Participe do nosso grupo no Telegram https://t.me/+hWBjSu3JuOE2NDQx
Considere fazer uma Doação e contribua para que o site permaneça ativo, acesse a Página de Doação.

Mushoku Tensei: Jobless Reincarnation – Volume 9 – Capítulo 5

A Máscara Branca - Parte 01

Recentemente, parece que algumas pessoas sentem medo de mim. E, por “algumas pessoas” quero dizer basicamente todos os alunos da Universidade de Magia.

No começo, só pensei que estavam todos me evitando por alguma razão. Não é como se eu estivesse errado quanto a isso. Caso em questão: às vezes eu me pegava andando por um corredor em direção a um grupo de caras que pareciam durões vindo em minha direção. Naturalmente, eu sairia do caminho para que não me incomodassem, correto? Mas, por algum motivo, já estavam saindo do meu caminho. Às vezes, até olhavam pela janela e falavam sobre como o tempo estava bom, apesar do fato de estar nevando.

Eu ficava feliz por não estarem me incomodando, é claro. Mas, em retrospecto, talvez estivessem pensando exatamente na mesma coisa que eu.

Só descobri o que estava acontecendo depois de um incidente que aconteceu quando eu estava voltando da minha aula de Desintoxicação Intermediária durante uma tarde. Quando saí da sala de aula após a palestra, avistei Goliade no corredor, lá do lado de fora. Sim, aquela Goliade – a bola de destruição humana que me acusou falsamente por roubar roupas íntimas no meu primeiro dia desde que me matriculei. Ela me notou no mesmo momento em que eu a notei. Nossos olhos se encontraram.

Nós dois éramos tecnicamente conhecidos e ela estava estudando há mais tempo do que eu. Parecia que seria rude só ir embora sem nem mesmo dizer olá… e senti que provavelmente também deveria me desculpar por nosso último encontro.

Quando me aproximei, porém, Goliade, se contraiu e desviou o olhar. Ela comprimiu os ombros largos para ficar o menor possível e olhou para longe com uma expressão de medo, tentando de tudo para não ser vista por mim.

— Uh, oi, Goliade. Queria falar com você sobre o que aconteceu no meu primeiro dia aqui…

Quando comecei a falar com ela, a garota começou a tremer igual a um cabritinho recém-nascido.

— Eu… Sinto muito por aquilo — guinchou ela com fraqueza. — Sério… sinto muito mesmo. Por favor, eu não sabia…

Sua atitude parecia um pouco diferente da última vez que nos encontramos. Na verdade, fiquei um pouco perplexo. Isso quase me fez sentir como se estivesse a ameaçando ou coisa assim.

— Er… Eu ia, na verdade, te pedir desculpas. Eu não conhecia as regras dos dormitórios na época, sabe? Não vou cometer aquele erro de novo, então…

Enquanto eu tentava pensar no que dizer, um grupo de espectadores começou a se reunir ao nosso redor.

— Ei, olha, é o Rudeus.

— Ele ainda guarda rancor pelo que aconteceu naquele dia?

— Ah, cara. Pobre Goliade…

— Foi ele quem quebrou as regras, certo? Que valentão…

— Cale a boca, idiota. E se ele te ouvir?

Os sussurros eram críticos comigo e direcionavam pena a Goliade. E eu podia ver até lágrimas surgindo nos olhos dela. Eu meio que também senti vontade de chorar, é sério. O que diabos estava acontecendo? A maneira como estavam me olhando doeu muito.

— O que é isso tudo, mew? Quem está brigando no corredor?

— Alguém está com energia pra caralho, hein?

No exato momento, Linia e Pursena apareceram. Elas abriram caminho pela multidão e avistaram a mim e Goliade. Depois de estudar o rosto choroso dela por algum tempo, as duas sorriram e balançaram a cabeça uma para a outra, e então confiantemente abriram caminho entre nós.

— Ei, Chefe. Por que não deixa por isso mesmo, mew? A Goliade não queria te irritar, sabe. Poderia deixar essa passar, por nós? Precisamos cuidar das outras garotas do povo fera.

— Vamos lá, Goliade, está tudo bem. Só não deixe o Chefe bravo de novo, entendeu? Você teve sorte de que a melhor amiga dele estava passando. Se não fosse por mim, ele ia te transformar em picadinho.

— C-certo! Obrigada!  Goliade se curvou agradecida para as duas, deu meia volta e se afastou bem rápido, parecendo consideravelmente menor do que na verdade era.

— O resto de vocês também, xô, mew!  gritou Linia.  Isto não é um show!

