Falho. Tudo falho. Os humanos são falhos. Eles não conseguiam aceitar nenhuma forma de bênçãos que os Deuses lhes concedem.
O desejo dela, o desejo da Caos. Era tudo apenas um sonho que não deveria se realizar. Afinal, os que estavam tentando criar um mundo melhor não conseguiam imaginar um tempo sem conflito.
Se nenhum mal lhes acontecer, eles encontrarão maneiras de prejudicar os outros ou a si mesmos.
“Eles são, fundamentalmente, uma raça que não pode viver sem o conceito de mal”, Anima murmurou, enquanto as olheiras sob seus olhos só cresciam.
Ela estava cansada mentalmente. Ela havia vasculhado milhões de registros detalhando como a raça funcionava através de uma infinidade de cenários e eras, apenas para tudo terminar da mesma forma. Destruição pelas próprias mãos.
Se os Deuses os guiassem, o resultado seria apenas uma rebelião e o desrespeito pelas consequências.
Como ela sabia disso? Pela própria sociedade que ela criou desde o início. Ela lhes deu tudo o que pediram e, ainda assim, o resultado final foi o mesmo.
Ela estava cansada.
Como poderiam os mesmos humanos que a reverenciavam, os mesmos que chamavam seu nome com amor infinito, lançar maldições sobre ela como se ela fosse a fonte de toda sua desgraça? Tudo o que pediram para ser felizes, ela lhes concedeu.
Tudo! E, ainda assim, a amaldiçoam como a Deusa do Mal. A bruxa do pecado e da tentação. Alguns afirmaram que eram prisioneiros de sua criação, nascidos para sofrer por seu entretenimento.
Muitos disseram que ela não sentia amor nem os valorizava de forma alguma. Não viam tudo o que ela fizera por eles?
Retirando sua consciência da esfera, Anima olhou para ela friamente.
“É falho.”
Por que todo ciclo é assim? Não importa o que ela tentasse ou as condições que impusesse, nada mudava o resultado.
Seria tal sonho uma impossibilidade no final? Mesmo para seres divinos como eles?
Ela estava cansada.
Não havia mais esperança para esse ciclo que ela mesma criou. Os humanos neste reino escaparam para o mundo digital e lutaram uns contra os outros. Não mais olham para ela com esperança. Sempre que ela aparece, apenas nojo e repulsa podem ser sentidos.
Olhando para a esfera, os olhos de Anima ficaram frios. Um sentimento estranho surgiu em seu coração.
“Deveria simplesmente esmagá-los enquanto assistem? Deixar que saibam seu lugar.”
Sua respiração acelerou à medida que o pensamento distorcido se enterrou profundamente em sua mente. Enquanto sua mão lentamente se estendia, ela pensava em seu arrependimento ao ver seu mundo desmoronar, seus rogos e seu desespero. Para aqueles que não valorizaram o que tinham antes e a culparam por cada tragédia.
Se eles a culpavam pelas tragédias, então ela tornaria isso uma realidade. Faria com que assistissem enquanto tudo o que conheciam e prezavam se desmoronava diante deles.
Justo quando seu dedo tocou a superfície da esfera, ela agarrou seu próprio pulso e se deteve.
Respirando fundo várias vezes, ela cerrou os dentes e se sentou na cama.
“Isto está errado. Eles são apenas humanos. Caos já me disse que a raça deles não pode funcionar sem conflito e a vontade de buscar mais. Se eu tirar isso, eles simplesmente deixarão de funcionar como eu fiz aqui. Não é culpa deles, é minha, minha por ter criado uma realidade falha para eles”, Anima murmurou para si mesma, enquanto olhava para a esfera com pesar.
Se ela tivesse sido mais cuidadosa, não precisaria fazer o que estava prestes a fazer. Não precisaria apagar a vida deles. Como a pessoa que os criou, havia uma dor em seu coração. Se pudesse evitar, ela não os mataria.
Mas simplesmente deixá-los continuar nesse caminho de destruição seria cruel. Ela os exterminaria, os exterminaria de uma vez só. Para que nem soubessem o que estava acontecendo. Uma única luz ofuscante e tudo seria reduzido a nada. Essa era sua pena por eles, sua misericórdia.
Estalando os dedos, uma jaula apareceu ao redor da esfera, enquanto um flash de luz apagava o ciclo da existência.
Sentando-se em silêncio, Anima suspirou profundamente antes de olhar para a porta.
“Ah, certo, eu deveria ajudar com o Projeto Jardim real…”
Levantando-se, Anima se dirigiu aos laboratórios de testes, enquanto Shiro assistia em silêncio.
“Eu acho que estou começando a ver o quadro completo agora”, Shiro suspirou. Ela percebeu a fonte do tormento de Anima.
Ela havia adquirido um coração humano.
O tempo que passou como humana foi, para ser direto, um erro, se a Caos quisesse que Anima permanecesse como uma deusa.
Mas agora que ela aprendeu o coração humano e foi corrompida por certas almas, o que começou não podia mais ser parado.
