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Mushoku Tensei: Jobless Reincarnation – Volume 7 – Capítulo 3

Rudeus Atoleiro

— Huff… huff…

Ofegando suavemente, corri pelas ruas de Rosenburg na escuridão da madrugada. Eu podia ver minha respiração no ar, e as estradas estavam cobertas por uma camada quase invisível de gelo. Cada passo que eu dava era acompanhado por um pequeno “crunch” e um estalido agradável sob meus pés. Enquanto me perdia na corrida, a cidade parecia passar por mim por conta própria.

— Uff… — Finalmente parei ao retornar à minha pousada. Respirando pesado, olhei para baixo e murmurei: — O que vocês acharam da corrida de hoje, garotos? — para minhas panturrilhas trêmulas. A propósito, recentemente passei a chamar minha perna direita de Tindalos e a esquerda de Baskerville. Queria inspirá-las a crescer tão rápida e ágeis quanto um par de cães de caça. — Ah, é mesmo? Heh. Bons garotos. Bons garotos!

Ambos os meus filhotes estavam pulando alegremente no momento, então parei para acariciá-los um pouco. Sempre fiz questão de propiciar uma massagem agradável e completa após nossos passeios. Magia de cura estava fora de questão; feitiços poderiam anestesiar a dor muscular, claro, mas não poderiam transmitir a minha gratidão.

— Hoje foi um grande dia, pessoal — sussurrei, apertando suavemente as minhas panturrilhas doloridas com os dedos.

Quanto mais amor eu demonstrava a esses dois, mais amor eles me retribuíam. Meus músculos, pelo menos, nunca me trairiam. Sempre retribuíram meu afeto na mesma moeda. Claro, nosso relacionamento logo desmoronaria se eu os machucasse muito ou parasse de lhes dar atenção. Teria que tratar os dois com o maior cuidado. Mas se alguma vez acabasse me envolvendo em confusão, nossos laços seriam inestimáveis.

— Opa. Não se preocupem, eu não esqueci de vocês dois.

Assim que terminei com minhas pernas, voltei minha atenção para meus braços. O direito agora se chamava “Hulk” e o esquerdo “Hércules”. Eu esperava que isso pudesse encorajá-los a se tornar um par de monstros fortes. Fiz questão de dar atenção a esses garotões depois de cuidar das minhas pernas. Como mago, não precisava confiar na força dos meus braços com frequência, mas isso era útil de vez em quando. As pessoas usam os braços para todos os tipos de coisas; se nem mesmo os trabalhasse, mais cedo ou mais tarde acabaria arrependido.

Hulk e seu irmão estavam com muito ciúme e, graças a seus excelentes contatos, saberiam imediatamente se eu estivesse planejando negligenciá-los. A última coisa que eu precisava era que os garotos começassem a ficar de mau humor.

— Certo, vamos tentar fazer cem flexões. Começando…

Me estiquei no chão com o rosto para baixo e comecei a levantar e abaixar meu corpo em um ritmo lento. Definir um número arbitrário não era realmente importante, é claro; o objetivo era treinar meus músculos. Logo, Hulk e Hércules começaram a tremer de alegria. Murmurei palavras de encorajamento e os forcei ainda mais.

Isso não era fácil para mim, mas também era difícil para eles. Ainda assim, as memórias de nossa luta mútua nos aproximariam – e nos tornariam mais fortes.

— Uff… certo, lá vamos nós. Bom trabalho, pessoal…

Assim que terminei, massageei e refresquei meus músculos doloridos, oferecendo-lhes algumas palavras de gratidão. Hulk e Hércules pareciam satisfeitos. Eu tinha claramente conseguido mais alguns pontos de afeição com eles. Outro treino sólido registrado. Excelente.

Depois de me limpar completamente no banho, ofereci minha prece usual ao altar que havia montado em um canto do meu quarto.

— Bem, agora… Por favor, cuide de mim hoje, Mestra.

Tirei minha relíquia sagrada de seu santuário, a dobrei com cuidado e a coloquei no bolso. Normalmente, remover tal artefato de seu local de descanso seria um ato de blasfêmia, mas eu não podia correr o risco de ser roubado. Não deixar nenhum objeto realmente valioso em um quarto alugado era simples bom senso.

— Certo. Espero que hoje tenha ao menos um ou dois trabalhos decentes no quadro…

Depois de colocar meu robe, deixei a estalagem para trás e me dirigi para a guilda.

Vários meses se passaram desde minha chegada a esta cidade. Além de reiniciar meu treinamento físico, passei a trabalhar para me estabelecer como aventureiro, assim como em meu plano inicial.

— Ei, Atoleiro! Valeu mesmo por sua ajuda naquele outro dia!

— É sempre bom ter você no apoio, garoto.

— Sim, o seu desempenho com aqueles feitiços de suporte é realmente incrível. Acho que até aprendi uma ou duas coisas.

Considerando todas as coisas, parecia que eu tinha começado bem.

— Sou eu quem deveria agradecer a todos vocês. Só ajudei um pouco. As coisas só correram bem por causa dos seus talentos.

— Heh. Você é muito modesto, garoto! Depois de todo o trabalho que você fez, eu esperava ao menos um pouco de conversa fiada.

— Cara, se você quisesse poderia até mesmo entrar definitivamente no nosso grupo.

— Uh, bem, eu…

— Ei! Não devemos recrutá-lo, lembra?

— Opa. Foi mal.

— Ahaha…

Eu ainda estava essencialmente operando como um aventureiro independente. Sempre que via um grupo debatendo se deveria aceitar um trabalho desafiador, me aproximava e oferecia meus serviços como mercenário. Nos últimos meses, ajudei muitos grupos diferentes. O preço que eu exigia era de um décimo das recompensas monetárias, assim como uma parcela de cinquenta por cento de qualquer pilhagem que fosse obtida. A Guilda dos Aventureiros aparentemente desaprovava esse tipo de arranjo temporário, mas eu não estava quebrando nenhuma regra real e, até o momento, estavam deixando passar.

As pessoas que trabalhavam nesta filial talvez tivessem ouvido que eu “perdi” meu grupo e estava procurando desesperadamente por minha mãe. Tive a sensação de que estavam pegando leve comigo por pura simpatia. Se eu me mudasse para uma nova cidade, talvez precisaria começar a ingressar temporariamente nos grupos com os quais trabalhasse. No momento, porém, ainda não estava confortável com a ideia de adicionar um novo nome de grupo na parte inferior do meu cartão – mesmo se fosse só por alguns dias.

— De qualquer forma, te levar conosco foi uma boa ideia, garoto. Estou ansioso para trabalhar com você de novo!

Minha estratégia geral era me comportar de maneira modesta e amigável, ao mesmo tempo que marcava minha presença em combate. Estava funcionando bem até o momento. Neste ponto, meu nome já tinha se tornado relativamente conhecido em Rosenburg.

— Ei, Atoleiro! — chamou uma voz enquanto eu entrava no lugar.

— Ah, é o Atoleiro! — gritou outra. — Venha nos dar uma mão, cara! Estávamos prestes a sair!

— Obrigado pela oferta, pessoal, mas hoje só estou dando uma olhada.

Pensando bem, o meu nome real talvez não tivesse ficado conhecido. A maioria das pessoas parecia me conhecer pelo apelido de “Atoleiro”. Era compreensível, já que eu tendia a lançar apenas aquele feitiço nas batalhas. Às vezes, usava outra magia de suporte, como a Névoa Profunda, mas só quando a situação pedia.

Em qualquer caso, a maioria dos aventureiros desta Guilda sorria ao ver meu rosto. Fazer minha melhor imitação de Timothy parecia estar valendo à pena, e me apresentar como um jovem mago ingênuo e prestativo que não sabia o valor de seus próprios serviços também não machucava. Quando uma pessoa se torna tão útil fica fácil ser querida.

Ainda assim, os locais me reconheceram e aprenderam o meu nome. Nesse ritmo, não demoraria muito para alguns rumores sobre mim se espalharem pela cidade como um todo.

— Ei, Atoleiro! Hoje vamos sair da cidade. Mandarei um recado se descobrir alguma coisa sobre a sua mãe, viu?

— Ah. Muito obrigado, realmente aprecio isso.

Também consegui convencer alguns grupos de viajantes como este a manter os olhos abertos para notícias sobre Zenith sempre que fossem para outro lugar, deixando Rosenburg por algum tempo. As coisas estavam, ao todo, correndo bem o suficiente. Supondo que minha mãe estivesse em algum lugar por perto, ela ouviria algo sobre mim mais cedo ou mais tarde.

Isso era só suposição, é claro. Mas, de qualquer forma, eu não sentia como se estivesse desperdiçando o meu tempo. Assim que descobrisse uma boa rotina em Rosenburg, poderia facilmente fazer justo a mesma coisa em outras cidades. Se eu pulasse de uma cidade para a outra, movendo-me continuamente para o leste através dos Territórios Nortenhos, poderia espalhar minha busca por toda a região. Eventualmente acabaria tropeçando em Zenith.

Levei três meses para chegar a este ponto, mas finalmente estava começando a sentir que estava fazendo algum progresso real. Se eu quisesse ser minucioso, talvez precisasse passar um ano ou mais em cada cidade em que parasse. Em outras palavras, meu plano poderia tomar muito tempo para ser executado.

Mesmo assim… precisava seguir em frente, dando um passo de cada vez. Não é verdade, Roxy?

— Ei, olha. Ele está orando de novo!

— Deixa pra lá. O Atoleiro é um garoto de muita fé. Outro dia vi ele fazendo isso bem no meio da rua…

Opa. Isso foi descuidado da minha parte.

Em algum momento, coloquei a mão no bolso e inclinei a cabeça em uma oração reflexiva. Enquanto eu tivesse minha relíquia sagrada, ficaria tudo bem. Eu poderia suportar qualquer coisa que o mundo jogasse em mim. Com Roxy cuidando de mim, nada poderia me prejudicar. Eu era invencível. Eu era Mecha-Rudeus, o indestrutível!

— Pfft

— Rudeus Atoleiro? Dá um tempo.

— Esse garoto é tão cheio de si…

Naturalmente, também havia algumas pessoas que não me consideravam lá muito bem. Mas eu não ia deixar isso me incomodar, já que não estavam interferindo ativamente em minhas atividades. Enquanto eu mantivesse minha atitude dócil e submissa, manteria uma sólida maioria da Guilda ao meu lado. Em um mundo perfeito, acabaria conquistando a minoria que não gostava de mim também, mas, por enquanto, apenas os evitava.

— Ah… — Quando estava prestes a deixar a Guilda, me encontrei cara a cara com uma conhecida minha. Era Sara, para ser mais específico.

Ela fez uma careta ao me ver. Não foi a melhor sensação do mundo.

— O que você está olhando?

— Uh, nada.

Nosso relacionamento não mudou muito nos últimos meses. Eu claramente conquistei seu lado ruim desde o início, e seu tom de voz nunca parecia ficar menos agressivo.

— Você está voltando para a pousada ou algo assim?

— Uh, sim. Terminei um trabalho ontem mesmo, então estava planejando tirar a noite para descansar.

— Certo. Estávamos prestes a aceitar um novo serviço. Quer ir junto?

— Ah. Hmm…

O Contra-Flecha sempre me convidava para trabalhar com eles, provavelmente por causa do meu desempenho em nossa primeira tarefa juntos. Trabalhei com eles mais do que com qualquer outro grupo. Dado o meu objetivo geral, juntar-me várias vezes a um único grupo não era particularmente eficiente. Depois que estabelecia um bom relacionamento com um time e falava a eles sobre meu objetivo, não havia muitos benefícios em me juntar a eles por mais vezes.

— Uh… vocês vão sair amanhã?

E, ainda, por algum motivo, eu achava difícil virar as costas para o Contra-Flecha. Eu não tinha certeza do porquê. Talvez quisesse retribuir por me ajudarem a identificar alguns dos meus pontos fracos.

Sara franziu a testa, irritada.

— Você sempre parece tão relutante quanto a isso. Se não quiser vir, então pode simplesmente dizer. Não é como se estivéssemos implorando por sua ajuda ou algo assim.

Como sempre, o tom da garota era frio. Mesmo assim, senti que sua atitude estava um pouco melhor do que no início. A hostilidade aberta que eu sentia da garota no começo não estava mais dando as caras. Não era como se tivéssemos nos tornado amigos ou coisa assim.

