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Mushoku Tensei: Jobless Reincarnation – Volume 20 – Capítulo 3

Cliff e o Conselho Estudantil do Instituto de Magia

Naquele dia, Cliff visitou a sala dos professores. A graduação já estava batendo na porta, o que significava que era o momento de apresentar os resultados de suas pesquisas. O tema que escolheu foi “Supressão de maldições via implementos mágicos”. Os professores rapidamente analisaram e distribuíram cópias do documento, tudo enquanto teciam louvores a Cliff. Não demorou para que seu trabalho culminasse em debates e sessões de perguntas e respostas. A sala da coordenação estava fervendo. Cliff ouviu até mesmo um dos professores dizendo que sua pesquisa faria história, mas Jenius, o líder dos professores, tinha algo mais a dizer:

— Lamento por não dar mais holofotes a essa pesquisa revolucionária… mas o porta-voz da classe já foi selecionado.

O porta-voz daquele ano seria alguém chamado Brooklyn Von Elzas, do Ducado de Neris. Cliff conhecia aquele nome; era alguém com quem ele passara alguns anos competindo pelas melhores notas, entretanto ele nunca perdeu para Brooklyn uma vez sequer.

— Sinto muito. Talvez não seja o lugar para falar sobre isso, mas você manteve as melhores notas de toda a classe de graduandos. Deve se orgulhar.

Cliff apenas respondeu à notícia dizendo “Tudo bem, eu entendo” antes de deixar a sala da coordenação. O antigo Cliff poderia ter tido um ataque de fúria, contudo, os últimos sete anos o mudaram. Aprofundar-se em seus estudos, fazer novos amigos e o trabalho como sacerdote renderam-lhe muitas experiências novas e com elas, vieram a maturidade. Escolas tinham que considerar suas posições. Administrar uma academia não era barato. Países eram poderosos. As pessoas não eram iguais. Você tinha que fazer a sua parte e seguir adiante.

Além disso, Cliff não via muito valor no título de “Porta-voz da Universidade da Magia”. Ele tinha amigos que não tinham títulos e isso não os tornava menos incríveis. Um deles em particular foi nomeado como “Mão Direita do Deus Dragão”, embora ele não tenha entregue nenhum currículo para esse cargo. A conquista se deu simplesmente devido ao resultado de seus feitos.

Fruto da experiência, certamente. Cliff não conseguia deixar de rir do quão tolo era perseguir títulos depois de refletir sobre o assunto.

Ele deu um forte suspiro.

Se tivesse que se preocupar com algo, seria com sua pesquisa incompleta. Sua tese ainda era “Supressão de maldições via implementos mágicos”. Caso tivesse sido só um pouco mais bem-sucedido, poderia substituir “supressão” por “remoção”, e aí não teria mais nenhum arrependimento. Infelizmente, por não ter terminado, não podia falar de soluções permanentes. Ele conquistou algo, pelo menos. Tanto Elinalise quanto Orsted o agradeceram por enfraquecer suas maldições; ainda assim, o objetivo principal escorregou entre seus dedos.

— …

Cliff se aproximou do parapeito da janela e olhou para o exterior. O campus da Universidade da Magia mudou drasticamente durante esses sete anos que se passaram.

Sabe, pensou ele, eu era bem irritante quando cheguei aqui.

No passado, Cliff tinha completa certeza de que era um gênio, os anos, contudo, provaram o contrário, tornando-o dolorosamente consciente de que não era nada em especial; embora se comparado aos outros estudantes, suas notas eram excepcionais. O velho Cliff teria ostentado isso todo sorridente, mas o atual não sentia que havia algo de que pudesse se vangloriar. Aqueles últimos sete anos foram movimentados com várias experiências únicas em sua vida. Seu casamento com Elinalise, sua pesquisa sobre maldições, a boneca bizarra na mansão do Rudeus, a batalha no Continente Demônio, o Olho Demoníaco que lhe foi concedido, o nascimento de Clive… muitas coisas haviam acontecido, e foi preciso que muitas delas fossem encaradas com todo o coração para que pudessem ser superadas. Foram esses desafios que fizeram dele o homem que era hoje, e não um dom que recebeu ao nascer. Lembrar disso o mantinha humilde.

Suas vivências podem ter sido a razão pela qual Cliff era tido em tão alta conta por sua congregação quando trabalhava como aspirante a sacerdote de Millis. Eles diziam que, apesar de sua idade, ele tinha uma empatia extraordinária. Certas vezes, diziam até mesmo que ele se tornaria um grande sacerdote. Quando o encarregado pelo templo de Sharia deu a Cliff seu certificado de sacerdote, também lhe deu sua benção ao dizer “Você se sairá bem aonde quer que vá”. Ele nunca teria dito isso se Cliff ainda fosse o mesmo garoto de sete anos atrás.

— Phew…

Cliff deu um sorriso de satisfação. Não havia se tornado o homem que sonhava ser, mas em alguém melhor; preferia essa versão dele mesmo.

— Agora, o que fazer a partir daqui…

Ele apresentou sua pesquisa e faltava pouquíssimo tempo até a cerimônia de formatura. Cliff disse a Rudeus que lhe daria uma resposta quando se formasse, e teria de apresentá-la agora. Ele queria retornar à Millishion, mas também tinha sua esposa e seu filho. Os pais de Cliff morreram durante disputas de poder com a Igreja Millis. Seu avô, em especial, lutou pelo posto de papa. Caso voltasse, colocaria sua família em perigo sem sombra de dúvidas. Foi então que Rudeus ofereceu a solução numa bandeja de prata. Ele queria que Cliff ajudasse Orsted como um membro da Igreja Millis. Iam formar uma aliança. Caso conseguissem, Rudeus forneceria toda a ajuda que Cliff precisava para se alçar na hierarquia, e asseguraria a segurança de Clive e Elinalise.

Era tudo que poderia pedir e mais um pouco, mas sendo sincero, não sentia que valia todo esse esforço; não de alguém tão incrível quanto Rudeus. Cliff teve suas dúvidas sobre quando se encontraram pela primeira vez, mas ele se mostrou honesto e trabalhador. Não era exagero dizer que boa parte das suas “experiências únicas” só foram possíveis por causa de Rudeus. Alguém espetacular como ele pedir a ajuda de Cliff soava mais como uma demonstração de camaradagem do que qualquer outra coisa.

Ainda assim, era tudo que poderia querer. Sua família estaria a salvo, teria o formidável apoio de Orsted e um caminho até o topo de Millis.

A situação era perfeita, no entanto, parecia muito súbita e ainda não entendia o porquê.

O que deveria fazer? O que queria? Ele agonizou com esses pensamentos até que chegou a hora de voltar para casa – quando deixaria isso de lado.

— Acho que eu posso passear um pouco mais.

Cliff planejava ir direto para casa depois de apresentar sua pesquisa, mas mudou de ideia e deu meia-volta. Caso partisse agora, o dia terminaria da mesma forma que todos os outros, e isso não seria bom.

Santo Millis disse uma vez que “Se o nascimento é o dever das pessoas, não devemos evitá-lo, mas apreciá-lo”. Em outro momento, disse “Deixe-se sentir suas angústias e não fujas delas”. Isso significava que não seria certo correr dos problemas e desfrutar junto de sua mulher. A frase “Sempre acalme vosso coração” também fazia parte dos ensinamentos de Millis, então se desgastar com aquilo não lhe faria nenhum bem.

De qualquer forma, logo precisaria fazer uma escolha. A escolha sobre como responder o pedido de Rudeus.

— O que eu faço…

Tinha dito que decidiria depois de discutir com Elinalise, mas ela não tinha nada para comentar a respeito. Tudo que disse foi que ele deveria pensar por si mesmo. Ela não falou isso porque o estava abandonando, mas para dar um gentil empurrãozinho; então Cliff se sentiu obrigado a encontrar uma solução. Elinalise teria uma vida longa – muitas vezes mais longa que a dele. Ainda assim, nunca o tratou como uma criança. Ela o via como seu amado marido e o respeitava, então ele retribuía fazendo o mesmo.

— Eu posso fazer isso. Eu sou um gênio!

Aquela frase saiu por hábito. Era algo no qual já tinha acreditado cegamente. Agora, no entanto, era um mantra que o motivava a agir. Ele sabia muito bem que não era um gênio, mas sempre se animava quando repetia essas palavras e se lembrava dos tempos em que acreditava que eram verdadeiras.

— Eu… nós… devíamos…

— Hm?

Cliff mal ouviu o ecoar das vozes que discutiam abaixo do corredor. Brigas não eram exatamente raras na Universidade da Magia, então, em qualquer outro momento teria ignorado; ali e agora, contudo, ele se via compelido, então desceu as escadas. Dentre aquelas vozes, havia uma que era familiar.

