Nick continuou mentindo, mas isso se tornara mais difícil depois da intervenção da Faca.
Originalmente, Nick havia preparado uma história em que conseguia atrair a Orgulho para uma caverna em uma depressão, mas agora, precisava alterar sua narrativa para que ela terminasse nas montanhas.
— Foi assim que consegui assassinar o Manto — explicou Nick.
Segundo sua história, ele se aproximou por trás, observou o Manto atacar seu servo, encontrou o local onde o Núcleo de Espectro estava localizado e o destruiu com um ataque devastador.
Os Escudos não questionaram muito.
Sabiam que Nick estava sendo vago sobre seus poderes.
— Você realmente tem poder para matar um Demônio Intermediária assim? — perguntou o Braço Direito.
Naturalmente, Nick havia dito que o Manto era um Demônio Intermediária.
— Sim — respondeu Nick. — Em uma batalha direta, talvez eu perdesse, mas em um assassinato, eu provavelmente venceria.
Isso não era mentira.
Os Escudos estavam acostumados com feitos impressionantes de poder.
Afinal, qual Escudo nunca havia matado pessoas ou Espectros alguns Estágios acima do seu no passado?
No entanto, as histórias de Nick só podiam ser rivalizadas pelas histórias da Faca envolvendo seus assassinatos.
Naturalmente, a Faca era a melhor assassina do mundo, e todo seu poder girava em torno de furtividade, velocidade e destruição.
Embora a Faca provavelmente não conseguisse enfrentar nenhum outro Escudo abertamente, se tivesse a oportunidade de atacar em segredo, seria capaz de matar qualquer outro Escudo, e talvez até representar uma ameaça para o Campeão da Luz.
Ela era como a Guerra. Só podia atacar uma vez, mas, se conseguisse atacar, era altamente provável que vencesse.
De certa forma, Nick não era exatamente como ela.
Tecnicamente, Nick não possuía um ataque devastador.
Ele simplesmente lançava uma saraivada de ataques normais com poder aumentado.
Não possuía nenhum tipo de veneno especial, efeito de sangramento, penetração ou algo do tipo.
Todos os outros Extratores tinham poderes como adicionar explosões às balas, absorver Zephyx, lançar bolas de fogo, e assim por diante.
Esse também era o motivo de Nick ser praticamente inútil contra um Espectro de Força.
Enquanto isso, o poder de combate devastador da Faca vinha de sua habilidade principal, que ela havia aprimorado várias vezes adquirindo habilidades compatíveis.
Se conseguisse causar um ferimento no oponente, podia usar seu próprio corpo como substituto para o corpo do inimigo.
Por exemplo, a Faca havia cortado o torso da Orgulho. Depois, esfaqueou seu próprio torso e ampliou o ferimento.
A gravidade com que o ferimento havia sido exacerbado era refletida na Orgulho com um valor modificado como ferimento inicial.
O ferimento da Faca havia se tornado mais de dez vezes pior, o que significava que o ferimento da Orgulho também se tornava mais de dez vezes pior, mas, devido à diferença nas gravidades dos ferimentos base, tinha sido muito pior para a Orgulho.
Naturalmente, havia algumas regras que precisavam ser seguidas, e o poder do inimigo em relação à Faca também fazia uma grande diferença.
Claro, a Faca também possuía algumas habilidades que aumentavam o poder de seu ataque inicial. Caso contrário, só conseguiria provocar um arranhão em um Espectro inimigo, tornando sua habilidade principal essencialmente inútil.
O fato de o poder de Nick em termos de assassinato poder ser comparado aos feitos da Faca era bastante chocante para os Escudos.
Eles queriam saber como Nick havia se tornado tão poderoso, mas sabiam que não receberiam uma resposta direta.
Além disso, já haviam feito essa pergunta da primeira vez que conversaram com Nick, e ele simplesmente respondeu que usava armas humanas e havia passado por uma longa educação humana.
De certa forma, era compreensível que Nick fosse muito poderoso, já que tinha a vantagem dos dois mundos.
Ele era essencialmente um urso com cérebro humano.
Mas o grau dessa diferença de poder ainda era chocante.
De algum modo, Nick conseguiu mentir durante toda a história e chegou à parte crucial.
— O motivo de eu acreditar que a Orgulho poderia aparecer foi por causa da minha interação anterior com a Ira — disse Nick.
Isso despertou o interesse dos Escudos.
Era preciso lembrar que, embora os Escudos estivessem lutando contra os Corruptores havia séculos, nunca realmente entraram em contato com eles.
Não havia diplomacia.
Além disso, se conseguissem entrar em contato, poderiam rastrear sua localização e matá-los.
Se um Escudo conseguisse encontrar um Corruptor, esse Corruptor muito provavelmente morreria, o que tornava interações diretas também impossíveis.
Nick havia visto e ouvido os Corruptores várias vezes mais do que todos os Escudos juntos.
