Karakhum, o maior guerreiro dos orcs, franziu o cenho ao observar Airen. Para ele, o humano era muito estranho. Apesar de possuir uma espada impressionante, como nunca havia sido vista antes, e de ter alcançado o nível de mestre espadachim, mesmo que recentemente, o orc acreditava que o jovem tinha uma mente fraca e não esperava muito dele.
Mas o que era aquilo agora? O jovem pálido e de mente frágil não estava mais ali. Em seu lugar, estava um verdadeiro ‘mestre espadachim’, emanando uma aura feroz como metal aquecido. Karakhum não conseguia compreender aquele adversário.
Intrigado, o orc estendeu sua mão esquerda para o lado.
Então, o martelo que ele havia lançado contra o líder dos bandidos retornou à sua mão.
Airen ficou surpreso. Ele havia ouvido de Brett que alguns guerreiros conseguiam mover objetos à distância, como magos ou feiticeiros. Brett também dissera que isso exigia uma utilização de aura altamente avançada. Para que uma aura materializada fosse poderosa o suficiente para puxar um objeto, era necessário um foco e força imensos.
“Talvez ele tenha usado elementalismo”, Airen pensou.
Tudo aconteceu tão rápido que Airen não conseguiu confirmar. Mas, de qualquer forma, tinha certeza de que estava diante de um orc extremamente poderoso. Não tinha chance de vencê-lo naquele momento, mas precisava lutar. E, na sensação eletrizante da batalha, Airen exalou profundamente enquanto Karakhum lançava o martelo.
O pedaço de metal voou em sua direção em uma velocidade tremenda, cortando o ar. Airen baixou o equilíbrio, colocando uma mão no cabo da espada e outra no lado plano da lâmina, como se fosse um escudo.
Ele não fugiu nem tentou evitar o golpe. Enfrentou-o de frente, o que fez Karakhum rir.
“Que imprudência.”
Karakhum não conhecia o potencial completo do adversário, mas isso não importava. Ele havia colocado força suficiente no ataque para garantir que seu oponente não pudesse defendê-lo. Era óbvio que o golpe causaria danos ao jovem. O orc posicionou os pés, preparado para o inevitável, planejava avançar e desferir o golpe final assim que o martelo o atingisse.
Foi então que o inesperado aconteceu. O martelo foi lançado para o céu ao mesmo tempo em que Airen era empurrado para trás. O jovem franziu o rosto de dor enquanto deixava um rastro no chão, mas foi só isso. Karakhum ficou impressionado ao ver seu adversário resistir com segurança ao ataque.
“Como ele está usando a técnica da nossa tribo?”
O humano usava a Arte dos Cinco, a técnica única da tribo Durcali, que combinava elementalismo e utilização de aura. Airen havia utilizado a técnica defensiva do elemento ferro, que endurecia o corpo como aço. Claro, os humanos também possuíam técnicas semelhantes; o uso extremo do ‘fortalecimento’, uma das seis etapas da utilização da aura, alcançava efeito similar. Mas…
“Não era só isso. Ele está usando o elemento ferro.”
Não parecia que o jovem havia aprendido a técnica formalmente. Ele parecia simplesmente utilizar a energia que carregava dentro de si há muito tempo. Isso deixou Karakhum ainda mais perplexo. Após refletir sobre diversos pensamentos em um curto instante, o orc ficou sério e já estava sobre o adversário, desferindo um golpe com seu machado.
— Hah!
A força que esmagara o líder dos bandidos foi lançada sobre Airen. Era um ataque aterrorizante. Airen utilizou as técnicas defensivas que aprendera com Brett, mas ainda assim sentiu como se sua mão fosse se partir de dor. Contudo, ele não caiu. Aguentou o máximo que pôde e se lembrou de sua luta na Terra da Provação.
“Preciso esperar pela minha chance!”
Isso acontecera não apenas contra Illia. Ele precisou manter-se vigilante na Academia de Esgrima Krono, no mundo da feitiçaria e em tudo o que aconteceu depois. A espada de Airen, desde que se tornara adulto, possuía algo mais: resiliência. Mas ele sabia que não conseguiria superar tudo apenas com vontade. Alguns feiticeiros podiam criar milagres a partir disso, mas Airen era mais espadachim do que feiticeiro. Ele não contava com sorte em momentos de dificuldade. Airen persistia, não por sorte ou magia, mas pelo esforço e habilidade que havia cultivado como espadachim.
Isso brilhava como uma joia.
“Impressionante.”
Ele golpeou, e golpeou novamente. Karakhum, que atacava obsessivamente o lado direito de Airen como um lenhador cortando uma árvore, começou a se impressionar. O orc passou a apreciar o modo como o jovem resistia aos seus ataques, mesmo com dor. O humano já não parecia tão extraordinário, mas isso não importava. Karakhum sentia o esforço e a determinação em cada movimento da espada e em cada passo de Airen. Ele começou a atacá-lo de maneiras diferentes, um sorriso surgindo em seu rosto, como se tivesse encontrado um jovem talentoso em sua tribo.
O que este homem faria se eu atacasse assim? Ele ainda se defenderia se eu atacasse daquela maneira? Com o passar do tempo, os golpes de Karakhum mudaram. Ainda eram ferozes, mas não mais cruéis. Seus ataques tornaram-se gentis, como os de um professor rigoroso ensinando um prodígio. Isso, por sua vez, preparava Airen para alcançar um estágio mais elevado. Mas aquilo não poderia continuar para sempre.