— Foi isso que eu disse! Nós somos aqueles que deveriam estar fazendo isso.

— Exatamente! Não podemos esperar que os outros limpem nossa sujeira. Temos que proteger a escola nós mesmos!!

Um grupo de estudantes gritava enquanto se amontoavam ao redor de uma garotinha. Não pareciam que a estavam ameaçando, e sim que ela era algum tipo de líder. Os outros estavam implorando para que ela fizesse algo. Aquela jovem era alguém que Cliff conhecia muito bem.

— Por favor, Presidente!

— Você tem que nos deixar fazer isso, Presidente Norn!

Era Norn Greyrat. Ela estava rodeada pelos outros estudantes e parecia bem irritada.

— Norn, qual o problema? — gritou Cliff. — Aconteceu alguma coisa?

Todos os presentes, incluindo Norn, se voltaram ao recém-chegado. Sua expressão suavizou um pouco, mas os outros deram um passo à frente antes que ela pudesse responder.

— Quem tu acha que é?!

— Isso são assuntos do conselho!

Logo diante de Cliff, havia uma garota que era quase do mesmo tamanho que ele e um homem-fera que devia ter o dobro do seu peso. Também reconhecia os dois; eram os atuais membros do conselho estudantil.

— Pessoal, poderiam dar licença por favor?!

Norn se meteu entre aqueles dois e os afastou para que pudesse passar. Era o tipo de situação na qual Rudeus teria feito alguma piada idiota para si mesmo caso estivesse aqui. Talvez algo como “Wow! Norn realmente não queria se juntar à brincadeira de vocês”.

— Me desculpe, Cliff — comentou. — Todo mundo aqui só está assim por se sentirem um pouco cansados.

— Cliff Grimor… esse garoto? Um dos seis membros do Círculo Demoníaco?

— Ele não é só um “garoto”. Eu devo muito a ele.

— Oh… sinto muito.

O homem-fera murmurou o pedido de desculpas e ainda manteve o olhar ameaçador. O antigo Cliff teria ficado com medo ou agido com agressividade, entretanto, seu eu atual já tinha visto coisas piores – coisas que apavorariam qualquer pessoa razoável simplesmente por existirem. Comparado a Orsted ou Atofe, aquele sujeito era apenas um filhote.

— Então, o que aconteceu? — perguntou Cliff. — Poderia me contar, se não for um problema?

— Bem… — começou Norn. — A verdade é que há rumores de um fantasma assombrando a escola.

— Hmm.

Cliff já tinha ouvido sobre isso. Todas as noites, as pessoas ouviam gemidos e estalos, ou então viam uma figura translúcida vagando pelos corredores… Pelo menos era o que diziam as histórias. Na verdade, houveram até mesmo estudantes que colapsaram; deixados sem sequer um pingo de mana, entretanto, alunos desmaiando devido ao excesso de exercícios estava longe de ser estranho na Universidade da Magia; e rumores sobre fantasmas eram comuns. Pelo menos era isso que Cliff pensava.

— Então… Quando fomos investigar, encontramos uma passagem nos fundos que dava para um armazém subterrâneo com um forte selo na porta. Parecia intocado. Quando abrimos, surgiram esqueletos.

Norn escorregava na própria língua conforme explicava as coisas para Cliff. Parecia que estava escondendo alguma coisa. Ele sabia disso, mas deixou passar.

— Parece que você tem uma bagunça nas mãos. Se algo está selado, as pessoas que o fizeram provavelmente tinham um bom motivo.

Um “Guh!” ecoou alto dentre membros do conselho. Veio da garota de semblante rabugento que usava trancinhas nos cabelos; provavelmente a responsável pela ruptura do selo.

— Por enquanto, recebemos ajuda de um professor para reparar o selo — continuou Norn, usando um tom que sugeria que fora naquele ponto que tudo deu errado.

— A porta foi selada com uma barreira de Nível Santo. Um Espectro passou por ela e apareceu do lado de fora. Isso significa que esse espectro que espreitava o armazém deve ser poderoso.

A universidade contatou a Guilda dos Magos e requisitou profissionais capazes de exterminá-lo. Pelo menos, esse era o plano, mas infelizmente houve uma complicação. Magia divina de nível iniciante costuma ser mais que o bastante para um Espectro comum, mas os de alto nível eram monstros diferentes. Caso houvesse um Espectro Mortívago dentro daquele armazém, iriam precisar de pelo menos um usuário Avançado de magia divina. Para o azar geral, não havia nenhum na Guilda.

Então a universidade desistiu deles e contatou a Guilda de Aventureiros na esperança de obter um usuário de magia sagrada de nível Avançado, mas contrariando as expectativas, eles também não tinham nenhum. Não estávamos em Millis. Não é como se usuários de magia sagrada de nível Avançado estivessem desfilando por cada rua dos Territórios Nortenhos. Teriam que chamar alguém de outra cidade. Pedir um mago emprestado da Guilda de Aventureiros mancharia sua reputação, eles disseram. Mesmo que chamássemos alguém de outro lugar, não era como se fossem aparecer no mesmo instante.

E assim, os dias se passaram… até que a primeira vítima surgiu.

A causa era incerta. Talvez o selo não tenha sido reaplicado corretamente, ou quem sabe tenha falhado desde a primeira selagem. A vítima era uma garota não-nomeada que entrou em coma depois de ser atacada pelo Espectro e ter sua mana drenada. Ela retornou à aula no dia seguinte.

Desde então, o número de casos aumentou gradualmente.

No momento, parece que o Espectro ainda estava contido pelo selo e só poderia escapar e atacar os estudantes em momentos específicos do dia. Espectros, contudo, cresciam mais fortes a cada banquete de mana que consumiam. Se estudantes continuassem sendo atacados, ele logo se tornaria forte o bastante para se libertar e trazer um exército de esqueletos consigo. Os resultados poderiam ser catastróficos.

— É por isso que alguns membros do conselho sugeriram que fossemos lá embaixo e derrotássemos aquele Espectro antes que algo aconteça… — concluiu Norn.

— Eu pelo menos posso usar magia sagrada de nível iniciante! — clamou um estudante.

— Eu trouxe algumas armas do distrito de oficinas que são bem fortes contra Espectros! — proclamou outro.

— É por isso que estivemos estudando magia! — acrescentou mais um.

— Presidente, por favor, nos dê a ordem!

Não era como se Espectros fossem imunes a outros métodos que não magia divina. Ataques normais tinham algum efeito, assim como itens mágicos e implementos. Nesse sentido, um mago divino não era estritamente necessário para exterminar um espectro.

— Hmm, eu entendo — disse Cliff. — Bem, o que você acha?

— Eu sou contra — respondeu Norn. — Se esse monstro fosse algo com que nós mesmos pudéssemos lidar, então os professores e a Guilda dos Magos certamente não estariam esperando o mago divino.

— Você tem toda a razão — concordou Cliff. Magia divina talvez não fosse o único método disponível, mas sem dúvidas era o mais efetivo. Um aventureiro experiente não ousaria enfrentar um Espectro sem um mago divino ou com muita preparação. Eles estariam em apuros. Além disso, estávamos lidando com um Espectro de alto nível. Subestimá-lo poderia facilmente ser nossa ruína.

Foi então que Norn vacilou.

— Mas eu não posso apenas ficar parada enquanto assisto os estudantes se machucarem…

Norn não podia se opor com afinco à tomada de contramedidas enquanto os estudantes estivessem se ferindo. Precauções à parte, a quantidade de estudantes prestando queixas com o conselho estudantil era a cereja no bolo. Eles eram tão insistentes que fizeram até mesmo ela considerar que talvez tivessem um ponto. Ao mesmo tempo, ela não podia negar que havia um longo caminho a percorrer comparada a pessoas como seu irmão, fazendo com que titubeasse em sua decisão.

— O que deveríamos fazer? — ponderou Norn, franzindo sua testa.

— Qual é, você poderia apenas… não, espere, você tem um ponto.

Cliff quase perguntou o porquê de ela não ter apenas consultado Rudeus, mas conseguiu parar a tempo. Ele começou a entender o que Norn estava sentindo.

Com certeza, seu irmão poderia resolver esse problema num piscar de olhos, se Norn lhe contasse. Ele não era um mestre em magia divina, entretanto, suas habilidades em magia ofensiva eram de nível Imperial. Cliff especulava que Rudeus estava no pico do nível Divino. Eliminar um Espectro não seria nada para ele, mas isso não seria o certo. Para Norn, isso estava fora de cogitação. Não poderia explicar em palavras a razão por trás daquilo, mas dado o dilema do próprio Cliff – o de que precisava resolver as coisas por si só – ele entendia.