De qualquer forma, não importava. Eu não precisava que todos nesta cidade gostassem de mim.

— Sinto muito por isso. Sou apenas uma pessoa indecisa, suponho. Levo algum tempo para me decidir sobre qualquer coisa.

— Você também poderia parar de se desculpar por qualquer coisinha…? Isso é meio patético.

A julgar pelo olhar levemente exasperado no rosto de Sara, ela estava expressando seus pensamentos reais, e não tentando apenas ferir os meus sentimentos. Ainda assim, eu não mudaria meu comportamento só porque ela o achava “patético”. Já tinha me decidido a manter uma atitude dolorosamente educada durante o futuro imediato.

— Pare com isso, Sara — disse uma voz da entrada.

Os outros membros do Contra-Flecha estavam seguindo a garota para a Guilda. Suzanne estava à frente do grupo, seguida de perto por Timothy em seu robe vermelho. Patrice e Mimir estavam logo atrás.

— Tudo bem, tanto faz — murmurou Sara, fazendo beicinho enquanto virava o rosto para o lado.

— O que você diz, Rudeus? — perguntou Suzanne com um sorriso. — Você vem junto?

Parei por um momento. Embora eu me chamasse de indeciso, na verdade já tinha me decidido quanto a isso. Por alguma razão, só queria agir como se não tivesse certeza.

— Sim. Irei com vocês, caso me aceitem.

— Ótimo! Hoje só vamos escolher o trabalho.

— Certo.

Se ignorasse a atitude ruim de Sara, o Contra-Flecha poderia ser considerado um grupo fácil para ser trabalhar junto. Eu gostava de ficar por perto deles. Suzanne era uma pessoa carinhosa e atenciosa; Timothy era bem-humorado e sociável. Os outros dois caras ficavam sempre quietos, mas eram legais o suficiente. O grupo era bem equilibrado e eles aprenderam como me colocar em sua estratégia, então o combate geralmente corria sem problemas. Tentavam deixar Sara e os lutadores da linha de frente obterem alguma experiência em cada luta, então eu tinha que restringir cuidadosamente meu lançamento de feitiços, mas parecia que estava trabalhando com eles, em vez de apenas ajudá-los.

Em outras palavras, eu meio que me sentia parte da equipe.

— Então tá bom, vejamos. Desta vez teremos Rudeus conosco, então…

— Ei, Suze! E que tal isso?

— Uau. Um trabalho de coleta de rank A? Ah, eles querem um monte de escamas de Drake Nevoso… Hmm. Não sei, Patrice. Parece um pouco arriscado.

— Sim, mas nós temos o Rudeus, certo? É melhor pegar um que pague bem.

Assistir os cinco falando coisas na frente do quadro de avisos me deixou com um humor um pouco nostálgico. Não muito tempo atrás, eu assistia Eris e Ruijerd terem conversas parecidas em guildas do outro lado do mundo. Naquela época, era eu quem tomava as decisões finais…

— O que você acha, Rudeus…?

— Hm? Ah. Tá bom. Eu, pessoalmente, acho que seria uma boa.

Nos últimos dias, tudo que eu precisava fazer era dar a minha opinião quando alguém a pedia. Era um papel bem diferente do que desempenhei com o Fim da Linha. Neste grupo eu não tinha nenhuma autoridade; na verdade não passava de um estranho. Poderia simplesmente dizer o que estava pensando, e então outra pessoa cuidaria de tudo. Sem estresse.

— Tudo bem, então acho que estamos de acordo — disse Suzanne. — Vamos pegar esse trabalho.

Só assim, a decisão foi tomada. A busca não era muito diferente das que havíamos feito no passado, mas obter resultados consistentes faz parte de como se constrói uma reputação. Eu teria que dar tudo de mim, como sempre.


No dia seguinte, juntei minhas coisas e saí de Rosenburg com os membros do Contra-Flecha. Estávamos indo para uma antiga ruína localizada a cerca de dois dias ao sul da cidade. Nunca estive lá antes.

Apesar dos pesares, fiz uma pequena pesquisa na noite anterior. Como nosso objetivo era coletar escamas de Drake Nevoso, comecei perguntando sobre isso. Descobri que o Drake Nevoso era um tipo de monstro encontrado apenas ao redor daquelas ruínas em específico, ao menos nesta área. Como o nome sugere, era um tipo de dragão menor com escamas bem brancas. Não tinha asas e tendia a possuir três ou quatro metros de comprimento. Em vez de voar pelo céu, se aninhava em cavernas e masmorras, normalmente em grandes grupos.

Drakes Nevosos eram criaturas poderosas, e as pessoas normalmente os caçavam em grupos, então eram considerados ameaças de rank S em combate. Mas odiavam luz forte, o que significava que não se aventuravam pela superfície com muita frequência. Além disso, eram relativamente dóceis, quase nunca atacando alguém, a menos que seus ninhos fossem ameaçados. Ao todo, a maioria dos aventureiros não os considerava especialmente perigosos. Eles eram talvez, na pior das hipóteses, monstros avançados de rank A.

Desta vez, nosso trabalho seria trilhar nosso caminho até a casa deles, as Ruínas Galgau, e simplesmente coletar quaisquer escamas que pudéssemos encontrar espalhadas por lá. Essas escamas eram isolantes excelentes e muitas vezes usadas na construção – os habitantes desta região do mundo descobriram todos os tipos de maneiras de se proteger do frio e, para aqueles que podiam pagar por elas, as escamas de um Drake Nevoso eram uma das melhores. Além de sua firmeza e durabilidade, eram de um belo branco puro, com um adorável brilho azulado quando exposto à luz. Muitas vezes poderiam encontrar essas coisas sendo usadas como ladrilhos nos quartos das mansões dos nobres locais.

As escamas também poderiam ser usadas para fazer armaduras ou escudos. Não se encontrariam muitos aventureiros comuns vestidos com equipamentos do tipo, mas um veterano de rank S poderia ter uma ou duas peças, e os cavaleiros do Ducado de Basherant supostamente usavam cota de malha de Drake Nevoso. Os monstros mais fortes desta região eram mais resistentes do que qualquer outra coisa viva neste continente. Era fácil entender por que as pessoas queriam fabricar equipamentos de ponta com eles.

Claro, para assegurar essas escamas era necessário invadir o território de algumas criaturas muito poderosas sem ter sido convidado. Não tínhamos intenção de lançar um ataque ao ninho dos Drakes Nevosos, mas essas ruínas eram o lar de muitos outros monstros… e enquanto os Drakes eram geralmente dóceis, sempre poderiam decidir nos atacar do nada.

Todos pareciam um pouco nervosos enquanto caminhávamos para o sul.

Assim que chegamos às ruínas, montamos acampamento do lado de fora e realizamos nossa reunião de grupo usual para revisar o plano.

— Eu trouxe flechas de osso de Wyrm desta vez, mas não tenho certeza se elas passarão pelas escamas de um Drake Nevoso.

— Hmm. Suponho que devamos tentar usar veneno também.

— Eles não gostam de luz forte, certo? Podemos assustá-los com magia de fogo?

— Se isso fosse o suficiente para assustá-los, não seriam monstros no limite para o rank S.

Como de costume, os membros do Contra-Flecha levaram os preparativos a sério. Todos reuniram informações por conta própria e tentaram descobrir como maximizar suas contribuições. Se fossem um pouco mais talentosos como indivíduos, ou tivessem um grupo completo de sete pessoas, provavelmente poderiam ter chegado ao rank A sem muitos problemas.

Para ser honesto, era raro encontrar um grupo tão diligente em seu trabalho. A maioria das pessoas ficava meio que improvisando por aí.

— Você não disse muita coisa, Rudeus. Tente não nos ferrar aí, viu?

— Certo. Farei o que puder.

— Sério, é bom mesmo. Digo, minhas flechas podem nem funcionar nessas coisas… Se um deles se aproximar de você, podemos não ser capazes de ajudar…

Desta vez Sara definitivamente parecia nervosa. Ela podia disparar flechas com incrível velocidade e precisão, mas isso não significava muito contra inimigos com defesas naturais tão resistentes. Embora a garota pudesse encontrar pontos fracos para mirar, como os olhos ou a boca, a precisão necessária a colocava em real desvantagem – especialmente contra grupos de inimigos maiores.

E, claro, havia alguns monstros de rank A que podiam se livrar de uma flecha ou até mesmo evitá-las no ar. Os Drakes Nevosos estavam definitivamente nessa categoria. Os outros monstros que habitavam as ruínas, em sua maioria, não eram muito ameaçadores. Mas se nos encontrássemos enfrentando um monstro de rank A, seria difícil dizer se Sara poderia causar muito dano. Isso era claramente frustrante para ela.

Ainda assim, era dessa forma que as coisas aconteciam nesse ramo de negócios. Poucos aventureiros poderiam fazer muitas coisas sem um grupo. Eu também não me saía muito bem por conta própria. Quando alguém começava a ficar muito presunçoso, era só questão de tempo até que uma pessoa melhor aparecesse e colocasse todos no devido lugar. E quando alguém pensasse que tinha descoberto como o mundo funciona, não demoraria muito até que o jogo todo mudasse. Manter a humildade era o melhor caminho a se percorrer.

Sara ainda era jovem. Ela provavelmente não tinha experimentado muitos contratempos reais e, consequentemente, parecia mais preocupada com o que poderia acontecer aos outros membros do grupo caso não pudesse desempenhar seu papel. Parecia não ter percebido o fato de que ela mesma poderia estar em perigo.

Claro, o resto de nós sempre poderia intervir para oferecer um pouco de assistência discreta quando ela precisasse. Se isso não bastasse, bem… quando chegássemos neste ponto, veríamos o que seria possível fazer.

— Não se preocupe muito com isso, Sara — falei. — Nosso trabalho é pegar escamas, não lutar contra Drakes Nevosos. Estaremos basicamente limpando a casa deles.

— Ele está certo — disse Timothy, balançando a cabeça suavemente. — Vamos tentar não lutar contra eles, se possível.

— Se acontecer o pior, podemos sempre fugir! — acrescentou Patrice.

— Você é muito bom em fugir, Patrice. Isso posso dizer — declarou Mimir.

— Não seja tão modesto, Mimir — disse Timothy. — Você é de longe o nosso melhor velocista.

Todos começaram a rir, e a tensão no ar pareceu diminuir um pouco. Timothy era um homem de fala mansa, mas sabia como fazer uma piada ou sugestão quando alguém pedia por isso. Essa era outra coisa que eu queria aprender a imitar.

— Tudo bem, então — disse Suzanne, batendo palmas. — Pessoal, vamos indo?

Todos se levantaram com suas expressões voltando a ficar sérias.

A entrada para as ruínas localizava-se às margens de um sinuoso riacho na montanha. Na verdade, não era nada mais do que um buraco na face do penhasco. O espaço interno estava meio coberto por gelo, com sincelos de gelo grossos pendurados na entrada. Por cima, isso poderia ser facilmente ignorado. Para ser sincero, o lugar parecia menos com uma ruína e mais com uma caverna onde os ursos hibernavam durante o inverno. Parecia quase que havíamos ido ao lugar errado.

No entanto, isso correspondia à descrição geral da entrada para as Ruínas Galgau, que algum aventureiro aparentemente encontrou há dez anos. Mas ninguém pôde me dar uma descrição específica do interior, então era difícil dizer com certeza.

— É isso mesmo? — perguntou Suzanne, duvidosa.

— Acho que deve ser — disse Sara, apontando para baixo. — Viu? Tem um monte de pegadas ali.

Quando olhei para a neve do lado de fora da entrada, vi os vestígios de pegadas humanas. Era difícil dizer que muitas pessoas tinham passado recentemente pelo local, mas o lugar com certeza tinha atraído uma quantidade razoável de visitantes.

— Hmm. São pegadas recentes? Espero que não tenhamos uma reserva dupla em mãos…

— Nah. Parecem ser de cinco ou seis dias atrás.

— Ainda assim, há uma chance de que o outro grupo ainda esteja lá dentro.

— Algumas estão saindo da caverna, vê? Aposto que já foram para casa.

Eu meio que ouvi a conversa entre Sara e Suzanne enquanto vasculhava nosso equipamento em busca das coisas de que precisaríamos dentro da caverna. Isso era, principalmente, as tochas que havíamos preparado com antecedência. As peguei e acendi uma a uma.