A multidão de curiosos, na mesma hora, se dispersou como um ninho de filhotes de aranha. Soltei um breve suspiro de alívio. Mas quando me virei para Linia e Pursena, esperando por algum tipo de explicação, descobri que elas já tinham começado uma das sessões da brincadeira que era a sua marca registrada.

 Certo, Pursena. Então, o que isso deveria significar?

— Do que você está falando, Linia?

— É óbvio que eu sou o braço direito do Chefe!

— E recentemente ele tem conseguido muitos lacaios novos. Você é burra demais para manter as coisas funcionando direito.

— Mew?! Suas notas são tão ruins quanto as minhas!

— Vamos lá, vocês duas — interrompi. — As duas podem ser o meu braço direito, certo?

— Mew, mas eu não entendo isso, Chefe. Precisamos manter uma hierarquia!

— Isso mesmo. Isso é importante pra caralho.

Eu podia entender que o povo-fera gostava de hierarquias, mas não me lembrava de ter estabelecido nenhum tipo de gangue, e não me importava qual mão minha elas eram. Tirando isso, as duas acabaram me salvando de alguns problemas. Deveria dar a elas algo como prova da minha gratidão. Será que peixe cru e um pedaço de carne resolveriam o problema?

— De qualquer forma, aquela Goliade com certeza foi estúpida por te irritar, Chefe. O que ela fez com você, mew?

— Uh, ela me confundiu com um ladrão de calcinha no meu primeiro dia aqui, mas…

— Hã? Eu lembro daquilo! Espera, então aquele ladrão de calcinhas fantasma, foi você o tempo todo, Chefe?!

— Isso é tão confuso, cara.

De repente, as duas começaram a me encarar com desprezo nos olhos. Que tal deixarem eu terminar o que tenho a dizer? Fui falsamente acusado! Talvez devesse dar a elas uma segunda porção de desespero e humilhação, e não peixe ou carne.

— Parando para pensar, acho que a Goliade passou algum tempo se gabando daquilo. Ela disse que pegou um covarde do primeiro ano com a mão na massa, mas o Fitz o protegeu. Parece que a covarde agora é ela, hein? Hilário.

— Ela estava falando merda de você, e você ainda não fez nada? Isso é muito gentil da sua parte, Chefe, mas devemos enviar uma mensagem por causa disso. Cuidaremos de tudo, mew.

Isso soou meio ameaçador. As duas já não tinham passado da fase de delinquentes?

 Não façam nada com ela, por favor. Não quero sair fazendo inimigos por aí sem qualquer motivo.

— Pfft. Você precisa ser mais ambicioso, Chefe! Quem se importa com inimewgos? Poderíamos governar todos os dormitórios desta escola, só precisamos nos unir para derrubar a Ariel!

— Ela está certa, sabe. Você derrotou o Fitz, Chefe, então pode conquistar a escola quando quiser.

O que havia com o povo-fera, para viver querendo tomar o poder? Sério, eram todos um bando de Decepticons de fusível queimado.

— Digamos que eu tome o poder sobre os dormitórios e tal. O que eu faria com essa autoridade?

Eu não poderia me importar ainda menos em estar por cima das coisas. Eu ficava basicamente o tempo todo tentando evitar conflitos, e assumir uma posição de liderança meio que garantia que alguém começaria a me odiar. Neste mundo, trilhar o caminho errado na hora errada era o suficiente para levar a uma apunhalada no coração. Ser amigável e respeitoso com todos que conhecesse era mais seguro.

 Você pode fazer o que quiser, mew. Bem… Acho que você na verdade não poderia fazer muita coisa com as garotas… aah, já sei! Poderíamos te trazer um par de calcinhas de todas as garotas dos dormitórios no começo de cada ano!

 Boa ideia. O Chefe adora calcinhas, tanto que até guarda uma no quarto dele, certo? Ele ficaria super feliz.

— N-não, eu não…

Não era como se eu tivesse aquela porque eu amava calcinhas. Digo, eu meio que gostava delas, claro… mas isso não significava que queria um monte de calcinhas de garotas que nem conhecia, certo? Eu conhecia a Goliade, e tinha certeza de que também não queria a calcinha dela.

Então, mais uma vez, havia algumas garotas bem fofinhas que às vezes apareciam andando pelo campus. Mas a maioria delas nem era do meu tipo. Sinceramente… Não recusaria um par da Linia e da Pursena. As duas tinham um cheiro ligeiramente almiscarado, mas no final das contas, ainda eram garotas sexy. E o cheiro da pele delas, de perto, também não era nada ruim.