— Certo, vamos tentar isso — declarou Cliff. — Isso é, se todos concordarem…

—…?

— Eu vou ajudá-los.

— Huh? — exclamou Norn, surpresa. A proposta de Cliff fez com que ela acordasse de seu transe. — Verdade! Você pode usar magia divina de nível Avançado…

Cliff tinha atingido o nível Avançado de magia divina. Magia divina de nível Intermediário ou Superior não poderia ser ensinada sem a autorização da Igreja Millis, então ela não era ensinada na Universidade da Magia. Não havia nem mesmo uma pessoa que pudesse ensiná-los, mas Cliff era o neto do papa. Millis fez uma exceção e permitiu que ele aprendesse. A Universidade convidou um tutor especial para lhe dar aulas de nível avançado.

— Presidente, esse é um assunto do conselho estudantil! Sir Cliff pode ser membro do Círculo dos Seis, mas ele ainda não deveria se envolver com estudantes regulares!

— Isso mesmo! Somos nós quem deveríamos fazer isso! Caso contrário, as pessoas vão dizer que o conselho estudantil é muito incompetente para fazer qualquer coisa sozinho! Eles vão dizer que nossa presidente é incapaz!

Os dois estudantes que bloquearam o caminho de Norn mais cedo se opuseram à ideia aos berros, contudo, Norn se endireitou e os calou.

— Parar os ataques é mais importante que nosso orgulho! — exprimiu Norn em tom repreensivo. Os dois estudantes recuaram. — Além do mais, e se algo acontecesse com vocês? Poderiam ser os próximos.

— Presidente…

— Presidente Norn…

Norn voltou-se a Cliff e o encarou nos olhos. Seu olhar era duro; nada parecido com aquele que tinha quando visitou Cliff pela primeira vez ou quando Rudeus partiu para o Continente Begaritt. Ela não era mais uma ovelha perdida que tremia de medo e incerteza. Quem olhava para Cliff agora era alguém que se tornara cada vez mais determinada a cada ano que se passava.

Ela visitava o templo em que Cliff trabalhava sempre que precisava conversar. Todas aquelas confissões e reclamações devem ter feito alguma diferença.

— Cliff, está pronto para isso?

— Pode apostar.

Cliff já ouviu Rudeus dizer vez ou outra, todo sorridente, que “Norn realmente tinha crescido”, no entanto, ele nunca tinha notado; dado que somente a tinha ouvido se queixar ao confessar. Agora, sentia que estava vendo um pouco daquilo que Rudeus tanto falava. Cliff também ficou lisonjeado por Norn ter pedido sua ajuda ao invés da de seu irmão.

— Certo, conselho. — Ela disse. — Iremos nos infiltrar no armazém subterrâneo! Caso descubramos que isso é mais do que podemos lidar, recuaremos imediatamente! Fui clara?

— S-Sim!

E assim, Cliff e o conselho estudantil se dirigiram até o armazém subterrâneo.

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O armazém subterrâneo estava logo à frente.

A Universidade da Magia era uma instituição distinta, com mais de dois séculos de história desde sua criação. Eu não poderia dar uma idade precisa, mas estava certo de que Cliff ou qualquer membro do conselho estudantil saberia se você perguntasse a eles. Seja como for, as estruturas da Universidade da Magia passaram por várias expansões e reformas desde sua fundação; transformando-a nessa escola para mamutes que hoje conhecemos. A elegância do layout do prédio se dá graças aos habilidosos administradores e arquitetos que primeiro aqui assentaram as fundações da construção, mas não importava a quantidade de esforço que tivesse sido aplicada a princípio nas bem-arrumadas fachadas, ondas de repetidas reformas, combinadas com a ação do tempo, fizeram com que algumas construções fossem ignoradas pelos mais gentis observadores, enquanto admiravam a beleza do campus. Uma delas era esse armazém.

Havia outros armazéns similares espalhados pelo perímetro, e todos continham muito da história da Universidade da Magia. Varinhas mágicas de dois séculos atrás, pergaminhos de cento e cinquenta anos de idade, a peruca de família de um diretor do século passado – tudo que poderia vir a ter uma função era jogado aqui dentro sempre que não tinha uso imediato.

Resumindo, era um lixão.

Uma vez que Norn assumiu o cargo de presidente do conselho, decidiu que já era hora de se livrar daquele lixo. Se removessem a tralha daqueles armazéns, a escola teria mais espaço. Então ela sugeriu renová-los com armários para os estudantes. A limpeza do lixo em salas abandonadas era o tipo de projeto pequeno e prático, embora não essencial que costumava caber à Norn;  Entretanto, recentemente, o número de alunos cresceu muito. A falta de armários pessoais se tornou um sério problema.

Alguns professores não compartilhavam dessa opinião. Eles disseram que tudo naqueles armazéns era um artefato histórico, e alguns itens até mesmo valiosos. Você não podia jogar tudo fora sem discernimento prévio. Norn calou essas reclamações dizendo:

— Se forem realmente valiosas, é mais uma razão para não as deixar largadas pelos cantos de um armazém.

No fim, o conselho estudantil reuniu os fundos necessários, mobilizou assistentes dentro da escola e começou o trabalho de limpeza. Esse projeto foi recebido relativamente bem; com vários estudantes se juntando a fim de ganhar um dinheirinho; no entanto, conforme o trabalho prosseguia, alguns alunos se depararam com o Espectro.

— Foi assim que tudo começou. Nos sentimos responsáveis por sermos do conselho estudantil. — Norn explicou para Cliff, enquanto segurava uma lanterna em sua mão.

— Bem, pelo que ouvi, o conselho estudantil não tem razões para se sentir culpado.

Em retrospecto, aparecia uma vítima vez ou outra antes de sequer terem começado a limpeza. Mesmo após reaplicar a barreira, a frequência dos ataques continuou aumentando. Essa era a prova de que o Espectro do armazém estava ficando mais poderoso. Mesmo que o conselho estudantil não tivesse começado com o projeto, o Espectro teria escapado, mais cedo ou mais tarde. Na verdade, o conselho ajudou a revelar o Espectro mais cedo, então esse era o lado positivo da situação.

— Ooooh…

Uma garota resmungava com as palavras de Cliff, a mesma que usava maria-chiquinhas e que se agarrou à Norn mais cedo. Ambos seus punhos seguravam sua varinha de cinquenta centímetros conforme ela fitava a escadaria negra como carvão que levava ao armazém subterrâneo. Seus dentes estavam cerrados e seu corpo em choque. Foi ela quem descobriu a porta trancada na escuridão. A pessoa que retirou o selo também foi ela.

A primeira vez que ela abriu aquela porta, um esqueleto tinha saído pra fora. Seu ataque surpresa pegou em um dos estudantes que a havia seguido até lá embaixo e o feriu. O trabalho de faxina se tornou um confronto. Mal conseguiram destruir o primeiro esqueleto, e ele imediatamente ressuscitou. O resto do conselho estudantil correu para de onde vinha o barulho. Eles conseguiram segurar a porta com magia de barreira de nível Iniciante por tempo o suficiente até chegar um professor com habilidades de magia de barreira de nível Santo, mas o amigo da garota que havia quebrado o selo ainda estava gravemente machucado. Se ele tivesse sido um pouco menos sortudo, o dano colateral poderia ser muito pior.

Pode ser que ela não soubesse que havia um espectro atrás daquele selo, mas ela não podia negar que o removeu, em parte, sem pensar. Isso normalmente seria motivo para expulsão, mas Norn encobriu o caso. Ela relacionou o incidente às recentes histórias de fantasmas e mentiu ao dizer que eles esbarraram na porta do armazém; e por acidente romperam o selo enquanto estavam fazendo o reconhecimento do lugar.

O fato de que o esqueleto continuou ressurgindo e atacando, até que a mágica divina o reduzisse à poeira, provou que havia um espectro controlando-o. De fato, havia um espectro lá e ele realmente estava atacando os alunos, então Norn não criou toda essa mentira do zero. De toda forma, a garota que abriu a porta deve estar doente de culpa.

— Certamente é assustador — disse Cliff enquanto seguia seu gesto e olhava para a escuridão. A porta trancada estava em algum lugar ali. O medo do esqueleto fez com que o projeto de faxina do armazém fosse interrompido e a área foi declarada interditada pela autoridade do conselho estudantil.

Cliff se lembrou da última vez que ele esteve nessa posição. Foi quando ele se juntou a Rudeus para procurar pela construção que por fim se tornaria sua mansão. Naquela época, Cliff estava se tremendo assim como a garota que estava ao lado dele agora.