Anima não podia mais assistir como uma terceira parte não envolvida sem sentir empatia pelos humanos, mesmo que a amaldiçoem. Isso a levaria a fazer coisas que nunca imaginou antes, e o que ela acabara de testemunhar era a prova disso.
Enquanto Anima voltava para o laboratório, ela viu Caos trabalhando em alguns novos ciclos com Aria e não pôde deixar de franzir a testa.
“Você deveria ter me avisado se íamos começar mais cedo”, Anima suspirou e coçou a cabeça.
“Nós avisamos, não foi? Você deveria descansar, irmã.” Aria perguntou com preocupação na voz.
Ver Anima reduzida a esse estado estava preocupante, especialmente porque parecia estar sendo mais afetada a cada dia que passava.
“Está tudo bem. Eu não preciso de mais descanso. Só quero ver o que vai dar no final desse projeto.” Anima balançou a cabeça enquanto olhava para Caos, que a observava em silêncio.
Depois de ficar em silêncio, Caos abriu a boca.
“Observe apenas hoje. Quero que veja o que tem te afetado”, Caos ordenou, e Anima arregalou os olhos.
“Mas-!”
“Sem ‘mas’. Apenas ouça o que estou dizendo. Passe o dia de hoje assistindo a mim e à sua irmã trabalharem, e quero que pense sobre o que mudou em você.” Caos balançou a cabeça.
Com Caos ordenando que ela apenas observasse, Anima não teve escolha a não ser balançar a cabeça, apesar de seus próprios pensamentos.
‘Se eu não as ajudar, eles nem mesmo vão dar uma chance ao indivíduo…’ Anima pensou, mordendo as unhas.
Assistir Caos usando o novo sistema que desenvolveu com Aria para destruir incontáveis ciclos sem sequer dar uma chance a eles fez a dor surgir no coração de Anima. Sua crueldade indiferente e as escolhas implacáveis.
Ela não conseguia aceitar esse tipo de experimento.
Justo quando pensava em se levantar para impedi-los, Caos a olhou com um olhar severo.
“Fique quieta e observe. Anima, não estou pedindo muito. Apenas observe e reflita sobre si mesma por enquanto.”
Com Caos reforçando sua posição, Anima apertou os punhos, mas permaneceu sentada.
Com o passar do tempo, Anima pôde apenas assistir enquanto continuavam a destruir milhões de ciclos sem se importar. Quando todos os experimentos do dia terminaram, Caos instruiu Aria a deixar as duas sozinhas por enquanto.
Balbuciando uma concordância relutante, Aria olhou uma última vez na direção de Anima antes de sair da sala.
“Você sabe por que eu pedi para você apenas observar?” Caos perguntou enquanto se sentava ao lado de Anima.
“Porque você percebeu as mudanças em mim?”
“Parcialmente. É porque você está muito apegada a cada ciclo.” Caos balançou a cabeça.
Com um gesto, ela criou um novo ciclo com indiferença e, antes que pudesse começar, ela o destruiu com a mão.
Ao ver isso, Anima arregalou os olhos, surpresa, pois ela não deu uma chance sequer, nem hesitou.
“Você está se apegando demais a cada ciclo que fazemos. Se você se sobrecarregar aceitando cada ciclo, você vai sofrer. Como seres superiores que podem criar isso a qualquer momento, nosso papel é não nos apegar demais. Devemos tratar cada ciclo com justiça e honestidade”, Caos instruiu, enquanto Anima cerrava os dentes.
“Mas e o potencial deles?! Eu vi acontecer, os indivíduos que buscam mudar o mundo! Se apenas olharmos para o mundo de longe, sem nos importar com os detalhes, nenhum dos ciclos será bem-sucedido!” Anima se exaltou, enquanto Caos a observava em silêncio e balançava a cabeça.
“Precisamos dar a eles uma chance! Uma chance para se provarem. Alguns vão florescer em ambientes ligeiramente diferentes. Se pudermos apenas-“
“Você está ouvindo o que está dizendo, Anima?” Caos a interrompeu, enquanto Anima parecia cada vez mais desequilibrada com o passar do tempo.
“Isso não é você se apegando demais a eles? Eles são seres inferiores, Anima. Não somos como eles, você precisa se lembrar disso. Eles são inerentemente falhos. Se é impossível criar um mundo para esses seres, isso não é um problema para nós.” Caos tentou explicar, mas algo estalou dentro de Anima.
As vidas deles, seus objetivos e suas esperanças. Mesmo pessoas bondosas como Aaron não eram uma preocupação para os seres superiores. Eles são falhos, e assim Caos não tinha expectativas. Tudo isso para satisfazer sua própria curiosidade.
“Eu entendo… Eles são falhos”, Anima murmurou, sentindo-se vazia de força.
“Sim, você entende?” Caos franziu as sobrancelhas enquanto Anima balançava a cabeça lentamente.
“Não, eu entendi o suficiente.” Anima suspirou.
Ela estava cansada.
“Vamos tentar um último experimento então…” Anima se levantou e explodiu em risos.
“O que?”
Olhando para as costas de Anima, um pressentimento ruim tomou conta do coração de Caos. Como se algo terrível estivesse prestes a acontecer.