um tempo que queria tentar cortar sua garganta. Não há necessidade de você se sentir tão vitimizado, Pietro. Afinal, entre os recrutas recém-alistados para os Soldados da Igreja, sei que você está atraindo alguns jovens pobres que perderam os pais e precisam de dinheiro para realizar vários experimentos com eles.

— Você! O que você sabe? Não aja como se você fosse tão justo…! Tudo isso é para desenvolver novos Milagres—

— Eu não cortei sua cabeça só para discutir com você. — Raphael disse enquanto jogava a cabeça de Pietro para trás.

A cabeça bateu em uma parede e caiu no chão antes de rolar.

— Gaaargh! — Pietro gritou.

Graças a Raphael ter cortado repentinamente a cabeça de um dos cardeais, Eugene estava se sentindo extremamente desequilibrado. Olhando de volta para a pessoa na frente dele, os olhos de Eugene se encontraram com Aeuryus, cujo pescoço ainda estava imprensado entre a Espada do Luar e a Espada Sagrada.

— Eugene Lionheart, você vai me matar? — Aeuryus finalmente exigiu.

Eugene apenas o avisou:

— Você não deveria adicionar um sir a isso?

— Hã? — Os olhos de Aeuryus tremeram em descrença.

Eugene continuou perguntando:

— Você não entende sua situação? Será que você também não morrerá imediatamente se sua cabeça for cortada como a dele?

Aeuryus estoicamente permaneceu em silêncio.

— Ouça com atenção, eu sou o Herói escolhido pela Espada Sagrada, e de acordo com sua doutrina, isso significa que eu sou a Encarnação da Luz. Não é mesmo? Enquanto isso, o Papa não é apenas um Agente da Luz? Certamente a Encarnação deve estar mais próxima de Deus do que o Agente, não?

— Isso…

— O quê? Você vai falar besteira e dizer que eu fui corrompido, como o Sergio? — Eugene disse com um sorriso de escárnio.

Aeuryus não disse uma palavra em resposta a isso e apenas olhou para Eugene. Depois de alguns momentos, ele soltou um longo suspiro e assentiu.

— Entendo. — Concedeu Aeuryus. — Mas, por favor, controle sua raiva e deixe-nos tratar da cabeça de Pietro.

Eugene levantou uma sobrancelha.

— E por que eu deveria fazer isso?

— Sir Eugene, você pode não estar ciente, mas Pietro fez muitas coisas para a Luz nas últimas décadas. — Aeuryus tentou argumentar.

— E eu acho que um dos resultados é que ele não morre imediatamente, mesmo que sua cabeça seja cortada? — Eugene perguntou sarcasticamente.

— Esse é o resultado de repetidamente realizar milagres experimentais em seu próprio corpo. Lorde Raphael pode ter acusado Pietro de prejudicar os jovens recrutas, mas isso foi tudo para fortalecer os soldados da Igreja. E por que o Império Sagrado de Yuras requer um exército forte? E onde ele os coloca em uso? Não é tudo para manter Helmuth sob controle—?

— Eu também não vim aqui para ouvir essas merdas.

A Espada Sagrada começou a emitir luz. Os olhos de Aeuryus se estreitaram quando ele olhou para a luz fluindo através da espada ao lado de seu pescoço.

— Então, por favor, vamos conversar, Sir Eugene. — Aeuryus pediu educadamente.

Antes que Eugene pudesse responder a essas palavras, a cabeça de Pietro, que rolou para um canto, gritou:

— Conversar?! Vossa Santidade, que tipo de conversa você pode ter com esses corrompidos vis e perversos!

Pietro simplesmente não conseguia manter a compostura. Já fazia mais de um minuto desde que sua cabeça havia sido cortada. Mesmo com os estigmas implantados nele, certamente morreria se sua cabeça fosse cortada e não recolocada em cinco minutos. Pietro não pôde deixar de se sentir ansioso e furioso ao pensar que lhe restavam apenas alguns minutos de vida.

Pietro exigiu.

— Você precisa chamar os Paladinos e a Igreja do Sol—

— Se eu oferecer a cabeça dele, você estaria disposto a falar comigo? — Aeuryus perguntou calmamente enquanto seus olhos apontavam para Pietro.

A essas palavras, a cabeça de Pietro, que já empalidecera com a perda de tanto sangue, se contorceu em uma careta.