Tochas eram ferramentas essenciais para a exploração de cavernas. Lampiões também eram uma opção, mas uma tocha acesa poderia funcionar como uma arma improvisada e continuava lançando luz, mesmo se a usasse com um pouco de força. Poderia jogá-la de lado quando uma batalha começasse, e tudo sem mergulhar o local todo na escuridão. Poderia ser perigoso vagar por uma câmara cheia de gases, ou acender tantas fogueiras que acabassem consumindo todo o oxigênio da área… mas se esses tipos de riscos acabassem incomodando, então, em primeiro lugar, seria melhor nem entrar em uma caverna.

Dito isso, teria sido bom ter uma alternativa mais luminosa e confiável que esses pedaços de madeira em chamas. Talvez algo como uma lanterna resistente de LED?

— Pessoal, em alguns lugares o chão está congelado. Cuidado onde pisam.

Entreguei as tochas para todo o grupo, começando por Suzanne e passando por todo o resto. Alguns grupos preferiam que apenas algumas pessoas designadas carregassem suas tochas, mas o Contra-Flecha fazia com que todos pegassem uma. Não tínhamos ninguém que enxergasse perfeitamente no escuro e, como havia uma arqueira no grupo, queríamos a melhor visibilidade possível.

Assim que entramos na caverna, toda a conversa fiada chegou ao fim. Movendo-nos em fila única, descemos o caminho em declive em silêncio, permanecendo alertas para qualquer perigo.

No começo não encontramos muitos monstros. Às vezes, criaturas que se assemelhavam a Centopeias Gigantes apareciam e atacavam, mas nossa vanguarda, com Suzanne, as eliminava facilmente sozinha. Na verdade, esses encontros não podiam sequer ser qualificados como combate.

Mas não era como se eu estivesse reclamando. O caminho que estávamos seguindo era tão estreito que teria sido realmente complicado lutar contra um enxame real de inimigos. Se os monstros começassem a nos atacar com mais frequência, poderíamos considerar a retirada… mesmo se estivessem concentrados apenas em algumas seções da caverna.

As partes do chão congelado também não ajudavam. Tínhamos que prestar muita atenção a cada passo que dávamos para evitar cair de cara no chão. Estávamos todos usando botas com cravos, mas às vezes isso não era o suficiente para evitar que os pés escorregassem.

— Ah!

— Opa…

Sara, que estava andando bem na minha frente, deu uma guinada abrupta para o lado, então eu estendi a mão rapidamente para pegá-la. Meu Olho da Previsão era bem útil em momentos como este. Mas não era como se não fosse útil quase o tempo todo.

— Você está me apalpando…?

— Uh, não.

Coloquei Sara em um pedaço de chão normal. Sua resposta à minha ação foi cobrir o peito com o braço e me encarar. Seu rosto ficou vermelho e havia sede de sangue em seus olhos.

Ela realmente ficou chateada por eu tê-la tocado ali? Sinceramente, não senti muita coisa, exceto o couro rígido de seu protetor de peito. Nos velhos tempos, isso talvez servisse para fazer meu pulso disparar, mas eu não era mais um garotinho inocente, se é que me entende.

Ainda assim, acabei decidindo que o mais seguro seria me desculpar.

— Foi mal por isso.

Deixando esse absurdo de lado… Tínhamos ficado tão agrupados que nos movermos estava definitivamente começando a ficar um pouco difícil, mas essa caverna era tão estreita que não tínhamos muita escolha. No momento, estávamos nos movendo em fileiras duplas, com Suzanne e Patrice na frente, seguidos por Mimir e Sara, comigo e Timothy atrás.

Quando Sara ficava na minha frente, eu ainda podia ver por cima de sua cabeça, mas como ela era um pouco mais baixa, provavelmente não conseguia ver nada, já que Patrice estava em sua frente. Normalmente deixaríamos a linha do meio escalonada em determinado alinhamento, para que ela pudesse mirar nos inimigos à frente, mas não havia qualquer espaço nesta passagem. Esta formação parecia a nossa única opção no momento. Se as coisas ficassem complicadas, eu poderia levantar uma parede de terra logo à frente de nossa vanguarda…

— Ah…

Só então, a passagem que estávamos seguindo repentinamente chegou ao fim. Tínhamos entrado em um grande espaço aberto, tão bem iluminado que quase parecia que estávamos do lado de fora.

— Uau…

Olhei para cima e percebi que todo o teto estava coberto por manchas de algo que emitia um brilho branco-azulado. Dessa distância, eu não sabia se era musgo ou algum tipo de mineral, mas o que quer que fosse, fazia com que nossas tochas parecessem quase desnecessárias.

Nosso caminho também ficou muito mais aberto do que antes. De repente, havia espaço suficiente para cinco pessoas caminharem confortavelmente lado a lado. À frente, uma parede de rocha íngreme descia na escuridão de um lado do caminho. Era difícil distinguir o que havia no fundo, mas parecia ser algum tipo de lago ou rio subterrâneo. Tive um mau pressentimento quanto ao que poderia estar escondido lá embaixo. Pular lá provavelmente não seria uma boa ideia.

Mais adiante no caminho estava o lugar que queríamos visitar: Uma estrutura maciça em forma de forte, desmoronando em alguns lugares, mas estruturalmente intacta.

Eram as Ruínas Galgau.

— O lugar serviu como uma fortaleza durante a Primeira Guerra Demônio Humano — disse Timothy calmamente. — Pelo visto, foi construída por um dos cinco maiores Reis Demônios da época. Eles o chamavam de Largon-Hargon, o Subterrâneo.

Hargon, hein? Imagino se ele convocou o Deus da Destruição quando o mataram.

— Para todos os efeitos, ele era um mago da terra de nível Divino. Regularmente levantava fortalezas como esta em lugares onde nenhum ser humano poderia encontrá-las e, em seguida, criava túneis para a superfície para que suas forças pudessem lançar ataques surpresa.

— Sério mesmo? Você sabe bastante coisa, Timothy.

— Bem, a luta entre a humanidade e o Rei Demônio Subterrâneo foi muito feroz nesta região, então temos muitas histórias sobre a guerra que foram passadas de geração a geração. Lembro de ter escutado algumas quando era criança.

Ah. Então essa era uma história bem popular. Ainda assim, parecia plausível. Eu não fazia ideia de como alguém poderia ter construído uma fortaleza enorme como essa no subsolo. Se o que Timothy disse fosse verdade, esse tal de Largon-Hargon poderia ter canalizado suas forças para cima, para atacar qualquer lugar a qualquer momento, sem nenhum aviso. Muros defensivos teriam sido totalmente inúteis. Todo soldado humano devia viver no limite, sem nunca saber quando o próximo ataque poderia aparecer… Era meio que bizarro como a humanidade realmente conseguiu vencer aquela guerra.

— Você não disse que cresceu em Ranoa, Timothy? — disse Suzanne, olhando para nós com uma expressão ligeiramente curiosa no rosto.

— Isso mesmo. Nasci em uma vila sem nome de lá, e passei meus anos seguintes na cidade de Sharia. Vocês devem conhecer o lugar por causa da Universidade de Magia. Eventualmente, fui para Asura para perseguir meu sonho de me tornar um grande aventureiro… que é como acabei onde estou hoje, sendo um homem muito mais humilde.

O Reino de Ranoa, hein? Acho que eu provavelmente acabarei indo para lá…

Neste ponto, nossa conversa foi rudemente interrompida.

— Estamos sob ataque! — gritou Sara, largando a tocha e agarrando o arco.

Olhei para frente e vi um grupo de formas pretas voando em nossa direção a uma velocidade considerável. Cada uma delas parecia ter mais ou menos um metro de comprimento.

— Morcegos Gigantes!

— Entrar em formação! — gritou Suzanne na mesma hora. — Deixem isso com a linha de trás!

Patrice deu um passo protetor na minha frente; Suzanne e Mimir se moveram para formar uma parede humana na frente de Sara e Timothy.

Desta vez estávamos lutando contra monstros voadores. Embora tivéssemos algum espaço para manobra, tínhamos que ter cuidado, já que não estávamos muito longe da beira de um penhasco. Era mais seguro que nossa vanguarda simplesmente absorvesse os ataques dos morcegos enquanto nós três abatíamos todos eles por trás.

— Yaaah! — Sara não perdeu tempo e disparou sua primeira flecha. O disparo acertou um dos morcegos que estavam se movendo rapidamente, perfurando-o direto na cabeça; seu corpo girou na escuridão, caindo pelo penhasco. Ver o seu trabalho era sempre impressionante. A garota era uma verdadeira artista com o arco.

— Que este fogo pequeno e ardente evoque uma grande e abrasadora bênção! Lança-chamas!

A abordagem de Timothy foi um pouco menos sutil. Ele apontou as duas mãos para o céu e lançou um feitiço de fogo de longo alcance que enviou dois Morcegos Gigantes girando em direção à destruição.

— Explosão de Vento!

Optei por um método ainda mais básico, levantando as mãos e desencadeando uma poderosa explosão no meio do ar. Dado o tamanho moderado dos morcegos, imaginei que a onda de choque seria o suficiente para acabar com eles. Como eu esperava, o vento explosivo abriu buracos em suas asas; foi o suficiente para impedi-los de voar direito. Observando os monstros sobreviventes voando lentamente em direção ao lago, soltei um breve suspiro de alívio… que um momento depois ficou preso na minha garganta.

— Uau…

— Ugh!

Um sapo enorme saltou da água lá embaixo e engoliu um dos morcegos de uma vez só. Os homens do grupo olharam para aquilo maravilhados; Sara, por outro lado, fez uma careta de desgosto.

O anfíbio tinha uma cor azul e preta vívida, que me lembrava muito dos sapos venenosos do meu outro mundo. Presumi que não seria seguro comer aquela coisa. Dessa distância, era difícil dizer exatamente o quão grande era, mas dada a facilidade com que tinha comido aquele morcego gigante, eu tinha que assumir que possuía pelo menos cinco metros de altura. E também era bem enérgico se levando em conta o seu tamanho. Pude vê-lo olhando ansiosamente ao redor, se perguntando se mais alguma presa acabaria caindo em seu covil. Se a coisa podia se manter tão ativa em um frio tão intenso, então devia ser extremamente notável, mesmo para um monstro.

— Vamos tentar não cair lá, hein? — murmurou Suzanne. Sara apenas assentiu com veemência. Eu podia ver a sua pele arrepiada.

De alguma forma, tive a sensação de que nossa arqueira não gostava de sapos. Achei que o anfíbio enorme tinha um rosto meio charmoso, mas cada um com os seus gostos. Dito isso, encontrei mais do que algumas pessoas com cara de sapo no Continente Demônio. Isso era algo que Sara algum dia teria que superar.

— Vamos nos apressar, pessoal — chamou Timothy. — Fiquem espertos com onde pisam.

Nós seis voltamos a marchar em direção à fortaleza, mantendo um olhar cuidadoso ao nosso redor.

Galgau era uma estrutura verdadeiramente maciça. Olhar para cima, do ponto de vista de sua entrada, era bastante inspirador. A fortaleza em ruínas talvez tivesse cinco andares de altura e era tão larga quanto uma escola. Mas era impossível medir o seu tamanho, já que parecia estar parcialmente enterrada na rocha que ficava logo atrás. Porém, seria justo supor que sua profundidade fosse ainda mais impressionante. Não era o maior edifício que eu tinha visto neste mundo, mas seu impacto foi definitivamente aumentado pelo fato de que estava de alguma forma no subsolo. Esta coisa toda realmente foi criada por uma única pessoa usando magia de terra?

Nosso ponto de entrada nas ruínas não era o portão da frente. O caminho nos levou por algo que poderia ser uma porta lateral, ou possivelmente apenas uma fissura na parede. De lá, tivemos uma vista verdadeiramente espetacular da caverna ao nosso redor. À esquerda estava a estrada sinuosa do penhasco que seguimos até o lugar; à direita, havia um enorme espaço aberto com um lago escuro e silencioso no fundo.