Ainda assim… certo! Fitz. Fitz não gostaria que eu fizesse esse tipo de coisa. Ou seja, fora de questão. Aqui vamos nós. O assunto finalmente foi resolvido! Não voltarei a ser tentado. Sai, Satanás…

— Não estou nada interessado nas calcinhas de umas garotas quaisquer. Se quiserem roubar roupas íntimas, façam isso por vocês mesmas. Mas se causarem algum problema ao Mestre Fitz, não contem com o meu apoio.

Nossa. Aqui vamos nós. Essa foi por pouco, garotas da Universidade. Se não fosse pela minha condição, vocês poderiam ter acabado em sérios apuros.

— Guh… B-bem, se você quer manter as coisas calmas, você é que sabe, Chefe.

 Aham… Faremos o que você mandar.

De qualquer forma, esse incidente finalmente tornou a natureza da minha situação mais clara para mim. Eu evidentemente era temido por muitas pessoas. Não era difícil entender o porquê, uma vez que percebi isso. Derrotei Fitz, que era o aluno mais poderoso de toda a escola. Ganhei o domínio sobre todos os infames alunos especiais. E então, derrotei um Rei Demônio com um único feitiço em um duelo público. Não era nem remotamente surpreendente que os outros alunos me considerassem intimidante.

Pelo que Badigadi me disse após o ocorrido, sua aura de batalha não poderia ser penetrada por nada menos do que feitiços de nível Rei ou técnicas de espada. Ou seja, precisaria estar no nível de um Ruijerd ou Ghislaine da vida para ter alguma chance contra ele. Já que confiava nisso para se proteger em combates, entretanto, parecia ter dificuldades para derrotar pessoas acima desse nível.

Enfim… presumindo que ele estava me dizendo a verdade, então o meu Canhão de Pedra com força total era tão poderoso quanto um feitiço de nível Rei. Isso com certeza não era nada a ser desprezado.

Claro, eu também era um verdadeiro canhão de vidro. Os espadachins deste mundo podiam se revestir com o véu protetor de uma aura de batalha sem sequer pensar em fazer isso, mas não importa o quão duro eu treinasse, meu corpo nunca ganhou aquela força e velocidade sobre-humanas que Eris e Ruijerd usavam com tanta facilidade. Meus músculos ficavam maiores, mas isso era tudo. Tudo o que eu realmente tinha ao meu favor era o meu poder de ataque. Supostamente, eu tinha a capacidade de mana de um Deus Demônio, seja lá o que fosse isso, e graças ao meu Olho da Previsão, poderia enfrentar inimigos um pouco acima do meu nível. Mas o meu próprio corpo permanecia completamente normal. Eu basicamente não teria chance contra um adversário poderoso de verdade.

Mas não poderia esperar que os alunos da Universidade de Magia descobrissem isso tudo. Eles viram uma demonstração do meu poder de fogo e deviam ter presumido que minhas habilidades eram igualmente impressionantes em todos os aspectos. Dificilmente poderia culpar um simples estudante por evitar alguém “mais poderoso do que um Rei Demônio.”

 Mesmo assim, você precisa ter mais confiança em si mesmo, Chefe! Aposto que isso ajudaria com a sua condição, mew!

— Aham. Mas assim que você conseguir colocar isso para funcionar, pule na Linia, não em mim.

Confiança, hein? Era essa a causa verdadeira por trás dos meus probleminhas? Isso, na verdade, parecia algo plausível. Perdi a minha luta contra Orsted, fui dispensado pela Eris e depois ainda estraguei as coisas com a Sara. Não consegui encontrar nenhuma maneira de usar as minhas forças com eficácia e acabei mergulhando no medo. Um pouco de confiança talvez fosse mesmo o que eu precisava para superar esse obstáculo. E então, uma chance de recuperar um pouco disso caiu no meu colo. Afinal, estavam todos com medo de mim.

Só para tirar uma prova, tentei andar por um corredor lotado com Linia e Pursena logo atrás de mim. A massa de corpos magicamente se separou na minha frente.

Para mim era, com certeza, uma experiência totalmente nova. Me senti como o diretor de um hospital fazendo as suas rondas, ou talvez Moisés abrindo o Mar Vermelho. Era difícil não se gabar disso. Saiam do caminho, crianças, este é o meu corredor…

No momento em que esse pensamento cruzou a minha mente, parei no meio do caminho. E se os caras que me intimidaram na minha vida anterior tivessem começado fazendo exatamente a mesma coisa?