— Aeuryus!

Aeuryus se desculpou.

— Me desculpe, Pietro. No entanto, não quero que meu nome fique assim na história.

Pietro gaguejou.

— O-O que você quer dizer!

— Talvez possamos superar essa situação perigosa. No entanto, você acha que será possível resolver essa crise sem problemas? Não importa o que aconteça, um tumulto ocorrerá, então os Paladinos e os Soldados da Igreja se reunirão. — Aeuryus soltou um longo suspiro e fechou os olhos. — Como exatamente devo explicar essa situação para eles? Devo dizer a eles que Eugene Lionheart, a Encarnação da Luz, se rebelou e que o sempre leal Cruzado, Lorde Raphael, juntou-se à sua rebelião? Como devo explicar as asas crescendo nas costas da Candidata a Santa Kristina?

— I-Isso é…!

— Já pensei várias vezes, mas não adiantaria nada para a Igreja superar ou mesmo mostrar resistência nessa situação.

— Mas não importa o quê…! Você, você realmente vai me sacrificar quando estamos liderando esta Igreja juntos há décadas?! — Pietro rugiu em descrença.

Aeuryus suspirou.

— Abafe sua raiva, Pietro. Afinal, não foi por sua própria ruína que você foi decapitado?

Eugene, ouvindo a conversa, soltou um bufo. Como esperado do Papa Aeuryus. Ele era definitivamente um fanático como o resto, mas como alguém que liderou a Igreja da Luz nas últimas décadas, tinha um lado astuto.

Eugene falou:

— Se for apenas uma conversa, então, é claro, estou disposto a participar enquanto você desejar.

— E o que devemos fazer com a cabeça de Pietro? — Aeuryus perguntou cautelosamente.

— Não fui eu que cortei, então por que você está me perguntando? — Eugene disse com um encolher de ombros e um sorriso malicioso.

Agora que as coisas aconteceram assim, não significaria muito para a situação geral subtrair uma vida ou duas, mas Eugene não queria assumir desnecessariamente a responsabilidade por isso.

Porém, Eugene não tinha certeza se Raphael entendia suas intenções. O que estava claro era que Raphael não gostava de Pietro. A magia divina desenvolvida pelo Departamento de Magia Divina, liderado por Pietro, muitas vezes exigia preços que não valiam o milagre, a maioria dos quais envolvia a destruição do corpo.

Os Cavaleiros da Cruz de Sangue, liderados por Raphael, não precisavam confiar em tais milagres duvidosos e grosseiros, mas havia uma superabundância de Paladinos em Yuras.

Entre esses outros Paladinos, havia alguns cavaleiros da fé recém-nomeados que bateriam à porta do Departamento de Magia Divina, esperando por uma Luz mais forte e brilhante.

— E-Espere. — Pietro gritou.

A luz irrompeu da espada larga de Raphael. Beshara, vendo isso acontecer bem diante dele, suspirou e fez o sinal da cruz.

O corte não fez nenhum som. A espada larga de Raphael moveu-se a uma velocidade inacreditável para seu tamanho e cortou o corpo de Pietro.

Swoosh!

A seguinte torrente de golpes caiu sobre a cabeça de Pietro. Como da última vez, Pietro não conseguiu nem soltar um grito. Uma luz brilhante envolveu a cabeça dele e, em meio a essa luz, sua cabeça se transformou em pó.

— Essa luz. — Murmurou Beshara. — E pensar que a Luz emitida por uma espada que mata um Cardeal… Seria tão inacreditavelmente brilhante.

— Pois é. — Raphael concordou com uma risada enquanto retirava a Luz de sua grande espada.

Aeuryus questionou Eugene.

— O que você fez na Fonte de Luz?

— Salvei uma mulher que sangrava profusamente. — Confessou Eugene.

— Está dizendo que matou tantos crentes só para salvar a Candidata a Santa? — Aeuryus perguntou em descrença.

— Não a salvei porque ela é a Candidata a Santa. — Negou Eugene.

— Então por quê?

— Porque recebi uma revelação.

Não era mentira. Eugene realmente recebeu orientação da Espada Sagrada para romper as restrições em torno dos templos. Na nascente da fonte, vira até os santos que se entregaram à Fonte desde tempos remotos.