O mundo de onde vim tinha sua cota de espetáculos, é claro, mas não havia muitos que se comparassem a este. O único lugar onde se encontraria algo comparável seria em um videogame ou uma obra de arte fantasiosa. E, claro, estar no lugar era bem diferente de ver uma ilustração. Eu podia sentir o cheiro da caverna, sentir o ar estagnado e ouvir o respingo ocasional de um sapo gigante pulando na água. A realidade tangível disso enviou um pequeno arrepio pela minha espinha. Olhando para o vasto lago subterrâneo, me peguei imaginando o que aconteceria com qualquer um que tentasse nadar lá.

— Você vai ficar aí olhando o dia todo ou o quê? — perguntou Sara.

— Ah. Desculpa, já estou indo — falei, correndo de volta para o meu lugar em nossa formação.

— Você gosta de edifícios grandes ou algo assim?

— Na verdade não. Só não vi muitos lugares como este antes, sabe?

— Hmm.

No momento estávamos trabalhando. Eu poderia ficar tentado a tirar algumas fotos se tivesse uma câmera, mas não havia tempo para esse tipo de coisa. Precisava coletar as escamas e voltar para a cidade o mais rápido possível.

Sim. Voltar o quanto antes… para o meu quarto vazio e solitário na pousada…

Balancei minha cabeça para limpá-la de pensamentos desagradáveis e voltei minha atenção para a fortaleza em si.

— Essa coisa está aqui desde a Primeira Guerra Demônio Humano, hein…?

Depois de todo o tempo que passei viajando pelo Continente Demônio, vi minha cota de edifícios construídos por demônios. Isso incluía alguns castelos e fortes grandes e de aparência peculiar, incluindo o Castelo Kishirisu na cidade de Rikarisu. Esta fortaleza tinha alguma semelhança com eles, mas era claramente mais velha e causava uma impressão um pouco diferente de tudo que eu tinha visto até o momento. Talvez isso fizesse sentido, já que este era um posto avançado funcional construído para ser usado em uma guerra real. Tudo nele era em grande escala; até os tetos estavam quase cinco metros acima do chão. Mas, por mais estranho que possa parecer, as passagens tendiam a ser desproporcionalmente estreitas.

Ao menos a altura parecia fazer sentido. Os demônios podiam ser fisicamente bem diferentes dos seres humanos, o que incluía ser mais altos do que a média. Quanto aos corredores estreitos… será que eram uma tentativa deliberada de tornar o lugar mais fácil de defender?

— Hmm… vire à direita na próxima bifurcação, Suze.

— Pode deixar.

Fiquei um pouco surpreso ao perceber que Timothy estava carregando um mapa real das ruínas em uma das mãos. Os aventureiros pareciam visitar este lugar regularmente, então acho que não era surpresa que alguém tivesse se esforçado para mapear o interior do local.

— Meu deus — murmurou Timothy, suspirando baixinho. — O que os demônios estavam pensando quando projetaram este lugar?

Uma olhada no mapa foi o suficiente para ver que essas ruínas eram uma espécie de labirinto. Parecia um pouco com os rabiscos de uma criança que preferia que seus labirintos fossem emaranhados e sem sentido porque “pareciam mais legais” dessa forma. Dado o que eu sabia sobre os Demônios, isso podia fazer parte da motivação deles, mas…

— Bem, eles não são feitos como nós, sabe? Isso podia ser, de alguma forma, mais conveniente para eles.

— Hmm, suponho que você esteja certo…

Mesmo em uma fortaleza subterrânea como esta, presumivelmente equilibravam suas forças com uma variedade de demônios, incluindo alguns que podiam voar e outros que podiam rastejar pelas paredes. Isso poderia explicar os tetos altos e corredores estreitos, bem como a disposição estranhamente complexa de tudo. Tipo… e se os buracos no teto, que pareciam ventilações, realmente levassem a passagens que apenas demônios rastejantes poderiam usar? Ter algumas passagens que apenas os demônios poderiam fazer uso teria dado a eles uma grande vantagem contra qualquer humano que aparecesse.

De qualquer forma, parecia ter passado muito tempo desde que vimos o último monstro. Tudo o que ouvi na cidade me levou a acreditar que essas ruínas estavam povoadas com muitas criaturas do tipo inseto e anfíbio, mas não tínhamos sofrido ataques nem uma vez desde que entramos na fortaleza. Havia ossos espalhados aqui e ali, às vezes ainda manchados de sangue, mas os próprios monstros não estavam à vista.

Mas, é claro, isso não significava que poderíamos baixar a guarda.

De repente, uma longa rajada de vento passou por nós soltando um assobio assustador. E, por algum motivo, os cabelos da minha nuca se arrepiaram.

— Estamos sob ataque! — gritou Mimir instantaneamente.

Olhei para frente, para trás e para os lados, mas não localizei nada que parecesse uma ameaça.

— Onde estão?!

— Aos seus pés!

No final das contas, o inimigo estava abaixo de nós.

Aqueles ossos que eu notei espalhados por todo o caminho estavam lentamente se levantando do chão, chacoalhando enquanto se moviam. Parece que tínhamos alguns garotos ossudos em nossas mãos. Ou Esqueletos, se preferir.

Quando começaram a se recompor, uma coisa parcialmente… translúcida apareceu mais adiante no corredor, flutuando bem devagar em nossa direção. Era uma figura humanóide esguia, mas não tinha cabeça nem pernas. Vestido com um robe velho e surrado, flutuou em nossa direção, sem enfrentar qualquer resistência, como se nadando pelo próprio ar. Eu não era um especialista nem nada, mas tinha que ser algum tipo de fantasma.

— São Esqueletos e um Espectro, chefe!

— Traga eles para perto, Patrice!

— Certo!

— Sara, Timothy, Rudeus, cuidem da retaguarda! Concentrem-se nos esqueletos!

— Certo!

Me virei e descobri que vários Esqueletos estavam carregando espadas velhas enferrujadas, já bem atrás de nós. E podiam se mover surpreendentemente rápido.

— Saiam do caminho! — gritou Sara, passando por mim e por Timothy para chegar a uma posição avançada. Ela colocou seu arco no ombro e sacou uma enorme faca.

— Rudeus, Esqueletos são frágeis contra ataques de força bruta! — disse Timothy.

— Essa é a minha especialidade! — Apontei minhas mãos para os esqueletos que avançavam. Se a força bruta fosse suficiente para derrubá-los, isso não seria tão ruim. — Canhão de Pedra!

Meu projétil letal favorito acertou o primeiro Esqueleto da linha e o pulverizou; a pedra continuou se movendo, destruindo até mesmo um segundo Esqueleto.

— Atenda meu chamado, Deus das Obscuranças, e destrua meu inimigo! Canhão de Pedra!

Uma fração de segundo depois, Timothy disparou seu próprio Canhão de Pedra, que quebrou um único Esqueleto antes de parar.

Acho que ganhei esta rodada… Mas não é como se isso fosse uma competição ou coisa do tipo.

— Tudo bem, já está tudo certo aqui atrás. Vamos…

— Ainda não!

No momento em que eu estava dando a meia volta para apoiar Suzanne e os outros, o grito urgente de Timothy me fez retornar. Um Esqueleto estava tomando forma bem diante dos meus olhos. O mesmo que eu tinha quebrado estava de alguma forma lentamente se recompondo.

— Enquanto aquele Espectro estiver vivo, os Esqueletos serão imortais!

Ah. Verdade. Claro.

Esqueletos eram criaturas imortais. Poderíamos despedaçá-los e incendiá-los, mas ainda retornariam à vida. Poderíamos reduzi-los a cinzas, e eles ainda se recomporiam. Ataques de força bruta eram a maneira mais simples de torná-los incapazes de se mover, mas eram apenas uma medida temporária.

Enquanto eles ficassem desabilitados, teríamos que dar um jeito no Espectro que os animava. Magia de fogo poderia queimar um Espectro, mas isso não serviria de muita ajuda, exceto para ganhar um pouco de tempo. Assim como os Esqueletos sob seu controle, ele eventualmente retornaria.

Magia divina era de longe o meio mais eficaz de se cuidar de um Espectro. Isso poderia cuidar de suas formas espectrais muito mais rápida e completamente do que qualquer feitiço de fogo; e um Espectro derrotado dessa forma se esvaía para sempre. Além disso, Esqueletos atingidos por feitiços Divinos se transformavam em partículas de luz e desapareciam permanentemente. Mas enquanto o próprio Espectro permanecesse intacto, ele poderia convocar um suprimento infinito de novos soldados.

— Invoco-lhe, Deus que abençoa a terra que nos nutre! Distribua punição divina para aqueles tolos o suficiente para desafiar os caminhos naturais! Exorcistato!

Evidentemente, Mimir havia treinado nesta escola de magia.

Olhei por cima do ombro ao som de um encantamento desconhecido e vi a bola de luz que Mimir invocou bater no corpo do Espectro.

— Gyyeeeeeaaaaa! — Com um grito ensurdecedor, o fantasma desapareceu. Seu corpo parcialmente transparente se despedaçou e foi reduzido a pequenas partículas de luz, que logo desapareceram no esquecimento. No mesmo instante, os Esqueletos se desfizeram, seus ossos desmoronaram sem qualquer vida no chão.

— Certo, tudo bem! — gritou Suzanne. — De volta à formação, pessoal!

Sara se virou e passou correndo por mim para assumir sua posição normal no meio; Mimir juntou-se a ela e voltamos ao nosso arranjo inicial. Essa luta foi um pouco perturbadora, mas pelo menos pude ver um novo feitiço pela primeira vez.

— É a primeira vez que vejo magia divina… ou um fantasma, para falar a verdade — falei baixinho, olhando para Timothy.

— Foi a segunda vez que vi um Espectro — respondeu ele. — Na primeira vez, meu grupo ficou completamente sem noção e matou um de nossos amigos. Aquela foi uma lição muito dolorosa.

— Mimir não estava com você naquele momento?

— Não. Foi bem antes de formarmos o Contra-Flecha. No entanto, fiz questão de que praticássemos para esse cenário. Fico feliz por ter feito isso.

Sara olhou em nossa direção por cima dos ombros e colocou o dedo nos lábios. Nossa conversa provavelmente estava tornando mais difícil para ela ouvir as possíveis ameaças.

— Desculpe por isso — sussurrei. Definitivamente, aquele não era o lugar nem a hora para uma conversa casual. Em um lugar como este, o descuido poderia fazer com que uma pessoa morresse em pouco tempo.

Em qualquer caso, essa ruína aparentemente era assombrada. Isso era mais do que um pouco perturbador. A julgar por sua aparência, aquele fantasma poderia ter sido um guerreiro em vida… Será que foi um soldado na Primeira Guerra Demônio Humano?

Não, isso parecia realmente improvável. Certamente, um fantasma de um passado tão distante não estaria ainda por aí, em um lugar que as pessoas visitam com bastante regularidade. Devia ter sido um aventureiro que morreu no local nos últimos anos. Minhas condolências, amigo. Espero que você descanse em paz.

— Ah, bom. Aqui estamos!

A voz de Suzanne me trouxe de volta à realidade. Percebi que finalmente emergimos daquele labirinto sinuoso de corredores para um espaço maior e mais aberto. Parecíamos estar em um amplo corredor de, talvez, cem metros de comprimento. Um conjunto de escadas desmoronadas no meio levava ao segundo andar, e os dois lados da passagem estavam alinhados com esculturas de pedra gigantes. Parecia bastante óbvio que alguma parte importante da fortaleza estava logo adiante.

— Ah, uau…

E então havia o chão.

Estava praticamente coberto por um tapete de belas escamas brancas, quase como as pétalas de uma flor de cerejeira. Deviam ser as escamas de Drake Nevoso que estávamos procurando. Considerando seu valor, com certeza havia muitas delas espalhadas por aí.

Com base na pesquisa que fizemos anteriormente, este corredor fazia parte da rota que os Drakes Nevosos usavam para se mover de seu ninho para seus campos de caça. Frequentemente paravam ali para se limpar enquanto se moviam pela área. Era conhecido como o melhor lugar de todo o complexo para encontrar suas escamas.

— Além deste corredor, estaríamos entrando no território dos Drakes Nevosos — disse Suzanne à frente. — É bom não passarmos daquela última estátua da fileira. Ficou claro para todos?

Mimir e Patrice gritaram “Sim!” em uníssono, em seguida, começaram a trabalhar recolhendo escamas.