Essa percepção levou toda a diversão para longe da minha mente na mesma hora. O que quer que eu tenha conquistado até então nesta vida, o fato era que passei o tempo todo da anterior na base de toda a hierarquia. Isso jamais mudaria, mesmo que minha condição acabasse se curando sozinha. E se eu me esquecesse disso, provavelmente acabaria repetindo os mesmos erros que cometi no passado. Agora eu possuía uma visão mais positiva da vida, claro, mas, lá no fundo, continuava sendo a mesma pessoa. Não poderia me permitir esquecer disso.

Desta vez, não ia acabar me tornando um recluso.


Um pouco depois disso tudo, fui para a biblioteca, continuando com as minhas pesquisas de sempre.

Eu ainda estava me concentrando em Teletransporte e Invocação, é claro. Quanto mais eu estudava isso, mais semelhanças eu percebia. Atrair algo para você era fundamentalmente diferente de enviar algo para outro lugar, mas em muitos outros aspectos as duas coisas eram comparáveis. Parecia que eu precisava fazer um esforço para realmente aprender a magia de Invocação. Passei um bom tempo pensando nisso, mas não havia um único professor especializado nessa disciplina em toda a Universidade. Supostamente, existiam alguns membros da Guilda dos Magos que podiam ao menos lançar os feitiços, mas mesmo eles estavam, a maioria, só no nível Iniciante ou Intermediário. Tudo o que podiam invocar eram familiares inofensivos e espíritos obedientes e estúpidos. Eu queria aprender com um especialista de verdade.

Existiam algumas pessoas na cidade que chegaram ao nível Avançado na magia de Encantamento, mas isso parecia ser bem diferente da Invocação convencional. Com certeza não seriam capazes de me falar nada sobre Teletransporte. O vice-diretor havia se gabado da qualidade do pessoal da Universidade, mas ele com certeza só estava falando demais.

Então, mais uma vez, talvez fosse assim que as coisas eram. Eu não tinha encontrado nenhum mago especializado em Invocação durante meu tempo como aventureiro. Parecia possível que não existissem muitos deles. Ou isso talvez fosse como Barreira e magia Divina, que tinha todo o conhecimento monopolizado por algum país específico.

Ainda assim, meio que senti como se tivesse conhecido ao menos uma pessoa com algumas habilidades em Invocação. Mas não conseguia lembrar quem era. Senti que lembraria se encontrasse essa pessoa novamente. Eu devia já não a ver há algum tempo, seja lá quem fosse.

Em qualquer caso, já tinha lido a maioria dos livros promissores sobre magia de Invocação que estavam disponíveis na biblioteca. Mas, para ser sincero, parecia que eu tinha chegado a um beco sem saída. Estudar sozinho não iria me levar mais longe ainda.

Foi Fitz quem acabou encontrando um caminho a se seguir.

— Rudeus, finalmente encontrei alguém!  uma pessoa aqui que também está pesquisando magia de Invocação em um nível avançado!

— Ooh! Sério?!

— Sim. Na verdade, descobri essa pessoa através do diretor e do vice-diretor  disse Fitz com um sorriso ligeiramente malicioso. — Quem você acha que é?

Bem, provavelmente não era um professor. Havia um punhado de outros alunos tentando aprender Invocação da melhor maneira que podiam, mas com certeza nenhum deles sabia nada mais do que feitiços Avançados, na melhor das hipóteses. Assim sendo, qual opção nos restava?

 Alguém da Guilda dos Magos, talvez…?  Não seria surpreendente se tivessem alguns especialistas no assunto em algum lugar. Algum de seus pesquisadores talvez estivesse pegando algumas instalações da escola emprestadas para conduzir os seus experimentos.

 Hmm, mais ou menos. Essa pessoa supostamente está classificada como rank A na Guilda.

— Uau…  Com base no que aprendi sobre a estrutura deles, um membro de rank A da Guilda dos Magos era o equivalente a um gerente de filial, enquanto ser classificado como S significava que fazia parte do grupo de liderança central. O Diretor Georg era um membro classificado como S, e o vice-diretor era classificado como B. — Isso não significa que está bem no topo da hierarquia?

— Sim. Isso é bem incrível, não acha?

Mesmo os membros de rank B tinham direito a algumas vantagens muito boas. Se quisesse, poderia abrir uma escola para magos em qualquer lugar que quisesse, e a Guilda oferecia apoio logístico e financeiro.

— Então… quem é?

— Bem, acho que você já conhece ao menos o nome…

Eu conhecia? Senti que me lembraria de alguém tão importante assim.

