Após a plenária ser concluída, Roland dispensou os funcionários, mas pediu a Barov para permanecer no salão. O Príncipe, então, disse ao seu Primeiro Ministro:
— Você também deve ter percebido que estamos precisando urgentemente de pessoas para trabalhar nos laboratórios químicos. Além disso, eu também pretendo começar a produção de sabão e perfume em larga escala, e precisaremos de muito mais pessoas. Só que a maioria das pessoas da vila só irá concluir a educação básica daqui a um ano, pior que isso, mesmo que fossem se formar agora, seriam em torno de seiscentas a setecentas pessoas, o que ainda é insuficiente. Eu preciso de mais.
— Podemos recrutar algumas pessoas de Forte Can…
— Não. — Roland o interrompeu — No próximo ano, depois que Vila Fronteiriça elevar seu status para uma cidade, Forte Cancioneiro e Vila Fronteiriça serão unidos em uma só entidade. Então, seria como tirar dinheiro de um bolso e colocar no outro. Precisamos de pessoas que estejam fora da Região Oeste.
— Isso… — Barov parecia um tanto preocupado e logo sugeriu — Vossa Alteza, acho que essa não seria uma boa ideia para resolver o problema. Se formos recrutar pessoas de outras regiões, os Lordes locais definitivamente não ficarão de braços cruzados vendo seu povo indo embora.
— Mas não precisamos recrutar as pessoas diretamente nas cidades. — Roland disse, então ele mergulhou o dedo na água gelada do copo, que estava em cima da mesa, e começou a desenhar alguns pontos que simbolizavam as regiões de Castelo Cinza — Não sei se você notou, mas desde o fim dos Meses dos Demônios, o Reino de Castelo Cinza esteve em constantes guerras. Timothy lançou vários ataques à Região Sul, resultando na destruição da Cidade Águia e deixando as cidades e as vilas próximas bastante prejudicadas. Também houve a subjugação da Região Norte, onde eles tiraram as terras e o título do Duque Ise. E, por último, também teve o ataque pelas águas na Região Leste. — Ele bateu com o dedo molhado indicando o que seria a parte leste do Reino de Castelo Cinza, deixando outra marca d’água — Isso impactou o Condado de Ventomar, Valência e Castelo do Corvo, além de todas as vilas pequenas nos arredores. Apenas olhando para a imensa quantidade de pessoas que fugiram para a capital do reino, você já pode ver o quanto isso afetou a população de Castelo Cinza.
— Então, o senhor está dizendo que… — Barov revelou uma expressão pensativa.
— Devemos divulgar as notícias sobre a Região Oeste nesses lugares. — O Príncipe limpou as marcas d’água na mesa e explicou com mais detalhes a Barov — Durante os últimos seis meses, somente a Região Oeste não foi manchada pelas chamas da guerra, e também não houve recrutamentos forçados. Timothy até mesmo drogou seu exército com as pílulas da Igreja para atacar seus inimigos, então ele definitivamente continuará com isso, recrutando mais pessoas de cada região ou até mesmo forçando-as a se integrarem à sua força militar. A morte pode bater na porta de qualquer uma dessas pessoas a qualquer momento, e é exatamente por isso que iremos divulgar, que o único lugar em que elas podem encontrar paz e estabilidade é a Região Oeste.
— Entendi. — Barov disse depois de ponderar por algum momento — O senhor planeja atrair essas pessoas com a promessa de paz e segurança, prometendo abrigo, comida e trabalho, não é?
— Quase. — Roland disse com um sorriso e assentiu com satisfação para a mente rápida e esperta de Barov — Mais do que isso, você também precisa destacar os excelentes pagamentos e condições que provemos para as pessoas alfabetizadas. Eu acredito que isso irá atrair alguns cavaleiros e nobres que precisam de dinheiro para nossa Região Oeste.