Tínhamos antecipadamente planejado essa parte da operação, tudo com muito cuidado. Junto com Sara e Timothy, eu deveria ficar alerta para ameaças de todas as direções. Os Drakes Nevosos eram conhecidos por emergirem do outro lado deste corredor, e às vezes outros monstros surgiam do segundo andar ou do corredor pelo qual tínhamos acabado de passar. Estávamos à procura principalmente de Morcegos Gigantes, Toupeiras de Olho Vermelho, Micônidos e Espectros.

Se os próprios Drakes Nevosos aparecessem, voltaríamos para a passagem ou nos esconderíamos atrás de alguma cobertura. Se os outros monstros aparecessem, nós apenas alertaríamos os outros e os eliminaríamos. Enquanto isso, o resto do grupo juntaria tantas escamas quanto fosse humanamente possível. Uma vez que enchêssemos todos os seis sacos que tínhamos, teríamos mais do que o suficiente para voltar para a Guilda.

Isso poderia ficar muito perigoso se de alguma forma acabássemos em combate com os Drakes Nevosos… mas fora essa possibilidade, esse trabalho era tão simples que mal parecia digno de sua classificação de rank A. Eu esperava que tivéssemos encontrado muito mais inimigos ao longo do caminho. Parecia que neste dia havia menos monstros do que o costume por aí. O Espectro foi a única ameaça real que encontramos.

Por alguma razão, isso realmente me deixou um pouco inquieto. Eu tinha que me assegurar de não baixar minha guarda.

Com esse pensamento em mente, concentrei minha atenção na direção do ninho dos Drakes Nevosos. A última estátua no corredor representava uma mulher voluptuosa com as pernas bem abertas – uma mulher vestindo nada além de calças sensuais, um protetor de peito e uma capa. Ela mantinha as mãos nos quadris… e por algum motivo estava segurando correntes. Fiquei um pouco triste por sua cabeça ter caído em algum momento ao longo dos séculos.

Havia uma porta entre as pernas daquela estátua. Os Drakes Nevosos aparentemente viviam um pouco mais adiante naquela passagem, então devia ser de onde poderiam aparecer.

Não era como se isso realmente importasse, mas as roupas daquela estátua me pareciam bem familiares.

Ah! Espera, aquela devia ser Kishirika Kishirisu?! Da última vez que a vi, ela parecia muito mais uma criança fofinha, mas… será? Não, não, não pode ser isso… Hmm.

Então, novamente, estátuas como essa tendiam a exagerar no quão impressionante as pessoas eram, certo? Não seria surpreendente se o escultor tivesse usado uma pequena licença artística. Ainda assim, isso parecia um pouco exagerado. Especialmente no quesito altura. E no tamanho do peito.

Hmm… aquelas coisas eram enormes…

— Opa. Lá vou eu de novo…

Foco, Rudeus. Foco. Eu precisava estar pronto e esperando caso os inimigos aparecessem do nada ou algo do tipo.

Ainda assim, a visão de um par de seios gigantescos não me deixava mais tão excitado quanto antes. Talvez fosse porque eu realmente toquei em alguns reais. Minha inocência se foi para sempre…

— Que som é esse?! — gritou Timothy.

Um instante depois, gritos agudos vindos de algum lugar distante alcançaram meus ouvidos.

— Chefe, tenho um mau pressentimento quanto a isso…

— Preparem-se para o combate, todos! — gritou Suzanne. — Deixem as bolsas de lado!

Infelizmente, a apreensão de Mimir se provou justificada. Nós seis nos agrupamos em uma formação compacta, procurando o inimigo. Os gritos que ecoavam pelo corredor vinham de algum lugar mais profundo nas ruínas e estavam ficando gradualmente mais altos. Tensos e incertos, trocamos olhares.

Pelo visto, havia um monte de monstros gritando. Se estivéssemos prestes a ser alcançados por uma horda gigante de inimigos, seria mais inteligente apenas agarrar as escamas que conseguimos coletar e bater em uma retirada apressada. Mimir, Patrice e Suzanne já haviam enchido um saco inteiro; provavelmente era o suficiente para atender ao requisito mínimo de nossa tarefa.

Por alguns longos momentos, Suzanne ouviu atentamente os gritos e depois considerou a situação de nossos sacos meio cheios.

— Não parece que eles estão vindo em nossa direção — disse no final das contas. — Acho que provavelmente devemos continuar juntando tudo, mas com pressa.

Não parecia uma opinião irracional. Os gritos ainda estavam distantes e não parecia que estavam vindo direto para onde estávamos. Talvez alguma outra pessoa tivesse causado um frenesi com os Drakes Nevosos, mas essa podia ser a distração de que precisávamos para terminar a coleta de suas escamas.

Ainda assim, essa era apenas uma possibilidade. Havia também uma chance muito boa de nos envolvermos no que quer que isso fosse. O que seria mais inteligente: Manter a segurança e diminuir nossos lucros ou arriscar e tentar uma recompensa maior?

De qualquer forma, cada segundo que passássemos parados esperando só nos colocaria em maior perigo. Havia uma chance de nada acontecer, verdade; mas independentemente do curso de ação que quiséssemos tomar, precisávamos tomar uma decisão rápida.

— Também acho que devemos terminar o que viemos fazer — declarou Sara.

— É, contem comigo — disse Mimir.

— De qualquer forma, já estamos quase terminando, certo? — disse Patrice.

Isso colocou uma sólida maioria do grupo ao lado de Suzanne. Para ser sincero, eu preferia a ideia de fugir. Mas, ao contrário dos outros, não enfrentaria quaisquer consequências por falhar nesta missão. Como eu não era membro do grupo deles, não seria responsável pelo pagamento da taxa da Guilda. Como minha pele não estava em jogo, seria difícil dizer qualquer coisa.

— Tudo bem então — disse Timothy quietamente. — Vamos juntar um pouco mais de escamas. Mas vamos ser rápidos com isso.

Assim sendo, todos retomaram suas tarefas anteriores. Estávamos muito mais alertas do que antes, mas eu não conseguia afastar a sensação de que aqueles gritos estridentes estavam ficando mais altos e mais violentos. Agarrando meu bastão com força, olhei para a estátua de pedra no final do corredor.

Os gritos ainda estavam distantes. Se o bando estivesse vindo em nossa direção, provavelmente viria daquele lugar… mas, por alguma razão, senti como se pudesse ouvi-los até mesmo atrás de nós. Talvez estivessem ecoando por dentro das ruínas.

Será que eu poderia usar magia de terra para selar todas as entradas, exceto a que usamos? Não. Essa era uma péssima ideia. Se os monstros invadissem o lugar, então acabaríamos em apuros.

Acalme-se, Rudeus. Você ainda nem sabe o que está acontecendo. Qualquer coisa que você fizer agora pode sair pela culatra.

Felizmente, nenhum de nós parecia estar exausto. Mesmo se tivéssemos problemas, tínhamos energia para lutar e sair deles, o que provavelmente era o único motivo pelo qual Suzanne escolheu correr esse risco, para começo de conversa. A única coisa com que eu tinha que me preocupar era matar os monstros no caso de aparecerem. Simples assim.

Esperei que os outros terminassem, tentando manter minha mente o mais clara possível, buscando ignorar os gritos assustadores que causavam arrepios na minha espinha.

— Hm…?

Quando estávamos enchendo a última de nossas sacolas, os gritos dos monstros começaram a ficar cada vez mais fracos. Suzanne ergueu os olhos e analisou a direção do som que se desvanecia com desconfiança.

Talvez estivéssemos nos preocupando por nada. Será que não eram os gritos que os Drakes Nevosos soltavam na temporada de acasalamento ou coisa do tipo? Alguns animais fazem muito barulho quando entram no cio. Talvez tivéssemos chegado enquanto eles estavam fazendo seus rituais de cortejo.

Relaxando um pouco, comecei a soltar meu cajado…

— Ah, merda! Eles já estão aqui!

Naquele instante, uma inundação de formas brancas e elegantes explodiu além da estátua com uma velocidade feroz. Correram por entre suas pernas e apareceram até pelo espaço onde sua cabeça costumava estar. À primeira vista, pareciam lagartixas enormes e totalmente brancas.

Eram os Drakes Nevosos. E, em segundos, havia mais deles na câmara do que eu poderia contar.

Enquanto corriam para frente, seus olhos injetados de sangue encontraram nosso pequeno grupo, e os primeiros pararam repentinamente antes de nos alcançar. Contei seis deles. Havia muitos mais, é claro, mas meu campo de visão só podia conter esse número.

Tudo aconteceu muito de repente. Timothy congelou onde estava, assim como todos os outros. Ele não conseguia nem gritar a palavra “Retirada”.

No entanto, nossos amigos escamosos pareciam estar reagindo exatamente da mesma maneira. Eu nunca tinha visto um lagarto assustado antes, mas devia ser assim que um se parecia. Eles arregalaram os olhos, congelaram no local e deixaram as bocas entreabertas para nos ameaçar com suas presas.

Por um longo instante, parecia que o tempo havia parado. E então, finalmente consegui gritar uma palavra:

— Corram!

Timothy e os outros giraram nos tornozelos e correram em direção à saída, como se tivessem sido disparados de um canhão.

— Gaaaaah! De novo nããããão!

Talvez provocados pelos lamentos de Patrice, os Drakes Nevosos também começaram a se mover.

— Fortaleza de Terra!

Lancei uma enorme parede de terra no meio do caminho, bloqueando o progresso dos monstros. Era uma barreira sólida e espessa, alcançando todo o caminho até o ombro da estátua de pedra mais próxima. Imaginando que tinha ganhado um pouco de tempo para todos nós, me virei e comecei a correr para a saída.

Mas quando olhei por cima do ombro um momento depois, não pude deixar de soltar um pequeno grito estridente de terror. Os Drakes Nevosos eram basicamente lagartos – uma simples parede, mesmo sendo alta, não representava nada diante deles. Um por um, estavam escalando e deslizando pelas pequenas aberturas de cada lado.

Isso não era nada bom. Nesse ritmo, iriam me alcançar e me cercar. Graças às minhas corridas diárias, eu ainda não estava sem fôlego, mas isso não significava muito. Eu não era nenhum velocista.

— Gah! — Me virei e apontei minhas mãos para os Drakes Nevosos. Essas coisas são lagartos, certo? Como se mata um lagarto? Será que o frio intenso serve? Isso talvez ao menos os atrasasse!

— Tempestade de Neve!

Agindo principalmente por reflexo, tentei lançar um feitiço de gelo. Rajadas de vento gélido percorreram o ar, fazendo com que escamas voassem do chão. Um momento depois, lanças de gelo grossas como a coxa de um homem cortaram em direção aos Drakes Nevosos que passaram pela minha parede.

Os monstros não estavam longe e não tinham muito espaço para desviar. Mas, de alguma forma, conseguiram evitar a maioria das lanças com movimentos rápidos e ágeis de seus corpos. Os poucos projéteis que atingiram o alvo também não foram eficazes – apenas ricochetearam nas escamas dos Drakes Nevosos em vez de penetrá-los.

Escolhi a magia muito mal. As escamas de um Drake Nevoso eram isolantes naturais e eles viviam em uma região gélida do mundo. Claro que um feitiço de gelo não funcionaria neles.

Minha parede de terra se quebrou. Mais corpos brancos abriram caminho através dos novos escombros. Vi pelo menos meia dúzia deles só na primeira remessa. Agora estavam aparecendo sobre mim em um grupo de enorme número. Anteriormente, eu só tinha visto alguns, mas eles se amontoaram enquanto minha parede diminuía as fileiras da frente. Cada um deles se movia tão rápida e agilmente quanto um minúsculo lagarto, apesar de seu tamanho enorme.

Isso não era bom. Eu não tinha mais esperanças de correr. Precisava lutar. Teria que lutar contra eles, de alguma forma, enquanto tentava recuar. Será que poderia fazer isso? Provavelmente não.

Será que ao menos os outros conseguiriam escapar?

Pelo menos deixei uma carta no meu quarto da pousada para o caso de algo assim acontecer. Quando um aventureiro morria, alguém de seu grupo geralmente lidava com as coisas que ele deixava para trás. Eu não era um membro oficial do Contra-Flecha, é claro, mas talvez pelo menos enviassem aquela mensagem por mim…

Enfiei a mão esquerda no bolso e apertei com força o pedaço de tecido que lá estava. Enquanto só Drakes Nevosos chegavam mais perto, tentei me preparar para o inevitável.