— Vamos lá, conte logo.

— Heheh. Então tá. Setestrelas Silente, da classe especial.

Ah. Agora faz sentido. Eu já tinha ouvido o nome, sim. E mais do que só o nome. Também tinha ouvido falar sobre as coisas que essa pessoa tinha conquistado nesta escola.

Em primeiro lugar, estavam as melhorias nos menus dos refeitórios. Cuidou de providenciar um suprimento regular de comida do Reino Asura, permitindo que usassem ingredientes que normalmente nunca seriam vistos nos Territórios Nortenhos. Além disso, apresentou ao mundo algo que chamaram de sopa de kerry, que supostamente era uma invenção própria. Era uma coisa feita ao cozinhar batatas, cenouras, cebolas e mais algumas coisas em uma panela, com uma complexa mistura de especiarias para dar mais sabor. Essa sopa grossa e de cor escura era comida com um pedaço de pão. Era, basicamente, curry. O sabor era bem diferente do curry que eu conhecia, é verdade, mas a ideia era bem semelhante.

Também foi Silente quem propôs nossos uniformes escolares oficiais. Parecia possuir conexões com designers e fabricantes de Asura, e providenciou para que tudo fosse criado por lá. A introdução de um uniforme universal permitiu à Universidade apresentar seu corpo discente como um grupo unificado e com um propósito em comum, em vez de uma caótica mistura de diferentes tribos e raças que ocupavam o mesmo campus. Isso serviu para melhorar significativamente a sua imagem pública.

Até os quadros-negros encontrados em todas as salas de aula foram uma de suas inovações. Escrever em uma superfície completamente preta com um pedacinho de calcário era um conceito bastante simples, mas os professores acharam isso bem útil.

Também existiam muitas outras melhorias que foram feitas por suas sugestões, só precisava procurá-las. Contribuiu de várias maneiras simples e sutis para a Universidade. Em reconhecimento a essas realizações, a Guilda dos Magos concedeu-lhe um alto posto em sua organização.

Com tudo isso dito… as suas “inovações” também eram muito familiares. Podiam até parecer conceitos novos para o povo deste mundo, mas não para mim. Eu podia até não ser a última bala do tambor, mas já tinha algumas suspeitas. Pensei que conhecia as origens de Silente.

Até este momento, porém, não tinha expressado as minhas suspeitas. Não sei por quê. Talvez eu quisesse acreditar que eu era especial. Talvez tivesse assumido que eu era totalmente único – a única pessoa neste mundo com memórias de um outro. Mas, claro, não havia nenhuma razão lógica para que fosse esse o caso.

Para ser honesto, fiquei com um pouco de medo da questão de Silente. Esperava evitar um encontro com essa pessoa. Não queria me encontrar com alguém que tivesse as mesmas vantagens que eu e as usasse de forma melhor. Fiquei com medo de que me perguntassem por que eu estava perdendo meu tempo com brincadeiras enquanto podia ter feito muito mais. Sabia que ouvir isso machucaria.

Mas quando ouvi Fitz falar o nome de Silente, logo decidi que a hora havia chegado.

— Entendido. Obrigado, Mestre Fitz. Vou ver se consigo me encontrar com essa pessoa.

Parando para pensar, provavelmente me tornei um pouco arrogante. Conquistei a lealdade de uma Criança Abençoada, derrotei as duas maiores delinquentes da escola, ganhei a simpatia do principal gênio local e até mesmo fiz amizade com um rei do Continente Demônio. Metade do corpo discente me olhava com admiração. Eu estava tentando não deixar isso subir à minha cabeça, mas acho que acabou acontecendo.

Mas ninguém poderia torcer o nariz para mim depois de tudo o que fiz, certo?


Descobri o paradeiro de Silente com o Vice-Diretor Jenius, não tive problema algum. A escola lhe havia concedido um laboratório, um que consistia de três enormes salas nos fundos do terceiro andar do prédio de pesquisas principal. Silente passava quase todo o tempo por lá, só saindo em ocasiões muito raras.

Decidi que seria bom ir sozinho em minha visita, por motivos os quais não tinha certeza. Levar Fitz comigo talvez fizesse mais sentido. Mas, de alguma forma, senti que precisava ir sozinho.

Parei diante da porta que levava aos seus aposentos para respirar bem fundo e tentar acalmar os meus nervos. Eu não me permitiria recuar, mesmo que Silente fosse o mesmo que eu.

Bati de leve na porta.

 Entre…

Havia um toque de irritação na voz que respondeu de dentro. Lentamente, empurrei a porta aberta.