“Que pena.”
Ironicamente, Karakhum sentia-se desapontado com o iminente fim daquela luta. A quanto tempo ele não lutava com tanto prazer, além de seus duelos com seu segundo filho, Tarakhan? Não conseguia se lembrar. Ele havia permanecido sozinho em seu trono por muito tempo. Embora tivesse abdicado do papel de chefe, ainda era um líder, e, como grande guerreiro, cada uma de suas ações representava os orcs. Era um fardo pesado.
“Mas é um fardo que devo carregar.”
Karakhum estreitou os olhos ao perceber novamente o peso de sua responsabilidade. Airen, notando a mudança em sua atitude, recuou de imediato. Esse movimento não condizia com o estilo de espada de Airen, que normalmente envolvia proteger seu território. Karakhum assentiu levemente. O jovem era inexperiente e desajeitado, mas tinha sentidos aguçados. O orc ficou sério e murmurou em sua mente:
“Mostrarei misericórdia. Parta em silêncio.”
Depois disso, Karakhum avançou com uma velocidade impressionante, balançando seu enorme machado como se estivesse cortando uma montanha. Seu alvo não era Airen, mas a espada. O golpe atingiu a lâmina dourada com força total.
— Hmm?
Algo inesperado aconteceu. O ataque de Karakhum lançou a espada larga longe sem encontrar resistência. Ele ficou curioso. Talvez o jovem tivesse feito a escolha certa, pois segurar a espada poderia ter rasgado suas mãos ou até mesmo arrancado seus braços. Mas Karakhum não esperava que o jovem simplesmente largasse a arma. E não parou por aí. O rapaz assumiu uma postura como se ainda segurasse a espada e a balançou no ar. Enquanto Karakhum estreitava os olhos, tentando entender o movimento estranho, algo incrível aconteceu: a espada larga, que havia sido lançada ao longe, reapareceu nas mãos de Airen.
Karakhum sentiu frustração pela primeira vez na luta e rapidamente recuperou seu machado. Ele não podia enfrentar diretamente a Aura da Espada de um mestre com sua armadura, mas, por estar desequilibrado, foi forçado a se desviar para a direita.
— Argh!
Karakhum mal conseguiu se manter em pé, abrindo sua base para não cair. Contudo, não era o fim. Com seus sentidos aguçados, percebeu outros inimigos igualmente fortes se aproximando.
A espadachim de cabelos vermelhos avançava como uma chama ardente, enquanto outro espadachim movia-se ao redor dela, fluido como água, atacando com precisão. Por último, a espadachim de cabelos prateados, também uma mestre, atacava com maestria. Os quatro espadachins altamente habilidosos cercaram Karakhum, atacando de todas as direções. O grande guerreiro de Durcali os observou por um momento antes de soltar um rugido que parecia dividir o céu e a terra.
— Aaah!
Em uma recuperação impressionante, Karakhum pisou com força no chão, espalhando uma onda de choque ao seu redor. O impacto destruiu o solo, levantando-o e lançando os quatro aprendizes de Krono para trás.
— Argh!
— Ah!
— Ugh…!
O ataque foi tão grandioso que parecia mítico, deixando os quatro espantados. Mas ainda não havia acabado.
— Nnnggh!
Um calor escaldante começou a emanar do chão, e lava fluiu pelas rachaduras que se espalhavam. Karakhum recuperou o martelo que Airen havia lançado anteriormente e fundiu-o ao machado, transformando-o em um machado de lâminas duplas. A arma agora simbolizava o poder opressor de Karakhum, deixando os quatro espadachins visivelmente tensos. O grande guerreiro e elementalista então se dirigiu a eles.
— Reconheço que vocês são guerreiros incríveis, dignos de minha seriedade.
— Não consigo identificar a idade dos humanos, mas vocês parecem muito jovens. Khubaru, quantos anos eles têm? — perguntou Karakhum ao filho.
— Eles têm cerca de vinte anos, pai…
— Muito mais jovens do que eu pensava. Não, deveria dizer que são quase como crianças. Hmph…
Karakhum suspirou. Seu hálito ardente carregava emoções diversas: decepção, vergonha, alegria e outras mais. Então, ele voltou a falar.
— Partam.
— Não direi mais nada. Levem Khubaru e vão.
Ao pisar novamente no chão, as rachaduras se expandiram, e a lava borbulhou ainda mais, ameaçando romper a superfície. Brett, Illia, Airen e até Judith, que estavam ansiosos para continuar lutando, não ousaram avançar. Não tinham escolha senão recuar. Mas nem todos o fizeram.
A gata preta voou casualmente até eles, destoando completamente da atmosfera séria. Ela pousou levemente em um pedaço de terra sem lava, mas, apesar de sua postura relaxada, estava nervosa. Lulu então levantou uma das patas dianteiras e apontou para Karakhum.
— Você.
— Vou te dar umas palmadas.
Karakhum ficou sem palavras. Ver uma gata voadora e falante já era suficientemente chocante, mas o animal ainda o repreendia! O mais estranho era que aquilo não parecia engraçado. O orc franziu a testa, tentando entender a situação, mas Lulu interpretou isso como um desafio. Assim, a gata preta assentiu com olhos furiosos, voou para o alto, deu três voltas no ar e começou a brilhar intensamente.