— Yah!

Naquele momento, ouvi uma voz atrás de mim… e uma flecha passou zunindo, alojando-se no olho do Drake Nevoso mais próximo.

— Gryaaaaaaah! — Gritando a plenos pulmões, o lagarto cambaleou para o lado e se chocou contra uma das estátuas de pedra que ladeavam o corredor. Aquilo quebrou e caiu, pressionando seu corpo com força contra a parede lateral da passagem.

— Que este fogo pequeno e ardente evoque uma grande e abrasadora bênção! Lança-chamas!

Uma linha de chamas passou rugindo por mim à esquerda; e um Drake Nevoso que avançava parou abruptamente, em vez de correr através da magia.

— Vamos fazer isso, Patrice!

— Sim!

Suzanne passou por mim, flanqueada de cada lado por Patrice e Mimir. De repente, havia três pessoas na vanguarda e três na retaguarda. E eu estava bem no meio da formação.

— Essas coisas não estão atrás de nós! Basta acertar os que estão nos atacando e tirá-los do caminho!

— Certo!

— Tem mais vindo da esquerda!

Gritando instruções uns para os outros, a vanguarda enfrentou a horda frenética de Drakes Nevosos. Sara disparou uma rajada de flechas e Timothy disparou rajadas de chamas em todas as direções.

Eles realmente voltaram por mim? Por quê? Eu nem era um membro do grupo.

Enquanto eu ficava estupefato, Timothy se virou e me deu um tapa nas costas.

Eles realmente… voltaram para me salvar. No momento em que percebi isso, senti algo quente crescendo dentro de mim.

— Ugh…!

Forcei aquele sentimento de volta para onde estava tão rápido quanto apareceu. Eu não sabia exatamente por quê. Simplesmente não conseguiria lidar com isso no momento. Só… não estava preparado.

— Não fique parado aí, idiota! — estalou Sara, trazendo-me de volta à terra. — Você também está lutando!

— C-certo!

Mirei meu cajado na direção dos Drakes Nevosos e comecei a canalizar mana através dele. Agora que eu tinha uma linha de frente estável contendo o ataque, consegui me acalmar um pouco. Exatamente como Suzanne disse, os Drakes não estavam tentando nos matar. Eles pareciam nos reconhecer como obstáculos perigosos, mas a grande maioria estava optando por nos evitar, rastejando pelas paredes ou tetos.

Em outras palavras, não tínhamos que lutar contra todo esse bando de monstros. Tudo o que tínhamos com que nos preocupar era com os dois ou três deles que iriam na nossa direção a qualquer momento. E, mesmo assim, não havia necessidade de matá-los. Se causássemos um pouco de dano, eles já mudariam o seu rumo. Alguns animais ficavam mais perigosos e agressivos quando eram feridos, mas, felizmente, esses lagartos preferiam correr por suas vidas.

As flechas de Sara não podiam perfurar suas escamas, e a magia de Timothy não era forte o suficiente para matá-los. Os ataques de Suzanne e Patrice também não estavam lhes causando nenhum dano real. Mas se tudo que precisássemos fazer fosse empurrá-los para longe de nós, teríamos uma chance de sobreviver a esse ataque.

— Canhão de Pedra!

Disparei um feitiço depois do outro na direção dos Drakes Nevosos que estavam bem na minha frente, tentando mudar suas trajetórias. Um golpe direto do meu Canhão de Pedra era poderoso o suficiente para quebrar as escamas dos Drakes e perfurar sua carne, mas mesmo isso não era o suficiente para matá-los. Eu não tinha certeza se era a distância ou se estavam conseguindo torcer seus corpos para limitar os danos.

Entretanto, isso não importava. Só precisava assustá-los. Contanto que eu os convencesse a desviar o curso, poderíamos passar por isso inteiros.

— Certo! — gritou Suzanne. — Vamos avançar lentamente até a parede!

Aos poucos, começamos a contornar nossa formação lateralmente. Assim que chegássemos à parede, os Drakes viriam em nossa direção de menos lugares. E se recuássemos, poderíamos seguir até a saída.

Era impossível saber por quanto tempo essas ondas de Drakes Nevosos continuariam aparecendo, mas eventualmente poderíamos pelo menos escapar desta câmara.

— Graaah!

De repente, vi grandes jatos de sangue disparando pelo ar de algum lugar nas profundezas das ondas de Drakes. Algo – não, alguém – estava saltando ferozmente pelo campo de batalha, matando um Drake Nevoso atrás do outro.

E não era apenas um atacante. Outra forma pequena apareceu no fundo do corredor e começou a atacar por trás com uma poderosa magia de fogo. Frenéticos de medo, os Drakes Nevosos correram para fugir da fortaleza ainda mais desesperadamente do que antes.

— O quê, isso é tudo que vocês têm?! — O homem na frente do grupo – aquele que rugiu anteriormente – cortou um Drake após o outro, e as pessoas que o seguiam correram para apoiá-lo.

Aparentemente, a cavalaria havia chegado.

Olhei para Timothy. Ele acenou com a cabeça antes que eu pudesse dizer qualquer coisa.

— Certo, pessoal! Também vamos começar a atacar!

— Você que manda, chefe!

Suzanne deu um passo à frente enquanto sorria e nosso contra-ataque começou.


Fui eu quem derrubou o último dos Drakes Nevosos.

Meu Canhão de Pedra atingiu o alvo diretamente no topo da cabeça da criatura, quebrando seu crânio e espalhando todo o seu conteúdo em todas as direções.

— Finalmente acabou, hein…?

Só para ter certeza, olhei cautelosamente ao redor da área. Cadáveres de Drakes Nevosos jaziam aos montes por todo o corredor. A grande maioria deles foi morta pelo grupo que se juntou no meio do caminho, mas nós mesmos derrubamos um punhado decente. Mais importante, nenhuma das criaturas parecia continuar se movendo. Fiz questão de verificar o teto, as paredes superiores e cada esconderijo em potencial pelo corredor, mas não consegui ver nada que parecesse uma ameaça.

No final, meus olhos se encontraram com o grupo que surgiu das profundezas das ruínas. Todo o grupo estava olhando em nossa direção. Alguns carregavam espadas, outros escudos ou bastões. Deviam ser aventureiros, é claro. O homem de pé bem no centro do grupo, usando um casaco azul-escuro, era definitivamente um espadachim. E a julgar pelo seu desempenho contra os monstros, era muito bom.

Enquanto eu observava, o homem em questão deixou seu grupo e caminhou rapidamente em nossa direção. Ele não tinha um rosto muito amigável e a sua expressão carrancuda não ajudava em nada. Talvez ainda estivesse empolgado por causa da batalha.

Em qualquer caso, ele basicamente salvou nossas vidas. Teríamos que expressar nossos agradecimentos.

Entretanto, eu recuei. Em momentos como esses, o líder do grupo geralmente lidava com a conversa em nome de todos. Termos esbarrado um com o outro foi culpa minha, já que fui muito lento ao fugir, mas eu não devia dizer nada.

— Vocês aí. Meu nome é Timothy, sou do Contra-Flecha — disse Timothy, aproximando-se do homem com um sorriso amigável. — Muito obrigado por sua… gah!

Tudo aconteceu num piscar de olhos.

Ainda carrancudo, o homem atacou e deu um soco no rosto de Timothy, jogando-o no chão. Gritando de raiva, Suzanne e Sara sacaram suas armas.

— Não dê um sorriso idiota desses, otário! — gritou o homem. — Você tem coragem, roubando nossa presa assim! — Ele olhou para Timothy por um momento, depois lançou um olhar igualmente furioso para o resto de nós. A hostilidade em seus olhos parecia quase assassina.

— Roubando sua presa?! — gritou Suzanne. — Isso é uma piada? Essas coisas nos atacaram do nada! Você nos envolveu nisso!

O homem soltou uma risada áspera.

— Ah, por favor! Vocês entraram sorrateiramente pelos fundos e tentaram pegar as escamas enquanto nós fazíamos todo o trabalho!

— Nós nem sabíamos que tinha mais gente aqui!

— Dissemos a toda a maldita cidade que estaríamos aqui!

— Bem, nós não ouvimos nada sobre isso!

O homem estava claramente furioso conosco, e as pessoas atrás dele também pareciam chateadas. Mas parecia que estávamos chegando a um consenso.

Quando os vi mais de perto, porém, os reconheci. Eles eram o Líder Escalonado, um grupo de aventureiros de rank S. Eram um grupo altamente competente associado ao proeminente clã Raio. Eu tinha ouvido eles serem chamados de grupo mais forte em toda a cidade de Rosenburg.

Esse homem extremamente temperamental era o líder deles, é claro. Pelo que me lembro, seu nome era Soldat Heckler. Ele era supostamente um espadachim altamente habilidoso do estilo Deus da Espada.

— Ah… — Quando parei e me lembrei das coisas até certo ponto, algo finalmente fez sentido.

Suzanne se virou ao som da minha voz. Todos os outros também olharam na minha direção. Não pude evitar de dar alguns passos para trás.

— Rudeus, você sabe algo sobre isso?

— Uh… bem, pensando bem, eu ouvi algo sobre o Líder Escalonado estar assumindo um serviço de rank S na Guilda um dia desses.

Na época o Contra-Flecha estava cuidando de outro trabalho, mas… Soldat saiu por aí se gabando de sua próxima missão e prometendo contar suas façanhas heroicas para todo mundo assim que voltasse.

Pelo que eu lembrava…

— Acho que eles estavam saindo para exterminar um grande bando de Drakes Nevosos que apareceu na Caverna Ilbron…

— Caverna Ilbron?! O quê?! Isso fica a um dia inteiro de viagem daqui! — gritou Suzanne.

Soldat fez uma careta furiosa.

— Mas que merda é essa? Esta é a Caverna Ilbron!

— Você está bêbado?! Estamos nas Ruínas Galgau!

— Calma, Suzanne — disse Timothy, levantando-se lentamente.

— Timothy… você está bem?

— Sim. Ele foi gentil o suficiente para pegar leve comigo. Sara, abaixe seu arco, por favor.

Esfregando a área em volta do pescoço com uma das mãos, Timothy gesticulou para Sara com a outra. Ela puxou o arco para trás e parecia pronta para disparar uma flecha a qualquer momento.

— Acho que devo ter uma ideia aproximada do que aconteceu aqui — falou ele enquanto soltava um suspiro, sorrindo gentilmente para o homem que acabara de derrubá-lo. — Eu me lembro de ouvir que um grande número de monstros emergiu da Caverna Ilbron há algum tempo, e o grupo que foi enviado para lutar contra eles foi eliminado. O único sobrevivente relatou que encontraram um ninho de Drakes Nevosos bem no fundo da caverna.

Certo. Eu também lembrava dessa parte.

A Caverna Ilbron ficava a cerca de um dia de viagem de Rosenburg. Os monstros que a habitavam eram em sua maioria ameaças de rank D ou E. Seria possível encontrar enormes rochas de sal bem no fundo dela, então às vezes os aventureiros se aventuravam por lá para pegar algumas. Recentemente, porém, a notícia que chegou à cidade foi de que bandos de monstros de rank C estavam saindo da caverna. Havia uma pequena cidade próxima, e também não ficava longe de Rosenburg. Dados os perigos e a urgência da situação, o assunto foi imediatamente encaminhado para a Guilda.

Quando o primeiro grupo enviado para colocar a situação sob controle foi aniquilado, o relato do sobrevivente de um bando de Drakes Nevosos levou a Guilda a subir a classificação de rank B para S. Enquanto todos os outros de Rosenburg recuaram, o grupo Líder Escalonado (que geralmente se concentrava em explorar labirintos) corajosamente assumiu a tarefa.

— Achei estranho termos encontrado tão poucos monstros no caminho até aqui, mas agora tudo faz sentido. Algum evento natural deve ter aberto uma passagem subterrânea entre as Ruínas Galgau e a Caverna Ilbron recentemente, e todas as criaturas de Galgau correram para dentro da caverna.

As Ruínas Galgau já foram a fortaleza de um Rei Demônio. O castelo servia como base de operações para seu exército… que cavou túneis em todas as direções, usando-os para atacar a humanidade. Se a Caverna Ilbron tivesse sido um desses túneis, então tudo isso fazia sentido. O caminho entre os dois podia ter sido bloqueado durante a guerra, ou por algum tipo de desmoronamento nos séculos desde então.