— Já que me foi mostrada tal revelação, eu não podia simplesmente ficar parado. — Declarou Eugene.

— Uma revelação, você diz. — Aeuryus riu e acenou com a cabeça.

Antes que Aeuryus percebesse, as duas espadas que estavam tocando seu pescoço já haviam sido retiradas. Aeuryus pegou sua mão direita que havia caído sobre a mesa e a colocou de volta no toco de sua mão decepada.

Ziiip!

A carne de Aeuryus começou a se fundir uma com a outra.

— A revelação o instruiu a destruir a Fonte? — Aeuryus perguntou.

— Não. — Admitiu Eugene.

— Então, Sir Eugene, isso significa que foi sua decisão destruir a Fonte. — Concluiu Aeuryus.

Eugene acenou com a cabeça.

— Isso mesmo.

— O fato da Espada Sagrada poder emitir uma luz tão brilhante em sua mão… No final, isso não significa que a Luz estava enfurecida pelo ritual que estava sendo realizado na Fonte? — Aeuryus perguntou duvidosamente.

— Não sei quanto à Luz, mas fiquei furioso. — Respondeu Eugene.

— Sir Eugene. — Aeuryus levantou a mão para agarrar a coroa de três camadas acima de sua cabeça, levantou-a lentamente e colocou-a na frente dele. — Nossas crenças estão erradas?

Esta pergunta não poderia ser respondida levianamente. Eugene olhou para o Papa de Yuras na frente dele. Embora apenas um único papa estivesse diante dele, toda a história do Império Sagrado podia ser vista na luz piscando em seus olhos.

Então Eugene decidiu responder honestamente:

— Como posso saber?

Ele não foi ali com uma intenção grandiosa de discutir sobre o certo e o errado de sua fé. O que Eugene queria, no final, era que nada tivesse acontecido. Por todas as coisas que ele fez em Yuras para não se tornar um problema e pesar sobre ele como uma bola amarrada em seu tornozelo. Para que a realização problemática e grandiosa de transformar todo o Império de Yuras em seu inimigo não acontecesse.

— Se você quiser saber se suas crenças estão certas ou erradas, pergunte a ela. — Eugene disse enquanto virava a cabeça e olhava para baixo.

Seus olhos se encontraram com Kristina, cujas oito asas ainda estavam abertas.

[Kristina Rogeris…] a voz em sua cabeça falou com ela.

A intenção não era dar um empurrãozinho nas costas dela. Kristina estava bem ciente do que deveria fazer nessa situação. Ela não precisava reunir nenhuma grande determinação para fazê-lo. A própria Kristina sabia que merecia fazer isso.

A luz se espalhou dela como penas caindo quando Kristina abriu suas asas e voou para ficar bem na frente de Aeuryus.

— Aaaah…! — Beshara fechou os olhos e levantou uma oração em sua aparência sagrada.

Aeuryus acalmou sua respiração trêmula e piscou os olhos uma vez antes de falar.

— Candidata a Santa Kristina. Não, não é mais apropriado chamá-lo de–

Antes que suas palavras terminassem, a mão direita de Kristina deu um tapa na orelha de Aeuryus.

Craaaack!

Um som inacreditavelmente pesado de um tapa ecoou pela Câmara de Audiências.

— Vamos começar com esse golpe. — Os lábios de Kristina se abriram. — Descobri o que sou. Sei como eram as santas que vieram antes de mim e o que acontecia com elas quando morriam. Eu sei a verdade daquele nome falso que você deu à Fonte de Luz.

— No entanto, é verdade que você criou asas. — Aeuryus tentou argumentar.

— Sim, isso mesmo. — Admitiu Kristina. — Mas essas asas não foram criadas por mim através dos milagres e rituais planejados por você. Essas asas não são produtos dos falsos milagres que todos vocês têm procurado.

— Se for esse o caso, isso significa que tudo o que fizemos não tem sentido? — Aeuryus perguntou. — A nossa fé, não, a fé de todos os Papas e Cardeais que existiram no passado está errada?

— Existem aqueles… — Kristina começou hesitante. — Que foram salvos por este país que você cultivou e pela Luz e fé que você promoveu incansavelmente.