O fundo da sala estava dominado por inúmeras pilhas espalhadas de livros e papéis. Instrumentos mágicos estranhos e de propósitos sombrios estavam por todos os cantos; pedras mágicas e cristais formavam montes gigantescos. Isso era um laboratório, claro.

Alguém se sentava bem ao fundo deste espaço desordenado. Quando se virou para mim, fiquei sem palavras.

 Ah… Nos encontramos de novo.

Era uma mulher. Uma mulher de cabelos negros.

Ela usava… algo de que me lembrava muito bem. Algo que nunca esquecerei.

Uma máscara toda branca, quase sem detalhes.

 Gyaaaaaaaaaaaaah!

Fugi da sala, gritando aterrorizado. Era a garota da máscara. Aquele que estava com Orsted. Eu não conseguia me lembrar do nome dela, mas lembrava muito bem de Orsted. Orsted! Por que Orsted?! Eu estava pronto para me encontrar com outra pessoa reencarnada, mas não com Orsted!

O terror que senti quando ele me matou voltou à tona. O medo com o qual fiquei quase entorpecido naqueles instantes finais me oprimiu. Senti a dor de quando ele esmagou os meus pulmões. Senti a impotência de vê-lo acabando com todos os meus ataques. Senti o choque dele perfurando o meu coração. Senti… o terror de encarar a morte de frente.

Tudo que consegui fazer foi fugir. E corri, e corri e corri. Eu não fazia a menor ideia de para onde estava indo.

Quando me virei, entretanto, encontrei a garota me seguindo. Não entendi o porquê. Eu não tinha acabado de fugir dela? Ela era tão rápida assim?

Claro que não era isso. Eu só fui lento. Mal tinha chegado a qualquer lugar, apesar do que a minha mente me dizia. Era só o meu coração que estava disparando a duzentos por hora.

Corri para ainda mais longe, desesperado e sem jeito. Até que tropecei e caí. Tropecei igualzinho um bêbado.

Eu tinha trabalhado tão duro nas minhas pernas para o caso de algo assim acontecer, mas não estavam cooperando comigo. Parecia quase que eu estava sonhando; minhas pernas balançavam sem força embaixo de mim com cada um dos meus passos.

Silente continuava no meu encalço. Enfrentei um Rei Demônio sem nem tremer, e ainda assim…

Olhei para o lance de escadas logo à frente. Fitz estava parado lá em baixo. Ele me ajudaria. Me tiraria dessa. Senti até que relaxei um pouco.

 Você não deveria gritar ao ver o rosto de alguém, sabe. Isso é um pouco rude.

Alguém deu um tapinha no meu ombro. Quando me virei, dei de cara com ela.

— Aheee!

Com um gritinho estranho, me contorci para trás, aterrorizado… e caí escada abaixo, ficando inconsciente de uma forma ligeiramente embaraçosa.


Alguém estava suavemente acariciando a minha cabeça. Isso era, por algum motivo, muito reconfortante. Parecia quase que as mãos estavam emitindo algum tipo de energia curativa.

Olhei para cima, só para ter certeza, e me deparei com o rosto do Mestre Fitz. Suas mãos estavam mais quentes do que eu esperava. Também eram estranhamente pequenas, macias e femininas.

Por nenhuma razão em particular, estendi a mão para pegar uma delas.

— Ah. Você acordou, Rudeus? Você realmente me preocupou, sabe, do nada caindo da escada.

 Eu estava tendo um sonho terrível… Uma mulher com uma máscara branca estava prestes a me matar.

— Err…  Fitz respondeu a isso com um sorrisinho estranho. Eu não sabia dizer o porquê.

Aliás, eu não sabia nem onde estava. Era óbvio que não se tratava do meu quarto nos dormitórios… ou mesmo os dormitórios, aliás. Entretanto, eu já conhecia o lugar. Havia camas formando uma fila atrás de Fitz…

Ah, certo. É a enfermaria.

Sentei e olhei lentamente ao redor do cômodo. O lugar parecia quase vazio, exceto por Fitz, eu e o curandeiro residente.

Virei um pouco mais a minha cabeça…

 Gaaaah!

Sim, ela também estava presente.

A mulher de máscara branca estava sentada do outro lado da minha cama.

Caí da cama e bati no chão com um baque doloroso. A mulher respondeu com um suspiro irritado.

— Mas que rude. Afinal, por que você tem tanto medo de mim? Da última vez eu salvei a sua vida, não foi? Ou… ah, espera. Você estava quase morto, não estava? Então acho que não deve lembrar.