— Quando trabalhei com a Ira, percebi que ele estava constantemente irritado sem motivo aparente — disse Nick. — Era basicamente impossível falar com ele sem que estivesse irritado com alguma coisa.
— Acredito que os Corruptores sejam como eu, Espectros com estados mentais anormais. Muito provavelmente, estão sentindo emoções relacionadas a seus nomes.
— Embora matar pessoalmente meu servo fosse um risco sem recompensa real, acreditei que a forma como meu servo sabotou a Orgulho a faria se sentir humilhada. Também apostei na possibilidade de que a Orgulho não tivesse outros servos capazes de matar meu servo — explicou Nick.
— Apesar de tudo isso, eu só disse que havia uma pequena chance.
Nesse momento, o Braço Direito se virou para a Braço Esquerdo. — E você acreditou nisso? — ele perguntou.
— Não completamente — disse a Braço Esquerdo. — No entanto, acredito que precisamos de uma mudança drástica no status quo. Estamos lutando contra os Sete Corruptores há séculos sem nenhum progresso significativo.
— Perder e conquistar cidades faz diferença no papel, mas o jogo em si não avança de verdade. Eu estava disposta a correr o risco.
Os outros Escudos olharam para a Braço Esquerdo em silêncio por um tempo.
Quase todos concordavam que jamais teriam enviado algo ou alguém tão vital quanto a Faca por uma chance tão pequena.
E, ainda assim, não podiam negar o fato de que isso havia dado muito certo.
O relatório de Nick essencialmente terminava ali, já que o restante poderia ser coberto pela Faca.
— Você contribuiu enormemente para a humanidade — disse o Campeão da Luz a Nick após um tempo. — Por ora, não parece ter sido um erro investir em você. Concederei a você mais liberdade em como agir e nas formas como contribui para a humanidade.
Nick fez uma reverência educada. — Obrigado, Campeão.
O Campeão se voltou para o Técnico. — Ainda assim, quero que continue supervisionando-o e aprofundando sua pesquisa sobre os Espectros.
— Pode deixar — respondeu o Técnico.
Então, o Campeão se voltou para a Braço Esquerdo. — Pode usar o Espectro em missões sem meu consentimento explícito a partir de agora.
— Obrigada, Campeão — respondeu a Braço Esquerdo com cortesia.
Por fim, o Campeão se virou para Nick. — Pode se retirar.
Nick fez uma última reverência antes de sair da sala.
Depois, desceu até a área de pesquisa e desenvolvimento e esperou pelo Técnico.
O Técnico chegou quase uma hora depois, com uma expressão exausta.
— Alguma novidade? — perguntou Nick.
O Técnico olhou para Nick antes de apertar o botão que cobriu sua percepção por um momento.
— Certo — disse Nick após o Técnico voltar a ficar visível. — E por que fez isso?
A expressão do Técnico não mudou. — Não foi de propósito — resmungou.
A pergunta de Nick havia sido a palavra-código que informava ao Técnico que estavam sendo observados naquele momento.
A habilidade de Nick não se ativara quando os sentidos do Técnico foram encobertos.
Isso significava que alguém os estava observando naquele exato momento.
Naturalmente, nem Nick nem o Técnico conseguiam dizer quem era, o que deixava apenas duas possibilidades.
O Campeão da Luz ou a Faca.
— Deixe-me tentar de novo — disse o Técnico.
Então, seu corpo desapareceu novamente por um instante.
Dessa vez, a habilidade de Nick se ativou.
— Seguro — respondeu Nick.
— Não seguro o bastante — disse uma voz vinda das sombras.
As sobrancelhas de Nick se franziram, mas o Técnico não pareceu surpreso.
No instante seguinte, uma garota jovem tornou-se visível no escritório.
Era a Faca.
Nick olhou para a Faca com leve interesse. — Suponho que esteja disposta a participar? — ele perguntou.
— Eca, não. Sou uma criança — disse a Faca com nojo.
O Técnico deu uma risadinha.
— Você sabe o que eu quis dizer com isso — respondeu Nick, com indiferença.
A Faca apenas revirou os olhos. — Foi uma piada. Relaxa, vai. E também, você não tá falando casual demais comigo? Eu sou uma Escudo, sabia? Um pouco mais de respeito seria apreciado — disse ela com um suspiro, como se fosse mesmo uma garotinha.
Nick piscou uma vez. — Você me manda relaxar e ser mais respeitoso ao mesmo tempo?
— É, essa é a piada, idiota — disse a Faca.
Em seguida, virou-se para o Técnico e apontou com o polegar para Nick. — Você trabalha com essa aí?
— Ah, ela nem é tão ruim assim — disse o Técnico, indo se sentar em uma das cadeiras de seu escritório.
— O quanto você sabe? — perguntou Nick, tentando trazer a conversa de volta a um assunto relevante.
— Sei lá — respondeu a Faca, se jogando em uma das cadeiras e apoiando os pés na mesa. — O quanto você sabe?
Nick apenas piscou lentamente uma vez.