Kristina relembrou algumas de suas memórias distantes. Antes mesmo de se tornar filha adotiva de Sergio Rogeris. Ela se lembrava de viver em um monastério rural isolado e pacífico.

Embora ela pudesse estar sob vigilância desde então, Kristina não tinha consciência disso em sua infância. Todas as crianças que foram criadas no monastério eram de circunstâncias semelhantes. Eram crianças abandonadas pelos pais. Todos de origens comuns, crianças que não sabiam nada sobre suas famílias.

Os monastérios da Igreja da Luz recebiam regularmente tais órfãos.

Kristina não fazia ideia se os órfãos criados pelo monastério cresceram da maneira certa e, eventualmente, encontraram sua própria felicidade. No entanto, naquela época… Quando Kristina pensou em sua vida no monastério, sentiu que a salvação da Luz veio para salvar seu eu abandonado.

— Mas também há aqueles que foram feridos por suas obsessões. — Concluiu Kristina.

Aeuryus implorou:

— É errado ansiar pela Luz?

— Não, isso não está errado. No entanto, você foi além do desejo pela Luz e quis possuir uma Luz criada por suas próprias mãos. Todos vocês… Deveriam servir ao Deus da Luz, mas em vez disso se intrometeram em seu domínio. — Kristina condenou.

— Hahaha…! — Aeuryus riu e balançou a cabeça. — Se você realmente sabe tudo, e de fato recebeu um milagre ‘real’ que lhe deu a habilidade de abrir essas asas, então, por favor, responda a esta pergunta. Há muito, muito tempo, a Encarnação da Luz, o Filho do Céu, desceu a esta terra, então morreu e partiu mais uma vez, deixando para trás a Espada Sagrada Altair…

— Sim, é verdade. — Kristina assentiu com impaciência.

— No entanto, depois que o Filho do Céu nos deixou, nenhum dos crentes da Luz conseguiu segurar a Espada Sagrada. E isso não foi o fim, foi? Embora os crentes ansiassem tão fervorosamente pela Luz, a Luz que havia retornado aos céus nunca mais voltou. Ele nem mesmo enviou um novo Apóstolo para tomar seu lugar. — Aeuryus disse amargamente, seu rosto não mais calmo. Com olhos apaixonados, ele olhou para Kristina e continuou falando. — Foi por isso que nossos predecessores decidiram trazer a Luz de volta. Isso é… Isso é realmente um grande erro?

— A Luz… — Kristina fez uma pausa enquanto examinava as memórias de Anise.

Agora Kristina não tinha mais dúvidas sobre a existência do Deus da Luz.

Kristina continuou.

— Não importa que tipo de ações feias eles cometeram, a Luz sempre esteve lá para eles, concedendo suas bênçãos.

Eles tentaram criar artificialmente uma Santa, clonaram-na e então usaram seus restos mortais como uma relíquia sagrada para criar a Fonte de Luz.

Naquela época, a Igreja sentiu que não tinha escolha a não ser fazê-lo. A era atual podia ser pacífica, mas mesmo voltando apenas trezentos anos atrás, o mundo entrou em uma era de guerra liderada pelos Reis Demônios. Em épocas anteriores, as guerras eram ainda mais frequentes quando as nações colidiam umas com as outras e até mesmo as crenças eram contestadas.

Em tal época, a Santa criada para servir como uma arma divina conseguiu ter um desempenho admirável. Nos campos de batalha onde a Santa podia participar, o dano aos seus aliados era esmagadoramente menor. Em troca, a vida da Santa era curta, mas ela era capaz de salvar a vida de inúmeros soldados em troca.

— Os crimes que sucessivos papas e cardeais cometeram… A Luz não teve escolha a não ser aceitar com tristeza seus atos. — Revelou Kristina.

Se a existência da Santa foi realmente um erro….

Se Yuras, que criou e fez uso da Santa, estivesse errado ao fazê-lo…

Então, certamente, a Luz não deveria tê-los deixado imediatamente?

Kristina explicou:

— A razão pela qual a Luz não voltou a este mundo é que ela já habita nos corações dos crentes que o servem e brilha sobre eles dos céus lá em cima.

— …

Aeuryus permaneceu em silêncio.

— A misericordiosa Luz pode aceitar todo o passado sórdido deste país. No entanto, isso não absolve suas transgressões. A Luz sabe com que facilidade o fanatismo pode destruir alguém. É por isso que não permite que um cidadão deste país levante a Espada Sagrada.