— Ei, qual o seu nome, mesmo? — Perguntou Cliff.

— Huh?! E-eu?!

— Sim.

— É Sheila.

Sheila olhou para Cliff como dizendo, Então? O que você quer? Isso lembrou tanto Cliff de seu eu do passado, que ele não conseguiu segurar a risada.

— Sheila, você já fez coisas como… Quero dizer, você já se aventurou em uma floresta ou uma masmorra?

— Uh, não. Nunca! Mas tenho certeza de que um membro do Círculo Demoníaco dos Seis como você tem muuuuita experiência! Então? Quem se importa?!

— Oh, não. Não tenho quase nenhuma experiência — disse Cliff. Sheila o encarou com desconfiança. Ele continuou:

— É só que há algo que ouvi de uma pessoa uma vez que teve essa experiência. Ele disse que quando principiantes tentam fazer mais do que são capazes, eles acabam não conseguindo lidar com nada do que tinham se proposto a fazer. Foque em fazer uma única coisa, e em fazê-la direito.

Isso veio da vez que ele foi junto com Líder escalonado em uma aventura? Não, devia ser de quando ele vasculhou aquela mansão com Rudeus alguns dias depois. Cliff se lembrou que Rudeus deu a ele uma única ordem: “Se nos depararmos com um inimigo, use magia divina de nível Básico para atacá-lo.” Cliff se comprometeu com aquela ordem, e, quando a boneca o atacou, ele foi capaz de se defender usando magia divina. Certo. Principiantes não conseguem lidar com muita coisa.

— Alguém aqui está acostumado a lutar contra monstros ou já trabalhou como um aventureiro? — Cliff perguntou ao grupo.

Dos sete membros do conselho estudantil, duas mãos se levantaram em resposta. Uma pertencia a um homem-fera e a outra a um humano. Muitos homens-fera cresciam em florestas, nas quais eles lutam contra diversos monstros. O humano provavelmente tinha uma história como um aventureiro.

— Certo, vocês dois vão dar as ordens. Para o resto, vamos decidir seus papéis antes de irmos.

— Ei, Cliff — disse uma voz áspera.

— O que foi?

— Eu não ia falar nada, já que a Presidente disse que te deve bastante, mas você não é nosso chefe — disse o homem-fera.

Cliff parou por alguns segundos, mas logo percebeu que qualquer coisa que ele dissesse não seria ouvida por esse cara.

— Certo. Então Norn, por favor tome as rédeas.

— Huhhh? Não importa quem está no comando, importa? Não é como se eu soubesse muita coisa sobre lutar contra monstros, de toda forma…

— Mas você é a presidente!

— Bem, isso é verdade. Ok, vou falar com Neadle para designar os papéis.

Seguindo a sugestão de Cliff, Norn foi em direção ao estudante com a mão levantada e discutiu tudo nos mínimos detalhes.

— Neadle, você costumava ser um aventureiro, certo? Vou te dizer os pontos fortes de todos, então espero que você possa me dar algum conselho sobre quem seria mais apropriado para cada trabalho.

Cliff olhou de volta ao homem-fera que havia levantado sua voz. É claro. Esse era o motivo pelo qual ele seguiria Norn e não Cliff. Norn estava em casa, determinando os papéis do time. Ela se lembrava de cada detalhe sobre quem era bom em qual tipo de magia e quem tinha úteis habilidades que não envolvessem magia conforme atribuía as funções. Se a antiga Norn recebesse uma requisição para liderar algo, ela provavelmente entraria em pânico e se preocuparia quanto ao que devia fazer, para logo após abaixar sua cabeça e pedir dispensa do cargo. Mas dessa vez era diferente. Ela não era exatamente perfeita, e ainda parecia bastante nervosa, mas ela foi capaz de trabalhar junto daqueles ao redor dela para arcar com uma responsabilidade, mesmo sendo um golpe tão súbito como esse. Ela não nasceu sabendo fazer isso, mas estava aprendendo.

— Certo, isso deve resolver — disse Norn. — Todos prontos, pessoal?

— Sim!

Com as funções decididas, Cliff e os membros do conselho estudantil entraram mais ainda na escuridão do armazém subterrâneo.

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A porta era feita de rocha. O círculo magico que cobria sua superfície emanava um brilho azul pálido – uma barreira mágica de nível Santo. A universidade da magia tinha apenas um professor capaz de usar magia de barreira nível Santo. Sempre que um dos conjuntos de barreiras que se espalhavam pela academia precisava de ajustes ou manutenção, era ele quem o fazia.

— O círculo mágico não parece ter se dissipado — anunciou Cliff enquanto o investigava. Seu conhecimento sobre barreiras mágicas cobria somente o nível Intermediário, mas o estudo de maldições, o desenvolvimento das Próteses Zaliff e a manufatura da Armadura Mágica o tornaram um bom conhecedor de círculos mágicos. Além do mais, ele sabia dizer só de olhar se o círculo mágico estava funcionando bem, e não demorou muito até que ele aprendesse a desativá-lo temporariamente. Se ele passasse só um pouquinho mais de tempo decodificando-o, provavelmente aprenderia a usar esse feitiço de barreira de nível Santo.

Mas claro, Cliff era um legalista. Ele sempre seguia as regras, mesmo que fosse capaz de quebrá-las. Caso ele aprendesse a usar essa barreira mágica de nível Santo, poderia deixar o professor que mantinha o selo em maus lençóis. Ele não tinha intenção alguma em fazê-lo.

No fim, ele percebeu que poderia estudar o que quisesse uma vez que retornasse ao seu lar no País Sagrado de Millis.

— Consigo desativá-lo. Podemos entrar.

— Entendido — respondeu Norn. — Todo mundo pronto?

Os membros do conselho estudantil sacaram as armas em resposta. Alguns respiraram fundo, outros tinham um brilho no olhar. Havia humanos, homens-fera, halflings e demônios. O conselho estudantil de Norn certamente tinha mais personalidade que toda a equipe de Ariel – composta somente por humanos – durante todo o seu mandato. Deveria ser a primeira vez na história da escola que tantos não-humanos formavam um único conselho estudantil.

— Beleza. Abra, por favor.

Com o pedido de Norn, Cliff fez apenas uma pequena incisão no círculo mágico. De forma súbita, o brilho do círculo se esvaiu completamente. As lanternas nas mãos dos membros do conselho eram tudo que restava para iluminar a entrada bloqueada.

O homem-fera rumou até a porta e agarrou a maçaneta.

— Ngh… Graaaaaaaagh!

Rugindo, o homem-fera empurrou a porta. Ela se abria devagar e rangia copiosamente.

A entrada se abriu o bastante para que apenas duas pessoas conseguissem passar por vez. Neadle, o ex-aventureiro, seria o primeiro a entrar. Ele ergueu a lanterna antes de dar um passo adentro. Os demais estudantes o seguiram. Uma vez que estavam todos lá, o homem-fera agarrou a porta mais uma vez e, com o mesmo grunhido terrível, a empurrou até que ficasse semi-fechada. Não fecharam por completo, já que correriam o risco da passagem ser selada por um professor que viesse checar. Por precaução, deixaram espaço suficiente para que uma pessoa conseguisse se esgueirar por ela. Fora do armazém, havia um sinal de área restrita, e eles também colaram uma nota na porta que dizia “sob investigação do conselho estudantil! Por favor, evite aplicar selos até segunda ordem”.

Se Rudeus estivesse nessa situação, ele iria apenas improvisar e dar um jeito de ser selado de propósito. Mas muitos dos membros do conselho eram o tipo de nerds que eram trancados em lugares por valentões, então aprenderam a ser precavidos.

— …

O armazém subterrâneo ficou silencioso. Eles se concentraram em ouvir, e no escuro, sons fracos soavam mais próximos do que gostariam.

Havia esqueletos aqui com eles.

— Muito bem, vamos seguir o plano — sussurrou Norn. Ao seu comando, o homem-fera pegou sua maça de ferro. esqueletos eram apenas ossos, então armas contundentes eram mais efetivas do que lâminas. Todo o conselho estudantil estava equipado com varinhas, porretes e maças. Seu plano era avançar contra os esqueletos com suas armas e magia enquanto a retaguarda lançaria ataques a longa distância contra o Espectro que controlava os esqueletos.

— Grr! Presidente, para trás! — O homem-fera gritou de supetão.

Os ruídos ficaram mais altos conforme a lanterna lançava seu brilho sobre aquelas figuras brancas. Eram feitas de ossos e nada mais; sem sequer resquícios dos músculos que costumavam mantê-los juntos. E ainda assim, se ergueram.