Qualquer que fosse o caso, uma vez que o caminho estava reaberto, os monstros o tomaram e invadiram a Caverna Ilbron para se banquetear com as presas mais fracas. Esse devia ser o motivo pelo qual não vimos quase nada do nosso lado do complexo.

— Então…? Está dizendo que veio aqui por causa de outro serviço?

— Isso mesmo. Você pode confirmar isso com a Guilda, se quiser.

Soldat fez uma careta, balançou a cabeça e cuspiu no chão.

— Mas que saco. Então foi mal por ter te socado do nada…

— Está tudo bem. Você estava agitado depois daquela batalha, e nós dois entendemos mal a situação. Também sinto muito.

Senti que realmente não tínhamos nada do que pedir desculpas, mas Timothy se desculpou mesmo assim. O homem já tinha uma estratégia para o sucesso e a manteria.

— Mesmo assim, essas coisas eram nossas presas. Vocês podem ficar com um dos cadáveres; isso é tudo. Entendeu?!

— Claro.

Timothy concordou na mesma hora, mas Sara e Suzanne fizeram uma careta. Entretanto, não reclamaram. Havia uma regra tácita entre os aventureiros quando se tratava desse tipo de coisa.

Quando se deparavam com outro grupo envolvido em uma luta contra um bando de monstros, o grupo que não estava diretamente envolvido com a situação só poderia levar um dos corpos. A intenção era desencorajar os grupos de se envolverem deliberadamente nas brigas de outras pessoas para garantir uma parte do saque.

— Depois de coletar suas escamas, deixe a limpeza conosco e volte para Rosenburg. Não se preocupe, vamos selar esse buraco na parte de trás das ruínas de uma forma bem adequada.

Com isso dito, Soldat girou nos calcanhares e foi embora. Os outros membros do Líder Escalonado encolheram os ombros e o seguiram de volta às profundezas das ruínas. Provavelmente lidariam com os cadáveres no ninho dos Drakes Nevosos primeiro, depois voltariam para cá coletando todos os materiais valiosos. Não era injusto, realmente, mas saber que também lucrariam com os monstros que matamos não era a melhor das sensações. Para começar, nunca teríamos entrado em perigo se eles não estivessem por perto. Senti que merecíamos alguma reparação pelos danos emocionais ou coisa do tipo.

No final das contas, porém, definitivamente não valia a pena discutir com aqueles caras. Então teríamos que levar esses sentimentos confusos para casa conosco. Ótimo.

— Então tá bom. Vamos juntar nossas escamas e dar o fora daqui. — O sorriso de Timothy estava cansado e sua bochecha já tinha começado a inchar.

Tudo que pude fazer foi suspirar e acenar com a cabeça.


Quando voltamos para a Guilda dos Aventureiros alguns dias depois, encontramos uma enorme pilha de garras, escamas e presas de Drakes Nevosos já colocadas do lado de fora do prédio. Os membros do Líder Escalonado ainda estavam lá dentro, gabando-se de suas façanhas recentes.

— Então, veja só, a Caverna Ibron e as Ruínas Galgau acabaram se conectando…! Se não fosse por nós, esta cidade poderia estar sendo invadida por Drakes Nevosos furiosos agora mesmo!

Soldat, em particular, parecia realmente estar indo a fundo em sua história. Os outros aventureiros ouviam com sorrisos duvidosos em seus rostos.

Observá-lo me fez, por algum motivo, lembrar de Paul. Eles não se pareciam em nada, mas eu tinha a sensação de que meu pai poderia ter sido meio parecido em algum momento de sua juventude.

— Vamos acabar logo com isso — murmurou Suzanne, parecendo um pouco descontente.

Os outros membros do Contra-Flecha também não pareciam inclinados a perder tempo. Atravessamos a Guilda diretamente até o balcão, entregamos os materiais solicitados à recepcionista e então voltamos para fora.

— Certo, Rudeus. Aqui está sua parte pelo trabalho. Confira se está certo.

— Certo. Muito obrigado.

Timothy me entregou uma pequena sacola cheia de escamas de Drake Nevoso. O trabalho havia deixado um gosto ruim em nossas bocas, mas no final das contas, saímos com um pagamento bem decente. Apesar de tudo que deu errado, conseguimos pegar ainda mais escamas do que tínhamos esperado.

Dado o número de Drakes Nevosos que tinham acabado de ser abatidos, parecia provável que o preço de mercado de suas escamas acabaria subindo devido à falta no futuro. Eu estava planejando ficar com elas por um tempo, em vez de transformá-las em dinheiro de imediato. Em uns seis meses provavelmente ganharia mais por elas. Eu não estava usando muito dinheiro no momento, mas nunca faria mal guardar um pouco mais para os dias de necessidade.

— Então tá bom pessoal. Nos vemos depois.

— Rudeus…!

Assim que eu estava me virando para ir embora, alguém me chamou por trás. Era Sara, por incrível que pareça. Ela estendeu a mão em minha direção; pela expressão em seu rosto, parecia ter algo a dizer.

Para ser honesto, eu esperava que fosse uma espécie de despedida sarcástica, mas…

— Por que não vem para a comemoração depois do serviço?

— Hã…?

— Você sabe, a pós-festa. Estamos indo para o bar.

Não era como se eu não tivesse entendido o que ela queria dizer, é claro. Fiquei surpreso pelo convite. Quando um grupo de aventureiros terminava um trabalho que durava vários dias, normalmente iam direto para um bar para beber até se encherem e elogiarem uns aos outros por seu heroísmo. Era uma forma de comemorar o fato de ter retornado com vida.

Eu sempre deixei esses eventos de lado. Quando voltava dos trabalhos, meu procedimento padrão era retornar à pousada, fazer algumas orações e depois ir direto para a cama.

Claro, os membros do Contra-Flecha já sabiam disso. Eles sabiam que eu sempre recusava. Eu precisava voltar e dizer a Roxy que dei o meu melhor lá fora. Era assim que tinha feito as coisas até o momento, e não planejava mudar a minha rotina.

Mas, por alguma razão, me encontrei concordando.

— Certo. Acho que vou junto.

— Sério…? — Sara parecia surpresa, embora tivesse feito o convite. Talvez estivesse planejando me atingir com algum insulto áspero quando eu recusasse.

— O quê, então não é para eu ir?

— Não seja idiota. Venha, anda logo.

Em vez de fazer uma careta para mim, ela só balançou a cabeça com um pouco de exasperação e passou por mim enquanto descia a rua. Mimir e Patrice me seguiram, batendo de leve em meus ombros enquanto passavam, e Suzanne e Timothy me empurraram por trás, parecendo estranhamente felizes com isso tudo.

Em um bar a uma boa distância da Guilda dos Aventureiros, nós seis batemos nossas canecas.

— Saúde, pessoal!

— Saúde!

Aparentemente, este não era o bar habitual do Contra-Flecha. Eu estava assumindo que haviam se esforçado para reduzir as chances de encontrar o Líder Escalonado. Aqueles caras provavelmente ainda estavam comemorando.

— O quê? Você não vai beber, Rudeus? — disse Sara, olhando para a minha caneca.

— Bem, eu sou menor de idade…

— Uh, certo… E o que uma coisa tem a ver com a outra?

Todos ao meu redor estavam bebendo, mas optei por tomar um suco de fruta bem diluído. Era basicamente a única bebida sem álcool que poderia pedir em bares locais… a menos que fosse um grande fã de leite de cabra.

— O que importa se estamos bebendo ou não? — disse Timothy, a única pessoa que bebia a mesma coisa que eu. — O importante é que estamos nos divertindo.

— Psh. Tanto faz. Você simplesmente não pode beber, certo?

— Não, eu não bebo. Há uma diferença significativa aí, sabe.

— Hahaha! — Mimir caiu na gargalhada enquanto Timothy coçava o pescoço meio sem jeito.

— Ah, meu deus… — Parecia que o estimado líder do Contra-Flecha era um peso leve, e seus amigos evidentemente nunca o deixavam se esquecer disso.

Ainda assim, era muito raro encontrar alguém neste mundo que não bebesse. Pensando bem, ele foi provavelmente o primeiro aventureiro sóbrio que eu conheci.

— Bem, enfim. Vamos comemorar o fato de que saímos dessa bagunça sem perder ninguém, certo? Normalmente, pelo menos um de nós teria morrido lá.

— É verdade — disse Sara, parecendo um pouco mal-humorada. — Você teve muita sorte, Rudeus.

— Não tenho certeza se sorte é a palavra certa. Digo, sinto que vocês me protegeram…

— Sim, e você tem sorte por termos feito isso. A maioria dos grupos teria deixado você morrer.

Hmm. Era essa a maneira sutil de me dizer para mostrar alguma gratidão? Justo. Eu devia a eles por isso, não é? Sim, é claro.

— Bem, eu sou muito grato a vocês — falei, inclinando um pouco a minha cabeça.

— Não me agradeça — disse Sara, fazendo beicinho e tomando um gole de sua bebida.

— Obrigado Timothy e Suzanne.

Suzanne sorriu com isso e deu a Sara uma cutucada de leve com o cotovelo.

— Ah, não sei. Foi você quem voltou correndo para lá primeiro, não foi? Mimir disse que era uma causa perdida, mas você insistiu que deveríamos voltar por ele…

— Ei! Cala a boca, Suzanne! — Sara estendeu a mão e tentou empurrar Suzanne para longe; e a mulher se virou para evitar sua mão, gargalhando. — Olha, você nos ajudou da última vez, certo? Não gosto de dever às pessoas, isso é tudo.

Balancei a cabeça e hesitantemente desviei meus olhos da encarada de Sara. Por pura coincidência, acabei encontrando o olhar de Mimir ao fazer isso.

— Uh, ei, eu também estou grato, só para informar — disse ele um pouco sem jeito. — Não é como se eu quisesse deixar você para trás ou algo assim, mas… você sabe como é, certo?

— Sim. Claro.

A avaliação de Mimir sobre a situação foi razoável. E no final das contas, ele também pulou na minha frente para enfrentar os Drakes Nevosos, assim como todos os outros. Foi mais do que eu poderia esperar.

— Bem, de qualquer forma, voltamos todos inteiros e agora temos muito dinheiro em nossas carteiras. Se me perguntar, é isso que importa! — As palavras de Suzanne colocaram um sorriso no rosto de todos, pelo menos por um momento.

— Sim… é uma pena que tivemos que topar com aqueles idiotas no final.

— Afinal, qual é o problema deles? Sei que são o grupo mais forte desta Guilda, mas são tão cheios de si.

— Passam o tempo todo se enfiando em labirintos! E agora estão agindo feito um bando de heróis. Se um monte de Drakes Nevosos realmente viesse correndo para Rosenburg, o exército teria enviado uma guarnição para combatê-los!

— Pessoalmente, ainda estou chateada por ele ter socado Timothy do nada. Que tipo de líder de grupo acerta um mago antes mesmo de entender a situação?

Terminadas as preliminares, todos começaram a reclamar amargamente sobre o Líder Escalonado. Provavelmente era importante que desabafassem. Timothy conseguiu manter as coisas de alguma forma pacíficas; a última coisa que o Contra-Flecha precisava era deixar seus ressentimentos crescerem e resultarem em outra briga com Soldat e companhia.

Dito isso, eu realmente não queria entrar no coro de reclamações. Eu não era um grande fã de falar besteiras sobre as pessoas pelas costas, especialmente porque eu mesmo fui uma pessoa horrível na minha vida anterior. Soldat provavelmente tinha seus próprios problemas. Ele era um idiota, mas pelo menos estava trabalhando duro e fazendo as coisas. Devia ser por isso que os outros membros de seu grupo apenas balançaram a cabeça e seguiram com suas tolices. Ele definitivamente estragou aquela situação específica, mas eu não estava pronto para descartá-lo como um pedaço de lixo inútil só porque nos conhecemos de um jeito ruim.

Claro, não seria sensato dizer nada desse tipo no momento. Não era hora de bancar o advogado do diabo. Eu tinha minha opinião, mas a manteria para mim.

Em vez de entrar na conversa, concentrei-me na minha comida e fiquei em silêncio. O prato principal era um estranho ensopado de feijão que não consegui identificar. Seu sabor levemente picante estimulou meu apetite e, em pouco tempo, meu estômago ficou bem cheio.