Isso resolvia tudo. Definitivamente era ela. Essa era definitivamente a garota que estava viajando com Orsted.

 O… Onde está o Orsted?!

 Ele não está aqui  respondeu ela casualmente. — Ele é um homem muito ocupado, sabe.

Ele não está aqui? Sério? Tipo, sério, sério? Não era como se ela tivesse qualquer razão para mentir sobre isso, certo?

— E, de qualquer forma, eu não me preocuparia com ele. Ele não virá atrás de você nem tão cedo.

— “Tão cedo”? Isso significa que em algum momento ele vai voltar para me matar, ou o quê?

 Não acho que ele tenha planos de fazer isso… mas a possibilidade existe. Depende tudo de você.

Eu, no mínimo, ainda não seria assassinado. Assim que esse fato foi registrado, uma enorme onda de alívio tomou conta de mim. Acho que sempre tomei decisões muito precipitadas.

— Uh, não estou conseguindo entender muito bem o que está acontecendo aqui. Se importariam em explicar?  disse Fitz, coçando as orelhas incerto enquanto se virava de mim para a garota mascarada. — Em primeiro lugar, quem você é para o Rudeus?

— Somos completos estranhos  disse a garota mascarada sem se conter.

Fitz estufou as bochechas, irritado.

— Nunca vi Rudeus desse jeito por coisa nenhuma. Você com certeza fez algo com ele, não fez?

Seu tom estava estranhamente hostil. Ele estava idêntico a um veterano protetor intervindo para proteger seu indefeso amigo do primeiro ano. Honestamente, apreciei muito o seu apoio.

— Da última vez que nos encontramos, ele foi bastante espancado pelo Deus Dragão. Imagino que esteja se lembrando daquilo tudo.

— O Deus Dragão…? Uh, um dos Sete Grandes Poderes?

— Isso mesmo.

— Você é o Deus Dragão?

— Claro que não. Só viajamos juntos por algum tempo.

Respondendo às perguntas de Fitz em um tom desinteressado, a garota mascarada puxou o cabelo para trás com uma das mãos. Eu tinha acabado de notar, mas ela estava usando o uniforme da Universidade de Magia.

— Mesmo assim, devo admitir que não esperava te encontrar por aqui…  E então ela se virou para mim. Mesmo com a máscara, eu poderia dizer que estava me observando fixamente. — Mas essa talvez seja a natureza desta rota. Aquele encontro na Mandíbula Inferior do Wyrm Vermelho estabeleceu o acontecimento para que nos encontrássemos nesta escola.

Antes que eu pudesse tentar responder, a garota mascarada enfiou a mão na capa e puxou um pedaço de papel.

— Vou te fazer mais algumas perguntas. Responda honestamente, por favor.

Seu tom de repente se tornou tão imperativo que só engoli em seco e concordei com a cabeça.

— Em primeiro lugar, isso te parece familiar?

Peguei o papel que ela me entregou. Alguém escreveu as palavras “Shinohara Akito” e “Kuroki Satoshi” nele.

Em japonês.

Na mesma hora reconheci essas palavras como nomes. E, ao mesmo tempo, percebi que o meu palpite inicial estava correto.

 Em segundo lugar, você pode entender o que estou dizendo? Terceiro, qual destes dois é você?

Suas duas últimas perguntas também foram feitas em japonês. Não podia haver dúvidas a este respeito. Ela era exatamente como eu. Quanto aos nomes naquele pedaço de papel, porém, não significavam nada para mim. Hesitei por um momento. Mas já tinha me preparado para isso.

Lentamente, respondi em japonês:

— Não sou nenhum deles. Não reconheço esses nomes.

— Entendo. Mas você ao menos fala japonês.

— Huh?  disse Fitz, olhando confuso para o papel.  Qual… língua vocês dois estão falando? Rudeus?

— Nós dois viemos do mesmo lugar, isso é tudo  disse Silente calmamente.

— O quê? Isso não pode ser verdade!

Eu não tinha certeza do motivo de Fitz estar tão confiante quanto a isso, mas esse ponto não era importante no momento. Lentamente, ansiosamente, fiz a pergunta crucial.

— Então você é como eu?

Silente concordou.

— Isso mesmo. Fui jogada neste mundo do nada, sem qualquer aviso.

Enquanto falava, ela estendeu a mão e tirou a máscara. E ao ver o seu rosto, algo estalou dentro da minha cabeça.

Era a garota. A dos últimos momentos da minha outra vida. A jovem colegial que estava brigando com um garoto e quase foi atropelada por aquele caminhão. Ou, pelo menos, era alguém que se parecia exatamente com ela.