Esqueletos.

A criatura cambaleou em sua direção. Aquela figura vazia avistou o conselho estudantil, e então ergueu a bengala que segurava acima de seu crânio. Os ruídos se transforaram em um estardalhaço conforme tantos outros esqueletos se revelaram.

— Não recuem! — declarou Norn. — Se preparem para contra-atacar!

Seguindo o comando de Norn, o homem-fera e o halfling balançaram suas maças com força. O esqueleto tentou atacar com sua bengala, mas foi lento demais. As habilidades de esqueletos eram proporcionais às que possuíam em vida; e este não pertencia a um guerreiro.

— Hmph!

O homem-fera estilhaçou o esqueleto com um único movimento de sua maça. Contudo, os ossos começaram a se aglomerar e a tentar se remontar. Até que derrotassem o Espectro que os controlava, os esqueletos continuariam voltando.

— Avançar! — comandou Norn. Os membros do conselho fizeram valer sua ordem e abriram caminho por entre as monstruosidades. Por sorte, nenhum dos esqueletos era particularmente hábil, então não foram capazes de deter o avanço do conselho.

Eles avançaram até a sala mais ao fundo. Lá, encontraram apenas um altar. De todas as coisas que poderiam encontrar acima dele, não havia nada.

Nada, exceto uma figura translúcida pairando sobre ele.

Uma figura incompleta; sem as pernas.

— Por quê… por quê… por quê… — A coisa sussurrou.

Era o Espectro.

— Por quê… por quê… por quê…

O robe esfarrapado do Espectro tremulava conforme a criatura lentamente voltava seu olhar para os estudantes. O que restava de seu rosto tinha um aspecto magricelo e meio apodrecido; e ainda assim, havia alguns poucos sinais de juventude. Uma expressão de surpresa cruzou sua face por um momento, mas assim que reconheceu Norn e os outros estudantes, deu um grito de arrepiar os cabelos.

— Kyyyiiaaaaaaaaaaargh!

— Wh-whoaaaa!

— É-É o Espectro!

O berro do Espectro foi o bastante para fazer com que alguns dos estudantes se encolhessem, e assim que o fizeram, os vários ossos espalhados em torno do altar flutuaram e formaram mais esqueletos. Pior ainda: aqueles que tinham destruído mais cedo se reergueram para atacar novamente, e pela retaguarda dessa vez. Os membros do conselho estudantil estavam sendo atacados em dois frontes por um exército de esqueletos.

Tudo conforme com o plano.

Mas.

— Ai!

Uma das estudantes sentiu uma dor súbita no tornozelo. Quando ela olhou para baixo, viu um pequeno osso; talvez medisse uns vinte centímetros.

Era um rato.

Eram os ossos de um rato.

Era o esqueleto perolado de um rato, e ele estava circundando os estudantes e mordendo seus tornozelos.

— Whuh, rah, a, aaaaaghh!

Em seu desespero para se livrar do rato-esqueleto, a garota gritou e balançou sua perna junto com o braço da varinha. E não era apenas um único rato-esqueleto – dúzias mais avançaram contra os pés dos membros do conselho e se contorceram em torno de seus tornozelos.

— Huh?! Whoa

— Eeek!

A formação do grupo se desfez.

— A-Acalmem-se, por favor! — vociferou Norn. — Primeiro, vamos nos focar nos… Esqueletos humanos? Não, er, talvez devêssemos recuar?

Norn tentou conter o pânico, mas sem uma ideia clara do que priorizar, ela se viu sobrecarregada. Tudo que pôde fazer foi balançar sua maça contra os monstros que rastejavam abaixo. Os esqueletos humanos fecharam o cerco contra os estudantes.

— …

O resto do grupo podia estar em pânico, mas Cliff estava tranquilo

Os ratos eram o problema, pensou Cliff. Os esqueletos são lentos. Além do mais, o Espectro não parece ser grande coisa…

Se esse fosse um Espectro Mortívago de rank A, já teria bombardeado o grupo com um turbilhão de magias logo depois de ter terminado de conjurar os esqueletos dos ratos ou talvez avançado sobre eles para sugar sua mana. Ele não fez nenhum dos dois. Em vez disso, ficou apenas pairando sobre o altar enquanto gritava. Sua voz nem era tão assustadora. Comparado a aquele rei demônio cabeça-de-osso que tinha encontrado no Continente Demônio, o Espectro soava como uma colegial.

Calma. E se esse Espectro na verdade for fraco?

Essa ideia o atingiu como um raio. Se ainda fosse o antigo Cliff, ele teria desobedecido, quebrado a formação e posto todo mundo em perigo. Mas o atual jamais faria isso baseando-se num palpite. Bem, isso somente se aplicava quando era apenas um palpite. Cliff percebeu que tinha um jeito de testar sua teoria.

— Olho do reconhecimento! — gritou Cliff enquanto removia o tapa-olho. Em um instante, seu campo de visão foi preenchido com palavras, palavras e mais palavras. Ele suportou a dor de cabeça, ignorando inúmeras informações até que encontrasse a que precisava.

Ele viu a linha de texto pairando sobre o Espectro.

— Hm… ah!

Esse era o poder do Olho do Demônio. Ele o recebeu de presente da Grande Imperatriz do Mundo Demoníaco, Kishirika Kishirisu. Cliff não relaxou em seus treinos, mas ainda estava longe de ser tão proficiente quanto Rudeus era em seu uso. Precisaria de muitos anos de prática até que chegasse naquele nível, mas ele praticou o bastante para usá-lo durante crises.

— Eu vou avançar! Alguém me dá cobertura! — anunciou Cliff antes de deixar a formação. Seu alvo era o Espectro. Bloqueando seu caminho, estavam os esqueletos.

Cliff deu um largo golpe com sua maça contra o esqueleto à sua direita, acertando seus quadris. A pélvis do monstro se estilhaçou antes que chegasse ao chão.

— Exorcizar!

Mais atrás, alguém terminou de conjurar e uma luz esbranquiçada passou voando por Cliff e atingiu o esqueleto do seu lado esquerdo, e este único feitiço divino foi o bastante para transformá-lo em poeira. Não precisou se virar para saber. Norn foi quem o havia ajudado.

Cliff avançou um pouco mais, firmou os pés e começou seu próprio encantamento.

— Invoco-lhe, Deus que abençoa a terra que nos nutre! Distribua punição divina para aqueles tolos o suficiente-

De repente, um esqueleto apareceu; vindo do ponto cego de Cliff. O monstro projetou a ponta de sua bengala em sua direção. Ele tentou se jogar para o lado numa tentativa de se esquivar. Infelizmente, tudo tinha acontecido muito rápido e ele acabou sendo acertado nas costelas. Uma dor ardente subiu por sua espinha. Cliff cerrou os dentes, se recompôs e se focou no inimigo.

O Espectro estava logo ali.

— Para desafiar os caminhos naturais! Exorcizar!

Uma massa de luz branca voou da varinha de Cliff; indo na direção do Espectro com velocidade mais que o suficiente.

Acertou em cheio.

— Gyeeaaagggh!

O último suspiro do Espectro ecoou conforme ele se desintegrava. Seu corpo translúcido partido em pedaços; cada um queimando como cinzas antes de se extinguirem. Em um instante, os esqueletos colapsaram e foram ao chão, como marionetes cujas cordas tinham sido cortadas.

— Huh?

— Nós… conseguimos?

Incertos sobre o que havia acontecido, os membros do conselho estudantil observaram seus arredores cobertos de ossos. Cliff buscou por mais espíritos vingativos antes de colocar a mão em seu flanco e cair de joelhos.

— Guh…

— Cliff! Você está bem?!

Norn disparou em sua direção e começou a performar uma magia curativa. Uma luz fraca banhou as feridas de Cliff antes que elas se fechassem rapidamente.

— Phew. — Cliff limpou o suor que manchava sua testa enquanto suspirava aliviado.

— Muito obrigado — continuou Norn. — Sendo sincera, eu não tenho ideia do que…

— Não, a culpa não é sua. Ninguém poderia esperar aqueles ratos-esqueletos. Só estamos salvos porque aquele Espectro era de nível baixo.

— Como você sabia disso?

— É porque eu tenho isso — respondeu Cliff, cutucando seu tapa-olho. A linha de texto que achou naquele mar de informações quando ativou o Olho do Reconhecimento era simples e direta: Belê, isso é um Espectro. É bem meia boca, inclusive.