A maioria das aldeias e vilas pertencia aos nobres menores. Não importava o quão estéril fossem as terras ou o quão mal eles as administrassem, durante os tempos de paz, eles sempre teriam o suficiente para sobreviver. Entretanto, a história seria outra em tempos de guerra, onde o caos impactava severamente a população. Em tempos como este, se houvesse um destino estável e pacífico para eles, seria realmente algo tentador e chamativo. Mesmo que não tivesse alguém para vigiar suas terras e proteger dos invasores, eles viriam mesmo assim e esperariam até o fim da guerra para só então voltarem e recuperarem o que possivelmente lhes fora roubado.
O único problema que Roland encontrou era como operacionalizar esse tipo de propaganda, então ele decidiu deixar isso para Barov.
— Mas, Vossa Majestade, nós gastaremos muito dinheiro para atrair essas pessoas e ajudá-las a virem para cá, fora que ainda temos que comprar os grãos excedentes dos servos. Se algo inesperado ocorrer com o negócio que temos com Margaret, os cofres do governo ficarão vazios. — Barov disse, após hesitar por um momento.
— Humm. Eu entendo a sua preocupação. — Roland tocou o queixo enquanto pensava que, como um líder, ele deveria dar prioridade para construir seu prestígio e autoridade entre a população, evitando situações que pudessem destruir a sua imagem — Bem, já que este é o caso, você pode voltar a fazer o seu trabalho habitual por enquanto. Iniciaremos a campanha assim que conseguirmos o dinheiro necessário. Acredito que já teremos o suficiente com a próxima caravana que virá.
— Sim, Vossa Alteza. — Barov disse com a mão no peito.
Afinal, se algo como a falência dos cofres ocorresse, sua reputação como um líder seria manchada.
Depois de conversar com Barov, Roland foi direto para o seu escritório, visando projetar o pedido feito por Margaret, que envolvia o balão de hidrogênio.
Cada balão seria vendido por mil peças de ouro, o dobro do preço do motor a vapor, e com um custo mais baixo. O balão seria pintado por Soraya, e as outras partes, tais como a cesta de bambu e as cordas de cânhamo eram bens baratos e acessíveis. Roland havia desenvolvido um protótipo simples e testado no jardim. Era um balão de hidrogênio que poderia carregar Raio e Maggie juntas e continuar subindo.
Depois de fazer diversas considerações, Roland finalmente decidiu abandonar a ideia que envolvia o balão de ar quente movido a gás de carvão mineral. O equipamento necessário ocuparia muito espaço, e a obtenção de gás seria extremamente problemática. Mais ainda, ele precisaria comprar carvão mineral de outras cidades, e sua produção em pequena escala seria extremamente desvantajosa. O hidrogênio era mais fácil de fabricar e também era mais barato, sendo a opção mais viável.
O revestimento do balão era flexível e aquoso, tão leve quanto o próprio ar. Na fase de experimentos, um grande papel foi pintado com o revestimento de Soraya. Após os testes, provou-se ser à prova d’água e de fogo. Maggie também ajudou nos testes, se transformado em diversos tipos de aves para colidir e bicar o balão, mas não conseguiu fazer um furo ou rasgo sequer. Somente algo afiado de ferro poderia causar algum dano nesse tecido de 1 milímetro de espessura. Devido à sua leveza, um balão de hidrogênio com cinco metros de diâmetro já poderia levar um adulto ao céu.
O problema restante era como reabastecer o cilindro de alta pressão que armazenava o hidrogênio.
Já que uma máquina de corrente contínua usada na eletrólise da água era o suficiente para produzir hidrogênio para todos os balões, Roland decidiu que não iria vendê-la para ninguém, pois isso geraria mais receita para a vila. Para isso dar certo, ele pelo menos precisaria prover os cilindros de alta pressão para seus clientes, a fim de reabastecê-los.