— Bom, enfim… Espero que em breve possamos trabalhar juntos de novo, Rudeus.

— Sim. Você é muito útil, eu acho.

— Ah. Tá bom. Ficarei feliz em ajudar de novo, caso queiram.

Os outros já estavam bebendo há algum tempo. Seus rostos estavam vermelhos e pareciam estar se divertindo muito. Fiquei feliz por fazer companhia. Esse tipo de coisa era divertida. E eu precisava de um pouco de diversão na minha vida para me ajudar a continuar.

Para ser honesto, agora sentia como se estivesse preso em uma rotina… mas pelo menos estava vivo. Isso já era alguma coisa.

— Ah… — Nesse momento, a porta do bar se abriu e três homens entraram. Na mesma hora os reconheci. Um deles era particularmente familiar.

— Ah. — Também me viram na mesma hora.

O líder do grupo andou em minha direção com uma expressão irritada no rosto. Suas bochechas estavam vermelhas e ele não estava andando muito firmemente. Parecia que já tinha tomado alguns drinques.

— Ei! — O bêbado parou em frente à nossa mesa e bateu com a mão sobre ela.

Era nosso bom amigo Soldat Heckler.

                — Quer alguma coisa…? — disse Suzanne, com sua voz ficando repentinamente fria.

Parecia que os outros não haviam notado enquanto Soldat entrava. Compreensivelmente, ninguém parecia muito feliz em ver o homem sobre o qual passaram meia hora reclamando.

— Olha, eu estava… todo agitado lá na caverna, certo? Então pensei… em resolver as coisas com vocês. — Os olhos de Soldat não estavam totalmente focados e sua voz saiu um pouco áspera. — Acho… que fiz merda lá. Foi mal aí. Não saquei… o que tava rolando, sabe?

Para minha surpresa, porém, suas palavras foram realmente apologéticas.

Os membros do Contra-Flecha se entreolharam, confusos.

Nesse ponto, Soldat franziu a testa e apontou o dedo para Timothy.

— Dito isso…! Velho, não vou com a sua cara. Você fica rindo o tempo todo, porra! Isso é patético! Você deixa um cara te socar e nem revida, não reclama de nada? Odeio essas merdas. Você parece que só fica tentando acalmar as coisas! Ótimo! Mas às vezes um homem precisa lutar!

— Uh… sim, suponho que você provavelmente está certo. Na verdade, Suzanne costuma dizer a mesma coisa. Vou manter isso em mente.

— Sim! Faça isso! Mantenha isso em mente! — Soldat deu um tapa no ombro de Timothy com um pouco mais de força do que o necessário; e Timothy sorriu sem jeito e coçou a cabeça. Suzanne e os outros se entreolharam, totalmente perplexos. Não acho que alguém esperava que ele aparecesse para neutralizar a situação desse modo. Eu certamente não esperava.

Balançando a cabeça satisfeito, Soldat se virou abruptamente em minha direção.

— Atoleiro!

Levantei minha cabeça, um tanto surpreso por ser mencionado. Eu tinha feito algo para irritar esse cara?

— Uh, sim?

— O Timothy é uma coisa… mas eu não te suporto, garoto. — O homem começou a despejar uma enxurrada de insultos sobre mim. — Mas que porra está acontecendo com você, hein? Por que está tão obcecado com o que as outras pessoas pensam de você?

E assim por diante.

— Porra, e o seu sorriso dá medo! Tipo, isso era para ser um sorriso? Tente um pouco mais, garoto! Podemos ver o desprezo em seus olhos!

E assim por diante.

— Você acha que é o garotinho mais triste do mundo ou algo assim? Hã?!

Sua voz ficou mais alta enquanto ele continuava e, em pouco tempo, era a única coisa soando em todo o bar.

— E aí? Vocês vão brigar?

— Ha ha! Acaba com ele, garoto!

— Calados, idiotas! — rugiu Soldat, intimidando a multidão para voltar a ficar em silêncio. — Agora, escuta, Atoleiro. Você não é nada além de…

— Vamos lá, Sol. Já chega. — Enquanto Soldat se inclinava para frente para continuar o seu discurso, um de seus amigos que estava assistindo por trás o agarrou pelos ombros e o puxou de volta.

— Que se dane! Esse moleque acha que não tem ninguém no mundo em uma situação pior que ele! Não sei o que diabos aconteceu com você, Atoleiro, mas você é deprimente pra caralho! Você não tem coragem de enfrentar seus próprios problemas! O que acha que vai conseguir se comportando feito um lobo solitário? Acha que as regras não se aplicam a você? Bem, já estou farto dessa merda! Você me dá nojo!

Suas palavras pareciam punhais cravados em meu peito. Em algum momento, minhas pernas começaram a tremer; eu estava apertando minhas mãos com força no meu colo. Todo o meu corpo tremia. Minha garganta ficou seca.

Mas, quando falei, minha voz saiu estranhamente calma.

— Sinto muito por isso. Não sabia que a minha presença te incomodava. Vou fazer o possível para não ficar mais sob o mesmo teto que você.

Por alguma razão, isso fez com que Soldat batesse em nossa mesa com tanta força que ela quebrou ao meio. Madeira quebrada e comida meio comida voou por todo o lugar, e minha tigela de sopa de feijão vermelho respingou no meu colo.

— Que porra você quer dizer com isso? Está tentando me irritar, moleque? Você é sempre assim! Tudo o que você faz é anunciar a si mesmo e, então, age como se fosse bom demais para tudo! Está se divertindo enquanto se comporta feito um mártir, hein? Todos nós precisamos de dinheiro para sobreviver, porra!

Eu não respondi. O silêncio parecia minha única opção. Não adiantava tentar conversar com alguém assim.

— Merda. Sinto muito, ele bebeu um pouco… Vamos, Sol!

— Calado! Me solta! Vem aqui, Atoleiro! Me dá um maldito soco, hein? Você está chateado, certo? Então me dá um soco! Pare de ficar sentado com esse traseiro de merda pensando no quanto está triste! Aja feito homem ao menos uma vez!

Olhei para baixo e esperei a tempestade passar. Não fazia sentido entrar em uma briga neste lugar. Deixar Soldat me provocar não levaria a nada. A única maneira de lidar com um bêbado é ignorá-lo completamente. Só precisava deixar isso passar. Era bem simples, na verdade.

— Sol, já chega! Você já está indo longe demais!

— Me solta, caralho! Ei, Atoleiro! Você está se divertindo ai, hein? Se odeia tanto a sua vida, então se joga em uma vala e morre! Pelo menos assim não vou precisar ver a tua cara de novo!

Os amigos de Soldat eventualmente conseguiram arrastá-lo para longe, mas não olhei para cima. Só encarei a sopa no meu colo, agarrei o artefato sagrado em meu bolso e mantive minha mente limpa. Fiquei assim até que ele se foi e Sara limpou a sopa em mim.

— Esse cara é simplesmente o pior — murmurou ela.

Tudo o que pude fazer foi acenar lentamente com a cabeça.


Ponto de Vista de Sara

Eu estava queimando de raiva enquanto voltava para o meu quarto. Assim que entrei, joguei meu arco e flechas sobre a mesa, tirei as roupas e me joguei na cama.

— Aquele cara é o pior!

Eu podia sentir meu rosto ficando vermelho por causa de Soldat. Às vezes um homem precisa lutar? Que monte de baboseira! Ele não tinha ideia do quão duro Timothy lutou por todos nós todos os dias! Aquele sorriso era a sua arma. Suzanne me disse isso há muito tempo. Aquele homem não conseguia entender. Que direito ele tinha de insultar alguém?

Talvez houvesse momentos em que você tivesse que se levantar e lutar. Tá bom. Mas não era função do líder do grupo evitar lutas inúteis e manter seu pessoal seguro? Soldat com certeza não estava fazendo um bom trabalho nisso. Afinal de contas, o que ele planejava fazer se começássemos a brigar lá nas ruínas? Ele estava pensando que poderia nos matar facilmente e escapar impune? Que homem mais arrogante. Aquele lugar era uma fortaleza semelhante a um labirinto, e ele não havia bloqueado nenhuma das saídas.

De tudo que eu tinha visto, era aquele idiota quem precisava trabalhar em suas habilidades de liderança, não o Timothy.

E para finalizar tudo… por que diabos ele mirou em Rudeus, dentre todas as pessoas? Ele lutava bravamente quando precisava. Rudeus ficou sozinho na frente de todos aqueles inimigos só para ganhar tempo enquanto escapávamos. Soldat não sabia de nada disso. Ele não tinha visto Rudeus em ação. O que lhe dava o direito de insultar o garoto daquele jeito?

Claro, Rudeus às vezes dava nos nervos. Ao contrário de Timothy, ele nunca se defendia, e aquele sorriso falso que sempre estampava em seu rosto me obrigava a fazer uma careta toda vez que o via. Mas mesmo assim…

Neste ponto, percebi que estava realmente, por algum motivo, ficando ao lado de Rudeus. Por que eu estava fazendo isso? Eu não odiava aquele garoto?

Talvez não.

Não, isso não fazia sentido. Talvez fosse porque eu odiava o Soldat ainda mais. Sim. Definitivamente era isso. Rudeus não era tão ruim quanto Soldat, então eu tinha que ficar do lado dele. Simples assim.

Resumindo, Rudeus nunca nos rebaixou daquele jeito. Ele sempre tratou Timothy e os outros com respeito genuíno. E era um mago incrivelmente talentoso, mas nunca agiu como se fosse bom demais para nós. Ele sempre acompanhava nossos trabalhos e ganhava tempo para corrermos quando as coisas ficavam perigosas…

— Certo, calma aí… Isso não está certo.

Rudeus era nobre por nascimento. Ele realmente não agia como um, mas isso não importava. O garoto nasceu em um berço de ouro, e isso, por si só, já era ruim. Eu odiava garotos ricos que queriam fingir que eram aventureiros. Mas também odiava a nobreza em geral. Minha cidade natal foi destruída por sua arrogância. Não levantaram um dedo para ajudar quando os monstros apareceram correndo da floresta em direção de casa. Nunca enviaram cavaleiros para nos ajudar.

Era por culpa deles que meu pai e minha mãe estavam mortos. Os homens que tinham o dever de proteger nossa aldeia só… nos deixaram para morrer.

Eu não tinha esquecido o desespero que senti naquela época. Nunca faria isso.

Sim. Isso mesmo.

Eu tinha um bom motivo para odiar a nobreza. E Rudeus era um nobre, então isso significava que eu também o odiava.

— Mas Rudeus lutou por nós, não lutou…?

Ele lutou contra os Ursos Esplendorosos. E também lutou contra os Drakes Nevosos. Nunca fugiu para se salvar, mesmo quando podia fazer isso. Ele não tinha o dever de nos proteger. Nem mesmo era membro do Contra-Flecha. Mesmo assim, tentou nos salvar. Tentou ganhar tempo.

E quando o vi lutando por nós… voltei correndo para salvá-lo. Porque não queria vê-lo morto.

Nunca quis que ele morresse nem nada do tipo. Claro que não. Mas… ainda me surpreendi um pouco quando voltei para salvá-lo.

Se eu o odiasse, não o teria deixado para trás em uma situação como aquela?

— Ugh… Que merda.

Ultimamente, quando eu olhava para Rudeus, parecia que o chão começava a se mover sob os meus pés. Eu odiava a nobreza, mas não conseguia odiar ele com a mesma intensidade. E não sabia como lidar com isso. Não tinha mais nem certeza do que realmente odiava. Nada fazia sentido.

Mas no final das contas…

Sim, tudo bem. Tá bom. Acho que tenho que admitir. Eu não odeio o Rudeus.

Ele era filho de algum rico idiota, mas havia mais nele do que isso. Eu não o odiava. Era isso. Isso era o mais longe que eu iria. Definitivamente não gostava dele nem nada do tipo.

Não odiar alguém é muito diferente de gostar dessa pessoa.

Obviamente.

— Não gosto nem um pouco do Rudeus.

Com esse fato firmemente estabelecido, deixei-me cair no sono.


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Lucas BuenoD
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Lucas Bueno
9 dias atrás

Dá pra ver quando a pessoa quer pika e não tá sabendo pedir, obviamente ela quer pika 😎🤙🏻

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