Ainda assim, havia sido uma decisão arriscada. O olho podia ter dito que era um Espectro fraco, mas a magia divina de nível Iniciante poderia não ter sido o suficiente. Caso não fosse forte o bastante, ou se seu olho tivesse dito que era “meia boca” segundo os parâmetros da Grande Imperatriz do Mundo Demônio, Cliff poderia morrer quando a criatura contra-atacasse. As pistas apontavam que a criatura era fraca, mas não havia qualquer garantia. Era uma aposta.

— Bem, funcionou. Nós exterminamos aquela coisa — completou Cliff.

— Sim. Muito obrigada por isso. Ainda assim, é estranho. Pelo que sabíamos, devia ser um Espectro de alto nível, poderoso o bastante para passar da barreira de nível Santo.

— Ainda bem que ele não era. Se isso é o que um normal é capaz de fazer, não teríamos chance contra um de nível alto.

Os membros do conselho estudantil, que antes estavam congelados processando o encontro com a criatura, despertaram com essas dolorosas palavras. Mesmo assim, uma verdade é uma verdade, e eles não podiam negar. Uma horda de esqueletos de ratos foi o suficiente para destruir sua formação. Caso os esqueletos fossem controlados por um Espectro de alto nível, então seus movimentos seriam mais perigosos, além dos ataques do próprio Espectro. Se a situação fosse diferente, o conselho estudantil poderia ter terminado se juntando aos esqueletos lá embaixo.

— Mas é realmente estranho. Talvez devêssemos investigar um pouco? — sugeriu Cliff.

— Boa ideia… muito bem, pessoal. Vamos averiguar o local. Fiquem de olho pro caso de aparecerem outros esqueletos ou Espectros.

Com os monstros exterminados, era hora de começar a investigar.

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No fim, descobriram que o Espectro havia conseguido escapar com a ajuda de um roedor. Os estudantes acharam túneis de ratos no cômodo e, depois de uma sondagem, averiguaram que ele dava diretamente na superfície. O Espectro deve ter se esgueirado por ali para atacar os estudantes.

Também desvendaram a razão de o Espectro estar ali. Um diário velho foi encontrado jogado em um dos cantos da sala, e ele iluminou um pouco o caso. Não era uma história bonita. Aparentemente, aquele lugar era usado como armazém para alguns dos itens mágicos mais estimados da Universidade da Magia, mas, em algum momento, foram movidos para algum outro lugar. Depois de esvaziado o local, um professor acabou ordenando que alguns estudantes limpassem a área. Pouco depois de começarem, descobriram que estavam presos lá dentro.

Do ponto de vista dos estudantes, parecia um plano maldoso do professor para prendê-los. Ou talvez ele tivesse esquecido sobre a limpeza, trancado a porta e apenas… saído. A verdade sobre o que aconteceu se perdera há muito tempo.

Os alunos tentaram escapar, mas eles eram apenas calouros que mal haviam se habituado. Também tinha a chance desse trabalho desagradável ter sido dado aos repetentes. Fosse como fosse, nenhuma de suas tentativas deu resultado. E assim, o tempo e suas esperanças morreram… assim como eles.

Todas as armas que os esqueletos usavam pareciam ser o que sobrou dos utensílios de limpeza, e o número de crânios que eles encontraram batia com o número de estudantes presos. Isso concluía a investigação – estavam tão perto de saber o que aconteceu quanto poderiam. Ainda assim, o conselho estudantil estava apenas especulando, e estabeleceram a seguinte teoria: talvez o professor tenha retornado alguns dias depois dos estudantes morrerem. Foi então que encontrou os corpos. Temendo as responsabilidades que tamanha tragédia traria, deu alguma desculpa sobre o motivo de ter selado a porta (ou então ele chamou outro alguém para selá-la).

O incidente foi acobertado, e a essa altura, os estudantes se transformaram em mortos vivos. Séculos depois, roedores cavaram fundo o bastante para chegar no armazém subterrâneo, o que culminou no início dos ataques…

Ao menos, era isso que o conselho estudantil deduziu.

Se passou tanto tempo desde a última vez que aquele armazém foi usado que era provável que o professor responsável e os parentes dos estudantes já estivessem mortos há muito tempo. Cliff enterrou os ossos dos estudantes em um enterro digno. Era isso que ele poderia fazer como um clérigo de Millis. Todos os membros do conselho compareceram para oferecer suas orações. Cavaram uma cova para cada um e recitaram as escrituras para eles. Fizeram tudo em pesaroso silêncio.

— Como a escola lidará com esse incidente? — ponderou Norn.

— Parece que vão levar tudo a público — respondeu Cliff. — Faz séculos desde que isso aconteceu, e eles também não conseguiram encontrar nenhum parente. Não acham que vai manchar a reputação da academia tanto assim.

— Entendo… achei que eles iriam esconder o ocorrido.

— O Professor líder Jenius realmente quis expor o caso.

— Ah, sim. O senhor Jenius é um sujeito honesto.

Cliff conhecia Jenius. O considerava um homem decente e compreensivo. Na verdade, desde que ele assumiu o cargo de líder dos professores, houve uma grande redução na discriminação racial contra o corpo docente. O fato dele ter um forte senso de justiça e tratar os outros igualmente contribuiu para esse fim.

— Ah, sim. Aliás, Norn, posso fazer uma pergunta?

— O que foi?

— Caso ache minha pergunta um pouco desconfortável…

— Wow, se você está dizendo isso, então deve ser bem sério… Pode me dar alguns segundos? Preciso me preparar mentalmente.

Norn respirou fundo, tapeou levemente suas bochechas e disse “tudo bem” para se recompor. Depois, se virou para Cliff.

— Manda bala.

— Por que você não consultou Rudeus sobre isso?

— Huh? — Ela pareceu perplexa por um momento.

— Bem, eu acho que se você pedisse a ajuda do seu irmão em vez da minha, ele teria resolvido todo esse problema sem correr esse tipo de risco.

— Oh… ah, certo, sobre isso.

— Imagino que você tinha suas razões, certo?

— Digo, sim, eu estou tentando não depender do meu irmão para qualquer coisinha. Quando surgem problemas, se eu encontro algo que eu possa resolver sozinha, então eu faço. — Norn riu de si mesmo com essa última frase. — Mas você está certo. Eu devia ter pedido a ajuda do meu irmão dessa vez. Tomei uma decisão ruim.

Ela disse que tomou uma decisão ruim, mas Cliff se lembrava disso de uma forma diferente; Norn estava se opondo a tudo aquilo. Ela sabia que eles não conseguiriam cuidar disso sozinhos, então tentou impedir que os outros estudantes corressem perigo. No fim, foi a intromissão de Cliff que fez com que ela fizesse essa escolha.

Se eu não tivesse aparecido, pensou Cliff, então tinha uma boa chance que ela acabasse pedindo que Rudeus a ajudasse… 

— Sinto muito pela pergunta estranha.

— Oh, não se preocupe…

Antes que os dois percebessem, o resto dos membros do conselho estudantil se juntou ao redor deles.

— Cliff! — Uma voz profunda chamou. Pertencia ao homem-fera que não foi com sua cara mais cedo. A garota com maria-chiquinhas estava ao lado dele. O homem-fera, com seu rosto intimidador coberto de emoção, se curvou de repente.

— Estaríamos em sérios apuros se não fosse por sua ajuda! Peço que me perdoe por ter sido rude com você mais cedo!

— Também peço desculpas! — anunciou a outra antes de se curvar.

— Oh, não se preocupem. Vocês nem foram assim tão rudes.

— Não, eu fui! Eu o julguei por você ser parte do Círculo Demoníaco dos Seis! Não consigo pedir desculpas o bastante!

— Eu também, eu pensei que você seria como Linia ou Pursena…

— Isso… é bem injusto, sim — concordou Cliff. Ele massageou suas têmporas ao pensar naquelas gata e cachorra mal-educadas. Se era aquilo que estava sendo comparado, então a precaução daqueles dois era justificada.

— Ainda assim, estou feliz por termos resolvido o problema — disse Norn com um leve aceno de cabeça. — De verdade, obrigada.

— Ninguém vai poder chamar a presidente de incompetente agora! — disse a garota com maria-chiquinhas em tom brincalhão.

— Sério, você sempre traz esse assunto!

— Eu trago? Mas é verdade que as notas dela não são lá grande coisa, não é?

— Notas não têm nada a ver com a performance de alguém. E a nossa presidente é excelente no que faz.

— Ugh, é claro, vocês do povo-fera são sempre assim! Sempre balançando o rabo para sua queridinha miausidente como se fosse um mascote.

— Mascote?! De que inferno você tirou-

Conforme os dois começaram a discutir, os outros membros do conselho se reuniram para apreciar o show. Cada um deles participou na briga de seu próprio jeito. Alguns colocaram mais lenha na fogueira, outros se fingiram de diplomatas.