Com a ajuda de Anna, ele podia ter qualquer cilindro que quisesse. Mesmo que ele usasse ferro gusa ou ferro fundido como matéria-prima, ele poderia pedir para Anna aumentar a espessura do cilindro durante a fabricação, corrigindo facilmente o problema que envolvia a qualidade dos materiais. Entretanto, ao pensar no processo de recarga, Roland percebeu que o problema era um pouco mais complexo. Em seu antigo mundo, os cilindros de alta pressão tinham uma pressão interna de 20 MPa, e era impossível enchê-los com uma bomba normal. Para encher esses cilindros, também era necessário ter uma bomba de alta pressão.
Havia dois tipos de bombas de ar de alta pressão, a bomba de pistão e a turbobomba. A bomba de pistão imitava o funcionamento de uma máquina de combustão interna, enquanto a turbobomba[1] era como se fosse uma turbina. Ambos requeriam muito tempo e energia para o desenvolvimento e fabricação, e, devido à urgência, Roland precisava de algo mais simples. Após um tempo considerando as possibilidades, ele chegou em uma solução no final da tarde: produção imediata de hidrogênio.
Antes de chegar neste mundo, ele ouviu sobre uma notícia a respeito de um erro que um vendedor de balões cometeu, culminando em uma explosão. Por erro de cálculo, ele havia colocado ácido sulfúrico diluído e alumínio dentro de um cilindro usado para armazenar gás liquefeito, com o intuito de produzir hidrogênio. A reação ocorre quando o ácido sulfúrico entra em contato com o alumínio, produzindo sulfato de alumínio aquoso e hidrogênio gasoso[2]. Só que para seu azar, a pressão interna do cilindro chegou em níveis alarmantes e explodiu. Logo, a maneira mais prática de produzir hidrogênio dentro do tanque era colocar ácido sulfúrico e algum metal de alta reatividade.
Geralmente, dentre os metais de maior reatividade, os laboratórios usavam o zinco, enquanto o alumínio era o metal que produzia a maior quantidade de hidrogênio. Entretanto, nesta era, ele ainda não havia encontrado esses metais. Por isso, Roland decidiu usar o ferro, que poderia ser obtido com a ajuda da habilidade de Lucia. O problema da baixa velocidade de reação à temperatura ambiente poderia ser resolvido usando alguma fonte de calor ou ampliando a superfície de contato.
A forma mais fácil que Roland encontrou de aumentar a superfície de contato dos reagentes foi utilizar pedaços pequenos de ferro ou o próprio pó de ferro. Para completar, ele poderia pedir a Soraya para produzir um revestimento que pudesse resistir ao efeito de corrosão do ácido sulfúrico.
Com o plano já decidido, Roland esboçou um desenho do cilindro novo no papel. Para evitar vazamentos, o cilindro deveria ser integralmente moldado, compondo uma única estrutura na parte que iria armazenar as substâncias, deixando somente um buraco para pôr os reagentes, sendo posteriormente fechado com uma válvula rosqueada.
Depois de colocar os reagentes dentro do reservatório e parafusar a válvula, o gás produzido ficaria preso, aumentando a pressão interna em níveis impressionantes. Tudo seria muito fácil de usar, de modo que os clientes só precisariam abrir a válvula para inflar o balão com hidrogênio. O problema do reabastecimento também estaria resolvido, já que ele só precisaria remover a válvula, limpar os cristais de sulfato ferroso e secar o tanque antes de colocar o metal e o ácido novamente.
Considerando que o ácido sulfúrico diluído era um produto “alquímico”, Roland poderia estipular um preço bastante alto para reabastecer os tanques.
Acho que vou cobrar cinquenta peças de ouro, e a cada dez reabastecimentos o cliente recebe um grátis. — Roland pensou.
[1] Uma turbobomba é uma bomba propelente com dois componentes principais: uma bomba rotodinâmica e uma turbina a gás de acionamento, geralmente ambas montadas no mesmo eixo, ou às vezes engrenadas juntas.
[2] A reação é bem simples:
H2SO4(aq) + Fe(s) → FeSO4(aq) + H2(g)