Eu tinha certeza disso, mas algo nisso tudo parecia um pouco estranho. Levei um momento para descobrir o porquê. Então percebi que seu rosto continuava exatamente o mesmo.

Quinze anos se passaram desde aquele dia, mas ela não parecia nada diferente. Isso era simplesmente bizarro. Ela não teria mudado pelo menos um pouco em todo esse tempo?

Não… espera. Por que ela parecia não ter mudado nada? Se tivesse reencarnado, deveria ter renascido em um corpo completamente novo, assim como eu.

Antes que eu pudesse perguntar qualquer coisa, ela respondeu às minhas perguntas de forma preventiva.

 Não sei como fui transportada para este mundo de pesadelos, mas por enquanto estou presa aqui.

Se ela tivesse sido transportada, nossas situações seriam bem diferentes. Eu havia reencarnado em um novo corpo, com apenas as minhas memórias intactas. Mas, a menos que eu estivesse entendendo mal, ela basicamente foi jogada nesse mundo, assim como estava – com o mesmo corpo, com a mesma idade.

 Meu nome é Nanahoshi Shizuka, e sou japonesa. Ultimamente tenho usado o nome Setestrelas Silente.

Confusão e dúvida rodaram em minha mente, se enredando em meus pensamentos até que não consegui pensar em uma única palavra para dizer. Mas meu silêncio não pareceu desencorajá-la.

 De onde você era, afinal? América? Ou talvez da Europa? Você obviamente é Caucasiano, mas fala japonês… algum dos seus pais é japonês? Ou você é um estrangeiro que vivia no Japão?

Senti que ela foi bem pontual com as suas perguntas, mas não estava em forma de responder. Minha língua estava completamente amarrada.

— De qualquer forma, este passo claramente é importante para seguir em frente. Eu estava certa em deixar você viver. Suspeitei de algo assim no mesmo momento em que Orsted disse que não te reconhecia.

A garota começou a falar mais rápido, havia até um toque de excitação na sua voz. Ela não parecia nem ter notado o fato de que eu estava aturdido.

— Bem, vamos ver se podemos encontrar uma maneira de trabalharmos juntos… Uhm, qual é o seu nome?

— R… Rudeus. Meu nome é Rudeus Greyrat.

— Esse é só o nome falso que você usa neste mundo, certo? Estou falando do seu nome verdadeiro.

Eu não queria dizer o nome que usava na minha vida anterior. Realmente, não queria nem um pouco.

Quando me calei, Nanahoshi assentiu de forma agradável.

 Ah, está tudo bem. Eu entendo. Você está desconfiando de mim, não é? Com certeza posso entender isso, especialmente depois do que aconteceu durante o nosso último encontro. Mas não se preocupe… estamos do mesmo lado.

 Ainda assim, até agora eu não tinha certeza de que havia mais gente como eu por aqui. Você é a primeira pessoa da Terra que encontrei neste mundo, sabe? Isso é meio reconfortante.

Nanahoshi estendeu a mão em minha direção. Fitz franziu a testa, mas ela nem pareceu notar.

— Vamos, juntos, encontrar um jeito de voltar para casa, tá?

De alguma forma, essas palavras cortaram por toda a confusão e incerteza em minha mente. Uma resposta clara e definitiva chegou à minha mente no mesmo instante: Não mesmo.

Empurrei a sua mão para o lado.

— Não quero voltar para aquele mundo nunca mais.

— Hã…?  Pela primeira vez em algum tempo, Nanahoshi ficou sem palavras.

— Uhm… Rudeus, Silente… vocês dois, por favor, podem falar em um idioma que eu possa entender?  Fitz, é claro, estava ainda mais perdido do que antes.

O clima na enfermaria de repente ficou extremamente estranho.


Comentários

5 2 votos
Avalie!
Se Inscrever
Notificar de
guest
3 Comentários
Mais recente
Mais Antigo Mais votado
Inline Feedbacks
Ver todos os comentários
Lucas BuenoD
Membro
Lucas Bueno
7 dias atrás

Fiquiei com mta dó da Sylphie nessa hora, coitada, os dois ignorando ela pra caralho KASKAKAKAKAKAKA

Cara de Óculos
Membro
Cara de Óculos
2 meses atrás

Voltar nem pelo caralho

Luiz Augusto Moreira coutinho
Visitante
Luiz Augusto Moreira coutinho
5 meses atrás

a elfa toda por fora

Opções

Não funciona com o modo escuro
Resetar