Norn assistiu com um sorriso nos lábios. Eles estavam apenas brincando uns com os outros; todos eram amigos ali. Não tinha razão para os interromper. De repente, Cliff se viu pensando onde a vida os levaria. O que aquele homem-fera e a garota humana fariam depois que terminassem a escola?

— Desculpas de lado, tem algo que eu queria perguntar para você. Posso?

— Huh?

— Quais seus planos depois de se graduar? — indagou Cliff.

Em resposta…

— Eu quero voltar para casa e ajudar minha vila. Estão com falta de magos por lá! — respondeu o ex-carrancudo homem-fera. Nem todos do povo fera cresceram na Grande Floresta; esse tinha sido criado em uma pequena vila agrícola nos Territórios Nortenhos. Ele e sua família eram os únicos do povo fera do lugar, e isso… sendo franco, significa que sofreram com bastante preconceito. Um de seus objetivos era provar que estavam errados, então ele decidiu que o melhor jeito de fazer isso era trabalhando duro.

— Na verdade, minha família é nobre, mas eu considerei virar uma cavaleira — disse a garota humana que estava discutindo com o homem-fera momentos atrás. Para ela, ainda demoraria muito para que se formasse, então não tinha pensado muito sobre o que fazer depois. Mas mesmo que seus objetivos não estivessem bem definidos, ela estava procurando por uma profissão em que sua educação na Universidade da Magia seria usada. Não queria viver uma vida pacata como uma dama e se casar com algum outro nobre, mas sim como cavaleira. Assim, teria muitas chances de usar sua magia.

— Eu acho que vou focar em negócios. Um colega de classe que se graduou ano passado pediu que me juntasse a ele — falou um garoto demônio. Ele se formaria no próximo ano, então já tinha começado a trabalhar em uma companhia mercante no tempo livre a fim de aprender como as coisas funcionavam. Conhecimento mágico se provou muito útil nessa linha de trabalho, então até que bastantes formandos visavam se tornar mercadores.

— Eu não tenho a mínima ideia. Acho que só vou sair em aventuras.

Claro, alguns dos estudantes que estavam longe de se graduar pensavam dessa forma. Muitos dos veteranos não tinham uma direção a seguir na vida – mas estavam procurando. No entanto, a maioria costumava ter planos mais concretos e se focar em seus objetivos de vida conforme a formatura se aproximava.

Ouvir todos os diferentes planos fez Cliff pensar.

Todos são diferentes, huh?

— Mas vocês todos têm muito respeito por Norn, não é? Já consideraram trabalhar pra ela depois de se graduar?

— Bem… se a Presidente Norn me pedisse, então eu pensaria sobre, claro, mas ela não nos disse nada sobre o que queria…

Todos os olhos se voltaram à Norn.

— Huh? Eu?

— Verdade. Eu também queria ouvir seus planos para o futuro.

Norn apoiou o queixo em sua mão e tomou algum tempo para pensar.

— Ainda está muito longe, então não é como se eu tivesse planejado muito…

— Diga qualquer coisa que vier na mente.

— Certo. Bem, eu queria um trabalho que eu fosse capaz de fazer por volta da formatura. Um que se encaixa comigo.

— Oh, então você já tem tudo decidido, na verdade — O plano dela era prático, honesto e, acima de tudo, um tanto… singelo. Assim como ela. — Não tem algo que você realmente queira fazer?

— Realmente queira?

— Bom, no seu caso, você poderia pedir para o Rudeus te arranjar qualquer trabalho que quisesse.

Norn fez beicinho por um momento. Ela sentia que estava sob a sombra do irmão e não gostava disso. Cliff percebeu seu erro, mas antes que pudesse se desculpar, Norn o retrucou.

— Eu aprendi muito nessa escola. Eu quero descobrir o que eu posso fazer depois de passar por essa experiência. É por isso que independente da minha decisão, provavelmente vou tomá-la nas vésperas da formatura; por mim e para mim.

Aquelas palavras acertaram diretamente o âmago de Cliff. Tudo veio à mente. Com o que ele realmente se preocupava e as coisas que realmente queria fazer.

Ela estava certa. Se ele deixasse que Rudeus fizesse o que prometeu, Cliff iria subir nos ranks da Igreja de Millis. E como ele também era neto do papa, certamente conseguiria uma posição bem alta sem seu próprio esforço efetivamente – sem mesmo levantar um dedo. Quando esse momento chegasse, Cliff pensaria consigo mesmo:

Qual foi o ponto daqueles sete anos?

Pelo que estudei naqueles sete anos? Pelo que tanto trabalhei? De que serviram aquelas experiências únicas na vida?

Essas experiências únicas que vivi naqueles sete anos tiveram algum significado?

Sim, eu ganhei um amigo inestimável que é o Rudeus. Isso não significa que, na verdade, eu não mudei em nada durante esse tempo?

Era isso.

Ele queria saber.

Ele queria ter certeza.

Ele precisava saber que o que ele aprendeu e conquistou valeram aqueles sete anos.

— Norn.

— Huh? Oh, o que foi?

— Obrigado. Você acabou de me ensinar uma lição valiosa.

Norn parecia um pouco confusa com a risada súbita e gentil de Cliff, mas logo respondeu rindo também. Ela cruzou as mãos em frente ao corpo, ajeitou sua postura, ergueu o queixo e disse:

— Não, sou eu quem devo agradecê-lo por me ensinar tanto durante esses anos.

E com isso, se curvou levemente.

Ela se apoiou muito na ajuda de Cliff quando Rudeus não estava por perto. Poderia parecer que não escutava o que Cliff dizia, mas Norn era muito grata por suas palavras.

Como seu sênior e seguidor de Millis, Cliff ouviu seus problemas, ensinou-a a ser forte e a guiou em seus estudos… Ele não foi o único a apoiá-la naqueles tempos, mas ela ainda o considerava uma grande influência.

— É um pouco cedo, mas parabéns por se formar. Obrigada por tudo.

Aproveitando a deixa, os outros membros do conselho estudantil abaixaram suas cabeças e disseram “Parabéns” juntos. Eles podiam estar pensando em apenas seguir o exemplo de Norn, mas havia um claro respeito em suas vozes.

— Bem, hm…

Cliff estava um pouco envergonhado, mas não iria se encolher. Em vez disso, ele forçou um sorriso.

— Obrigado.

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À noite, Cliff pensava nos eventos daquela tarde deitado na cama. Ao lado dele, deitava-se Elinalise, com Clive dormindo apoiado nela. Os olhos dela estavam fechados, mas estava acordada. Cliff podia dizer já que ela continuou o acariciando amorosamente.

— Lise. — Cliff sussurrou para não acordar seu filho. Elinalise não respondeu, mas parou de mover sua mão e encostou a testa em seu ombro. Ele entendeu sem que ela precisasse dizer uma palavra sequer.

Cliff virou a cabeça para que pudesse ver seu lindo rosto logo adiante. Ele acreditava que escolher uma parceira baseando-se em aparências não funcionava. Ainda assim, achou ela linda assim que pôs os olhos nela. Independente de suas ideias sobre o que fazia de alguém um bom cônjuge, ainda a desejava. Ela não era a mulher que imaginou para si. Não – era muito mais bonita; fossem em corpo, alma ou atitude.

— Decidi que resposta darei a Rudeus — disse ele. Elinalise enrolou os dedos em volta da mão de Cliff gentilmente em resposta. — Você sabe o quanto sou grato a Rudeus. Graças a ele, eu acho que realmente cresci. Bem, não o bastante para que possa dizer que sou um homem.

Elinalise não disse nada. Quando Cliff falava, especialmente se fosse sobre assuntos sérios, ela não falaria e escutaria o que tinha a dizer, como agora.

— Acho que ele teve um papel importante para que tivéssemos um filho e fôssemos capazes de viver essa vida abençoada juntos. Tenho certeza de que ele negaria, claro. Por alguma razão, ele me dá muito crédito; ele diria que é resultado do meu trabalho duro.

“E esse é o ponto, Lise. Se Rudeus estiver com problemas, eu quero ajudá-lo tanto e quanto puder. Minha força não se equipara àquela que ele tem no dedo mindinho, mas eu acredito que há algo que eu possa fazer. Deve haver algo que Rudeus não consiga fazer e que eu consigo.

“Se eu apenas fizer as mesmas coisas que ele e me colocar sob sua proteção, então eu não acho que vá desenvolver qualquer habilidade que ele já não tenha. Se eu quero estar lá por ele como um amigo, então devo caminhar com minhas próprias pernas e alcançar meus objetivos com minhas próprias mãos; proteger o que é meu com minhas próprias armas e força.”