— Como… Como pode ser isso?!

— Você deve relembrar toda a história deste país e o que todos vocês fizeram para propagar sua fé. Por exemplo, os estigmas foram transmitidos por sucessivas gerações de papas e cardeais. Só por isso, os Papas e Cardeais foram considerados especiais, e muitas pessoas se tornaram seguidores da Luz porque ficaram fascinadas com o ‘símbolo’ dos Estigmas. — Kristina apontou.

Aeuryus hesitou.

— Isso foi para revitalizar a igreja…

Kristina concordou.

— Sim, eles conseguiram revitalizar a igreja com seus estigmas auto desenhados e santos autoproclamados. É assim que Yuras conseguiu reinar como um Império Sagrado por tanto tempo. No entanto, a Luz não mais ignorará suas transgressões. A Luz não quer que a Espada Sagrada, que foi forjada pessoalmente de sua própria carne e sangue, seja usada como um símbolo de conversão cuidadosa.

— Ha… Hahaha! — Aeuryus soltou uma risada abatida e abaixou a cabeça. — Então se é por isso que não fomos capazes de carregar a Espada Sagrada… Então por que… Por que o Grande Vermouth foi capaz de segurar a Espada Sagrada? Por que seu descendente, Eugene Lionheart, está atualmente segurando a Espada Sagrada?

— Porque a Era precisava de um Herói. — Kristina respondeu com uma voz inabalável. — A Luz queria que a Espada Sagrada fosse usada apenas para salvar o mundo, não para agir como um símbolo que levaria a uma era de fanatismo. Portanto, uma pessoa com as qualificações para isso poderia sacar a Espada Sagrada e se tornar o Herói.

— Santa Kristina, você… Está dizendo que Eugene Lionheart, que nem é de Yuras, é o Herói que salvará este mundo? — Aeuryus perguntou duvidosamente.

Kristina negou isso.

— Não fui eu que o escolhi para ser o Herói. O Deus da Luz escolheu pessoalmente Sir Eugene Lionheart.

Aeuryus ficou em silêncio.

— Nasci santa e me tornei santa. Mas para mim, a vida de santa nunca pareceu a salvação. — Kristina admitiu enquanto virava a cabeça para olhar para Eugene. — Sir Eugene é quem me salvou quando precisei. Ele olhou para mim, não como uma santa, mas como uma pessoa, e estendeu a mão para mim. Papa Aeuryus, você… Já pensou em salvar alguma das Candidatas a Santa?

Não havia como isso acontecer. As Candidatas a Santa eram apenas uma existência assim. A existência delas era necessária para o bem de Yuras, da Igreja e do mundo. Era natural que a missão de uma santa fosse mais importante do que a personalidade ou as emoções de qualquer santa individual.

— Yuras não conseguiu nem salvar uma única mulher que estava apodrecendo em agonia. Como uma pessoa de um país como Yuras pode se tornar um herói para salvar o mundo? — Kristina zombou amargamente.

Incapaz de dizer mais alguma coisa, Aeuryus fechou os olhos. Beshara derramou lágrimas enquanto recitava uma oração repetidas vezes.

— O que devemos fazer? — Aeuryus finalmente falou no final de um longo silêncio. — O que você quer de nós?

— Por favor, não se envolva. — Respondeu Kristina. — Por favor, não responsabilize Sir Eugene por nada disso. Por favor, não cometa mais transgressões. Por favor, não repita nenhum dos seus pecados. E para as santas que foram sacrificadas até agora, bem como para as candidatas que não puderam se tornar santas… Por favor, ergam um memorial em memória delas.

Aeuryus silenciosamente aceitou esses pedidos.

— Não haverá mais necessidade de santas nas eras vindouras. — Prometeu Kristina. — Então, por favor, não tente fazer mais santas. Se você ainda tiver algumas das relíquias guardadas… Por favor, devolva-as para onde elas precisam ir. Por favor, não me reconheça abertamente como a Santa. Você não tem o direito de dar tal reconhecimento.

— Nossa fé… — Aeuryus falou hesitantemente.

Kristina instruiu.

— Apenas sirva à Luz com intenções puras. Seja grato pela Luz que existe em todos os lugares deste mundo.