As palavras que escorreram da boca de Cliff não eram uma grandiosa e bem elaborada filosofia – eram simplesmente o que sentia de verdade.

— Eu quero sentir algo real.

Algo real. Sim, Cliff queria sentir algo por si mesmo.

Sentir que podia fazer isso. Sentir que ele era um homem de verdade. Sentir o quanto ele cresceu naqueles sete anos. Sentir que poderia proteger Elinalise e Clive por conta própria. Ele queria se testar na árdua hierarquia da Igreja de Millis.

Claro, isso era pura vaidade. Caso ele colocasse a segurança de sua família em primeiro lugar, aceitaria a ajuda de Rudeus desde o começo e ganhar o apoio de Orsted garantiria isso. Contudo, esse não seria o fim da história. Caso Cliff tomasse aquela escolha, perderia a confiança em si mesmo em algum momento. Quando chegasse a hora de enfrentar uma verdadeira crise, ele paralisaria se Rudeus não pudesse socorrê-lo. Esperaria os comandos de uma autoridade que deveria ser seu amigo, e acabaria perdendo chances cruciais.

Cliff não poderia dar claras razões do porquê acreditava que isso aconteceria. Tudo que tinha era a vaga impressão que acabaria assim, e ele odiava a ideia de esse ser seu destino.

— Então é isso que você pensa, Cliff? — disse Elinalise. Ela entendeu.

— Estou errado?

— Não. Mas tem uma coisa: você tem a mim ao seu lado. Eu posso ser a espada que golpeará seus inimigos ou o escudo que o impedirá de se ferir. Não há razão para usar as armas que tem.

— Ah, você está certa.

Eles dizem que armas e armaduras são extensões do corpo. Elinalise levava isso no coração; queria que Cliff a tratasse como se ela fosse uma parte de seu corpo e alma – não no sentido de usá-la como ferramenta, e sim contar com ela como se fosse tão natural quanto usar os braços ou as pernas. Era esse o modo de Elinalise mostrar que estava lá por seu marido.

— Mas ei, você passou muito tempo pensando nisso. O que te fez decidir assim de repente?

— Oh, bem, teve uma coisa que aconteceu com os membros do conselho estudantil hoje…

Ele falou sobre os eventos do dia. Explicou sobre a preocupação de Norn, como eles exterminaram o Espectro debaixo da escola, como ele indagou os membros do conselho sobre seus futuros… e por último, sobre como Norn agradeceu e fez uma reverência sorrindo.

— Ei, parece que seu dia foi bom.

— Sim… mas tem uma pulga atrás da minha orelha.

— Oh?

— Sim. É só um pensamento que tive hoje…

— Posso pedir que o compartilhe comigo?

— Digo… tudo bem.

— Não se preocupe. Não vou rir.

A voz de Elinalise era gentil enquanto Cliff tropeçava nas próprias palavras. Contudo, os cantos da boca dela se curvaram em um leve sorriso. Quando Cliff começava a ter dificuldades para falar como agora, geralmente era porque queria dizer alguma coisa legal sobre uma mulher. Ele não queria soar como se estivesse a traindo. Ele hesitava porque não suportava a ideia dela o odiar.

— Bem, uh, eu não tenho certeza se isso é algo que eu deveria dizer pra você, mas… eu acho que, quem sabe, talvez a Norn possa gostar de mim.

— Oh, céus! Cliff, você não está me traindo, está? Seu cachorro! Canalha!

— N-Não, eu não-

— Shh. Cliff.

Agora, era assim que geralmente acontecia. Cliff iria entrar em pânico e negar, e depois Elinalise iria provocá-lo um pouco mais e, no fim, ela diria que estava apenas brincando, depois se abraçariam e pronto. Mas, naquela noite, ela decidiu que seria um pouco mais séria.

— Tem um monte de homens que iriam dar em cima de mim, mas não há muitos que iriam sequer pensar em ter uma família comigo depois de conhecer que tipo de mulher eu sou. Francamente, nem eu iria.

“Mas você foi além disso. Você viu essa mulher que não sabia nada sobre e acreditou nela. Você aceitou o desafio de curar minha maldição logo de cara. Essas não são coisas que qualquer um faria. É por isso que me apaixonei por você. Meu coração é seu, Cliff. Se eu tivesse que pular a cerca e dormir com alguém para continuar viva, então eu morreria de boa vontade – esse é o tanto que me apeguei a você. Não há mais ninguém com quem eu ficaria.”

— Oh, er… quero dizer, eu não acho que sou isso tudo…

Incerto sobre como responder a tamanho elogio, Cliff ficou vermelho como um pimentão enquanto seus olhos giravam nas órbitas.

— Agora que eu fui clara, você é livre para acreditar ou não nas palavras que vou te dizer agora.

— C-Claro.

Cliff engoliu em seco a um volume audível, mas Elinalise não deu pausa.

— Ela não está afim de você.

— …

— Minha maldição me tornou bem perceptível sobre cada sutil batida no coração de uma mulher, então eu tenho certeza.

Essas duras afirmações deixaram Cliff sem palavras. Elinalise, contudo, logo riu de seu marido e continuou em tom zombeteiro.

— Mas talvez, e só talvez, eu esteja falando isso por inveja… Talvez esteja mentindo para separá-los porque eu não quero que Norn roube você…

— Não… eu sei que é verdade. E-é. Eu sabia. É por isso que disse que era somente um talvez. Apenas isso. Se ela realmente nutre algum sentimento por mim, então isso seria, você sabe, um problema…

— Claro, querido.

Cliff bolava desculpas apesar de estar todo corado. O olhar de Elinalise era cheio de afeição. Ela não pretendia realmente testar sua lealdade, mas o fato de Cliff ficar tão envergonhado provava que era fiel. Era muito fofo.

— Wuh… Waaaaagh… Aaaaaaawgh…

E assim, Clive começou a chorar. Talvez tivessem falado alto demais, ou talvez ele tenha enjoado do flerte dos pais, mas fato era que estava rabugento.

— Oh querido, parece que estávamos conversando alto demais.

— Guh, desculpe…

Elinalise se levantou, foi até o berço e se encarregou de acalmar Clive. Cliff levantou-se também, com as mãos tateando o ar na esperança de poder fazer algo para ajudar. Elinalise, contudo, já tinha aquietado o filho antes que Cliff encontrasse uma forma de ser útil.

— Calminho, calminho — disse Elinalise; balançando a criança. Cliff contemplou enquanto uma alegria incrível o dominava… e um senso ainda maior de satisfação pelo caminho que escolheu.

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Nakroth 致
Membro
Nakroth 致
1 mês atrás

q cap chato puta merda, foco so no cliff

Nakroth 致
Membro
Nakroth 致
1 mês atrás

preguiça de ler isso td

um cara qualquer
Visitante
um cara qualquer
1 mês atrás

as vezes acho a norn extremamente mesquinha. Nunca gostei dela desde a 2 temporada do anime, mas aqui ela extrapolou td kkkkk. tinham alunos entrando em coma e ela não chamou seu irmão que poderia facilmente lidar com isso por causa de ego? pqp que garota mesquinha do krlh.

Ninguém importante
Visitante
Ninguém importante
4 meses atrás

Onde eles tiraram lanterna pra usar?… Não estão tipo no período medieval…

Marrapaz
Visitante
Marrapaz
3 meses atrás
Resposta para  Ninguém importante

Pode ser só a tradução, mas antigamente haviam coisas como lampiões e até lâmpadas (como a do Aladim) que queimavam um pavio com óleo, enfim.

geygey
Visitante
geygey
4 meses atrás

isso aqui foi cinema de mais filho que isso

Marrapaz
Visitante
Marrapaz
3 meses atrás
Resposta para  geygey

Até que de vez em quando tu comenta algo que não seja hate. Assim como o Cliff você está tendo desenvolvimento, parabéns!

zxkillerxz
Visitante
zxkillerxz
5 meses atrás

Cap grande do carai

abrobao666D
Membro
abrobao666
5 meses atrás

Caramba mano tava com muita saudade do Cliff ter um destaque na historia, eu gosto dms dele, com certeza um dos melhores personagens. Eu gostei muito como ele mostrou que se preocupa de verdade com o Rudeus, e como ele melhorou sua personalidade, saindo de um egocentrico chato, para um cara gente boa e que quer ajudar os outros. Realmente o desenvolvimento de personagens dessa obra e brincadeira po, bom pra caralho.

gabjumel
Visitante
gabjumel
11 meses atrás

muito obrigado pelo capitulo!

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