— Sim. — Aeuryus olhou para a Luz com olhos vazios. — Eu prometo que vou.

Agora, tudo estava acabado.

Kristina tentou se retirar ao sentir uma leve tontura. No entanto, naquele momento, Anise falou dentro da cabeça dela.

[Kristina, pode me emprestar seu corpo por alguns momentos?]

“Irmã, há mais alguma coisa que você gostaria que eu dissesse a eles?”

[Este é o meu próprio negócio pessoal. Não vai demorar muito, então, por favor, permita-me usar seu corpo por um tempo.]

Ah… Tudo bem, eu entendo. Acredito que você realmente não faria isso, mas, por favor, não faça nada com meu corpo que me envergonhe.”

Embora se sentisse desconfortável, Kristina se concentrou na alma de Anise.

Então ocorreu uma conversão.

Anise sabia que, como alguém que já havia morrido, seria inaceitável para ela roubar ou monopolizar o corpo de Kristina para si mesma. No entanto, haveria momentos em que ela não poderia deixar de fazê-lo. Agora era um desses momentos para Anise.

Bam!

Um som mais pesado que o tapa de antes sacudiu a Câmara de Audiências.

Era natural. Anise não deu um tapa nele como Kristina tinha feito, mas em vez disso esmagou o nariz de Aeuryus com o punho cerrado.

— Gah?!

Quem poderia imaginar que um soco seria lançado voando em seu rosto em tal momento? Aeuryus caiu para trás em sua cadeira.

— Abra a porta do Cofre de Artefatos Especiais. — Ordenou Anise.

— Ah… Hã? — Aeuryus gaguejou dolorosamente.

— Não, será que preciso mesmo mandar você abrir a porta? Eu mesma abro a porta, então apenas me dê a chave.

Quando disse isso, Anise agarrou a mão direita de Aeuryus e puxou o anel de platina de seu dedo indicador. Embora tivesse dito a ele para entregá-lo, ela mesma o pegou.

— Afinal, mesmo que você tenha dito tudo isso, não é possível que vocês voltem atrás em suas palavras nos bastidores? — Anise murmurou para si mesma. — Então, irei ao Cofre de Artefatos Especiais e verificarei as relíquias restantes. Ao vê-los com meus próprios olhos, poderei julgar quais coisas não devem existir e cuidar delas com os Ritos Sagrados.

— Ah… Não entendo. — Aeuryus gaguejou mais uma vez.

Embora a demanda fosse excessiva, Aeuryus não conseguiu resistir às palavras dela. Por alguma razão, a natureza da Luz ao redor de Kristina parecia ter mudado, e era impossível sequer pensar em recusar, especialmente quando ele estava sendo confrontado com aqueles olhos.

— Também retirarei todos os itens que preciso carregar do Cofre de Artefatos Especiais, portanto, ignore-os se estiverem faltando.

— Sim…

Ao ouvir esta resposta tímida, Anise sorriu contente. Ela massageou o pulso dolorido e se virou, encontrando o olhar de Eugene, que estava parado ao lado dela com uma expressão atordoada.

— O que você está olhando? — Anise perguntou descaradamente.

— Uh… Hum… Oh, isso mesmo, é você. — Eugene assentiu.

— Vamos. — Disse Anise enquanto abria as asas e deslizava do estrado elevado.

Raphael, que havia devolvido a grande espada às costas, curvou a cabeça para Anise, mesmo enquanto inclinava a cabeça interiormente em confusão com a estranha sensação de incongruência e carisma vindo de Kristina.

Antes de deixarem a Câmara de Audiências, Beshara, que estava orando por algum tempo, soluçou e gritou para Anise. — Senhorita Santa.

— O que foi? — Anise respondeu secamente.

— Nós… Podemos mesmo ir para o céu? O céu é realmente real? — Beshara implorou.

Com essa pergunta, Anise bufou e enfiou as asas de volta.

— O céu existe, mas você precisa fazer muitas boas ações para entrar lá.

— Ah…! — Beshara engasgou. 

— Você sabe o que isso significa, certo? Só porque você é um Papa ou um Cardeal não significa necessariamente que você vai para o céu. — Enquanto Anise dizia isso, abriu as portas fechadas da Câmara de Audiências. — Se você quer ir para o céu, vá e faça boas ações.


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